A Cidade de Natal na virada dos séculos XVIII para o XIX

Como era a Cidade de Natal na virada dos séculos XVIII para o XIX? Esta postagem desvenda os aspectos econômicos e políticos deste período, bem como desenha os traços urbanos do aglomerado de pouco menos de 300 habitantes. Também contribuiu para elaborar este cenário, o relato de Natal que um inglês viu: John Theodore Koster.

O personagem

Filho do comerciante inglês de Liverpool, John Theodore Koster, Henry Koster nasceu em Lisboa, Portugal. Não se sabe ao certo a data do seu nascimento, mas ao chegar no Recife, no dia 7 de setembro de 1809, consta que tivesse 25 anos de idade.

Considerado um dos mais importantes cronistas sobre o Nordeste brasileiro, Koster viajou para o Brasil em busca de um clima tropical para curar uma tuberculose. Travels in Brazil Teve um papel importante na vida social, artística e até política do Recife na época. Fez muitas amizades, conheceu governadores, senhores-de-engenho, comerciantes, coronéis.

Falava o português com fluência, o que fazia com que algumas pessoas duvidassem da sua nacionalidade, tratando-o brasileiramente por Henrique da Costa.

Em 1810, sentindo-se bem melhor da doença que o acometia, resolveu viajar a cavalo para a Paraíba, passou por Natal rumo a Fortaleza, no Ceará. Voltou ao Recife no início de fevereiro de 1811 e já no final do mês viajou novamente, desta vez por mar, para o Maranhão, de onde regressou para a Inglaterra.

Escritor ingês, Henry Koster, que viajou pelo Brasil e publicou na Inglaterra, em 1816, o livro Travels in Brazil – uma obra bastante respeitada por grandes mestres como Câmara Cascudo e Oswaldo Lamartine, esse primeiro tendo sido o tradutor do livro original nos anos 1940.

O Henry Koster – “o exato Koster” para Cascudo – é a principal fonte de informações etnográficas e históricas do início do séc. XIX. Do Koster H., Cascudo traduziu e comentou o importante livro “Viagem ao Nordeste do Brasil” (1816). Cascudo também perguntou muito através das “cartas perguntadeiras”, e utilizou todas as informações que lhe chegou às suas mãos e ouvidos até o dia de finalizar a sua História da Cidade de Natal. Uma história incompleta, mas imprescindível.

O relato do viajante inglês, que foi proprietário de engenho e terras no Brasil entre 1809 e 1820, contém valiosas descrições da estrutura sócioeconômica do Nordeste no início do século XIX, ocupando-se da escravidão, das relações entre as etnias, da família, da religião e das mentalidades.

Vindo de Pernambuco, onde se instalara para tratar da sua tuberculose sob os auspícios do clima dos trópicos, o português filho de ingleses Henry Koster chegou a Natal em fins de 1810.

Registrando sem parcimônia tudo pelo caminho, desde as explicações para os topônimos, os costumes, o uso da rede, a tipologia habitacional ou o fausto de um jantar em uma casa-grande, não lhe escapou a aridez, a desolação e a dificuldade para chegar à capital da então província do Rio Grande do Norte por via terrestre. As dunas, em turbilhão pelo vento violento, mudando sempre de forma e posição, tornava a marcha lenta e cansava homens e animais, quer em comboios com mercadorias, quer em pequenas expedições como a de Koster.

Henrique da Costa – assim foi chamado por seus coetâneos, em Itamaracá, o viajante Henry Koster. Súdito inglês nascido em Lisboa, Koster viveu entre 1793 e 1820, estando sepultado no histórico Cemitério dos Ingleses, em Santo Amaro, no Recife.

Encontro com André de Albuquerque Maranhão

Em Cunhaú foi registrado em 1810 o encontro entre Koster e André de Albuquerque Maranhão, líder da Revolução de 1817 no RN, onde foi recebido com um banquete.  Vamos deixar o britânico contar sua experiência:

“No dia seguinte chegamos a Cunhaú, o engenho do coronel André d’Albuquerque Maranhão, chefe do ramo Maranhão da numerosa e distinta família dos Albuquerques. E um homem de imensas propriedades territoriais. As plantações de Cunhaú ocupam quatorze léguas ao longo da estrada e foi adquirida outra terra vizinha, igualmente vasta. Do mesmo modo, as terras que ele possui no Sertão, para pastagens do gado, supõem não inferiores de trinta e quarenta léguas, desta que é preciso andar-se três e quatro horas para vencer-se uma.

Trazia-lhe cartas dos seus amigos de Pernambuco. Encontrei-o sentado à porta, com o capelão e muitos dos seus criados e outras pessoas empregadas em seu serviço, gozando a frescura da tarde. É um homem com cerca de trinta anos, bem feito e com um talhe acima do mediano, com maneiras gentis, ou melhor, corteses, como os brasileiros de educação geralmente possuem. O coronel reside no seu engenho feudal. Seus negros e demais serviçais são numerosos Comanda. o regimento de cavalaria miliciana e o tem em bom estado, atendendo-se às condições da região. Veio para perto de mim, logo que desmontei, e lhe entreguei as cartas que levava, e ele as pôs a parte para ler com sossego. Fez-me sentar e conversou sobre varias questões, meus planos, intenções, etc. Levou-me aos aposentos reservados aos hospedes, a pequena distancia dos seus. Encontrei um bom leito, trouxeram água quente numa grande bacia de latão, e todo o necessário foi providenciado. Tudo era magnifico e até as toalhas tinham franjas. Quando acabei de vestir-me esperei ser chamado para jantar mas, com surpresa, apenas a uma hora da madrugada é que um criado veio buscar-me. Encontrei, na sala de jantar, uma comprida mesa inteiramente coberta de pratos incontáveis, suficientes para vinte pessoas. Sentamo-nos, o coronel, seu capelão, outra pessoa e eu. Quando eu havia saboreado bastante para estar perfeitamente saciado, surpreendeu-me a vinda de outro serviço, igualmente profuso, de galinhas, pasteis, etc., e ainda apareceu um terceiro, tendo pelo menos, dez especies diferentes de doces. O jantar não podia ter sido melhor preparado nem mais perfeito mesmo se fosse feito no Recife, e um epicurista inglês teria ali com que agradar seu paladar. Só foi possível retirar-me as três horas. Meu leito era ótimo e tive ainda mais prazer por não esperar encontrar um, naquelas paragens.

Pela manhã, o coronel não me quis deixar partir sem almoçar, chá, café, bolos, tudo de excelente gosto. Levou-me, em seguida, para ver seus cavalos e insistiu comigo para que escolhesse um deles, deixando ali o meu, afim de recebe-lo em melhor estado quando de minha volta, pedindo-me que substituísse meus animais de carga, ainda com boa resistência, pelos seus. Recusei aceitar seus oferecimentos.” (Henry Koster, Viagem ao Nordeste do Brasil).
A imagem do senhor de engenho, para o viajante, continua positiva em outro trecho em que ele diz que André de Albuquerque era compassivo com sua escravaria, tendo o hábito de permitir que os escravos mantivessem suas roças particulares em sua terra, não retirando dessas roças seu próprio sustento; e também que ele possuía por volta de 150 escravos, o que surpreendia Koster por ele acreditava ser necessário muito mais homens para cuidar de uma propriedade do tamanho de Cunhaú. Isso era ”uma prova da bondade do seu temperamento”.

Esta é a mais antiga imagem que retrata o lendário Engenho Cunhaú, na cidade de Canguaretama, no Rio Grande do Norte. Observa-se o que restou da antiga Casa-Grande, então convertida em armazém e na sua frente as ruínas da Capela de Nossa Senhora das Candeias, hoje sede do Santuário dos Mártires de Cunhaú. O episódio mais vivo do herói potiguar André de Albuquerque Maranhão é a visita de Henry Koster, que fazia a viagem por terra de Recife ao Ceará. É o documento único que nos resta da fisionomia do senhor de Cunhaú. Foto do acervo do Instituto Tavares de Lyra.

Descrição de Natal

Desde a fundação da Cidade de Natal, no século XVI, o desenvolvimento do sítio urbano se assinalou lento, segundo os relatos analisados por Câmara Cascudo. Neste período, poucas casas eram erguiadas, mesmo em seu centro, que no século XVIII contava com três igrejas, Casa de Câmara e Cadeia, Armazém, Casa da Alfândega e dos Contos Reais, Real Erário/Tesouraria da Fazenda.

Igreja da Matriz da Nossa Senhora da Apresentação.
Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.
A igreja do Bom Jesus das Dores situada na Ribeira foi a 4ª igreja construída na capital potiguar em 1772. A paróquia, no entanto, só viria ser criada na década de 1930 sendo a terceira em ordem de criação de paróquias de Natal.
Antigo prédio da Casa de Câmara e Cadeia do Natal, onde André de Albuquerque foi preso, ferido e jogado de uma das janelas. Foto: Acervo Tavares de Lyra.
Na alfândega de Natal, armazenavam-se mercadorias importadas e exportadas que transitavam pelo porto da capital da província. A Alfândega, que chegou a dar nome à rua que hoje corresponde à Rua Chile.

O crescimento de Natal se tornou mais evidente em meados do século XVIII, fomentado pela expansão do ideário iluminista que apresenta o homem como centro. A partir de então, a cidade passa a ser considerada como outra natureza, criada pelo homem, e que a partir desse pensamento vem a ser entendida como um reflexo da própria humanidade, adquirindo um novo status quo.

Enquanto na Ribeira (Cidade Baixa), constata-se que sua ocupação se deu a partir do século XVIII, por fazendas e chácaras, depois construção da ponte de Barros Braga, por volta de 1736 (ligando a Cidade Alta à Ribeira). Essa construção comprova a existência de uma população no local. Sobre a referida ponte, o historiador da cidade relata que “depois da ‘ladeira’ (muito tempo após, Rua da Cruz) a Campina guardava, perene e seguro, o grande pântano alimentado pelas marés. Havia uma pontezinha. Era um quadrado imenso, desolado, silencioso…” (CASCUDO, 2007, p. 42). Também no século XVIII, a Ribeira consolida-se como bairro a partir da construção da Capela, que seria
mais tarde a Igreja de Bom Jesus das Dores.

Descrição de Natal, por Henry Koster, 1810: (KOSTER, 1978, p. 110). As construções foram feitas numa elevação a pequena distância do rio, formando a cidade propriamente dita porque contém a Igreja Matriz.

Contudo, chamou-lhe ainda mais atenção a condição daquela cidade chamada Natal, onde a configuração do seu espaço urbano mal se esboçava nas poucas, empoeiradas e incompletas ruas da Ribeira e da Cidade Alta, como se lê no registro espantado que deixou:

“cheguei ás onze horas da manhã á cidade do Natal, situada sobre a margem do Rio Grande ou Potengi. Um estrangeiro que, por acaso, venha a desembarcar nesse ponto, chegando nessa costa do Brasil, teria uma opinião desagradável do estado da população nesse país, porque, se lugares como esse são chamados de cidades, como seriam as vilas e aldeias? Esse julgamento não havia de ser fundamentado e certo porque muitas aldeias, no Brasil mesmo, ultrapassam esta cidade, o predicamento não lhe foi dado pelo que é, ou pelo que haja sido, mas na expectativa do que venha a ser para o futuro”.

Consiste numa praça cercada de residências, tendo apenas o pavimento térreo, as igrejas que são três, o palácio, a câmara e a prisão. Três ruas desembocam nesta quadra, mas elas não possuem senão algumas casas de cada lado. A cidade não é calçada em parte alguma e anda-se sobre uma areia solta, o que obrigou alguns habitantes a fazerem calçadas de tijolos ante suas moradas. Esse lugar contará seiscentos ou setecentos habitantes.

À tarde, saímos passeando para ver a cidade baixa. É situada nas margens do rio e as casas ocupam as ribas meridionais e não há, entre elas e o rio, senão a largura da rua. Essa parte pode conter 200 a 300 moradores e aí residem os negociantes do Rio Grande.
Como se pode ver, a primeira descrição é sobre o bairro da Cidade Alta, cuja infraestrutura ainda continuava sem um grande desenvolvimento das construções e da estrutura da cidade. A segunda citação trata-se do bairro da Ribeira, no qual concentrava a parte comercial de Natal e até então também pouco desenvolvida.

Santa Cruz da Bica.

Ribeira

Do século XVIII ao início do século XIX, o bairro da Ribeira caracterizou-se pela sua geografia, estando localizado em uma região pantanosa e insalubre, sendo até então ocupado pelas classes mais baixas. Cascudo descreve a Ribeira como:

Cercada pelas dunas e pelos coqueiros, cinquenta ou cem casas tímidas e espaçadas anunciavam a cidade. Gameleiras, tatajubeiras, mungubeiras davam o lugar das prosas. Era a Ribeira, pequena, triste, atufada em brejos, circundada de lagoas, de atoleiros, de pântanos. Era o alvo das rajadas de cólera e bexigas. Lugar enfim onde moravam a pobreza, a indigência e a miséria – gritava, em 1850, João Carlos Wanderley no relatório à Assembléia (2007, p. 42).

O autor também faz referência ao difícil acesso entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa, ressaltando a necessidade de uma intervenção política na estrutura física da urbe (no caso, um aterro), bem como explicitar o interesse na ocupação e na regulamentação das terras do bairro:

A única via de acesso entre Cidade Alta e Ribeira era a ladeira íngreme, escorregando feito sabão depois das chuvas. Nos papéis velhos a frase comum é o aterro. João da Costa Santiago pede em 11 de dezembro de 1782 o título das casas em que mora ao pé do aterro que vai para a Ribeira desta cidade. Ou a cruz. Ricardo Witshire, a 30 de janeiro de 1790, requer chão para construir “no apartamento dos caminhos que vão desta cidade para a Ribeira, entre a cruz e as casas de Dona Eugrácia”. Essa Dona Eugrácia Maria e mais duas manas eram possuidoras de “cinco braças de terra para construir casas de
taipa no caminho que vai para a Ribeira, defronte da cruz que divide as duas estradas” (CASCUDO, 1999, p. 148).

O bairro da Ribeira inicialmente é descrito, nos séculos XVIII e XIX, como um espaço desvalorizado e insalubre, destacando as rixas que havia entre os moradores dos bairros da Cidade Alta e da Ribeira, denominados de Xarias e Canguleiros, respectivamente. Essas rixas inferiorizavam os moradores da Ribeira no contexto social da então pequenina capital, observando-se os valores de mercado dos peixes Xaréu e Cangulo, sendo o primeiro de alto valor comercial.

Em 1868 era publicado o ATLAS DO IMPÉRIO DO BRASIL, de autoria de Cândido Mendes de Almeida, no qual consta um mapa relativo à então província do Rio Grande do Norte. Encartadas no mesmo mapa, figuram uma planta de Natal e uma topografia do porto. Pesquisas procedidas nos levaram a determinar o ano de elaboração do mapa: 1864, quando a província era presidida pelo Dr. Olinto José Meira.
Hoje me deparei com essa foto de O Malho de 3
junho de 1905. Seria o Salgado da Campina da Ribeira, onde hoje está a Praça Augusto Severo?
Os registros históricos nos dizem que, nesse
ano, os retirantes da seca estavam trabalhando no aterro da área, mas a paisagem está muito diferente. Por Eduardo Alexandre Garcia.

Emancipação

Na virada do século XVIII para o século XIX o Brasil Colônia se agitava pelos ideais iluministas pela independência de Portugal. O Rio Grande do Norte era uma província subordinada a Pernambuco. A tão sonhada autonomia administrativa nunca antes havia sido obtida em sua história (primeiro a subordinação se deu a Bahia e em diferentes períodos a Paraíba e Pernambuco).

Em carta o Senado da Câmara de Natal escreveu a dona Maria I, em 05 de outubro de 1799, solicitando-lhe a emancipação da capitania do Rio Grande do Norte da de Pernambuco, como havia ocorrido com as da Paraíba e do Ceará. Para tanto, em tom panfletário, os oficiais da Câmara exaltam as várias produções da capitania, como algodão, farinha de mandioca, arroz, açúcar, milho, pau-brasil, sal e gado bovino, e insistem na abundância dos peixes no litoral, acrescentando que a capitania “(…) tem belos portos marítimos, e bons surgidouros (Ancoradouros), porquanto o desta cidade franqueia entrada a embarcações d’alto bordo, (…)”, uma referência direta ao porto de Natal.

Apesar de não citar o Rio Potengi especificamente, mas a capitania como um todo, esse rio era certamente uma das fontes da “pujança” econômica da capitania, motivo que justificava, aos olhos dos oficiais da Câmara, a independência de Pernambuco.  O documento foi escrito em apoio ao capitão-mor, que era objeto de uma investigação pelos maus-tratos à população da capitania. AHU – RN Cx. 10, Doc. 625.

Koster, Henry – Travels in Brazil, London: Longman, Hurst, Rees, Orme, and Brown, 1816.

Economia

De fato, a existência de portos, de onde se exportava para Pernambuco peixes e outros produtos, como o algodão, expressa um aspecto importante da economia potiguar entre fins do século XVIII e início do seguinte. Baseado num documento de 1822, Dias (2008), que estudou as dinâmicas mercantis coloniais da capitania do Rio Grande do Norte entre 1760 e 1821, menciona, por exemplo, a existência de 23 portos secos na capitania, voltados principalmente para a exportação do algodão. Segundo Francisco Ribeiro Dias, os “portos secos” se distinguiam dos “portos molhados” ou do “mar” por se situarem em rotas comerciais mercantis carroçáveis ou em rios volumosos e trafegáveis. Apud, Dias (2008: 138). Dois deles, conclui o autor, se situavam em Natal.

Nesse período se destaca o florescimento comercial de algumas localidades situadas às margens do Rio Salgado, como o Rio Potengi ou Rio Grande passou a ser chamado no século XIX. Esse florescimento tem profundas implicações para a cidade do Natal.

O oficio do Capitão-mor do Rio Grande do Norte, José Francisco de Paula Cavalcanti Albuquerque, datado de 15 de abril de 1807, serve com introdução a este novo momento. Ele afirma que

(…) há diversas freguesias e povoações no seu termo [Natal], que vão em aumento, e é o total de seus habitantes 6 290. A maior parte dos víveres são transportados para a cidade pelo rio, em razão de ela ser cercada distante três léguas pela parte do sul, por grandes morros de areia (…) os seus edifícios são todos muito maus, à exceção da casa de residência dos governadores, do Erário e da casa de Câmara. Há no dito termo 33 fazendas de gado (…) 7 engenhos de fazer açúcar e 4 engenhocas de fazer rapaduras e aguas ardentes (…) a abundância de peixes fornece aos ditos povos e a todos os mais que habitam nas vizinhanças de toda a costa, um grande comércio, pois em toda ela pescam, apesar da falta de mãos que lhe facilitem a pesca. O azeite tanto de peixe como de mamona de que há uma fábrica na cidade, também é um ramo de comércio apenas principiado que vai em grande aumento.

A rota de abastecimento fluvial de Natal, pelo Rio Grande ou Salgado denota um processo de desenvolvimento da atividade comercial ao longo de seu trecho navegável, unindo Natal a pequenas localidades e entrepostos comerciais que vão se desenvolver graças, precisamente, à atividade comercial, à feira, à importação e exportação. Rodrigues (2006: 51-61).

Koster, Henry – Travels in Brazil, London: Longman, Hurst, Rees, Orme, and Brown, 1816.
Koster, Henry – Travels in Brazil, London: Longman, Hurst, Rees, Orme, and Brown, 1816.
Koster, Henry – Travels in Brazil, London: Longman, Hurst, Rees, Orme, and Brown, 1816.
Koster, Henry – Travels in Brazil, London: Longman, Hurst, Rees, Orme, and Brown, 1816.

Obras

Um ou mais caminhos ligando a cidade do Natal ao Rio Grande devem ter existido desde o início da colonização Contudo, um desses caminhos antigos é explicitamente citado em documento de 1805. Ele ligava o rio à acrópole, ou cidade alta, onde ficava a cidade
propriamente dita. Uma ladeira íngreme, as chuvas dificultavam o trânsito de pessoas e mercadorias por ela.

O Capitão-mor Lopo Jaoquim de Almeida Henriques fez melhorias
significativas na ladeira, segundo um documento escrito e assinado pelos vereadores de Natal, juntamente com a “principal nobreza da população desta cidade”, em 29 de maio de 1805. Os autores do documento dizem que

(…) até a grande estrada que fez Lopo Joaquim de Almeida Henriques, do desembarque do porto para esta cidade, a grande obra e também a última de que falamos a Vossa Alteza Real. Aqui é onde este governador se faz admirar e rouba a atenção de toda a população, as grandes cavidades que faziam as enxurradas (…) deixava um passo íngreme a subida do desembarque da cidade, porém Lopo Joaquim não perde de vista esta grande obra: chama operários e atenta, e muitas vezes foi visto com uma picareta na mão ensinar a despedaçar e a arrancar pedras soberbas; outras vezes ele mesmo também com os seus próprios braços pegando na enxada, ensinou a aplainar e endireitar a mesma estrada, fazendo teabalhar nesta laboriosa empresa e até muitas vezes sustentado a sua custa todos aqueles presos que se achavam a sua voz recolhidos à cadeia, e em pouco tempo (…) apresenta e ao público um plano inclinado por onde desembaraçadamente se desce e sobe sem a menor objeção e dificuldade ( O documento foi escrito em apoio ao capitão-mor, que era objeto de uma investigação pelos maus-tratos à população da capitania. AHU – RN Cx. 10, Doc. 625.).

O relato destaca que o caminho ligando o porto, localizado à margem do Rio Grande, e a cidade –já existia, e devia ser muito antigo. Essa estrada íngreme era conhecida como “Rua da Cadeia” por se iniciar na praça central da cidade próximo à casa de Câmara e cadeia, situada na acrópole.

População

Um mapa construído pelo capitão-mor José Francisco de Paula Cavalcanti e Albuquerque em 31 de dezembro de 1805 registrava que a população de Natal possuía 6393 habitantes. Nesse mesmo período, a cidade já havia se expandido para os bairros: Passo da Pátria, Barro Vermelho, Alecrim, Quintas, Guarita, Refoles (hoje Base Naval) e Guarapes.

Este censo que não tem maior significação para o nosso caso, porque abrangente de toda a população do município. Um outro de 1808, com a mesma generalidade: 5.919.

De A primeira notícia do século XIX por um visitante é a de Henry Koster, fins de 1810: três ruas desembocavam na 
praça da matriz, nenhum calçamento, população de seiscentos ou setecentos habitantes ( Henry Koster, 1942, pág. 110). Nos anos mais próximos da independência estaria entre 1.000 e 1.200 pessoas (POMBO, 1922, pág 205).

Às margens do Rio Grande se desenvolve, em Natal, uma área comercial, para além da feira do Passo da Pátria, detectada por Henry Koster (1978: 89) quando de sua passagem em 1810. Ele calculou que nessa área às margens do rio viviam entre 200 e 300 habitantes, e nela residiam “(…) os negociantes do Rio Grande.” Era a Ribeira.

O bairro da Ribeira foi o segundo a se consolidar na Cidade de Natal. Sua ocupação foi lenta, assim como o desenvolvimento da cidade como um todo nos primeiros séculos, para somente a partir do século XVIII iniciar seu processo de crescimento e formatação de sua identidade, consolidando-se como bairro através principalmente da construção da ponte Barros Braga e da Igreja Bom Jesus das Dores. No século XIX, como observado por Henri Koster, a Ribeira já desponta como o bairro comercial da cidade, devido principalmente à presença do Porto.

Koster, Henry – Travels in Brazil, London: Longman, Hurst, Rees, Orme, and Brown, 1816.
Koster, Henry – Travels in Brazil, London: Longman, Hurst, Rees, Orme, and Brown, 1816.

Isolamento

Desde o início do século XIX já se mencionava o isolamento da capital, como vimos no relato do Capitão-mor José Francisco de Paula Cavalcanti Albuquerque, de 1807, para quem a cidade estava isolada pelo rio e pelas dunas. Em sua viagem de 1810, Henry Koster também detectou as dificuldades de acesso a Natal por causa das
dunas, no trecho entre Natal e a Vila de São José, atual São José de Mipibu, situada cerca de 30 km ao sul de
Natal. (KOSTER, 1979: 86-87).

Henry Koster, em sua vista à cidade em 1810, também fez uma série de considerações sobre o porto de Natal, destacando que:

A barra do Potengi é muito estreita mas tem profundeza para navio de 150 toneladas. A margem setentrional avança consideravelmente e, por essa razão, é necessário que o navio rume ao sul para entrar. O canal no meio dos arrecifes que ficam à pequena distância da praia, requer conhecimento.

Enfim o Porto é de acesso difícil. O mesmo autor também irá citar a capacidade do Porto da cidade do Natal, este pode abrigar de “seis a sete navios”, bem como também fará referência às regiões inundadas de difícil acesso, onde haverá uma intervenção governamental através da construção de uma calçada, o que viabilizaria o tráfego, denotando assim a importância legada ao porto no período em questão.

Dentre os principais produtos exportados pelo porto potiguar no século XIX, poderíamos destacar:
 O algodão – que representava uma parcela da economia sertaneja, principalmente da região do Seridó.
 O sal – que era proveniente principalmente do litoral setentrional da província.
 A cera de carnaúba – que era produzida em mais larga escala nos vales dos rios Mossoró, Apodi, Assu e Piranhas.
 A cana-de-açúcar – vinda do litoral oriental.

Esse discurso se intensifica principalmente a partir de meados do século XIX, ao mesmo tempo em que, e não por acaso, começa a se discutir a possibilidade de mudança da capital para outras localidades, mais propícias do ponto de vista da interligação com o interior e, por conseguinte, para o desenvolvimento do comércio.

Koster, Henry – Travels in Brazil, London: Longman, Hurst, Rees, Orme, and Brown, 1816.

Dica de Leitura
200 anos de viagem de Henry Koster pelo RN – Flávio Gameleira
Cooperativa Cultural Universitária – Centro de Convivência do Campus da UFRN.
Preço: R$ 40.

Referências bibliográficas:

ROTEIROS TURÍSTICOS CULTURAIS: UMA ANÁLISE PROPOSITIVA NOS BAIRROS DA CIDADE ALTA E RIBEIRA/NATAL POR ISABELLA LUDIMILLA BARBOSA DO NASCIMENTO

Natal Não-Há-Tal: Aspectos da História da Cidade do Natal/ Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo; organização de João. Gothardo Dantas Emerenciano. _ Natal: Departamento de Informação, 
Pesquisa e Estatística, 2007.

O BAIRRO DA RIBEIRA COMO UM PALIMPSESTO: dinâmicas urbanas na Cidade de Natal (1920-1960). Anna Gabriella de Souza Cordeiro. Natal-RN
Julho de 2012.

O rio Potengi e a cidade do Natal em
cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos. Rubenilson B. Teixeira.Confins: Revista Franco-Brasileira de Geografia

Consultas:

CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal. Natal: IHG/RN, 1999.

DIAS, Thiago Alves. Dinâmicas mercantis coloniais. Capitania do Rio Grande do Norte (1760-1821). Dissertação de mestrado: Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011.

KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. Coleção Pernambucana, Vol. XVII. Recife : Secretaria de Educação e Cultura, 1978.

Henry Koster, Viagens ao Nordeste do Brasil, tradução e notas de Luís da Câmara Cascudo, São Paulo, Compainha Editora Nacional, (vol. 221 da Coleção Brasiliana), 1942.

Rocha Pombo, História do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Anuário do Brasil, 1922.

RODRIGUES, Wagner do Nascimento. Dos caminhos de água aos caminhos de ferro: a construção da hegemonia de Natal através das vias de comunicação (1820-1920). Dissertação de Mestrado: Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2006.

Fontes da consulta:

CÂMARA CASCUDO E A CONSTRUÇÃO DA (HISTÓRIA DA) CIDADE: REPRESENTAÇÕES E SABER URBANÍSTICO NOS ANOS 1920. Angela L. de A. Ferreira Anna Rachel B. Eduardo Alenuska K. G. Andrade George A. F. Dantas. HCURB/DARQ/UFRN.


Edição da Tribuna do Norte em 02/09/2017

A CONSTRUÇÃO DO BAIRRO DA RIBEIRA NO CONTEXTO URBANO DA CIDADE DO NATAL ATÉ O FINAL DO SÉCULO XIX – ANNA GABRIELLA DE SOUZA CORDEIRO.


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