Avenida Café Filho, antiga Circular
Um momento modernizador para a cidade, um marco para a cidade que antes crescia com suas edificações de costas para a beira-mar, foi a construção da Avenida Circular. Está via se insere ainda a cidade na lógica nacional de valorização do Sol e Mar, principalmente por causa da atividade turística. O prefeito de Natal, Sylvio Pedroza, articulou a construção de um hotel de grande porte para a cidade. De acordo com as reportagens do período, o projeto foi encomendado.
As transformações urbanas que ocorreram durante a guerra e as reformas implementadas na gestão do prefeito Sylvio Pedroza, iniciaram, mesmo que timidamente, uma política de visibilidade turística da cidade. O calçamento de ruas, a abertura e reordenamento de vias de acesso e principalmente, a construção da Avenida Circular – com início na Praia do Meio chegando até a Praça do Cais do Porto, na Ribeira –, considerada a principal obra da gestão.
O Prefeito referido no texto é Silvio Pedrosa, de formação escolar londrina, administrou Natal entre os anos de 1946-1951. Após esse período assumiu o cargo de governador do estado do Rio Grande do Norte. O investimento que fez na orla marítima se destacou entre seus feitos. Teve como seu secretário de cultura o representativo Folclorista e Historiador da cidade de Natal Luís da Câmara Cascudo, autor do livro “História da Cidade do Natal” de 1947, que foi distribuído pela administração de Silvio Pedrosa em várias cidades do Brasil.
No início da sua construção foi criticada, tida como algo fora dos padrões urbanísticos para uma cidade como Natal, mas depois de construída foi considerada uma importante obra, que de acordo com o prefeito, serviria como elo fundamental na “integração à Cidade de nossas praias”. O discurso de Sylvio Pedroza destacava os benefícios que a obra traria para a cidade (apud TORQUATO, 2011, p. 33).
Da sua gestão na Prefeitura, a cidade ficara a lhe dever, entre outras coisas, a Avenida Circular, que acentuou sua identificação urbana como capital […]. Superou uma mentalidade mesquinha e acomodada, mas de uma resistência deplorável ao progresso. Hoje, Natal tem nessa avenida diante do mar a sua mais bela e procurada perspectiva.
A construção da Avenida Circular insere ainda a cidade na lógica nacional de valorização do Sol e Mar, principalmente por causa da atividade turística. Sylvio Pedroza, ainda articulou a construção de um hotel de grande porte para a cidade. De acordo com as reportagens do período, o projeto foi encomendado, porém esbarrou na falta de recursos e de empréstimos, o que inviabilizou sua construção.
Contextualização
Na década de 1950, o sol que brilhava na cidade de Natal, não foi conveniente só para alimentar a “indústria da seca”, os que não eram vitimados pelas paisagens de miséria encenadas pelo astro –, paisagens historicamente construídas, que serviu como benefício estratégico a certos grupos políticos –, já eram capazes de percebê-lo como um aliado aos prazeres das viagens. Foram novas percepções sendo impostas, novas visualidades, novos discursos que construíam uma nova imagem para a cidade. As transformações na paisagem que contém o sol, aliada as ideias de turismo, começam a surgir para o espaço de Natal como agradável aos olhos, um elemento que na relação com os sentidos humanos deixa de ser somente natural e transforma-se em elemento cultural.
A escrita de Heron Domingues, no jornal A Republica, de 11 de junho de 1956, é esclarecedora dessa percepção em relação à paisagem natural do sol e mar que começa a ser construída interligada ao turismo. O relato de Heron revela que a paisagem é antes de tudo um imaginário, dotado por percepções e sentidos a ser desfrutado, antes experimenta-se os espaços, por meio das imagens discursadas, pré-visualizadas. Uma cidade para oferecer a experiência turística é preciso ter esses espaços idealizados, planejados e materializados. Construção que começa sendo internalizada, primeiro por meio de discursos que organizam um roteiro imaginário, pré-concebido.
A exaltação ao sol de junho, ao clima privilegiado, a paisagem surpreendente, revelam juntamente grandes contradições como: Natal cidade moderna/cadeiras na calçada; por instantes tenho a ilusão de estar no Rio de Janeiro/ falta hospedagem que permita o turismo. De acordo com o relato de Heron, as transformações na cidade começam a ocorrer paulatinamente, podendo por meio do turismo, vir a elevá-la a uma categoria de destaque frente às demais capitais do país.
Construções
Por outro viés, as críticas à concepção de “habitações esteticamente inadequadas ao progresso da cidade”, perduravam nesse período. Ainda eram recorrentes as publicações que abordavam esta temática e que requeriam uma atitude enérgica por parte da Prefeitura.
Foram adotadas pela administração municipal, neste sentido, outras medidas restritivas de caráter estético como, por exemplo, a proibição da construção de residências nas principais avenidas da cidade, dentre elas a Avenida Circular (Figura 53), fora dos mais “modernos aspectos arquitetônicos”, como os das edificações encontradas no Rio de Janeiro e no Recife (ESTABELECIMENTO…, 18/05/1954, p.04).
A criação de bairros e loteamentos periféricos representou uma das principais respostas do governo ao déficit habitacional evidenciado em fins da década de 1950.
Dentre os loteamentos promovidos pelo governo municipal nessa época, pode-se citar: o loteamento realizado no bairro de Santos Reis, no prolongamento da Avenida Circular, em 1955, cujos lotes mediam “(…) no mínimo, 10 metros de frente por 15 de fundo, ao preço de 50 e 70 cruzeiros o metro quadrado (…)” (NA CAMARA…, Jornal de Natal, 03/08/1955, n.1174, p.04); o realizado na Praia do Forte e o Monte Carlos, ambos situados nas imediações de Santos Reis, datados de 1957.
Sylvio Pedroza
Santos Reis, foi oficializado bairro, em 17 de agosto de 1946, através de Decreto-lei nº 211. Natal, nesta época, era administrada pelo prefeito Sylvio Pedroza, responsável por muitas obras estruturantes, que até hoje beneficiam os moradores deste bairro. Segundo Souza (2008), destacam-se as seguintes ações: a abertura de logradouros interligando o bairro de Santos Reis a Rocas, e, também, a ligação com a antiga Avenida Circular (Atual Avenida Café Filho). Lugar de memória, no dia 6 de janeiro, acontece uma das festas mais tradicionais de Natal, a festa de Santos Reis, homenagem aos santos, Gaspar, Belchior e Baltazar, padroeiros do bairro.
Galã, atleta, político de visão moderna. Sylvio Pedroza (1918-1998) cravou seu nome na história da capital potiguar com obras impensáveis para época em que foi gestor, seja no período à frente da Prefeitura de Natal (1946-1951) ou do Governo do RN (1951-1956). Às vésperas do centenário de nascimento de Sylvio, celebrado dia 12 de março, o VIVER reconta um pouco da história desse administrador público arrojado nas ações e inusitado nos modos de agir.
Com o fim da 2ª Guerra Mundial, depois de tantas novidades que Natal vivenciou com a presença das tropas americanas, a capital potiguar ansiava por um gestor municipal que enxergasse longe. Surge então Sylvio Pedroza, 28 anos, porte de galã, estilo refinado de se vestir e se portar, educado entre o Rio de Janeiro e Londres, atleta de tênis e velejador. No entanto, este natalense filho de uma das mais ricas famílias do RN, a Gomes Pedroza, depois de tanto tempo fora da cidade, retorna praticamente como forasteiro. Mesmo assim assume a prefeitura em 1946, a partir da indicação de João Câmara, um dos mais importantes nomes da política local. Era sua estreia na política, contrariando o desejo da família de grande tradição comercial. A desconfiança dos coronéis com relação ao jovem prefeito era grande, mas em pouco tempo Sylvio conquista a simpatia local com sua visão moderna de gestão e obras impensáveis para os natalenses.
É de sua gestão a construção da Avenida Circular – hoje Avenida Café Filho –, na Praia do Meio, marco da urbanização da orla marítima, interligando pela primeira vez – e para sempre – a capital potiguar e o mar. A urbanização de Natal foi de fato o principal foco de energia de Sylvio Pedroza. Ele assumiu a cidade com três bairros e entregou com 11, interligando-os com diversas obras de pavimentação. A população assistia a um crescimento poucas vezes visto antes.
Câmara Cascudo
A construção da imagem de Sylvio Pedroza como administrador arrojado se deve em grande parte à relação com o maior intelectual do RN: Luís da Câmara Cascudo. Foi o historiador que ajudou na legitimação do jovem prefeito, em aparições públicas e textos na imprensa. Os dois se tornaram tão amigos que quando as picuinhas políticas davam o tom das reuniões no Palácio Felipe Camarão, Sylvio partia rumo a casa de Cascudo para bater outros tipos de papo, de preferência sobre o passado de Natal. Muitas vezes a conversa entre os dois se estendia por caminhadas pela cidade, especialmente em direção a Pedra do Rosário, na margem do Potengi, onde Sylvio julgava ser o melhor lugar para observar o pôr-do-sol na capital.
A escrita de uma História da cidade do Natal significou a tentativa da Prefeitura de propagandear uma particularização de Natal na
historiografia e, sobretudo, no cenário político brasileiro:
O livro está destinado a fazer intensa propaganda de nossa cidade e ao visitante apressado já podemos oferecer-lhe um exemplar da história de Natal sem necessidade das evasivas costumeiras com que procurávamos defender a inexistência de uma obra dessa natureza (Cf. A CIDADE. In: PEDROZA, Sylvio Piza. Cidade do Natal – Administração Sylvio Piza Pedroza. Natal, v. 2. Copydesk. Acervo Centro de Documentação Cultural Eloy de Souza, Natal – Rio Grande do Norte).
Com esse fim, a História da cidade do Natal definiu uma concepção particular de cidade, seguindo os ideais do prefeito que encomendou o livro e do historiador que o produziu. Esse lugar de fala de Câmara Cascudo, a municipalidade, orientou a composição do estudo, na medida em que ele apresentou a cidade como um espaço norteado pela busca do desenvolvimento e do progresso, personificados nas realizações modernizadoras do prefeito em gestão. Nas palavras do historiador: “a Cidade do Natal é uma perspectiva indefinida. Sentimos que, tendo vida, está na fase de um desenvolvimento violento, diário, incessante,
ganhando os taboleiros, subindo os morros”. (CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. p. 10.).
Nesse sentido, a publicação do livro trouxe benefícios políticos para a Prefeitura, pois caracterizou a administração de Sylvio Piza Pedroza como uma favorável continuidade histórica. Desse modo, algumas realizações recentes de Sylvio Pedroza no exercício do poder municipal passaram a fazer parte das efemérides expostas nas páginas da História da cidade do Natal – como, por exemplo, a construção da avenida circular margeando a praia do Meio (CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. p. 216.).
Sylvio era mesmo um gestor totalmente inusitado para a Natal da segunda metade da década de 40. Ele também costumava se afastar das discussões provincianas para jogar tênis, velejar, bater pelada de futebol na praia e derrubar boi em vaquejadas no interior.
Registros sobre o perfil de Sylvio e sua administração podem ser encontrados no acervo doado a Fundação José Augusto (FJA). Catalogado pela Grupo Estudos da Modernidade, do Departamento de História da UFRN, o acervo reúne mais de cinco mil documentos, entre fotografias, correspondências, dados administrativos, medalhas esportivas, recortes de jornais, dentre outros.
“Do CEDOC o arquivo de Sylvio só não é maior que o de Newton Navarro. O acervo chegou tão organizado que revela a preocupação do gestor com a preservação de sua memória”, diz Antônio Macena, aluno de História que atuou na parte final de catalogação do material. “Ele tinha grande cuidado com sua memória de esportista e a memória iconográfica de Natal. Há várias imagens da cidade durante a realização de suas obras. O Sylvio estudou em Londres, berço da modernidade, isso influenciou muito ele. Quando chega em Natal, ele imprime seu pensamento, dando uma nova paisagem urbana à capital, ligando-a ao mar e às dunas, quando na época ela estava mais relacionada ao centro”. Além de doar o acervo de Sylvio, a família também doou estantes volantes para a FJA.
Neta de Câmara Cascudo, Daliana ressalta a grande amizade de seu avô com Sylvio. “Foi uma relação importante para ambos. Cascudo ajudou Sylvio a ser aceito em alguns círculos sociais da cidade, e Sylvio fez de Cascudo o historiador de Natal”, diz Daliana. Foi Sylvio que encomendou e bancou, enquanto prefeito, a publicação da obra “História da Cidade do Nata”, lançada em 1947.
Outro exemplo da preocupação de Sylvio com a história da cidade está na criação de um bairro nos arredores do Forte dos Reis Magos. Ele denominou o bairro de Santos Reis, devido a festa centenária que até hoje ocorre naquela área. Além disso, batizou as ruas do bairro com nomes de personalidades envolvidas com a fundação da cidade, como Jerônimo Albuquerque e Mascarenhas Homem.
Era notório para os natalenses a forte ligação de Sylvio Pedroza com o esporte. Enquanto governador, ele chegou a fazer a travessia Natal-Fortaleza num barco à vela, chamado de Boa Sorte. O feito foi noticiado pela imprensa local.
Foi enquanto governador também que Sylvio construiu o hoje batizado como Ginásio Sylvio Pedroza, no Atheneu. A obra foi um marco no desenvolvimento do esporte na capital potiguar e foi apontado à época como o primeiro ginásio coberto do Norte-Nordeste.
Depois da experiência como gestor do executivo municipal e estadul, Sylvio seguiu carreira em órgãos públicos federais, se distanciando de Natal. Seus acervo reúne diversos documentos do período que foi subchefe da casa civil nos governos Juscelino Kubitscheck e João Goulart.
Auxiliar de Sylvio nessa época, Manoel de Medeiros Brito conta que embora morando fora, em cidades como Rio de Janeiro e Brasília, o potiguar continuou mantendo contato com sua cidade de origem. “Ele era muito bem quisto em Natal. Apareceu bem novo, fez obras importantes que conquistaram a simpatia dos moradores. Manteve os laços”, diz.
Em meados dos anos 90, pouco antes de sua morte, Sylvio veio a Natal lançar seu livro de memórias “Pensamento e Ação: marcos de uma trajetória de governo”, sobre o período em que esteve à frente da Prefeitura de Natal e do Governo do Estado. Nesse período também foi eleito para a Academia Norte-Riograndense de Letras (ANRL), assumindo a cadeira nº 1, cujo patrono é Frei Miguelinho. Com relação a ANRL, foi Sylvio, na época de governador, que doou o terreno onde foi erguida a sede da instituição literária, na rua Mipibu, em Petrópolis.
Café Filho
Café Filho nasceu em Natal (RN) (existem pessoas que defendem que ele nasceu em Extremoz-RN), no dia 3 de fevereiro de 1899. Sua primeira experiência política ocorreu em 1923, quando candidatou-se ao cargo de vereador, em Natal. Derrotado, candidatou-se novamente em 1928, quando mais uma vez perdeu a disputa, em meio a denúncias de fraude. Em 1934, já sob o governo constitucional de Getúlio Vargas, que assumira o poder em 1930, Café Filho foi eleito deputado federal, cargo que ocupou novamente em 1945, na primeira eleição realizada após o fim do Estado Novo.
Nas eleições de 1950 a escolha do vice era desvinculada do presidente. Mesmo assim, Café Filho foi eleito vice-presidente com uma diferença de 200 mil votos para o segundo colocado.
Além de ser eleito vice-presidente naquela eleição, Café Filho também foi reeleito deputado federal pelo Rio Grande do Norte (algo possível na legislação eleitoral da época). Com o suicídio de Vargas em 24 de agosto de 1954, assumiu a presidência, exercendo o cargo até novembro de 1955. Em 26 de abril desse ano foi agraciado com a Grã-Cruz da Banda das Três Ordens.
Seu governo foi marcante pelas medidas econômicas liberais comandadas pelo economista Eugênio Gudin. Em novembro de 1955 foi afastado da presidência por motivos de saúde, assumindo em seu lugar o presidente da Câmara, Carlos Luz, este deposto por tentar impedir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek.
Após a presidência, Café Filho trabalhou em uma imobiliária no Rio de Janeiro até ser nomeado em 1961 pelo governador Carlos Lacerda para o cargo de ministro do Tribunal de Contas da Guanabara até obter aposentadoria em 1969.
Fontes:
CASCUDO, Luís da Câmara.História da cidade do Natal. 3. ed. Natal: RN Econômico, 1999.
ESTABELECIMENTO de normas para construções na Avenida Circular. Jornal de Natal, 18/05/1954, n.851, p.04.
MELO, Veríssimo de. Calendário Cultural e Histórico do Rio Grande do Norte. Natal: Conselho Estadual do Rio Grande do Norte, 1976.
SOUZA, Itamar de. História de Natal. 2ª Ed. Natal: Departamento Estadual de Imprensa, 2008.
Sylvio Pedroza (1918-1998): Cem anos de um visionário. Tribuna do Norte. http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/sylvio-pedroza-1918-1998-cem-anos-de-um-visiona-rio/405943 – Acesso em 25/0/2022.
TORQUATO, Arthur Luis de Oliveira. O plantador de cidades e a criação do espaço moderno: construção de uma Natal moderna na administração Sylvio Pedroza. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1946-1950), 2011.
Bibliografia:
Anuário Natal 2009 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009.
Bairros de Natal / Secretaria Municipal de Maio Ambiente e Urbanismo – Natal: SEMURB, 2009.
Centelhas de uma cidade turística nos cartões-postais de Jaeci Galvão (1940-1980) / Sylvana Kelly Marques da Silva. – Natal, RN, 2013.
Habitação Social: origens e produção (Natal, 1889-1964). Caliane Christie Oliveira de Almeida. SÃO CARLOS. SETEMBRO, 2007.
Luís Natal ou Câmara Cascudo: Luís Natal ou Câmara Cascudo: o autor da cidade e o espaço como autoria o autor da cidade e o espaço como autoria. Francisco Firmino Sales Neto. Natal/RN. 2009.