Cigarra, a “revista mundana ilustrada”
A revista Cigarra foi lançada em novembro de 1928, ano de muita agitação e fatos importantes para a historiografi a norte-rio-grandense. O quinto e último número circulou em março de 1929. As páginas dessa publicação retratavam determinados momentos da história, como a inauguração do estádio de futebol Juvenal Lamartine, entre outros eventos sociais.
A publicação tinha, como diretor, o jornalista Aderbal de França; como secretário, Edgar Barbosa; e, como gerente, Ademar Medeiros. Sua redação ficava situada na avenida Tavares de Lyra, nº 57, na Ribeira, bairro histórico da cidade de Natal.
Em levantamento preliminar, observamos que os assuntos abordados na revista giravam em torno da economia, política, sociedade e literatura. No tocante aos gêneros jornalísticos, identifi camos notícias, artigos e crônicas. Era uma publicação mensal e suas capas foram desenhadas pelo cartunista Erasmo Xavier.
A publicação teve boa aceitação pelos leitores e sua repercussão foi registrada pela imprensa natalense daquela época. Cartas e comentários foram enviados à redação da revista.
A revista teve diversos colaboradores. Entre eles: Edgar Barbosa, Oscar Wanderley, Lauro Pinto, Luís da Câmara Cascudo, Ewerton Cortez, Damasceno Bezerra, Palmyra Wanderley e o poeta potiguar de importância nacional, Jorge Fernandes.
A Cigarra abarcava as características progressistas que a cidade e o país estavam presenciando: os aviões que iam e vinham; a moda de Paris; a presença da feminista Bertha Lutz; e, na arte, a desconstrução da métrica e da rima na literatura, e das formas perfeitas nas artes plásticas. O objetivo era “construir uma nova forma de expressão, e assim o modernismo, mesmo que cheio de incongruências ideológicas conseguiu seus adeptos no país e na cidade. A revista proporcionava esse tom futurista sendo, então, a revista moderna de Natal”.
CIRCULAÇÃO
A revista Cigarra, que teve uma breve publicação entre os anos de 1928 – 1930, resultando em cinco exemplares. A revista social, editada com muito esmero por Aderbal França, se destaca pela quantidade de fotografias e reportagens que têm como o tema central à própria sociedade natalense.
A Cigarra circulou na capital potiguar entre os anos de 1928 e 1929. O seu público era a alta sociedade, e ela trazia notícias, literatura, desenhos e fotografias, numa época em que a fotografia era recurso de luxo nas publicações. Acompanhava os eventos das famílias importantes da cidade, os personagens de relevo social e as manifestações da vida moderna (máquinas, costumes, indumentária) da cidade de Natal no período em que Juvenal Lamartine de Faria foi o governador do estado, ou seja, entre os anos 1928 e 1930
O ritmo que comandava as construções e a implantação de cada tijolo em Natal era o ritmo frenético do consumo, não só de novos objetos, mas de novos valores contidos neles, como também de novos padrões de comportamentos. É o ritmo da ultima moda de chapéus em Paris, divulgada nas páginas da Cigarra (revista natalense da década de 1920), e da propaganda que enaltece a elegância dos trajes estrangeiros, principalmente o inglês, exigida pelo cidadão natalense,
Consumir charutos, desfilar com vestimentas de ótima qualidade estrangeira (sapatos, camisas, calças, ternos, chapéus, vestidos), além de acessórios (brincos, colares, anéis, relógios, entre outros), não era apenas uma forma de demonstração de forte poder aquisitivo, mas demonstrava o ideal de se estar vivendo efetivamente dentro de uma capital, moderna e civilizada, na qual as pessoas necessitam de regras e códigos particulares de um ambiente urbano. Pois consumir um produto estrangeiro, significa aprender usá-lo da maneira correta, significa apreender novos valores, os quais irão compor os anseios e os desejos daqueles que sonham a cidade moderna e civilizada.
LANÇAMENTO
Cigarra, a “revista mundana ilustrada”, denominação registrada por Manoel Rodrigues de Melo, surge, no final da década de 20, como “uma grande novidade”. A denominação mundana diz respeito ao comprometimento da revista com os acontecimentos da vida social, destituído, pois, de uma significação pejorativa.
Em torno de sua publicação foi criada uma expectativa de se ter, no cenário potiguar, a presença de uma revista capaz de cantar “bem alto as belezas e as doçuras” da terra norte-rio-grandense, uma vez que essa aparece numa das “fases mais movimentadas da vida social e intelectual da cidade” (MELO, 1987, p. 113). Os sinais das repercussões da revista, no meio natalense, são visíveis no jornal A República, que publica diversos artigos como “Natal vai ter uma revista mundana”(jun. 1928), “Qual o nome que deverá ter a nova revista?”(ago. 1928), “A Nova Revista”(ago. 1928), “CIGARRA – Circulará hoje à tarde o primeiro número” (nov. 1928), “CIGARRA – O grande sucesso da revista” (nov. 1928).
Cigarra teve, para escolha de seu nome, um concurso realizado com repercussão fora das fronteiras do estado, vindo indicações de São Paulo, Pernambuco e Paraíba. Concorreram nomes de referência regional – Potyguarania[1][1] (479 votos), Romã (127 votos), Porangaba (124 votos) Nordestina (48 votos), Potyguara (39 votos), Primavera (31 votos), Revista Nordestina (12 votos) Potyra (5 votos) – e outros voltados para o moderno – Kodak (382 votos), Garota (105 votos) Atlantida (24 votos), e Leader (11 votos).
No texto editorial da revista n° 1, o diretor de Cigarra, Adherbal França, dirigindo-se ao leitor, tem o cuidado de mostrar as dificuldades a serem enfrentadas por um periódico de sua natureza e o objetivo desta revista que surgiu, naquele momento, como uma grande novidade:
Aqui está nas mãos do leitor, uma revista mundana (…). Trata de tudo quanto queiram e possa ser lido. (…) não pretende grandes coisas, mas seguirá o traço para a conquista (…) da simpatia de todos (…) Cigarra teve origem numa idéia melhor do que se está vendo. Mas, infelizmente, apesar dos aviões, os clichês ainda gastam muitos meses para a travessia Rio-Natal. Cigarra pode ser o que quiserem, menos a imitação da fábula do francês ilustre e engenhoso, feio como os mais feios (…). Cigarra esta aqui. Que seja julgada.
Opinando sobre diversos temas, o cronista colaborador da revista “mundana ilustrada” compactua com os ideais desta no desejo de seguir “o traçado para a conquista de um tesouro, que não é difícil nem fácil de ser conquistado – a simpatia de todos que nesta terra não tinham até agora uma revista para distrair os olhos” (Editorial de Cig., ano I, n° 1). A crônica, emoldurada por comentários mundanos, políticos, econômicos e sociais, aparece aqui como uma função expressiva do ecletismo a que se propõe cantar a “revista mundana”.
PUBLICAÇÕES
Editada em apenas cinco números, o primeiro datando de novembro de 1928 e o último número de março de 1930. Sobre o ano de circulação de Cigarra (1929-1930), há uma incompatibilidade no registro de data que aparece na página editorial do n° 05 da revista – na qual , de forma rasurada, consta março de 929 (?) – e a data de publicação do n° 04 que data de agosto de 1929; fato que nos leva a crer que o quinto número é de março de 1930, ao invés de março de 1929, como registram as referências feitas por outros estudos sobre o período de circulação de tal revista, a exemplo de MELO (1987) e ARAÚJO (1995), dentre outros.
A Cigarra (RN) aparece como espelho de seu tempo – precisou voar muito para ter parte de seus clichês confeccionados no Rio de Janeiro e em Recife, onde o progresso tecnológico já se fazia promissor. Contudo, voltou e cantou, aos poucos, em suas páginas, a modernização que chegava e contracenava com a vida provinciana local. Ela própria é a expressão do que veicula: a revista enquanto uma mercadoria que tem preço, para um público consumidor bem mais vasto e misto, diferente de Letras Novas e Nossa Terra… Outras Terras… confeccionadas para um grupo mais restrito e seletivo.
Externando um traço singular, Cigarra – que teve sua redação instalada na Av. Tavares de Lyra, n° 57, Natal, com corpo redacional formado por Adherbal França (diretor), Edgar Barbosa (secretário), e Ademar Medeiros (gerente) – traz o colorido como um traço inovador, dando à capa a feição de um “cartão-de-visita” para um cenário de matérias mistas. Enquanto elemento de capa, toma destaque o nome da revista que aparece em posição e formato diferente em cada número: no n° 1, o nome aparece em letras grandes de cor azul num fundo branco, de forma linear e horizontal, centralizado no alto da página; no n° 2, sai em letras grandes e cheias de cor preta num fundo verde, no lado direito do alto da página; no n° 3, a letra c de Cigarra aparece maior que as outras letras do nome, todas em formato cheio, cor preta e num fundo vermelho, no alto e centro da página; no n° 4, o nome aparece em forma circular, em letras menores e delimitadas por uma estrutura circular de fundo branco, no alto e lado esquerdo da página; e no n° 5, o nome vem em letras cheias de cor preta, num fundo branco, posicionada no alto e lado direito da página. Toda essa movimentação expressa pelo nome da revista já pressupõe uma atitude de dinamismo que se estenderá pela forma e conteúdo do material nela impresso, funcionando enquanto traço inovador de uma visão moderna, em que diferentes modos de expressão tendem a captar as mudanças do meio social e cultural de então.
Cigarra traz como ilustração de capa, na qualidade de pano de fundo para seu título (onde contracenam ainda a indicação do ano e do número de publicação) as ilustrações do desenhista Erasmo Xavier: na capa n° 1, têm-se aviões e caravelas, num fundo vermelho; na n° 2, o índio e a vegetação nativa de cor verde, num fundo preto; o n° 3, a imagem da mulher “Miss” (rainha da beleza), tomando destaque o vermelho e o preto, num fundo de tom vermelho claro; no n° 4, traços geométricos de uma cidade moderna contracenando com a figura de um zepelim/aeronave, nas cores contrastantes do preto, branco e verde; e no n° 5, por meio do preto, vermelho e branco, projeta-se a temática do amor na figura de um cupido e de um tipo/humano, num jogo de traços geométricos. Observa-se que “estilo e tema” destas ilustrações de capa se projetam dentro de uma expressividade muito mais significativa do que um simples pano de fundo. O colorido e o discurso, que tais ilustrações propõem, colocam em evidência o desejo de estar em sintonia com os ideais de uma estética modernista. Vê-se, na linguagem gráfico-visual projetada, um domínio consciente do efeito potencializador da modernização.
ERASMO XAVIER
Este artista é considerado um percursor do modernismo no Rio Grande do Norte. Nascido em Natal, em 1904, ele já era famoso no Rio de Janeiro, mas aqui acabou desenhando as capas da Revista Cigarra quando retornou para viver no Rio Grande do Norte, em 1928, para tratar de uma tuberculose, que acabou ceifando sua vida com apenas 26 anos. A revista durou cinco edições e todas as capas foram desenhadas pelo cartunista. No Rio de Janeiro, Xavier desenhou para revistas importantes como Malho e O Cruzeiro.
As gravuras da revista Cigarra e são de provável autoria dos artistas potiguares Adriel Lopes e/ou Erasmo Xavier, responsáveis pela ilustração do periódico potiguar. Todas as capas da Cigarra foram assinadas por Erasmo Xavier, que apesar de nascido no Rio Grande do Norte residia na Capital Federal, onde já nos anos 1920 era um artista modernista renomado, tendo publicado seus desenhos em editoriais de circulação nacional como a famosa revista carioca O Malho. Junto com o editor da revista, Aderbal França, Erasmo Xavier se engajou em reproduzir no periódico natalense Cigarra toda a experiência da vida moderna que havia experimentado no Rio de Janeiro: AS NOSSAS illustrações. A Cigarra, Natal, ano. 1. n. 1, p. 11. nov. 1928; A NOSSA capa. A Cigarra, Natal, ano. 1 n. 1, p. 13, nov. 1928; SANTOS, Tarcisio Gurgel dos. Belle Époque na esquina: O que passou na República das Letras Potiguares. 2006. 259 f. Tese (Doutorado em Letras)- Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, [2006]. p. 216-218.
O desenhista oficial de Cigarra, Erasmo Xavier, nasceu em Natal/RN (31 de out. de 1904), e foi para o Rio de Janeiro em 1917. No Rio, trabalhou para jornais e revistas, como O Malho, Fon-Fon, Careta e Tico-Tico. Ficou conhecido pelos seus trabalhos de desenhos e caricaturas. No ano de 1928, Erasmo voltou a Natal para tratar-se de tuberculose, quando passou a colaborar na revista natalense, vindo a falecer em 1930 (Cf. CARDOSO, 1989). Quanto ao trabalho de capa esboçado para Cigarra, o artista potiguar articulou, na forma, temas correntes, a exemplo da expressão do passado e do presente, enquanto fato de uma sociedade em processo de modernização (rev. n° 1); o elemento primitivo, o índio, articulador dos ideais de uma identidade nacional, do discurso da “brasilidade” (rev. n° 2); além de outros assuntos postulados de atualidade como a mulher (rev. n° 3), o desenvolvimento urbano (rev. n° 4), a sedução amorosa (rev. n° 5). Todos esses temas se mostram funcionando, já na capa, como elementos delineadores das discussões postas por seus colaboradores.
“Erasmo Xavier não era apenas modernista, no que se referia ao modernismo engendrado e articulado no Brasil, mas talvez um dos precursores do construtivismo no país. Esta corrente, o construtivismo, foi fundada na Rússia nos anos 20 e 30 por Alexander Rodchenko, que além de artista gráfico era também pintor abstrato, fotógrafo, escultor, arquiteto e designer. Após a Revolução Russa, Rodchenko fez várias capas importantes para os principais jornais e revistas bolcheviques na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, além de ser responsável pelos museus e escolas de arte daquele país. Como a sua arte era engajada, Rodchenko influenciou vários artistas mundo afora” (NEVES, 2020).
Uma das características que saltam aos olhos neste periódico é a fartura de ilustrações e fotografias. Há uma média de 15 ilustrações por número, acompanhando textos de propagandas, crônicas, poemas e outros. Porém, na posição de vedete, quem fica mesmo é a fotografia: aparecem em torno de 48, 55, 62, 128, 125 fotos – colocados aqui de forma respectiva à ordem numérica das edições. Quanto às ilustrações (na sua maioria de Erasmo Xavier), observa-se o vínculo de cumplicidade destas com textos escritos, ou seja, a relação entre ícone/desenho e texto se dá num nível muito próximo em que a imagem visual concretiza, completa e adiciona a mensagem, para uma determinada leitura; ao passo que o arranjo cenográfico dado às fotografias parece não ter seguido, em todos os casos, um critério que as mantivesse dentro de uma relação direta entre foto e texto escrito. A exemplo disso, tem-se o artigo “Esportes” (Cig., 3) acompanhado, na página, das fotografias de crianças (uma, trazendo a referência de aplicado aluno do Colégio “Pedro II” de Natal, e a outra, sobre a primeira comunhão de filhos de um cidadão natalense). Esse descompasso entre texto escrito e fotografia, mais do que uma tomada brusca da atenção do leitor que, antes de ler o texto, lança um olhar sobre a imagem, funciona, estrategicamente, como um meio de proporcionar diversas leituras num mesmo espaço, deixando a impressão de que, por mais simples que seja o conteúdo da fotografia, esta é tão significante, dentro de um determinado contexto, quanto o texto escrito (notícia, crônica, poesia, etc.) com o qual o espaço da revista é dividido.
Na edição do dia quatro de abril de 1948, do Diário de Natal, última fase da coluna Acta Diurna, dezoito anos depois de sua morte, a 23 de abril de 1930, aos 25 anos, vítima da tuberculose, Câmara Cascudo homenageou o jovem de traço “fino e elegante, “sabedor do equilíbrio e da ciência da cor, de inspiração modernista”. E descreve o delírio final do artista como se pintasse um grande cenário, depoimento que ouviu do futuro escritor Nunes Pereira, amigo de Erasmo Xavier, e que assistiu aos seus últimos instantes de vida. Eis a Acta Diurna escrita por Cascudo e publicada há 74 anos.
Erasmo Xavier
Há dezoito anos passados falecia nesta cidade do Natal um jovem desenhista de talento, Erasmo Xavier de Paula.
Lembro muito esse desenhista de grandes olhos negros, vivaz, lépido, alegre como uma andorinha, cheio de sonhos e de planos, andando depressa, sempre armado com sua Kodak, batendo “instantâneos”, encantado com a vida, com a luz, com a natureza.
Aderbal de França dirigia uma revista elegante, A Cigarra, que voou e cantou cinco vezes em 1929. Era cheia de fotografias, os contos e colaborações ilustradas. Cada número teve capa exterior com alegoria onde vivem elementos da paisagem ambiente, sugestiva, leve, original. Todos esses desenhos eram de Erasmo Xavier.
No Rio de Janeiro trabalhava para os jornais e revistas, tendo não apenas mercado para a sua produção mas a simpatia e admiração e procura dos editores.
Tinha um traço fino, airoso, de suprema elegância com um alto senso decorativo e ornamental. Era um sabedor de equilíbrio e da ciência da cor. Sabia colorir, combinando, ajustando os efeitos, contrastes, complementos, antagonismos.
Adoecendo, Erasmo veio para Natal, descansar, retemperar-se, trabalhar num ritmo menos vivo. Aderbal de França ensaiava A Cigarra. Erasmo ficou imediatamente solidário. Foi o ilustrador dessa linda revista, ilustrador dedicado, teimoso no auxílio enamorado da tarefa que escolhera.
Num Carnaval encarregou-se do salão do Aero Clube e encantou-o. Pela inspiração modernista, pelo arrojo das cores, pela disposição das massas, pelo inusitado do conjunto, o trabalho era magistral. Ninguém o superou. Mas o desenhista, decorador, viveu depressa. A reserva vital esgotava-se como um comburente precioso e rápido na queima orgânica para manter a chama mais alta e luminosa.
Na agonia Erasmo apenas via cores, movimentos, leis, princípios estéticos. Nunes Pereira dizia-me que o jovem desenhista falava, entrando para a morte: – Este vermelho não arde como devia, é preciso um azul claro, doce, esses verdes estão desmaiados, esse amarelo deve ser ouro vivo… (Diário de Natal – 04.05.48)
Devia estar diante de uma imensa tela, do tamanho do firmamento, riscando, marcando o quadro, tendo uma estrela em cada mão.
Morreu a 23 de abril de 1930. Em outubro completaria vinte e seis anos …
FOTOGRAFIAS
Os 418 registros fotográficos, distribuídos nos cinco números da revista, mostram o interesse em trazer ao leitor um álbum da vida atual da cidade do Natal e de outras regiões, além de revelarem o nível de adesão do periódico à técnica da modernidade – fotografar – que se impunha enquanto reprodução que tende a “despojar o objeto de seu véu, destruir sua aura” (BENJAMIN, 1983), tornando-o o mais próximo possível do sujeito leitor, dispensando a escrita em função do efeito visual. Por ser um texto de caráter autônomo, por si só a fotografia carrega um traço ideológico nestes periódicos: mostra a cara dos dominantes, que de certa forma reitera a condição de leitores/eleitores.
Se por um lado, notícias e artigos aparecem dividindo páginas com fotos que não mantêm nenhuma relação direta com estes – como fotografias de crianças, jovens, senhoras, homens, dentre outros registros; neste ponto, tornando-se igual à estratégia adotada por Letras Novas para suas capas (fotografias de personalidades de destaque no meio social) – por outro lado, a exclusividade fotográfica relega, muitas das vezes, o texto escrito a segundo plano, pois é comum aparecerem imagens tomando a página inteira com pequenas informações às margens. Essa “bricolagem fotográfica”, contudo, adquire uma significante força expressiva na revista: de forma atual e concreta, pela imagem visual, de caráter cenográfico, Cigarra oferece possibilidades para uma leitura da história de um grupo social e de uma época. Compondo a estrutura desse “monopólio fotográfico”, encontram-se as notícias sobre a aviação, o voto feminino no Rio Grande do Norte, festas matutas, concursos de danças, arquiteturas de Natal, crianças natalenses, concurso para “Miss Brasil”, “Inauguração do Aero Club” (clube de consórcios da aviação), festas de carnaval, o lazer nas praias de Natal, “A aviação no interior do estado”, o futebol em Natal, missão científica no interior do estado, “Inauguração do Estádio Juvenal Lamartine”, instantâneos do dia do lançamento de Cigarra, festas familiares, festas pela publicação de livros, obras de construção de açudes e pontes no interior do estado, inauguração de casas de saúde, festas pela vitória do futebol natalense em relação a outro estado, registro de desastres de aviões dentro e fora do estado, eventos de casamento, turma concluinte de colégios natalenses, eventos da Semana da Educação em Natal, o projeto do plano de sistematização da cidade de Natal, festas de caridade, registro da chegada do Ministro da Marinha a Natal e eventos do dia 7 de setembro, entre outros. Tais registros formam um verdadeiro espelho/arquivo da história social, política, econômica e cultural do estado naquele momento. Pela quantidade de registros fotográficos, Cigarra parece querer sugerir que havia um clima de dinamismo e transformação num ambiente que aos poucos se modernizava.
NOTÍCIAS
Ao lado desse arsenal fotográfico distribuído na revista, aparece um grande número de notas dotadas de comentários e notícias de fatos ocorridos no estado e em outras regiões. Nos cinco números da revista (de quantidade diferenciada para cada número), aparecem em torno de 10 a 30 notas de caráter noticioso, a exemplo das notas sobre a aviação no estado, açudes da região, o concurso de Miss, a moda no exterior etc., e outras essencialmente formuladas num tom comentarista. Para estas últimas, Cigarra traz, nas primeiras páginas, a seção fixa intitulada “Comentários”, onde aparece uma série de pequenos textos que vêm a ser uma amostra do que acontece. Alguns destes textos, pois, fazem da revista uma vitrine da modernização social do estado. Dentre eles, sirvam de exemplo “O banditismo nos sertões” (Cig., 1) – sobre os esforços para o seu combate; “Berta Lutz” (Cig., 1) – a visita da feminista ao estado; “Evolução política” (Cig., 1) – avanços no ambiente político, industrial e financeiro do governo Juvenal Lamartine; “Meios de transporte” (Cig., 1) – avanços no sistema de transporte e movimento comercial no estado; “Urbanismo natalense” (Cig., 2) – a modernização urbana de Natal; “A aviação do estado” (Cig., 3) – a atuação do estado a favor da aviação; “Actividade construtora” (Cig., 5) – a expansão de Natal, colocando-a no plano das capitais brasileiras que compreenderam o futuro da pátria.
Uma outra seção fixa que chama a atenção neste periódico é “De toda parte”, aparecendo do segundo número em diante. Seus textos destinam-se a assuntos internacionais, trazendo informações aos leitores do tipo: “A casa dos estudantes em Paris”, “a industria do chapheo” (Inglaterra/França/Alemanha), “os olhos de Gibbson” (Londres), “A semana do livro” (Madrid),”O Palacio de Bellas Artes em Bruxelas”, “O ultra modernismo de Shaw”, “O museu de Ford”, “A biblioteca de Neuton”, dentre outros textos que, de certo modo, vêm demarcar o lado “internacionalista” da revista, extrapolando, pois, os limites territoriais do estado e do país.
DISCURSO ARTÍTICO-LITERÁRIO
Todo esse cuidado com a manutenção de um expressivo status cenográfico, ao lado de publicidades, notícias e comentários, não fez, entretanto, com que seus organizadores deixassem de promover o discurso artístico-literário. Assim como nas demais revistas literárias, encontra-se um número expressivo de contos, crônicas e poemas na revista natalense. Dentro da categoria do conto temos “As quatro paredes” (Henrique Roldão, rev. n° 1), em que aparece a trama de casamentos arranjados; “Sugestões do silêncio” (João Maria Furtado, rev. n° 1), que traz a descrição da solidão e saudade de um “eu” frente a um retrato; “Nocturno” (Lauro Pinto, rev. n° 1), narrativa mesclada por traços mitológicos do espírito draquiano (Drácula), assumidos na figura de um personagem de atitudes e desejos obscuros, perversos e noturnos; “Travessuras de Lolita” (Adherbal França, rev. n° 2), que narra as alternativas encontradas por um profissional bem sucedido para salvar seu casamento; “A morte do pequenino…” (Cesar de Castro, rev. n° 2), narrativa curta caracterizando a extensão de um amor que morre numa manhã, em “berço pequenino”; “O Serão” (Joffely Filho, rev. n° 3), que tematiza o reencontro e o amor de dois jovens, antigos amigos de infância; “O Agente n° 192” (Erasmo Xavier, rev. n° 5), que traz como temática a falsificação de identidade como saída para certas situações; e “O Sussuarapa” (Totó Rodrigues, rev. n° 5), que narra tramas envolvidas nas caçadas, frente a um misto de superstições e religiosidade.
Quanto ao tema, observa-se que os contos não se prendem a problemáticas estritamente regionais. Seus conteúdos ornamentam-se de questões que, ainda que partam de um dado singular, se generalizam em problemáticas sociais, afetivas e emocionais comuns que se enquadram num esforço de serem ecos de uma realidade. Assim também caracterizam-se os dois registros textuais de feição teatral presentes na revista, “Corações arranha céos” e Quasi um filme americano…”, do escritor Virgilio Trindade.
Por sua vez, a crônica aparece como carro-chefe da prosa impressa em Cigarra. Uma rápida passagem pelos títulos que lhes nomeiam já nos indica a diversidade de assuntos que aparecem como motivo de reflexão para essa categoria textual. É perceptível já nos títulos a maleabilidade da atividade cronista presente nesta revista. Aspecto talvez resultante da proposta de sensibilizar e oferecer ao leitor múltiplas reflexões, conforme se observa nos títulos a seguir: na revista n° 1, “Vestir-se será um prazer?” (Maria Eugenia Celso), “O Engano da peste” (Virgilio Trindade), “Morenas” (Danilo, pseud. de Adherbal França), “Surge et ambula” (Edgar Barbosa); na revista n° 2, “Alegorias de um sonho numa taça de champagne” (Octacilio Alecrim), “Mlle. Semifusa” (Adherbal França), “Seduzidos…” (Edgar Barbosa), “Baile de Ideas” (J.M.Furtado); na revista n° 3, “Seductoras…” (Danilo), “Vícios e virtudes” (Edgar Barbosa), “Da graça e da belleza” (O. Wanderley), “Revoadas de Cigarras” (Octacilio Alecrim), “Domingo de Paschoa” (Oscar Wanderley), “A tua belleza” (Adherbal França), “Arvore amiga” (Alberto Carrilho), “Jenet” (Lauro Pinto); na revista n° 4, “Mangabeiras” (Jorge Fernandes), “O Caminho velho do sertão” (João do Norte), “A revolta do mar” (Garibaldi Dantas), “Areia Preta..” (Danilo), “Escamoteadoras de destinos” (Jayme dos Guimarães Wanderley), “Miss Sensibilidade” (J. M. Furtado), “Indiscreções” (Octacilio Alecrim) “A morte de uma saudade” (Edgar Barbosa), “O que valem as mães” (Adherbal França), “Variações sobre o amor” (Consuelo Andrade de Lima), “Louvação de uma noite matuta – Cabloca Bonita” (Octacilio Alecrim),”O suave remédio” (Venancio São Thyago),”Minha Mãe! Minha Amiga!” (Joffely Filho); na revista n° 5, “Mascaras e Mascaras” (Coelho Lisbôa), “Minha cidade morta” (Edgar Barbosa), “Potengy” (Jorge Fernandes), “Domingos” e “Scena modderna” (João M. Furtado), “Infelicidade” (Cyrano), “Sonhos do futuro” (Ewerton Cortez), “As arvores da avenida” (O. Wanderley), “Carnaval que ficou” (Adherbal França), “Tragédia” (Virgílio Trindade), “Um sorriso e um olhar” (Cyrano), “Miss…” (Danilo), “A Cruz do Tabuleiro” (Affonso Bezerra).
Os poemas caracterizam-se, em vista de uma leitura mais imediata, dentro de dois campos: uns portam títulos que mantêm uma expressiva relação com o conteúdo neles articulado, de forma que o leitor já adquire algumas possibilidades de leitura, e outros que, apesar de não serem desvinculados do corpo do poema, camuflam uma significação mais concreta e aguçam a curiosidade do leitor para descobrir o conteúdo daquilo que nomeiam. Dentro da primeira caracterização, estão os poemas: “Visão consoladora”(Clovis Andrade), “Cigarra” (Hermes Fontes), “As Borboletas” (Othoniel Meneses), “Poemas de Engenho” (Jayme Wanderley), “O Ninho” (Stella Camara), “Innocencia” (Lourdes Cid), “Natal Trabalhando”(Zauro Pinto), “A Minha Bandeira”(Carolina Wanderley), “São João no tempo de minhas calças curtas”(Lauro Pinto), “Mãe” (Castello Branco de Almeida) etc. Já para a segunda caracterização, encontram-se os poemas: “Papoula”(Rodolpho Machado), “P’ra ganhar castanhas” (Jorge Fernandes), “Homenagem” (Joaquim Moura), “No furdunço da caêra” (Xavier de Araújo), “Galeria Americana”(Fréde), entre outros. Em meio a uma composição poética que prima por uma estrutura ora de soneto, ora pela composição mais livre de versos e rimas, aparece ainda a forma poética de traços referentes à literatura de cordel como “Desafio”(Z. Ballos). Logo, torna-se perceptível que Cigarra desejou ser e efetivamente foi um lugar onde possibilidades variadas de cultura tiveram voz.
FUNDADOR
Aderbal de França nasceu em Natal, em 05/01/1895 e faleceu em 25/05/1974. Estudou Medicina no Rio de Janeiro, quando foi Secretário do Senador Eloy de Souza, mas não concluiu sua formação, voltando para Natal para se dedicar ao Jornalismo. Foi fundador da Revista “’Cigarra’, primeira Revista dedicada à vida em sociedade (1928-30), e do jornal ‘O Diário’ (1939)”. Este último foi adquirido pelos Diários Associados, passando a se chamar “Diário de Natal”, cujo título mantém até os dias de hoje. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi Correspondente da Agência Nacional (Cardoso, 2000).
Não está esgotada a discussão, mas apenas fica revelado um pouco da cidade do Natal da II Guerra Mundial, através do olhar de Danilo, cognome de Aderbal de França, considerado como pioneiro da Crônica Social no Jornalismo Norte-rio-grandense (Cardoso, 2000). Ele que foi um homem ligado à atividade jornalística por opção, que ocupou Cargos como o de Diretor e de Editor-Chefe do Jornal “A República”, e que escreveu sobre o cotidiano da cidade durante quarenta e dois anos, em uma coluna diária que era nomeada segundo o conteúdo escrito.
As Crônicas de Danilo, além de serem reveladoras, podem também ajudar a pensar a Cidade. No primeiro momento, manifestavam regogizo pelo seu crescimento, progresso e modernidade: festejavam as novidades e a prosperidade; para, em seguida, demonstrar surpresa e suspeição pelas mudanças, tornando-se quase alheias às notícias veiculadas pelo mesmo Jornal, relacionadas às inaugurações de abrigos anti-aéreos, aos treinamentos de defesa e aos exercícios de black-out.
PROPAGANDA
Em Natal, uma parte das elites exigiam que a cidade apresentasse esses aparatos modernos, para que a capital do Estado consumisse também as novidades consumidas, com todo glamour, nos grandes centros do mundo. A reforma do porto e a ampliação das linhas férreas além de auxiliar a escoação da produção agrícola do interior do estado, também foram definidores no aumento do consumo de mercadorias importadas, como máquinas de costura, gramofones, alimentos industrializados, pianos, automóveis, vestimentas, livros e revistas. Esses produtos entravam na cidade de Natal com uma crescente frequência, vindos estados do sul, ou diretamente da Europa (Os produtos importados apontados foram citados com base nos anúncios publicitários da revista Cigarra.).
A revista Cigarra apresenta-se com fotografias da cidade, de festas e de momentos de lazer; anúncios de eletrodomésticos e artigos da moda; contos e poemas. A literatura se mostrou como caminho para captar as sensibilidades relativas à cidade moderna. O processo de modernização da cidade e da vida urbana foram inspiradores para a produção literária dos que testemunharam a época e registraram em suas obras as características da vida na cidade de Natal.
No século XX, com o crescimento da grande imprensa e o aumento de leitores, as mulheres passaram a ter colunas em jornais destinadas a elas. Destacam-se também revistas como a Fon-Fon e Cigarra que embora não fossem apenas destinadas ao público feminino, traziam informações dirigidas às mulheres.
Só no início da década de 1920 podemos perceber a presença maior de mulheres em espaços de interação social como os cafés, por exemplo, essas mulheres foram fotografadas pelo fotógrafo da Revista Cigarra. As fotos representam mulheres quando essas estavam em clubes e cafés desacompanhadas de seus maridos.
Para este fim, as propagandas publicadas no jornal “A Republica” e revista “Cigarra” foram analisadas e interpretadas num primeiro momento. Nesse
sentido, buscou-se identificar as percepções e as representações feitas sobre os automóveis em Natal, relacionando-os com os desejos vividos por parte da população natalense durante esse período.
Em matéria trazida pela revista “Cigarra”, as ações do prefeito de Natal eram exaltadas com entusiasmo, realizando medidas que contemplavam a inserção do automóvel na cidade, como já salientado: o calçamento das ruas, corroborando com a ideia de que Natal modernizava-se:
A nossa capital moderniza-se com uma elegancia singular. As nossas avenidas, ponteadas quando em vez por lindos jardins, são expressões maravilhosas de um progresso incansavel. Tendo á frente dos seus destinos um prefeito moço que não desanima e não cança, Natal vae se enlarguecendo e projectando cada vez mais na atividade contemporanea. Omar O’ Grady comprehendeu desde cedo que Natal, essencialmente educada, necessitava de um calçamento melhor e mais adequado ao transito constante dos automoveis. Assim, desde logo foram calçados os trechos mais importantes da capital. Hoje Natal rivalisa com qualquer cidade do nordeste […] (CIGARRA, Natal, n°4. 1929).
SOCIABILIDADES
As sociabilidades ocorridas nas viagens de bonde foram motivo de conto publicado na revista Cigarra por Danilo, intitulado “MIIe. Paragon”. No conto, o autor imaginou uma situação vivida em movimento, numa viagem de bonde a caminho do bairro Tirol. O título do conto é o apelido de uma personagem, uma das passageiras da viagem, que se tornou o centro do diálogo entre dois conhecidos durante o curso do bonde:
Quando o Bonde parou diante de nós, Octacílio estendeu a vista, indiferente, pelos passageiros distrahidos ou enfadados iam caminho do Tyrol. E me puxando pelo braço:
– Você está vendo aquella, alli no terceiro banco? – Linda! Está olhando para você… Lembro-me que a vi hontem na Areia Preta.
E Octacílio continuou:
– E’ sempre assim quando me encontra. Já tivemos um bom flirt… Mas a propósito: você conhece mademoiselle Paragon?
– Que pilheria!
– Mora numa rua cortando a estrada do Tyrol. E’ uma criatura adoravel, por sua belleza e seu espirito irriquieto. Dezoito annos de enthusiasmo e de ilusões. Uma das mais encantadoras esperanças que me deram momentos agradáveis. Gosta de dançar como toda moça elegante e gosta talvez demais… E’ doidinha por chá dançante ou um baile no Aero Club. Intelligente, graciosa, bem educada. Tem porem, um ar de impressionante ingenuidade. Ahi está quem sabe? Uma grande e perigosa arma nos amores… Lembro-me della com ternura e com maldade.
Certa noite, noite clara de verão, conversava commigo, muito contente, muito bonita, quando se afastou bruscamente para o interior do jardim, olhando inqueita o relogio de ouro que nunca sahia do seu pulso. E fallou apressada:
Olhe meu bem, é o papae que vem ahi. Vá embora. Até amanhã… Sim? Vá depressa.
Fiquei de longe, desconfiado olhando o portão de ferro que a luz clara da luz destacava. Mas não vi entrar o tal papae!… Trez minutos mais a linda tyrolense, no seu vestido de georgette branco reapparecia para conversar no mesmo lugar…
– Sempre tivesse sorte…
– Para conversar com outro… Ella conversava com diversos namorados em horas mathematicamentes differentes! Namorava com minutos contados. Dedicava o tempo restante dos chás para os admiradores impertinentes de sua graça e da sua belleza de dezoitos annos.
– E quem lhe deu esse apellido?
– Um namorado, por despeito e que ainda hoje morre de amores quando a vê…
Mas o gracejo venceu.
– E que tem aquella pequena com essa historia?
– Que é a mesma pequena…
– Linda, meu caro, lindíssima a sua Mlle. Paragon… (DANILO. MIIe. Paragon. Cigarra, 1928.).
Em um poemeto de Aberlado Mattos, publicado na revista Cigarra em 10 de dezembro de 1928, intitulado “Poemetos da desolação”, o autor escreve sobre aflições que ele compara a uma “noite sem fim”. Somente com uma ida ao cinema é que ele consegue acalmar a sua angústia.
Tenho soffrido tanto pela vida afora.
Que a vida para mim
É como uma noite immensa,
Noite sem fim,
Sem lugar da crença
Que as almas revigora.
Sol da illusão, cheio de amor e crença,
Que eu vivo a imaginar!
Quando virás afugentar
A immensidade desta noite immensa?
Enojado de vêr a todo o instante
E em toda parte o fingimento,
Entrei um dia num cinema
Em busca de divertimento.
E morreu o meu nojo suffocante
E a alma sentiu-se mais desconfranjida
Pois encontrára menos fingimento
Nessa força continua muda e extrema
Do que na vida… (MATTOS, Aberlado. Poemetos da desolação, Cigarra, ano 2, 10 de dezembro de 1928.).
Do mesmo modo aparecem os personagens do poema Nocturno, do jovem escritor Lauro Pinto, publicado na revista Cigarra em 1928279. O texto reconstitui os hábitos de um homem que ama a noite, cuja vida só começa quando o sol se põe, momento em que prefere ficar em casa na companhia de sua coruja, de sua victrola e da própria residência,
(…) A casa vive constantemente fechada, porque odeio o sol, e principalmente o dia. Só gosto da noite; quando o maldito astro ardente desapparece no horizonte começo a viver.
(…) tenho em casa uma companheira, sem a qual era-me difícil suportar a vida. Roubei-a quando ainda nova.
É linda. Tem olhos grandes e tristes… adoro-a, como adoro a noite.
Ella vive feliz junto a mim, e tem o mesmo genio que o meu. Quando vem a noite, ella começa a cantar maravilhosamente.
A minha companheira é uma Coruja.
A casa também gosta de mim e de minha coruja; tanto assim, que quando, às vezes, abro a porta á noite, ella geme vagarosamente. É o cantico da porta. Adoro tambem esta casa.
Nas noites bem escuras, sinto-me immensamente feliz. (…) ponho na victrola o único disco que tenho em casa: o “Funeral de Chopin”; e, então, fico ouvindo.
Afinal chega a minha vez; a victrola e a Coruja ficam me ouvindo. Fico inspirado nestes momentos, e canto, com uma voz terrivelmente roucas, musicas desconhecidas que terminam sempre por um longo grito de dôr, horrivel, espectral!
Assim, vou vivendo magnificamente, os meus dias.(…) (PINTO, Lauro. Nocturno. Cigarra, 1928.).
O abat-jour, por exemplo, foi personagem coadjuvante numa crônica da J. M. Furtado, intitulada “Sugestões do silencio” e publicada na revista Cigarra, em 1928. Na imaginação do escritor o “abat-jour aviva ao redor uma claridade de sonho…”, iluminando o amor, a moldura, a imagem, a saudade.
No ambiente vieux-rose do seu appartement, a luz do abat-jour . tranquila e suave canta em surdina a canção da luz, no silencio cheio dela…
O seu retrato, diante d’ele, sorri…
O abat-jour multicor côa atravez da seda que o envolve um leve clarão melancolico. Espalhando ao redor uma dança de sombrinhas, esquisito fox-trot de fantoches impalpaveis…
Elle olha-a com ternura sorrindo dentro da moldura…
Olha-a devotamente como numa prece….
Beija-a nos olhos sem vida, docemente…
Na bocca sem calor longamente…
E sonha que ella repousa em seus braços…
O abat-jour aviva ao redor uma claridade de sonhos…
Olha-a nos olhos immortaes para seu sonho, na bocca maravilhosa para seu beijo…
O silencio vive do sorriso daquela bocca maravilhosa… o silencio e sua ilusão…
Chama-a pelo nome adorado…
Abre os braços num gesto examine, no ar, e os braços lhe doem de apertar a sua saudade…
A sombra desce na luz que agoniza. Lá fora o vento é um lamento. Na sua imensa saudade, ou delirio divino de sua ilusão, é ella como o resquicio luminoso do abatjou que elle vê e sente ao redor de si.
ROTISSERIE NATAL
Rotisserie Natal, restaurante situado à Avenida Tavares de Lira, nº. 20, que recebia a nata da sociedade natalense, entre eles jornalistas, políticos e comerciantes, para reuniões sociais, oferecendo a seus clientes queijos, presuntos, bebidas nacionais e estrangeiras. Esse estabelecimento era qualificado como elegante e civilizado, pois estava dentro dos padrões de estética e progresso pretendidos pelas elites da capital potiguar.
A Rotisserie Natal era um espaço de sociabilidade que possuía dimensões amplas, iluminação elétrica, diferenciando-se de construções de tetos baixos, com pequenos cômodos e iluminados a lampião. A fato mostra homens bem vestidos, sentados a mesa em uma reunião social. Notamos a ausência das mulheres.
O PRIMEIRO CINEMA DE DE NATAL
Em 1909, o primeiro cinema da capital potiguar foi instalado no Teatro Carlos Gomes, com o nome de Cinema Natal. Em 1911, na Praça Augusto Severo, José Petronilo de Paiva e João Gurgel inauguraram o Cinema Politeama, que contava com serviço de bar e sorveteria, sala de jogos e palco para apresentações teatrais.
Meses antes de aquele poemeto ser publicado, na mesma revista, foi publicada uma reportagem sobre a abertura do Cine-Theatro Carlos Gomes, o terceiro cinema da cidade e que se tornou o favorito das elites natalenses. A notícia destacava o conforto da sala e afirmava que o novo cinema estava no nível de rivalizar com as salas de projeção das grandes cidades, sendo ele o “centro irradiador das mesmas grandes produções universalmente aplaudidas” (NOVA fase do cinema em Natal, Cigarra, Natal, ano. 2, n. 4, p. 61, ago. 1929.).
De acordo com as três lembranças de infância de Cascudo, mencionadas acima, em Natal o cinema
foi um grande acontecimento. (…) Quando o dono do brinquedo aportou em Natal, pessoa alguma acreditava nos prospectos divulgados. (…) O alto commercio, a sociedade que freqüentava palacio, toda a gente foi ao cinema, no Teatro Carlos Gomes. Houve palmas, chôros, commentarios (CASCUDO, op. cit, p. 222.).
INAUGURAÇÃO DO AERO CLUB
O Aero Club do Rio Grande do Norte foi inaugurado em 29 de dezembro de 1928, no bairro de Cidade Nova, reunindo o ―charme dos salões, as aventuras da aviação e a competitividade dos esportes (MARINHO, 2011, p. 106.). A sua fundação visava à integração da cidade ao desenvolvimento da aviação comercial no Brasil. O governo do estado do Rio Grande do Norte cedeu o prédio, situado na Avenida Hermes da Fonseca, para ser a sede do clube. A aviação foi a grande novidade do Aero Club do Rio Grande do Norte.
Na opinião do colunista da Cigarra, o Aero-Club era uma “aggremiação que reúne actualmente sob a sua bandeira os ideaes da elite da sociedade natalense, no que representa de melhor em esforço, devotamento á terra commum e espirito progressista” (A AVIAÇÃO no estado. Cigarra, Natal, ano 2, n.3, p. 24, abr. 1929.) O glamour do tradicional baile de carnaval, em 1929, foi transferido da Cidade Alta, onde estava localizada a sede social do Natal-Club, para o novo bairro do Tyrol, onde estava instalado o Aero Club. Em nota sobre o mesmo carnaval, o redator da Cigarra afirma em 1929 que “O Aero Club já se vae tornando indispensável á alegria natalense, e á sociedade da capital. Os seus salões cheios de distincção fidalgas terrão sempre o prestigio de nossas demoiselles” (COMMENTARIOS. Cigarra, Natal, ano 2. n. 3. p. 2, abr. 1929.).
Como é possível observar nas imagens acima destacadas, as festividades de carnaval realizadas no Aero Clube contavam com a participação de membros influentes da sociedade, como o próprio governador Juvenal Lamartine, que apareceu na fotografia ao lado de um grupo de pessoas fantasiadas de chineses. Tem-se ainda a imagem da portaria de entrada do clube, decorada por Erasmo Xavier, e a fotografia que ressalta a presença de várias senhoras momentos antes do início do baile carnavalesco.
O Aero Club em pouco tempo se tornara a menina dos olhos da sociedade natalense. Em seus ornamentados salões, desfilavam dames e demoiselles, em vestidos leves, com as pernas à mostra e cabelos à la garçone, quase sempre encobertos por seus chapéus cloche. O novo clube era a sensação das elites locais, e o escol social que freqüentava os seus salões era acompanhado de perto pela revista Cigarra, que cobria com fotos e comentários os principais eventos que lá tomavam lugar.
As iniciativas do governo em prol da aviação eram euforicamente comentadas, com uma forte dose de orgulho ufanista, pelo jornal A Republica e pela Revista Cigarra, que não cansavam de exibir imagens de aviões em pousos e decolagem, sempre cercados por uma curiosa platéia. O fato de as aeronaves não conseguirem percorrer grandes distância sem escalas, fazia de Natal uma parada estratégica nas rotas sul-americanas que seguiam rumo a Europa, razão pela qual o ministro da aviação apelidara Natal de “cais da Europa.” (AVIAÇÃO commercial no estado. Cigarra, Natal, ano 2, n. 3, p. 35, abr. 1929.).
O olhar panorâmico, a cidade vista do alto, ordenada, organizada era uma nova interpretação do espaço urbano. Essa excitação causada pelo Aero Club se revela nas imagens cotidianas, como a capa da primeira edição da revista A Cigarra, que mostra um céu coberto de aeroplanos.
Inaugurado o Aero-Club, em 1929, aumentou-se a procura e a divulgação dos benefícios trazidos por esse esporte (TENNIS Club. A Republica, Natal, 8 out. 1918; ESPORTIVAS. A Cigarra, Natal, ano 2, n. 3, p. 36, abr. 1929.). O aeroplano não foi a única febre que se espalhou a partir do clube. Algumas práticas esportivas foram inauguradas em Natal pelo Aero Club. Sobre a nova prática esportiva implementada em Natal, segue o comentário do colunista das páginas esportivas d’A Cigarra: “Iniciamos, agora com o Aero Club, a nossa predileção pelo tennis. É um esporte francez, que passou a Mancha. Dos mais elegantes e apreciaveis.” (ESPORTIVAS, A Cigarra, Natal, ano 2, n.3, p. 36, abr. 1929.) A revista também trazia imagens descontraídas de jovens, de ambos os sexos, em trajes de banho na área da piscina do clube. Pela junção dos esportes, aviação e eventos sociais, o Aero Club marca um novo momento da vida social das elites natalenses.
Além dos pic-nics, outras formas de lazer traziam os sócios dos clubes para fora das associações. Uma dessas festas dava-se principalmente no verão, entre o Natal e a primeira semana de janeiro, era o banho à fantasia. O Aero Club inaugura essa tradição na cidade, que em outros momentos foi adotada em outras ocasiões. A festa à fantasia consistia de um animado banho de mar com fantasia e tudo, contando com a presença de uma banda de música. Os banhos à fantasia fizeram sucesso na quinta edição d’A Cigarra em 1930 (CIGARRA, Natal, ano 3, n. 5, p. 39, mar. 1930).
MISS RN
Em Natal, a escolha da Miss Rio Grande do Norte provocou agitação na imprensa e ansiedade da torcida, que acompanhava a cotação das suas candidatas favoritas pelas páginas do jornal A Republica ou pela revista A Cigarra. A candidata eleita deveria embarcar para o Rio de Janeiro e representar o melhor da beleza potiguar e disputar o título de Miss Brasil.
O voto popular indicou dez candidatas, das quais uma seria escolhida e nomeada miss Rio Grande do Norte, pelo então prefeito da cidade, Omar O’Grady. A movimentação social que se abria em torno do concurso, foi enorme e pôde ser acompanhada na imprensa. Para escolher a sua candidata favorita, mais de 9 mil pessoas enviaram seus votos à sede da redação d’A Republica. A campeã, na opinião dos leitores do jornal, com 2328 votos, foi Dalva Dantas. A beleza de Dalva, de fato, encantou a muitos, mas Marilda O’Grady foi a vencedora oficial do concurso, eleita num pleito fechado, pela comissão do jornal. É possível que o parentesco com o prefeito tenha ajudado Marilda a ascender da posição de terceiro lugar, no pleito popular, para a primeira posição.
Na opinião da revista Cigarra, a escolha do pleito foi imparcial. Para eles, tanto Dalva quanto Marilda
representam de facto a belleza da nossa terra no que ella tem de mais puro, do ponto de vista ethinico. E como a finalidade da grande festa de Galveston, è antes de mais nada uma demonstração de cultura social e de aperfeiçoamento physico da especie.(…) o criterio da escolha foi o da “mais bela”, de modo que a nossa Miss provará que não sommos, ethinicamente, uma gente repellida com desdem pela aristocracia das raças superiores (O RIO Grande do Norte no concurso mundial de Galveston. Cigarra, Natal, ano 2, n. 3, p. 13-14, abr. 1929.).
A noção de civilização que já começava a ser questionada pelas artes, já na primeira década do século XX, passou a ganhar uma dimensão nova após a Primeira Grande Guerra (EKSTEINS, Modris. A sagração da primavera: a grande guerra e o nascimento da era moderna. p. 61, 115.). E essa nova noção de civilidade, a tentativa de voltar aos valores clássicos, aparece no discurso do redator da Cigarra, ao comentar a necessidade do melhoramento da raça. Para o autor, os concursos de beleza, em especial a Feira de Galveston, eram um verdadeiro
movimento social de pura espiritualidade, com o fim de reagir contra os horrores da civilização que conheceu a ultima guerra, e que, por isso mesmo, procura preparar uma mocidade sadia pelo culto da perfeição physica, sob os auspicios do padrão eterno de belleza que é a Venus de Milo (O RIO Grande do Norte no concurso mundial de Galveston. A Cigarra, Natal, ano 2, n. 4, p. 13-14, ago. 1929. il.).
PLANO PALUMBO
Ao fim da década de 1920, preocupado com o crescimento futuro da cidade, o engenheiro Omar O’Grady contratou junto ao arquiteto greco-italiano Giacomo Palumbo o Plano Geral de sistematização de Natal, elogiado por Cascudo em virtude de conseguir modernizar a cidade, sem desconsiderar sua história: “Nada de arrasamento e de destruição. O material aproveitado é vasto. As ruas conservam a localização antiga. A mão moderna retificou para melhor onde se semeara a esmo. […] Aproveita-se o máximo, conservando-se as características da Cidade de trezentos anos feitos” (CASCUDO, 1929). Com o movimento de 1930, dita Revolução pelos que lideraram o processo, O’Grady foi destituído da prefeitura. O plano geral de sistematização, com seu zoning, seria usado apenas em parte na década de 1930, pelo escritório de engenharia de Saturnino de Brito.
Na década de 1920, a cidade crescia em relação a vários critérios: número de habitantes, número de automóveis ou em papel de destaque no cenário da aviação. Esse crescimento, enfatizava O’Grady, deveria ser ordenado, planejado, seguindo as normas mais “modernas de prescrições do urbanismo” (URBANISMO natalense. Cigarra, Natal, ano II, n.5, 1930.p.2.). Objetivando concretizar essa ideia, O’Grady contratou o arquiteto formado na Academia de Belas Artes em Paris, Giacomo Palumbo, para elaborar o Plano de Sistematização de Natal, também conhecido na historiografia local como Plano Palumbo. Um engenheiro com formação nos Estados Unidos e um arquiteto com formação na França estariam unidos no planejamento urbano da cidade.
A revista A Cigarra também divulgou a primeira prancha do Plano Palumbo, acompanhada de matéria elogiosa, citando o planejamento como um “dos maiores serviços prestados á cidade pelo competente engenheiro que lhe dirige os destinos” (A CIGARRA, Natal, ano II, n.5, 1929.p.53.). Abaixo segue a imagem da prancha publicada e uma representação elaborada com base na mesma, indicando alguns bairros que seriam remodelados com a aplicação do planejamento:
O Plano Geral teria sido incinerado pela prefeitura, provavelmente durante uma operação na década de 1970, que visava livrar-se de todos os documentos considerados sem funcionalidade. Ver: PROCURA-SE o Plano Palumbo. Diário de Natal, Natal, 21 out. 2007. Como visto, a revista Cigarra apresentou uma pequena parte do plano que ficava exposto na sede da Intendência Municipal. Referências sobre as outras partes apenas são possíveis por meio de matérias publicadas na imprensa no período ou pelos relatórios elaborados durante a gestão de O’Grady.
Câmara Cascudo também opinou sobre o Plano. Na revista Cigarra, lançada em fins da década de 1920, o escritor potiguar, em matéria intitulada Natal, outra cidade!, destacará a preocupação do arquiteto Giacomo Palumbo em harmonizar o velho com o novo, as antigas ruas com o traçado moderno, previsto pelo urbanismo:
Nada de arrazamento e de destruição. O material aproveitado é vasto. As ruas conservam a localisação antiga. A mão moderna rectificou para melhor onde se semeára á esmo. […] Aproveita-se o máximo, conservando-se as características da Cidade de tresentos annos feitos (CASCUDO, Luís da Câmara. Natal, outra cidade! Cigarra, Natal, ano II, n. 5, 1929.).
A prancha publicada apresentava o planejamento para a Ribeira (em amarelo no mapa), com as ruas paralelas ao rio e as perpendiculares “cahindo em ângulos rectos anunciadores de asseio esthetico” (CASCUDO, Luís da C. Natal, outra cidade! A Cigarra, Natal, n.5, 1929, p.15). Câmara Cascudo, em matéria na revista A Cigarra, ressaltou que o planejamento tinha conservado a localização antiga das ruas, e que a parte do plano que interessaria as crianças, apresentando os parques e as alas sombreadas, ainda não tinha sido concluída.
No início de 1930, no relatório da gestão municipal, O’Grady apresenta as principais características do plano de remodelação da cidade e ressalta a sua importância para o progresso de Natal. Educado nos Estados Unidos, o prefeito aponta a América com exemplo a ser seguido e, como se vê em
outros textos sobre o Plano, afirma a necessidade de se ordenar o crescimento citadino e de se projetar o futuro:
Com as licções da falta de previdencia e dos projectos sem a preoccupação do futuro que as nossas cidades brasileiras têm dado; com o exemplo animador do que se vem fazendo em relação a “planos de cidades” nos outros paizes cultos, principalmente nos Estados Unidos, aonde quase toda cidade tem o seu “master plan”; com o despertar de uma phase de progresso na nossa cidade e tendo em vista a irregularidade e já insuficiência do nosso actual systema de arruamentos de par com o muito que é possível aproveitar da nossa natureza, não me parece justificavel que se permitta, por mais tempo, a cidade crescer desordenadamente, tornando-se cada vez mais difficil e mais dispendiosa uma solução futura (Trecho do relatório do governo municipal, apresentado em 30 de janeiro de 1930 e publicado, parcialmente, na CIGARRA, Natal, ano II, n. 5, 1929. Em outro trecho do relatório publicado nessa revista, ao tratar das finanças municipais, O’Grady elege os Estados Unidos como modelo também na arrecadação de impostos).
AREIA PRETA
No início do século XX, a praia se transformava em local de eventos sociais, proporcionando lazer e prazer. Esse uso da praia foi ilustrado em vários números da revista Cigarra, em seus artigos e em suas fotografias.
Em 1914, os bondes elétricos já circulavam por esse trecho da orla marítima da capital potiguar. Em 1925, o prefeito Omar O‘Grady construiu uma estrada ligando a Avenida Getúlio Vargas a Praia de Areia Preta (Cf. SOUZA, 2008, p. 362.). Esse fragmento de beira-mar tinha, na década de 1920, a preferência das elites, tornando-se um lugar de sociabilidade como demonstra a revista Cigarra:
Em 1928, a mais recente revista social editada na cidade, A Cigarra, expunha a alegria e vivacidade que encontraríamos na praia de Areia Preta durante os meses mais quentes do ano:
O verão chegou e fez da cidade uma enorme estufa abafadiça, as nossas praias povoam das melhores belezas. É o prestigio do mar, que acalenta no berço azul humilde de suas vagas altaneiras as mais lindas nereides natalenses. Todas e todas as tardes, ao longo das nossas praias faiscantes á luz (VERÃO. A Cigarra, Natal, ano. 1, n. 2, p. 15, dez. 1928.).
As manhãs e tardes na movimentada praia de Areia Preta foram registradas calorosamente pela equipe de redatores e colaboradores da revista, durante os três verões que abarcam as suas edições (1928-1930). A praia, onde se destacavam as práticas esportivas, a contemplação do mar e o flirt, aparece ali como um lugar alternativo ao footing da avenida Tavares de Lyra. Em sessões como indiscretas os colunistas acabaram revelando lugares como a Rocha Encantada, uma grande rocha na encosta onde as “morenas enciumadas olhavam de lá o movimento dos banhistas no declive da praia” (INDISCRETAS. A Cigarra, Natal, ano.1, n. 1, p. 29, nov. 1928.).
Vejamos um exemplo, retirado do ano de 1929:
Embora as imagens apresentem grande riqueza, nesse número da revista Cigarra o exame das fotografias deve ser complementado pela leitura da legenda que a acompanha. A legenda traz o seguinte comentário:
Uma tarde na Areia Preta. Dizem que o verão é uma época detestável. Mas quem vae passar o verão nas praias acha-o maravilhoso… Areia Preta é uma delicia. Ahi estão algumas veranistas sorrindo amavelmente para o photographo. É um trecho da linda praia com que ellas sonham durante todo o anno… (CIGARRA, Natal, ano II, n.5, 1929.p.29.).
Nella [Areia Preta] criam-se amores, e se dissipam ciúmes… Menina de uma ingenuidade adorável ou de uma malicia dançando no mysterio dos olhos lá estão, nos mallots modernos enchendo de graça de expansiva os contornos poeticos e a areia tepida da formosa praia de Natal…
Areia Preta já entrou no periodo de novas conquistas… para a delicia dessa terra de moças adoraveis, de cavalheiros gentis, de sol poetizando a praia, corando com suas chammas os rostos e braços das banhistas (FRANÇA, Cigarra, Natal, ano 2, n. 4, ago. 1929, p. 19.).
A revista Cigarra exibia banhistas na Praia de Areia Preta, divulgando a sociabilidade nesse trecho de beira-mar por meio de textos e fotografias. Nas três primeiras décadas do século XX, a imprensa natalense costumava anunciar os lugares de sociabilidade, a exemplo dos cafés, dos cinemas e da Praia de Areia Preta, como ambientes elegantes e civilizados.
STADIUM JUVENAL LAMARTINE
O Estádio Juvenal Lamartine (anteriormente conhecido como Stadium Juvenal Lamartine e ainda apelidado de JL) é uma instalação desportiva situada no bairro do Tirol, em Natal.[1] O estádio foi fundado na década de 1920, quando o futebol começava a ganhar força na cidade e o nome Juvenal Lamartine se deve ao reconhecimento, por parte da Liga de Desportos Terrestres do Rio Grande do Norte (atual FNF), do apoio dado pelo então governador do estado à comunidade desportiva. A inauguração ocorreu em 12 de outubro de 1928. Apesar de haver sido inaugurado oficialmente em outubro, a primeira partida que sediou foi entre o ABC e o Cabo Branco (PB), no dia 28 de setembro de 1928. O jogo terminou com o placar de 5×2 para os donos da casa com primeiro gol de Deão, do ABC.
No dia da padroeira do Brasil, um torneio com a participação dos clubes Natalense. O site tok de história reproduziu registros da revista a Cigarra, sobre o evento, onde vemos a entrada do stadium, as arquibancadas, Juvenal Lamartine ladeado por dirigentes das agremiações e o Team do ABC FC que atuou naquela tarde festiva.
O Stadium Juvenal Lamartine também era utilizado para competições de atletismo. A revista Cigarra, que circulou na cidade entre 1928 e 1929, publicou, no ano de 1929, várias imagens de um evento de atletismo ocorrido no Stadium Juvenal Lamartine:
Como as imagens publicadas pela revista Cigarra indicam, o Stadium possuía um amplo espaço, além de uma arquibancada com dois andares. Tratava-se de um importante espaço de sociabilização criado em Cidade Nova na década de 1920, destinado à parcela da sociedade mais abastada e influente.
VOTO FEMININO
O Rio Grande do Norte foi o primeiro Estado do Brasil a garantir o direito ao voto feminino. Alguns anos antes do restante do Brasil. A conquista se deu através do então Deputado Juvenal Lamartine, que depois tornou-se Governador. O direito ao voto feminino fazia parte da plataforma de governo de Juvenal, sendo esta inovadora para sua época pelas ideias de desenvolvimento a que se propunha. A matéria de maior impacto era a defesa do voto feminino, sendo formalmente apresentada. O documento manifestava a intenção de estender a mulher o direito de votar e ser votada, através de um normativo adicionado a legislação estadual. Registraram-se 20 alistamentos eleitorais femininos. Tendo sido destaque a educadora Celina Guimarães, primeira eleitora do Brasil.
A Cigarra publicou os versos matutos sob a assinatura de Z. Ballos (pseudônimo de Virgílio Trindade). Tais versos espelham as duas correntes em luta, os revolucionários e os preconceituosos:
Há uma nova no mundo
Cumpade, eu vou te contá
As leis agora permite
Que as muiéres vão votá
E eu inté vou prá cidade
Para a minha se alistá.
Cumpade, ocê tá doido?
Isso é besteira do cão
Apois nunca ninguém viu
Muié ir prás eleição
Isso inté tá desconforme
Cum as obra da criação
Em suma, a revista Cigarra alcançou, no contexto cultural da década de 20 no rio Grande do Norte, uma posição de ineditismo e destaque pela sua feição moderna – mesmo num lugar onde tal espécie de periódico não se constituía em algo inédito, pois já contracenavam outros periódicos, no estado, de caráter literário, crítico, noticioso etc. Uma vez identificadas as características e propósitos, observa-se que as letras (novas) de nossa terra e outras terras, registradas e divulgadas por Cigarra, representam um esforço de renovação próprio de uma sociedade em processo de modernização.
FONTES SECUNDÁRIAS:
A INAUGURAÇÃO do Aero Club. Cigarra, Natal, ano 2, n. 3, abr. 1929, p. 26.
CARDOSO, Rejane. Erasmo Xavier: o elogio do delírio. Natal: Clima, 1989.
CASCUDO, Luís da Câmara. O novo plano da cidade; I – A cidade. In: A Republica, Natal, 30 out. 1929.
Cigarra. Natal: n. 1-5, 1928-1930.
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Por uma “Cidade Nova”: apropriação e uso do solo urbano no terceiro bairro de Natal (1901-1929) / Gabriela Fernandes de Siqueira. – Natal, RN, 2014.
Reflexões Sobre história local e produção de material didático [recurso eletrônico] / Carmen Margarida Oliveira Alveal, José Evangelista Fagundes, Raimundo Nonato Araújo da Rocha (org.). – Natal: EDUFRN, 2017.
Depois de umas boas férias estou retornando com as minhas pesquisas antigas e novas. Adorei ver a sua síntese da Cigarra, que espero um dia poder reeditar. Depois do lançamento do livro sobre Erasmo Xavier o trabalho e contatos não param, mas espero passar o agito poder trocar ideias com vc. Parabéns pelo importante registro que vem realizado!!
Nobre professor, obrigado por sua atenção ao nosso humilde trabalho. Teimo em valorizar a nossa terra e gente retratando o nosso passado. Não tem sido fácil. Mensagens como a sua nos fortalece para seguir caminhando.
Segue meu telefone de contato (84) 98606-4380 e email fatosefotosdenatalantiga@gmail.com