A antiga ponte de Igapó
“Ao entrar pela Ponte Velha de Igapó, mal percebia o cansaço e as dores de tão longa e ansiosa viagem. Senti medo ao ouvir o barulho das placas de ferro da ponte. e como num sonho, surgiu a Cidade do Sol. Era realmente linda”.
(Auricéia A. lima)
A Ponte do Potengi Presidente Costa e Silva (mais conhecida como Ponte de Igapó, em referência ao bairro onde a ponte está localizada; ou ainda Ponte Velha, em referência a ponte nova), é uma ponte pênsil simples sustentada por vãos de ferro e concreto armado, localizada na cidade de Natal. Sua função era a de permitir a passagem dos trens da Estrada de Ferro Central, facilitando o transporte entre a Capital e o interior do Rio Grande do Norte, que até então só era possível transpondo-se o Rio Potengi por meio de embarcações. A construção iniciou em 1913 e teve sua conclusão em 1915. Foi inaugurada em 20 de abril de 1916 e era totalmente de ferro e só possuía duas vias em sentidos opostos, mais a linha férrea.
Desativada desde 1970, quando foi construída a ponte de concreto, sua construção permanece como exemplo da funcionalidade e eficiência da engenharia antiga, superando em muitos aspectos as técnicas contemporâneas. Apesar do flagrante abandono, sua importância se mantém para além da ferrugem.
A ponte de ferro impulsionou o desenvolvimento comercial de Natal a partir do século XX. O comércio com interior era difícil e muita coisa era feita apenas pelo rio Potengi. Ela foi projetada para dar vasão ao transporte de cargas e pessoas ao longo dos 550 metros de extensão no eixo Natal/Ceará-Mirim. A construção começou em 1912 e todo o material veio da Inglaterra. O projeto foi assinado pelo engenheiro francês Georges Camille Imbaul.
A ponte para a capital
No começo do século XX, na fala de muitos dos intelectuais, do isolamento da cidade de Natal, causado pela natureza, ou seja, cercada por dunas, rios, charcos e lagoas, que promovia o atraso da cidade até fins do século XIX. Henrique Castriciano defendia que Natal “Devia estar na outra margem ou, por exemplo, em Guarapes, onde se poderia com despesa relativamente pequena, construir uma ponte que desse passagem ao commercio do centro. Como succedeu, ficou sem comunicação facil para o interior, tendo em frente o Potengy, com largura considerável, – tresentas braças approximadamente – e tendo à leste e ao sul grandes morros arenosos, sem prestimo para nada, verdadeiros parenthesis de terra inculta e má.(…)”. Ao final ele reafirmava: “Assim ficamos, por assim dizer, enkistados e, três séculos depois, é ainda grande o nosso atraso.” (CASTRICIANO, Op Cit. p. 221).
A ideia não era isolada. A primeira proposta de mudança de capital acontecida na província do Rio Grande do Norte aconteceu em 1855. A cidade candidata à nova sede política era São José de Mipibu, que havia adquirido certo desenvolvimento econômico e por isso uma representação política proeminente na assembléia provincial. Durante a ascensão do açúcar no litoral do Rio Grande do Norte, o município era uma das zonas açucareiras mais produtivas dessa cultura.
Três anos depois, após o surgimento do entreposto de Guarapes, esse debate é retomado e a mudança seriamente considerada. A princípio não havia recursos para a mudança e acabou-se por investir em Guarapes como um entreposto que poderia vir a ser ou não no futuro – dependendo do ponto de vista do administrador e suas alianças políticas – a nova capital da província.
Em 1861, o presidente Figueiredo Junior se posiciona contra a mudança da sede administrativa, por acreditar que não havia porto em condições mais favoráveis que o de Natal. O presidente Luiz Barbosa da Silva, em 1867, coloca em pauta mais uma vez a localização primitiva da cidade como um entrave para o desenvolvimento da província. O presidente Silvino Carneiro da Cunha descartaria essa hipótese em 1870, mas seria retomada dois anos depois, em um contexto bem diverso. O presidente via na lei que autorizava a construção de uma ferrovia ligando Natal a Ceará-Mirim e uma ponte de ferro no “Rifoles” a saída para o estado de isolamento da cidade.
Dentre essas concessões, somente o trajeto de Natal a Nova Cruz seria levado adiante nos anos seguintes, mas a primeira concessão, que previa a ligação de Natal ao vale do Ceará-Mirim, geraria polêmica nos poderes locais da província a respeito de uma provável mudança de capital.
Cabe aqui esclarecer que essa ferrovia integrava a capital à região mais próspera e produtiva da província, e ela fazia parte de um conjunto de ações que tencionavam melhorar e modernizar a produção e o escoamento do vale do Ceará-Mirim.
A princípio, a estrada e a ponte foram vistas como a grande saída para o estado de penúria dos cofres provinciais e uma via que implementaria transporte para Natal, tornando seu comércio forte e seu aspecto condizente com seu foros de capital. No entanto, a pressuposta perenidade da capital da província em Natal seria posta em cheque, visto que a construção da via férrea obedecia a rígidos preceitos técnicos, bem diferentes da relativa adaptabilidade dos tradicionais caminhos de terra feitos até então. Havia valores mínimos para raios de curva e declividades, o que demandava uma série de obras, entre elas viadutos, túneis e pontes, que encareciam em muito os trajetos.
Seria pautado nas recomendações técnicas desse novo meio de transporte que Henrique Pereira de Lucena, em seu relatório de 1872, resgata a proposta de mudança da capital para um local de frente ao porto de Guarapes, na outra margem do rio. Para o Presidente, a linha de Natal a Ceará-Mirim deveria ser analisada mais detidamente e a proposta de mudança de capital “não devia ser esquecida, mas sim tomada na maior consideração, e sujeita a detido e flectido exame.” Invertia-se a lógica da centralidade. A ferrovia agora é que determinava o novo sítio da capital.
O principal objetivo era transferir a capital, usando-se para isso da mais variada argumentação, inclusive de desconstrução da pressuposta centralidade de Natal. A localização geográfica de Carnaubinha, como era conhecida a planície alagadiça, poderia reunir as características necessárias para desempenhar bem o papel de nova capital da província, tanto em nível regional como local. Por um lado, as várias estradas que confluíam para a cidade a tornariam uma praça comercial que integraria o fluxo de mercadorias vindas de várias partes da província e até de outras vizinhas. Por outro lado, o sítio ocupava um lugar plano e regular, com abundância de recursos naturais imprescindíveis para uma capital, como água potável, material construtivo e terrenos cultiváveis para alimentação da população.
A presidência da província parecia disposta a transferir a capital. A lei nº 659, de 10 de junho de 1873, desapropriava terrenos em Guarapes e Carnaubinha “com fundo de um até um e meio kilometros a partir da prea-mar sobre uma extensão pela margem direita do rio ‘Jundiahy’ até um e meio kilometros e pela margem esquerda até seis kilometros”. A lei ainda autorizava construir uma ponte de madeira no mesmo rio. As despesas com a desapropriação e a construção da ponte deveriam ser cobertas pelas verbas destinadas às obras públicas, autorizando igualmente créditos suplementares caso não fossem suficientes os recursos desse fundo. Isso indica claramente que havia intenções de estimular o adensamento urbano da região, através do estabelecimento de residências e casas comerciais, embora não houvesse um plano sistematizado de ocupação.
A primeira estrada de ferro a se implantar, em 1877, no Rio Grande do Norte ligava Natal a ova Cruz, e foi construída através da Lei Provincial nº 682, de 08 de 08de agosto de 1973. Sua concessão foi transferida para uma companhia inglesa a Imprerial Brasilian Natal and NovaCruz Railway Company Limited (Itamar de SOUZA, A República Velha no Rio Grande do Norte:1889-1930, p. 62).
Por sua vez, a segunda ferrovia a ser estabelecida no Rio Grande do Norte foi a “Central do Rio Grande”. Iniciada na seca de 1904, sua construção recebeu a orientação do engenheiro Sampaio Correia, inaugurando-se no dia 13 de junho de 1906, o trecho inicial Natal Ceará-Mirim. A obra foi inaugurada pelo governador Augusto Tavares de Lyra. Esteve presente o então presidente eleito Afonso Penna e comitiva.
A construção dessas linhas e das primeiras rodovias faz com que a capital norteriograndense passe por um processo de reafirmação da sua função como centro
principal administrativo e, principalmente, como núcleo de intercâmbio comercial do estado.
Esse reordenamento ou, melhor dizendo, o reforço dessa subordinação territorial, uma vez que Natal já era capital desde sempre, foi em grande parte possível graças à implantação da ferrovia, que desestabilizou o sistema anterior de comunicação fluvial pelo rio Potengi e com isso sufocou cidades que dele se beneficiavam, como Macaíba, gerou disputas acirradas com a elite política da cidade de Mossoró, curiosamente contrária à mudança de capital, e permitiu o investimento no porto e na cidade do Natal, outras facetas desse mesmo processo.
O porto e a ferrovia estavam indissociavelmente relacionados, fazendo parte de um mesmo e único sistema. Esse momento termina simbolicamente em 1916, ano em que se conclui a construção da ponte de ferro sobre o Rio Potengi, um marco em uma luta no mínimo centenária de transposição do obstáculo representado pelo Rio Potengi. A linha de ferro e sua ponte pareciam ser, no discurso da elite, a grande solução desejada para o futuro do estado do Rio Grande do Norte.
Na imagem abaixo, o ponto inicial da estrada no Rio Potengi. Era chamada de Estação da Pedra e ficada na margem da Zona Norte de Natal. Nesta época não havia ponte interligando as duas partes da cidade. Os passageiros desciam na estação e em seguida cruzavam o Rio Potengi em barcos. Após a construção da ponte metálica que possibilitou a passagem das locomotivas pelo referido Rio, a estação foi abandonada. Hoje só se encontram os restos do alicerces.
Os melhoramentos advindos da instalação do parque ferroviário abrangeriam a construção da ponte de Igapó, que viria a ser símbolo de modernidade e de um muro de arrimo que serviria de cais atracável para o porto e de ramal de ligação da linha com o parque ferroviário (BRASIL…, 1912). Dessa maneira, o parque objetivava a integração entre porto e ferrovia “sem rupturas, e de maneira a facilitar a fluidez e continuidade da rede de transportes” (RODRIGUES, 2006, p. 118). Posteriormente, no ano de 1912, é iniciada a construção de três galpões na Esplanada Silva Jardim, assim como a instalação da “Comissão de Melhoramentos de Natal” em suas dependências, dando impulso às obras da estação central, oficinas e almoxarifado na cidade do Natal (BRASIL…, 1912).
No ano de 1915 várias obras do parque ferroviário na Esplanada Silva Jardim já haviam sido concluídas, como as oficinas, a rotunda para máquinas, a ponte de atracação, o almoxarifado, o reservatório para água e os depósitos para carros. Outros trabalhos encontravam-se em iminente avanço como as obras de construção da ponte sobre o Rio Potengi e “outras instalações da Praça Silva Jardim” (BRASIL…, 1915).
Antes da Ponte
Estação Coroa, Estação do Padre e da Pedra Preta
A EFCRN começou a ser construída em 1904, para ajudar as áreas assoladas pelas secas. O primeiro trecho a ser concluído foi o de Natal a Ceará-mirim, que foi feito antes da construção da ponte de ferro de Igapó. Os trens paravam em uma estação que ficava do outro lado do rio Potengi, de frente para Natal, e então atravessava-se por meio de barcos para a cidade.
Ela ficou conhecida como Estação do Padre, da Pedra Preta ou da Coroa, na margem esquerda do rio Potengi e era a estação inicial da EFCRGN. Suas ruínas existem até hoje. A ponte só seria construída em 1916 e a Estação do Padre seria então desativada. A estação ficava praticamente na beira do rio, os trilhos atravessavam o mangue sobre um aterro. Ela não era tão grande assim, o que aparece na foto (abaixo, de 2004) são os alicerces da estação, pois as paredes ruíram totalmente.
“Até 1917, a estação que recebia todo o fluxo de passageiros e mercadorias da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte (EFCRGN) era a da Pedra Preta, mais conhecida como Estação do Padre, situada na margem esquerda do rio Potengi, de onde se atravessava para Natal através de embarcações. Com a conclusão da ponte de Igapó, em 1916, finalmente a esplanada Silva Jardim poderia ser ligada diretamente aos trilhos da Ferrovia. Mas a integração com a esplanada não seria tão simples. Enquanto não se concluíam os estudos e as desapropriações necessárias para ligar a linha ao pátio, foram feitas algumas improvisações.
Estação terminal provisória de passageiros da EFCRGN
O escritório da Central, localizado no pátio da Great Western, que antes recebia no seu cais os passageiros e mercadorias da Estação da Pedra Preta, com a chegada dos trilhos vira a estação terminal provisória de passageiros da EFCRGN. A ferrovia faz um acordo com a Great Western para utilizar seus trilhos no trecho entre Igapó e Natal. A estação provisória só era utilizada para o tráfego de passageiros, enquanto que a Estação da Pedra Preta continuou sendo utilizada para transporte de mercadorias e a Parada de Igapó para desembarque de animais.
Edifício da Rede Ferroviária do Nordeste
Ao fim, chegamos à conclusão que Natal teve quatro estações terminais em meados da década 1920! Três funcionando de fato e uma que nunca veio a ser estação.
Inaugurada em 1906, pelo Presidente Afonso Pena, a Estação Central de Natal integrava um parque ferroviário com instalações da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IFOCS). Tombado pelo Patrimônio Histórico da União em 1987 e recuperado pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). O prédio tornou-se sede do departamento em 2013.
Funcionou como a antiga Estação Ferroviária Federal Sampaio Correia e foi utilizado como escola pública. Localiza-se na Esplanada Silva Jardim, no Bairro das Rocas.
A estação de Natal foi inaugurada em 1881
Com a abertura da E. F. Central do Rio Grande do Norte (que depois teve o nome alterado para E. F. Sampaio Correa) em Natal, em 1917, passou a atender as duas ferrovias, embora uma estação tenha sido construída para esse fim pela EFCRN e inexplicavelmente jamais tenha sido utilizada como tal.
Esta estação, Natal-EFCRN, nunca funcionou como estação, embora tivesse um pátio muito movimentado.
A estação de Natal ainda está de pé, mas já há algum tempo sem tráfego algum de trens cargueiros, pois a atual concessionária da linha, a CFN, deixou de operar cargas no Rio Grande do Norte. Ainda é uma estação que agora é o ponto inicial dos trens metropolitanos, operada pela CBTU, e recebeu há algum tempo o pomposo nome de Poeta Diógenes da Cunha Lima, embora o prédio esteja bastante modificado em relação à sua arquitetura original, quase irreconhecível.
A linha que originalmente unia a estação de Brum, no Recife, a Pureza, próximo à divisa entre Pernambuco e Paraíba, foi aberta de 1881 a 1883 pela Great Western do Brasil, empresa inglesa que tinha a posse e a concessão da E. F. Recife ao Limoeiro. Esta linha avançou até Pilar, na antiga E. F. Conde D’Eu, incorporada à GW em 1901, onde sua linha, aberta em 1883, entre outros ramais, avançava até Nova Cruz, já no Rio Grande do Norte e da E. F. Natal a Nova Cruz, que também passou à GW, na mesma época. Para ligar estas duas últimas, a GW construiu em 1904 um trecho de 45 km, formando então o que veio a ser chamado de Linha Norte. Quando ocorreu a venda da GW para a Rede Ferroviária do Nordeste, no entanto, o trecho do RN já não mais pertencia à GW, mas foi incorporado à RFN, e em 1957 tudo isso foi uma das formadoras da RFFSA. A linha está ativa até hoje sob o controle da CFN, que obteve a concessão da malha Nordeste em 1996, mas trens de passageiros não circulam mais por essa linha desde os anos 1980.
A Construção
Em 1916 as obras de construção do parque ferroviário da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte se encontram em fase de intenso desenvolvimento. Apesar disso, para o seu pleno funcionamento a materialização de outra obra era imprescindível: a ponte sobre o Rio Potengi.
A ponte permitiria a comunicação da estrada de ferro, que até então atingia a localidade de Igapó – do outro lado do rio em relação a Natal – onde também se localizava então a primeira estação da linha, chamada também de Coroa, Pedra Preta ou Porto do Padre. A ponte consistia em uma obra de vulto, com participação de mais de 200 trabalhadores, cuja residência havia sido construída nas proximidades de Igapó – contribuindo assim à dinâmica de ocupação da área. A empresa responsável por sua construção é a The Cleveland Bridge & Engeering Company. Ltd., companhia norte-americana, que envia pessoal especializado – engenheiros e técnicos – para coordenarem o desenvolvimento dos serviços.
As linhas, depois de construída a ponte, margeariam o Rio Potengi em direção à Esplanada Silva Jardim, onde vários edifícios das oficinas já haviam sido erguidos e em fase de finalização estava o da estação central, também sede administrativa da companhia. No dia 27 de fevereiro de 1913 chegam ao porto de Natal as ferragens para a construção da ponte.
Em janeiro de 1913, assumem os cargos de diretor e engenheiro chefe de fiscalização da Estrada de Ferro Central, respectivamente, os Srs. Octavio Penna – recém-formado na Politécnica do Rio – e João Benevides. A sua gestão em frente à diretoria da companhia resulta em vários melhoramentos como a introdução de
“installações mais modernas e aperfeiçoadas de decouvilles” para os diferentes transportes, além de perfuradoras de ar comprimido, para o movimento e corte de
pedras para a realização dos túneis e de abertura do leito da estrada (ESTRADA…, 1913).
Simultaneamente ao emprego dessa nova aparelhagem, passam a ser empregados “500 contos de trabalho realizado” na produção mensal (ESTRADA…, 1913). Essas providências visavam prolongar a linha até a povoação de Lajes, ponto de onde partiriam diversos ramais da Central. Além disso, a nova gestão buscava dinamizar o transporte fluvial entre as duas margens, facilitando e apressando o deslocamento de passageiros e mercadorias entre Natal e a estação da Coroa, até então, ponto terminal da ferrovia, enquanto a ponte não ficava pronta.
São efetuados também melhoramentos em prol da construção do complexo central e da ponte de atracação, em sua divisa com o Rio Potengi. Os terrenos ocupados pelo parque ferroviário eram antigas zonas alagadas que separavam o bairro da Ribeira e a comunidade – até então não reconhecida como bairro oficial da zona urbana – das Rocas, antiga vila de pescadores e, posteriormente, residência de grande parte da população operária da cidade, principalmente, de ferroviários.
Vários melhoramentos são efetuados no parque ferroviário da Central em 1925. Entre os quais: A bela viga da ponte do Potengy está sendo pintada (O NOSSO…, 1925, p. 01).
Uma apresentação criada pelo professor e mestre em engenharia Manoel Fernandes de Negreiros, junto com o professor Walney Gomes da Silva, ambos do IFRN, em parceria com o engenheiro Jose Martins de Sousa Jr da EEPC, revela coisas que muita gente desconhece sobre a famosa Ponte de Igapó, em Natal-RN.
O documento intitulado “A durabilidade do concreto de uma ponte centenária sem conservação em Natal, RN, Brasil” foi apresentado ao 56º Congresso Brasileiro do Concreto (IBRACON), e traz detalhes bem curiosos sobre esta ponte que impulsionou todo o desenvolvimento comercial de Natal a partir do século XX.
Nele descobre-se por exemplo que o presidente da empreiteira responsável pela construção foi um homem chamado João Júlio de Proença.
Que faleceu em Novembro de 1923, e sua empresa chamava-se Companhia de Viação e Construções SA. Na foto acima está sua “ficha de óbito”. Mas o projetista da ponte foi um francês chamado Georges Camille Imbault.Nascido na cidade de Châteauneuf-sur-loire.
Inclusive a ponte sobre o Rio Potengi foi imaginada semelhante à “Blue Nile Bridge”, do mesmo projetista. Até nas dificuldades de uma fundação obrigatoriamente profunda. E isso foi constatado pelos perfis de sondagens realizadas para a construção da 2ª ponte sobre o Potengi.
A “primeira pá de concreto” foi lançada sobre a ponte em 26 de agosto 1912 pelo mesmo Dr. João Proença, diretor-presidente da Companhia de Viação e Construcções.
O que sustenta a ponte são fundações com 9 blocos de concreto armado.Eles tem exatamente 7,30 por 2,40 metros na superfície, e 6 metros de profundidade.
A ponte possui 09 vãos de 50 metros cada, e um vão com 70 metros alterado por “razões técnicas”. O que dá ao todo 520 metros de comprimento e 6500 toneladas de aço fabricados pela empresa Frodingham Iron e Steel Co Ltd, Dorman Long e Lanarkshire.
Já de cimento são 1.472 toneladas. Entre os equipamentos utilizados estão uma betoneira e um britador a Vapor de 1910. O documento revela ainda que as fundações da ponte são tão resistentes que chegam a ser “enigmáticas”. A apresentação é muito precisa com processos de fabricação, medidas, quantidades, ingredientes e até elementos químicos usados para construir o concreto que sustenta a ponte, e chega a dizer que tudo é tão complexo que chega a ser enigmático.
Travessia
Para atingir a Igapó o trem da Central do Rio Grande do Norte teve que transpor o rio Potengi através da poderosa ponte metálica de mais de 500 metros de extensão […] (CARETA 1949, p. 30). Humberto Peregrino disse em uma de suas crônicas (CARETA, 1957, p.14, grifos nosso):
Do outro lado do Potengi, cortado de pontes, surge uma cidade imensa, ou antes, estendem-se filas de armazéns, oficinas, docas, casas de negócios, albergues, estalagens, casas de campo. É Natal que se atira nos braços do sertão, conquistado pela Estrada de Ferro Central. Ali vêm as gentes do interior, queimadas pelo sol, porém confiantes do seu valor, fortes na sua riqueza. A seca desapareceu, ou por outra, o homem venceu a seca, neutralizando-lhe os efeitos. A Estrada de Ferro Central foi a primeira etapa dessa luta homérica. De vez em quando o sol ainda apresenta os reflexos violáceos que parecem clarões de morte; os campos são varridos pelo “alísio”; as nuvens correm pelo céu como frangalhos; a água seca no leito dos rios; porém o homem sabe aproveitar a riqueza acumulada nos açudes e vai buscar no centro da terra a água fertilizante.
A atração das classes operárias para as imediações das vias férreas em Natal se torna mais evidente a partir dos diversos relatos e crônicas que são publicados ao
longo da década de 1930. Em 01 de outubro de 1937 é publicada em “A Republica” a experiência do repórter Rômulo Wanderlei percorrendo as várias estações da E. F. Central e descrevendo as suas impressões, assinando a coluna “De Natal ao Sertão”. Nesse conjunto de crônicas ele descreve o aspecto das casas do Passo da Pátria, adjacentes à ferrovia, e que, segundo ele, dariam um aspecto negativo ao visitante que chegava à cidade. Sobre a saída da estação de Natal, Wanderlei afirma o seguinte:
Ao longo da estrada, as casinhas dos operários estavam com os seus habitantes á porta, como si fosse a primeira vez que por ali passasse um trem-de-ferro… E eu fiquei a pensar que aquellas casinholas desalinhadas, de paredes obliquas, dão a quem chega num trem da Central ou da Great Western, a impressão de que Natal é uma cidade que não se renovou. Uma cidade colonial. Depois eu me lembrei dos prédios elegantes de Tyrol e Petropolis, que fazem o forasteiro esquecer as construcções humildes do Passo da Patria (WANDERLEY, 1937a, p. 03).
O trem saiu de Natal há mais de meia hora, já transpôs o rio Potengi sobre a poderosa ponte de ferro, já ficou para trás também a vila de Igapó, cujas as salina se extinguiram no abandono […] mas cujo sítios de mangueiras, cajueiros e coqueiros estão cada vez mais viçosos e pitorescos.
Para permitir a vinda do trem até ao bairro da Ribeira, em Natal, foi construída a ponte de Igapó pela The Cleveland Bridge & Engeering Company, de Darlington, na Inglaterra. Essa ponte sobre o rio Potengi mede 550 metros e foi inaugurada pelo governador Ferreira Chaves em 20/04/1916. (SOUZA, 2010, p.89).
Catita nº 3
A máxima ‘devagar e sempre’ sintetiza a trajetória da Catita nº 3. Em ritmo compassado e sacolejante, com velocidade média de 15 km/h, a pequena locomotiva fabricada na Inglaterra em 1902 entrou para a história do Rio Grande do Norte ao fazer a travessia inaugural da antiga ponte de ferro sobre o Potengi no dia 20 de abril de 1906.
Em 1970 participou da inauguração da Ponte de Igapó. Foi aposentada em 1975 quando seguiu para Pernambuco onde passou 39 anos no museu do trem em Recife, sem receber os devidos cuidados.
A máquina retornou ao Rio Grande do Norte em 2014 após uma peleja jurídica encapada por onze anos pelo IAPHACC. O ‘cavalinho de força’ está no lugar certo e assume o posto de atração principal do Museu do Trem de Natal.
A locomotiva catita está posta sobre trilhos no centro da rotunda. Essa pequena peça inglesa de 1882 teve seu dia de glória no dia da inauguração da ponte de Igapó, em 1916, carregando todos os importantes como o então governador Joaquim Ferreira Chavez, Januário Cicco, Henrique Castriciano, José Augusto, Juvenal Lamartine, o historiador Luís da Câmara Cascudo ainda criança, acompanhado do seu pai, o Coronel Cascudo, o jornalista Elói de Souza, entre outros nomes ilustres da história do Rio grande do Norte.
O museu funciona no prédio da antiga rotunda, nas Rocas, local onde as 26 locomotivas que circulavam no Estado recebiam manutenção. Em forma de meia lua, o lugar passa por reforma e restauração completa, sob os cuidados do IFRN-Cidade Alta, para receber alunos dos cursos de Multimídia e de Gestão Desportiva e de Lazer do Instituto Federal. A meta é inaugurar a unidade de ensino até 18 de abril, já com parto do Museu do Trem funcionando.
Ponte rodoferroviária
A novidade na cidade de Natal era a primeira ponte rodoferroviária sobre o Rio Potengi, inaugurada no dia 20 de abril de 1916 (MELO, 1976). Ela era metálica com 550 metros de extensão, feita em estrutura metálica, e levou mais de dois anos para ser construída por uma empresa inglesa.
Em 1916, a Ponte ferroviária sobre o Potengi ( Sobre essa ponte, ver: ARRAIS, Raimundo; ANDRADE, Alenuska; MARINHO, Renato. A ponte de ferro sobre o Rio Potengi (Parecer Histórico elaborado em atendimento à solicitação da 41ª. Promotoria da Justiça da Comarca de Natal), parte integrante da EFCRN, primeira grande obra de engenharia realizada na capital, ajudava a romper o seu isolamento.
Como afirmava Alberto Maranhão, ainda em 1904, quando a ponte era apenas um projeto distante, a obra permitiria “um fácil acesso aos pequenos mercadores, que atualmente ficam todos em Ceará-Mirim, Macaíba, Mossoró, Açu e outros pequenos mercados de compra e venda, com prejuizo da capital”. Ela daria a Natal, enfim, “uma vida nova, livrando-a do isolamento que a definha” (RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo governador Alberto Maranhão ao passar o Governo do Estado ao Dr. Augusto Tavares de Lyra no dia 25 de março de 1904. Natal: Typ. d’A Republica, 1904).
Durante muito tempo funcionou como ligação entre a parte norte com as demais áreas da cidade. O controle do tráfego nesta via, era feito por um homem-sinaleiro em cada uma das extremidades da ponte para liberar ou interromper o tráfego em que o trem tinha total prioridade sobre os demais veículos.
A limitação da Ponte de Igapó era que só tinha uma via, o que dificultava o tráfego de veículos e a prioridade era para o trem. O controle do trânsito era feito por um homem-sinaleiro em cada extremidade.
Desmonte
Além de ter importância primordial no processo de estruturação intra-urbana de Natal durante o período da primeira metade do século XX, as estruturas ferroviárias também representariam um papel incisivo na expansão da cidade nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. Apesar do posterior abandono de grande parte dessas estruturas, o impacto de sua implantação no processo de ocupação e do crescimento urbano ambiente da cidade do Natal se faz sentir até os dias atuais.
O direcionamento da expansão urbana após a travessia do rio também apenas foi possível graças à implantação da ponte metálica, que seria a única por diversos anos. Com o crescimento da cidade e a intensa movimentação de veículos, a velha ponte já não mais atendia às necessidades.
No dia 26 de setembro de 1970 , após 54 anos de uso, a Ponte Velha de Igapó – erguida para servir à Estrada de Ferro Central que ligava a capital ao interior do estado – foi desativada com a inauguração, pelo governador Walfredo Gurgel, de uma nova ponte de concreto rodoferroviária ao lado da ponte antiga sobre o rio Potengi. Era o fim do contrato com a companhia britânica.
Na mesma década, a parte metálica foi vendida para a uma empresa de sucata do Recife que pretendia lucrar com a venda do material. A metade da ponte chegou a ser desmontada. Mas o alto custo do desmonte acabou interrompendo a destruição. Atualmente o que restou da ponte faz parte da paisagem de Natal para quem trafega na zona norte da capital potiguar. Abaixo mais imagens da ponte de Igapó.
Antes da ponte a ocupação da Zona Norte de Natal sempre foi muito rarefeita. Com a transposição do Rio Potengi pela ponte de ferro em 1916, começa a diminuir o histórico isolamento da cidade, como vimos. Porém, é principalmente, com a construção da segunda ponte, a Professor Ulisses de Góis, em 1970, e com a melhoria da rodovia 304, que essa área começa, de fato, a ser ocupada.
Na década de 1990, foi tombada pela Fundação José Augusto, da Secretaria de Cultura do Rio Grande do Norte. A Antiga Ponte sobre o rio Potengi faz parte do Patrimônio Histórico Estadual.
Hoje, o que restou da estrutura de ferro já se tornou parte da paisagem urbana de Natal. Atualmente, mesmo após ter sido desativada, permanece como testemunha de uma época. Além da nova Ponte Newton Navarro, a estrutura metálica é um símbolo e cartão postal informal da Zona Norte. Entretanto, a estrutura de ferro continua abandonada e enferrujada. A própria ponte também se encontra na mesma situação. Fotos enviadas por Luciano Carvalho.
Fontes:
A CONSTRUÇÃO DA NATUREZA SAUDÁVEL: NATAL 1900-1930. ENOQUE GONÇALVES VIEIRA. NATAL / 2008.
A modernização da cidade de Natal: O Aformoseamento do Bairro da Ribeira (1899-1920). Lídia Maia Neta. Natal/RN. 2000.
Anuário Natal 2007 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2008.
Anuário Natal 2009 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009.
ANUÁRIO NATAL 2013 / Organizado por: Carlos Eduardo Pereira da Hora, Fernando Antonio Carneiro de Medeiros, Luciano Fábio Dantas Capistrano. – Natal : SEMURB, 2013.
CASTRICIANO, Henrique. Seleta: textos e poesias. Org. José Geraldo de Albuquerque. [s/n/t], v. 1
Caminhos que estruturam cidades: redes técnicas de transporte sobre trilhos e a conformação intra-urbana de Natal / Gabriel Leopoldino Paulo de Medeiros. –Natal, RN, 2011.
Centelhas de uma cidade turística nos cartões-postais de Jaeci Galvão (1940-1980) / Sylvana Kelly Marques da Silva. – Natal, RN, 2013.
DANTAS, Manoel (1909) Natal daqui a cinqüenta anos. Natal: Fundação José Augusto, 1996.
DOS CAMINHOS DE ÁGUA AOS CAMINHOS DE FERRO:A construção da hegemonia de Natal através das vias de comunicação (1820-1920) por Wagner do Nascimento Rodrigues.
Documento revela 10 curiosidades INÉDITAS sobre a Ponte de Igapó em Natal – Blog Curiozzzo – https://curiozzzo.com/curiosidades-ineditas-sobre-a-ponte-de-igapo/
Dos bondes ao Hippie Drive-in [recurso eletrônico]: fragmentos do cotidiano da cidade do Natal/ Carlos e Fred Sizenando Rossiter Pinheiro. – Natal, RN: EDUFRN, 2017.
ESTAÇÃO DO PADRE – Estações Ferroviárias do Brasil – http://www.estacoesferroviarias.com.br/rgn/estpadre.htm – Acesso em 2021.
Linhas convulsas e tortuosas retificações Transformações urbanas em Natal nos anos 1920. George Alexandre Ferreira Dantas. São Carlos – SP. Outubro de 2003
LYRA, Carlos. Natal através do tempo. Natal: Sebo Vermelho, 2001.
MELO, Veríssimo de. Calendário Cultural e Histórico do Rio Grande do Norte. Natal: Conselho Estadual do Rio Grande do Norte, 1976.
Natal Não-Há-Tal: Aspectos da História da Cidade do Natal/Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo; organização de João. Gothardo Dantas Emerenciano. _ Natal: Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2007.
Natal: história, cultura e turismo / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. – Natal: DIPE – SEMURB, 2008.
Natal, outra cidade! [recurso eletrônico] : o papel da Intendência Municipal no desenvolvimento de uma nova ordem urbana na cidade de Natal (1904-1929) / Renato Marinho Brandão Santos. – Natal, RN : EDUFRN, 2018.
O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos. Rubenilson B. Teixeira.
RODRIGUES, Wagner do Nascimento. Dos caminhos de água aos caminhos de ferro: a construção da hegemonia de Natal através das vias de comunicação (1820-1920). 2006. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2006.
WANDERLEY, Romulo. De Natal ao Sertão I, A Republica, Natal, ano 68, 1 out. 1937a.