Café Potyguarania
Respondendo aos anseios de civilidade, os bilhares, clubes e cafés começaram a ocupar os espaços da cidade ainda no final do século XIX. Nos anos 20, o surto de cafés e associações era já impressionante. Num abrir e fechar de olhos, estabelecimentos recreativos abriam, mudavam de nome ou fechavam as portas. Os anúncios de jornal, comentários avulsos e até mesmo as páginas policiais foram as parcas testemunhas da existência desses espaços de convivência rotineira. Através desses minguados testemunhos, conseguimos construir parcialmente as feições desses estabelecimentos e as atividades desenvolvidas neles.
Localizamos o Potiguarânia na topografia da cidade do Natal nos últimos anos do século XIX. Fundado em 19 de julho de 1894, o Potiguarânia é identificado como a “casa de diversões mais importante” do bairro da cidade Alta, localizado na Rua Ulisses Caldas, número 101. Foi no “antigo e acreditado estabelecimento recreativo que constituiu-se o centro das mais agradaveis diversões não para innumeros freguezes, como também para muitas Exmas. famílias” (A República. Natal, 1 jul. 1900.), cujo os poetas e os prosadores da cidade do Natal do século XIX costumavam se reunir.
O nome do café fazia alusão ao chão norte rio-grandense, terra do índio Poti Felipe Camarão: a potiguarânia. Essa não foi a primeira vez que o nome “Potiguarânia” foi usado para fazer referência ao Rio Grande do Norte. Em 1890, um jornal voltado à discussão de questões modernas, também carregava no título a alusão à terra do índio Felipe Camarão, da tribo Poti. Para mais informações sobre o jornal: MELO, Manoel Rodrigues de. Op. Cit., p. 96.
No que respeita às práticas recreativas, o Potiguarânia é identificado como casa de bilhar, em que “de lá saíram os melhores jogadores de bilhar” (Wanderley, Jaime dos G., Op. Cit., p. 92.). Nos fins do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, as casas de bilhar difundiramse nos bairros da Ribeira e da Cida Alta. Tal ambiente destinava-se à prática de jogos associando a diversão ao desejo de promover espaços necessários a uma capital em progresso, uma vez que o bilhar era considerado como uma espécie de jogo aristocrático (SILVA, Maiara Juliana Gonçalves da. Natal sob o olhar de o Olofote: cenas urbanas na cidade em 1919. Revista Cordis: Comunicação, Modernidade e Arquitetura.Op. Cit.p. 287-319.). Logo, o Potiguarânia passou a ser a casa de diversão dos fidalgos natalenses.
O café fundado por Ezequiel Wanderley ofereceu à sociedade natalense noites de animados jantares. Em dias especiais como, por exemplo, o dia de São Pedro (28 e 29 de junho), o Potiguarânia promoveu um festejo com a participação da orquestra do Batalhão de Segurança junto à exibição de um “graphophone” que tocou outras composições maestrais (A REPUBLICA. Natal, 1 jul. 1900.). Nos dias de domingo e feriados, o Potiguarânia funcionava promovendo o sistema de jantares especiais aos seus frequentadores (POTIGUARÂNIA. A Republica, Natal, 3 set. 1900.).
O Potiguarânia possuía salão de bilhar, constituindo uma casa de propriedade do poeta, jornalista e dramaturgo Ezequiel Wanderley. Ainda no início do século XX, a casa comercial passou a pertencer a Benjamin Simonete, denominando-se Café Magestic.
A família Wanderley participou nos momentos culturas e artísticos de nossa cidade, evidenciando-se no teatro e poesia . Proveniente dessa linhagem , José Wanderley alcançou renome nacional com as comédias: “Compra-se um maridoque foi adaptada para o cinema com o título “Maridinho de Luxo” “Pertinho do Céu”, “Era uma vez um vagabundo “, “Hás de ser minha “Aconteceu naquela noite “Amanhã é dia de pecar “, “Cupim 33 dentre outras. A Revista “Natal em Camisas” explorava com inteligência os costumes da nossa cidade entre os seguintes quadros o “Potiguarânia”.
Dentre os cafés e clubes que apareceram em Natal nas primeiras décadas do século XX, estavam o Potyguarânia (1894), o Club Carlos Gomes (1898), o Bilhar Recreativo (1901), o Bilhar Cyclista (1901), o Cassino Potyguar (1902), o Café Socialista (1903), o Natal Club (1906), o Café Natalense (1906), o Café Chile (1916), o American Bar (1916), o Café Avenida (1918), o Café Petrópolis (1914), o Café Tyrol (1924), o Aero Club (1928), entre outros (MARINHO, 2011, p. 98-99). Vamos nos deter em dois deles, o Café Petrópolis e o Aero Club.
A elite natalense, seguindo a tendência dos grandes centros, elege espaços que acreditava serem dignos do modelo de cidade moderna que se buscava implantar em Natal. Dentre esses lugares temos clubes e estabelecimentos de diversão em geral, normalmente destinados a um público masculino.
Dos poucos que estavam instalados na capital, deve-se destacar a “Potyguarania”. Esse estabelecimento funcionava no bairro da Cidade Alta, na esquina da Rua Ulisses Caldas, 101, com a Rua Vigário Bartolomeu, 549. Foi constituindo uma casa de propriedade do poeta, jornalista e dramaturgo Ezequiel Wanderley.
Tal espaço também servia como sala para receber de letras da capital norte-rio-grandense. É o aso do grêmio “Le Monde Marche” que reunia-se no cantão da Potyguarania e promoviam as reuniões dos membros do grêmio nos salões do colégio secundarista o Atheneu Norte rio-grandense. No que respeita a sua redação, o escritório do “Le Monde Marche” era mantido em um “bureau – cubículo situado nos fundos do prédio então ocupado pela Chefatura da Polícia à Rua Conceição, número 44” (MELO, 2006, p. 18). O cantão do café Potyguarania era de propriedade de Ezequiel Wanderley. Era o cantão mais descontraído da cidade, freqüentado na sua maioria por jovens, que trocavam idéias sobre arte, literatura, jornalismo, tudo, enfim, que no momento atraísse a atenção da cidade. O cantão contava com a frequência de Uldarico Cavalcanti, Antônio Marinho, Ferreira Itajubá, Pedro Melo, Cícero Moura, José Pinto, Francisco Palma, Aurélio Pinheiro, Gothardo Neto, Sebastião Fernandes, Alfredo Carvalho e os irmãos Wanderley (Renato e Segundo), dentre outros. “Cantão de gente moça, trocando ideias sobre jornalismo, artes e letras, tudo quanto nesse momento atraia a atenção da cidade” (MELO, 2006, p. 16).
Na produção historiográfica norte-rio-grandense, os espaços destinados às práticas de socialização dos homens de letras em Natal foram muito pouco contemplados. Podemos mencionar duas produções que abordaram os espaços onde se aglutinavam os intelectuais na cidade. A primeira corresponde à obra do crítico literário Tarcísio Gurgel dos Santos, Belle Époque na esquina, no qual o autor elabora pequenas menções aos espaços de sociabilidades eleitos por esses intelectuais destinados aos seus encontros, entre eles: o café de Ezequiel Wanderley, denominado Potiguarânia; o palácio do Governo; e apenas três grêmios literários: o Grêmio Polimático, Congresso Literário e Le Monde Marche. Percebemos que os espaços de sociabilidade intelectuais apresentados na abordagem do autor possuíam as conotações de pontos de encontros (SANTOS, Tarcísio Gurgel dos. Belle Époque na esquina: o que se passou na República das Letras. Natal/RN: Editora do autor, 2009.).
Foram nas redações, nas tipografias dos jornais natalenses, no salão de dona Isabel Gondim, nas conferências e horas literárias realizadas no Natal-Club, nas serenatas cantadas pelas ruas em noites embelezadas pela lua, nas visitas rotineiras à livraria Cosmopolita e nos encontros – regados a bebidas espirituosas – no interior do bilhar Potiguarânia e do Café Magestic que os letrados da capital potiguar reuniram-se, conversaram, debateram, compartilharam, fermentaram suas atividades no universo literário potiguar. Tais ambientes proporcionam a fermentação intelectual, o desenvolvimento de relações afetivas, e, sobretudo, a formação de identidade e pertencimento a um grupo. Pretendemos aqui demonstrar como os movimentos nesses recintos da cidade contribuíram para a produção de uma atmosfera intelectual na cidade do Natal.
As serenatas, o salão, a Cosmopolita, o Natal-Club, as conferências, o Potiguarânia e o Magestic apresentam-se como estruturas organizacionais da cidade do Natal que possuem como ponto nodal o fato de constituírem-se como local de aprendizado, de debates e de trocas intelectuais, indicando a dinâmica do movimento de fermentação e circulação de ideias, opiniões e diálogos na cidade do Natal.
Os sistemas de jantares e competições de bilhares ocorridos no Potiguarânia converteram-se na “verdadeira academia” (GUIMARÃES, João Amorim. Op. Cit. p. 156.), no ambiente que abrigou as tertúlias literárias.
A Potyguarania foi o café mais representativo do fin-de-siècle em Natal. Seus salões eram já ponto de encontro de velhos e moços desde o século XIX. Durante o carnaval estava sempre bem ornamentado, iluminado, fazendo-se parada obrigatória dos foliões que desejassem brincar os festejos do Rei Momo na Cidade Alta. Além d’ A Potyguararia outros cafés apresentavam programação especial nos dias de carnaval, como o Bilhar Cyclista que contava com banda de música e batalha de serpentina em frente a sua porta no carnaval de 1900. Ver: O CARNAVAL. A Republica, Natal, 25 fev. 1900.
No ano de 1895, o proprietário Ezequiel Wanderley fechou, por alguns dias, as portas do estabelecimento para uma reforma realizada pelo desenhista Plínio Sant’Iago, o que resultou na renovação de todas as paredes da casa “com as cores seguras e variadas do seu pincel, custando a graça, o chik dessa pintura algumas centenas de mil réis ao novo estimável Ezequiel” (POTIGUARÂNIA. Oásis. Natal,16 dez. 1895.). As transformações proporcionadas por Ezequiel Wanderley, após um ano da inauguração do café, demonstra a preocupação estética em fazer do estabelecimento um ambiente “chique”.
A mudança física era acompanhada pelos meios de distração oferecidos ao público: “jogos de bilhar, dominó, vispora & o bem e preparado café (não diariamente) único paladar cujo preço não será muito commodo ás algibeiras do freguez” (Idem.). Por intermédio das notícias que divulgavam acerca do estabelecimento, fomos percebendo o tipo de público para o qual era voltado o café Potiguarânia. O estabelecimento reuniu indivíduos como José Pinto, Celestino Wanderley, Segundo Wanderley, Uldarico Cavalcanti, Aurélio Pinheiro, Antônio Marinho, Pedro de Alcântara Melo, Francisco Palma e outros grupos de “gente moça trocando ideia sobre jornalismo, arte, enfim, tudo que no momento atraísse a atenção da cidade” (Melo, Pedro de Alcântara Pessoa de. Op. Cit. p. 16.). No entanto, o café era frequentado pela “finesse natalense” (Wanderley, Jaime dos G. Op. Cit. p. 93). O Potiguarânia vedava a entrada, na porta, dos fregueses que não convinham, compondo assim uma freguesia escolhida.
Já no século XIX era um dos mais conhecidos estabelecimentos de diversão da cidade. A Potyguarania passou por diversas reformas, tentando trazer novos atrativos aos “elegantes” membros da sociedade natalense. Dentre os principais meios de distração introduzidos na Potygarania e de outros estabelecimentos do gênero, encontramos o bilhar, o dominó, a víspora, entre outros jogos lícitos. Além dos jogos havia lanches, refrescos e cafés.
Os investimentos não se davam apenas em período de festa. Sempre atentos às novidades, os proprietários exibiam orgulhosos os resultados da reforma pela qual passara A Potyguarania, em 1897:
Este conceituado estabelecimento, o mais bem montado desta Capital, acaba de experimentar uma exellente reforma, proporcionando actualmente aos seus numerosos fregueses os mais invejaveis commodos e uma somma incalculavel de moderníssimas distrações. Fez aquisição de bolas, tacos e pannos, tudo novo e de mais apurado gosto, e acha-se capaz de pasmar o mais bisonho inglez, não só pelo brilhantismo dos seus luchuosos salões, como tambem pela avultada quantidade de obséquios com que se esmeram em mimosear os fregueses os activos ediligentes empregados da casa. Continúa a preparar abundantes lunchs aos domingos, feriados e dias santificados. Em taes condições são de palpitante necessidade continuadas visitas á Potyguarania (POTYGUARANIA. A Republica, Natal, 1 fev. 1897).
A reforma d’A Potyguarania, e de muitos outros cafés natalenses, em busca da melhoria estrutural, pode ser vista como um reflexo dos projetos de melhoria urbana que em poucos meses começaria a ser posto em prática na cidade, com a construção do teatro. A conclusão da reforma do café foi anunciada no jornal, no intuito de expor a nova face do estabelecimento, para assim seduzir a clientela com promessas de modernidade. A própria expressão “moderníssima” aparece no texto como autêntico elogio ao novo, quando assim pretendia-se conquistar o público, enchendo-o de ansiedades e gostos pelas novidades.
Segundo consta no reclame, A Potyguaria oferecia aos fregueses, assegurava o anúncio, o luxo e os mimos encontrados nos melhores estabelecimentos do mundo, de modo que até mesmo o “mais bisonho inglez” conhecedor do civilizado mundo europeu, se pasmaria com a qualidade dos produtos e a quantidade de atrativos oferecidos.”
A publicidade inaugurava uma nova relação cliente-mercadoria: através dos anúncios os estabelecimentos atraíam seus clientes pela curiosidade e/ou pelo desejo. O anúncio era a porta de entrada do consumidor no mundo das mercadorias, no mundo das variedades e das possibilidades de escolha. A publicidade, nesse período de rápidas transformações sociais, “abrandava a dificuldade de adaptação causada, em parte, pela inexistência de memória e tradição referentes a práticas recentes da vida urbana.” (PADILHA, Márcia. A cidade como espetáculo: publicidade e vida urbana na São Paulo dos anos 20. São Paulo: Annablume, 2001. p. 25.)
Mais do que atrair novos fregueses, os reclames ajudam a implantar alguns hábitos urbanos na população, como o de fazer as suas refeições fora de casa até mesmo nos domingos e feriados. As refeições, rituais tradicionalmente associados à esfera do privado, restritas ao âmbito doméstico, familiar, quando passavam também a ser feitas na esfera pública, assumiam uma outra postura, mas associada à dimensão pública. Cafés, bares e restaurantes inauguravam novas formas de sociabilidade na cidade. (Sobre a ascensão dos restaurantes na Europa ver: SPANG, Rebecca L. A invenção do restaurante. Rio de Janeiro: Record, 2003; CSERGO, Julia. A emergência das cozinhas regionais. In: FLANDRIN, Jean-Louis e MONTANARI, Massimo (Org.). História da alimentação. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.).
No Potyguarânia foram apreciados “os artigos destinados aos festejos carnavalescos com os sortimentos de conferi, lança perfumes, pince-nez, máscaras, bisnagas” e demais artigos (A CAPITAL, 18 fev. 1909, p. 2).
Tentar recuperar informações sobre os clubes e cafés de Natal não é tarefa fácil, já que poucas eram as notícias existentes sobre esse tipo de estabelecimentos nos jornais. A partir de anúncios publicitários e notas jornalísticas, podemos ter uma idéia da localização e ano de funcionamento de alguns dos principais pontos de sociabilidade dos natalenses, nas primeiras décadas do século XX. Desta forma podemos concluir que a Potyguarania nos idos de finais do século XIX estava sediado na Av. Ulisses Caldas-Cidade Alta.
Apesar de seu caráter predominantemente residencial, o bairro da Cidade Alta agrupava alguns dos centros recreativos de maior prestígio e tradição da cidade, dentre eles o Natal Club e o Potyguarania. A Cidade Alta foi eleita pelas elites locais como o ponto ideal para os salões e bailes dançantes. Até os anos 1920, as principais festas da cidade tiveram lugar em um dos salões dos clubes da Cidade Alta, em especial o Natal Club. Somente na segunda metade dos anos 1920, com a inauguração da Associação dos Professores e posteriormente com o Aero-Club, percebe-se um deslocamento significativo das sociabilidades para os novos bairros da cidade: Tyrol e Petrópolis.
O Potiguarânia possibilitou a confluência dos iguais com os seus pares, promoveu uma separação dentro do todo. Infelizmente, é impossível identificar os literatos que frequentavam o ambiente, e aqueles que ficaram à margem das atividades realizadas no café. Entretanto, lançamos aqui a hipótese de que a distinção acarretada pelo café estava longe de designar diferenças financeiras. Acreditamos que essa diferenciação estava muito mais relacionada ao comportamento, aos hábitos, à educação, por fim, ao meio social de grupos e indivíduos da capital potiguar.
No ano de 1919, o proprietário Ezequiel Wanderley encerrou as atividades do café Potiguarânia. O literato vendeu o estabelecimento para Urbano Benjamim Simonete. Simonete, por sua vez, transformou a Potiguarânia em Magestic. A fachada do café da família natalense deu lugar às cores vivas do nome Magestic. Não sabemos o que motivou a mudança do nome do café, contudo, o novo negócio não deu certo. No ano seguinte, o Magestic foi vendido a uma sociedade comercial composta por Jorge Fernandes, Deolindo Lima, Barôncio Guerra, Aurélio Flávio e Pedro Lagreca: um grupo de escritores. De Potiguarânia ao Magestic, é certo que o café continuava na direção de homens de letras da capital norte-rio-grandense. Característica que, a nosso ver, foi essencial às atividades que o café Magestic passou a abrigar.
O Café Magestic, antes chamado Potiguarânia, café com requinte afrancesado, pertencia ao poeta Ezequiel Wanderley, que vendeu o ponto comercial a uma sociedade liderada pelo também poeta Jorge Fernandes, que, a partir de uma administração despretensiosa, mudou a face tradicional dada pelo administrador anterior. Sobre a nova identidade desse espaço, afirma Gurgel (2009, p. 292): “Do requinte afrancesado do Potiguarânia, passa-se, portanto, à proletária bagunça do Magestic”. Com certeza, esse momento faz parte de um processo em que não se pode polarizar nem homogeneizar as tendências, isto é, Belle Époque versus Modernismo ou Pós-Romantismo versus Pré-Modernismo, mas considerar também que, em tais movimentos, existia uma tendência dominante. Nesse sentido, a tendência dominante, naquela sociedade potiguar, ainda era orquestrada pelos ecos da tradição.
Na cidade de Natal, nas primeiras décadas do século XX, havia uma grande variedade de bares. Cada grupo frequentava esses espaços, de acordo com suas preferências e interesses. O escritor Luís da Câmara Cascudo declarou preferir:
[…] o Bar Majestique, antes chamado de Potiguarânia, o grande bar da minha geração, situado na Rua Ulisses Caldas, e frequentado por jornalistas, professores, literatos. Também frequentamos o Bar Delícia, na Praça Augusto Severo. Estes eram os dois pontos mais frequentados em Natal, na época. A minha geração toda passou por lá: Othoniel Menezes, Jorge Fernandes etc.; era o bar — o Majestique — da bebida, da classe média, da intelectualidade (CASCUDO, 2002, p. 42.).
Os cafés Potiguarânia e Magestic representam, na história dos homens de letras da cidade do Natal, dois recintos exíguos onde os literatos da cidade se reuniam. Dois ambientes sucessores, uma vez que a Potiguarânia deu origem ao Magestic a partir do ano de 1919. Ambos podem ser identificados como ambientes que formaram redes literárias. As rodas literárias dos dois cafés foram indispensáveis, portanto, ao cotidiano dinâmico das sociabilidades entre os homens de letras de Natal.
Os cafés da cidade do Natal eram designados como “qualquer casa de diversão, onde se vendesse café ou bebida” (GUIMARÃES, João Amorim. Op. Cit. p. 139.). Quase todos os cafés vendiam o cafezinho, contudo, bares e restaurantes também entravam nessa classificação. Por conseguinte, era comum encontrar nesses recintos a venda de “fritadas de camarão ou de caranguejo, um lanche de porco ou de galinha, uma aguardente boa, ou uma cerveja gelada” (João Amorim Guimarães lista os tipos de consumo nos cafés de Natal em: Ibid, p. 138.). A Potiguarânia e o Magestic compõe a lista dos cafés mais frequentados na cidade, sendo identificados como cafés “falado, comentado, frequentado por uma freguesia seleta e escolhida, no meio da qual se distinguiam relevantes figuras das nossas letras e das nossas artes” (PINTO, Lauro. A Natal que eu vi. Natal/RN: Imprensa universitária, 1971. p. 41.).
Daí por diante o Magestic passou a ser exclusivamente café e bar, extinguindo as atividades de bilhares e jogos de outrora realizados no Potiguarânia. Se o Potiguarânia funcionava das 9 horas até às 22 horas (A REPUBLICA, 3 set. 1900.), os encontros no Magestic entravam pelas madrugadas alegres e estendiam-se até que seus frequentadores pudessem saudar o Sol.
CIGARRA
Mesmo depois do seu fechamento A Potyguarania ainda permeava na lembrança do natalense, tanto que quase deu nome a Cigarra, a “revista mundana ilustrada”, denominação registrada por Manoel Rodrigues de Melo, surge, no final da década de 20, como “uma grande novidade”. Em torno de sua publicação foi criada uma expectativa de se ter, no cenário potiguar, a presença de uma revista capaz de cantar “bem alto as belezas e as doçuras” da terra norte-rio-grandense, uma vez que essa aparece numa das “fases mais movimentadas da vida social e intelectual da cidade” (MELO, 1987, p. 113). Os sinais das repercussões da revista, no meio natalense, são visíveis no jornal A República, que publica diversos artigos como “Natal vai ter uma revista mundana”(jun. 1928), “Qual o nome que deverá ter a nova revista?”(ago. 1928), “A Nova Revista”(ago. 1928), “CIGARRA – Circulará hoje à tarde o primeiro número” (nov. 1928), “CIGARRA – O grande sucesso da revista” (nov. 1928).
Cigarra teve, para escolha de seu nome, um concurso realizado com repercussão fora das fronteiras do estado, vindo indicações de São Paulo, Pernambuco e Paraíba. Concorreram nomes de referência regional – Potyguarania (479 votos) (Este nome seguiria uma tradição local de homenagem à cultura primitiva, a exemplo de um antigo “café” que existiu em Natal até mais ou menos 1919, cujo nome também era “Potigarânia” que foi substituído pelo “moderno” “café “Magestic”. Sobre o assunto, Cf. GUIMARÃES (1999).), Romã (127 votos), Porangaba (124 votos) Nordestina (48 votos), Potyguara (39 votos), Primavera (31 votos), Revista Nordestina (12 votos) Potyra (5 votos) – e outros voltados para o moderno – Kodak (382 votos), Garota (105 votos) Atlantida (24 votos), e Leader (11 votos).
FONTES:
Caminhos de Natal / Jeanne Fonseca Leite Nesi ; ilustrações, Urban Sketchers Natal. – Dados eletrônicos (1 arquivo PDF). – 2. ed. – Natal, RN : IPHAN, 2020.
Cantos de bar: sociabilidades e boemia na cidade de Natal (1946-1960) /Viltany Oliveira Freitas. – 2013.
“Em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal”: a vida intelectual natalense (1889-1930) / Maiara Juliana Gonçalves da Silva. – Natal, RN, 2014.
MELO, Manoel Rodrigues de. Dicionário da Imprensa no Rio Grande do Norte: 1909-1987. Natal: Fundação José Augusto, 1987. (Documentos Potiguares, 3).
Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na Belle Époque Natalense (1900-1930) / Márcia Maria Fonseca Marinho. – Natal, RN, 2008.