Os acessos históricos para a Fortaleza dos Reis Magos
A Fortaleza dos Reis Magos foi o marco inicial da cidade — fundada em 25 de dezembro de 1599 —, no lado direito da barra do rio Potengi (hoje próximo à Ponte Newton Navarro). Recebeu esse nome em função da data de início da sua construção, 6 de janeiro de 1598, dia de Reis pelo calendário católico. Como se dava o acesso a está edificação militar? Veremos nesta postagem como ao longo do tempo as conexões terrestres e marítimas foram realizadas para a edificação militar no esforço no primeiro momento de logística e manutenção e em um segundo como necessidade de expansão econômica pela ampliação da infraestrutura turística em Natal/RN.
Natal foi fundada em 25 de dezembro de 1599, após a construção do Forte dos Três Reis Magos e da Igreja Matriz, no platô elevado situado à margem direita do rio Potengi, diante da crescente ameaça de invasão francesa à região e da vontade do rei de Portugal, Felipe II, em instalar pontos estratégicos para vigilância do litoral brasileiro (CASCUDO, 1999, p.25).
Lugar onde se construiu uma das mais sólidas edificações coloniais brasileiras, a fortaleza dos Reis Magos, erguida, significativamente, sobre as águas do Potengi, dentro das águas do Atlântico, rodeada, durante a maré baixa, pelas alvas dunas de areia e margeada por densa vegetação de mangue.
A edificação militar histórica localizada na cidade de Natal, no estado brasileiro do Rio Grande do Norte. É administrada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Símbolo da colonização portuguesa, a Fortaleza dos Reis Magos é, atualmente, nosso principal monumento histórico e recebe anualmente milhares de visitantes. Entretanto, o desenvolvimento da cidade ocorreu em uma área relativamente distante da Fortaleza. Segundo os historiadores, o plano elevado onde atualmente encontra-se a Praça André de Albuquerque, no centro da Cidade Alta, é o núcleo do sítio histórico urbano de Natal.
PRIMÓRDIOS
Desde a primeira metade do século XVI, têm-se notícias de naus francesas na costa potiguar, inclusive adentrando o Rio Grande. Na descrição que Frei Vicente do Salvador fez, em 1627, do processo de conquista do Rio Grande no final do século anterior, ele também destaca a presença dos franceses na região. De fato, naqueles tempos, era preocupante e incômoda essa presença francesa para a União Ibérica – Portugal e Espanha. É nesse contexto que a fundação de uma Fortaleza e de uma cidade às margens do Rio Grande se torna essencial para os interesses coloniais portugueses e espanhóis, uma vez que, naquele momento, as duas coroas estavam reunidas numa só (1580-1640).
O Canto do Mangue é lugar de história, existem registros datados do século XVI que apontam esta região como sendo o local de desembarque dos portugueses, chefiados por Mascarenhas Homem. Informação confirmada pelo historiador Medeiros Filho (1997, p.23): “[…] o desembarque das tropas, ao que tudo indica no porto hoje denominado Canto do Mangue, marchando os soldados para o local próximo àquele onde pretendiam erigir uma fortaleza”.
Para a defesa do acampamento, junto à praia, foi iniciada uma paliçada de estacada e taipa, com planta no formato circular, à moda indígena, a 6 de janeiro de 1598 (dia dos Santos Reis), enquanto se procedia à escolha do local definitivo para a fortificação ordenada pela Coroa: um recife, à entrada da barra, ilhado na maré alta e que, na vazante, permitia a comunicação com terra firme (SOUSA, 1885:75).
A planta do novo forte, traçada no Reino em 1597, atribuída ao padre jesuíta Gaspar de Samperes (ou Gonçalves de Samperes), “mestre nas traças de engenharia na Espanha e Flandres” e discípulo do arquiteto militar italiano Giovanni Battista Antonelli, apresentava a forma clássica do forte marítimo seiscentista: um polígono estrelado, com o ângulo reentrante voltado para o Norte, construído em “taypa, estacada e area solta entulhada”. As suas obras ficaram a cargo de seu primeiro comandante, Jerônimo de Albuquerque Maranhão (1548-1618).
As suas características foram assim descritas por Câmara Cascudo:
“O forte se erguia, a setecentos e cinquenta metros da barra, em cima do arrecife, ilhado nas marés altas. É lugar melhor e mais lógico, anunciando e defendendo a cidade futura.”
A Fortaleza, ao mesmo tempo em que servia de sentinela ao longo da costa atlântica, impedia a entrada de intrusos rio adentro.
Na margem do Rio Potengi, de frente à Fortaleza dos Reis Magos, havia um porto de pescaria, muito bom, que pertenceu aos mais altos dignitários da capitania, pois “(…) é o melhor porto de pescaria que aqui há e está defronte da Fortaleza” (ANÔNIMO. O Treslado…1909). Segundo o relato, os soldados tinham autorização do governador geral para pescar nesse porto ao lado da Fortaleza dos Reis Magos, talvez como compensação ou complementação de seus magros soldos.
A Fortaleza dos Reis Magos é de longe o edifício oficial mais citado e representado nas fontes documentais, gráficas ou escritas. Fundada com uma clara função militar de conquista territorial, o surgimento da cidade se confunde com o de sua fortaleza, situada no seu entorno. A esse respeito, gostaríamos de nos ater a um único relato – pouquíssimo explorado na historiografia do Rio Grande do Norte – do inglês Anthony Knivet, que esteve no Rio Grande em 1601 ou 1602, primeiramente porque confirma outros relatos semelhantes ocorridos antes mesmo da fundação de Natal e demonstra, assim, o caráter eminentemente militar da empreitada colonial inicial no Rio Grande, embora ele se refira exclusivamente aos inimigos índios, que não arrefeceram sua animosidade mesmo após os acordos de paz que assinaram com os portugueses, em 11 de junho de 1599, fato primordial para a fundação de Natal, em 25 de dezembro do mesmo ano.
“Feita a conquista, o capitão-mor construiu dois possantes fortes perto da cidade, à margem do rio, e solicitou de Pernambuco quarenta peças de ferro fundido, colocando vinte em cada forte”. (KNIVET, 1906, p. 241-243).
Se houve, de fato, duas fortificações à margem do rio, o que provavelmente nunca saberemos de fato, então uma delas deixou de existir há muito tempo.
Apesar de ser posto de sentinela avançada da colonização portuguesa no Brasil, Natal não passava de um pequeno povoado, com pouco mais de uma centena de habitantes, excluindose os moradores da Fortaleza dos Reis, tendo, em 1607, “vinte e cinco moradores e cerca de oitenta nos arredores, pescando, caçando e plantando roçarias, ajudados pela escravaria vermelha e negra”. A indiada e seus descendentes miscigenados eram maioria, e os bancos eram tão poucos “que, em 1609, apenas existiam em Natal duas mulheres alvas” (CASCUDO, 1999, p. 111-112).
Num texto no qual se inspirou ou para o qual serviu de inspiração, datado de 1612, Diogo Campos Moreno disse o seguinte a respeito de Natal:
Tem mais uma povoação, a meia légua da Fortaleza pelo rio acima […] a qual tem pobremente acomodados até 25 moradores brancos, fora da obrigação da Fortaleza, e destes têm pelas roças e redes e fazendas principais da capitania até oitenta moradores, os quais pediram modo de governança e se lhes concedeu o ano de seiscentos e onze, pelo governador D. Diogo e Menezes, o qual com parecer da Relação elegeu o juiz, um vereador e escrivão da Câmara, procurador do Conselho e procuradores de índios […] o ano de seiscentos e onze se demarcou, por ordem do dito Senhor esta capitania (SLUITER, 1949, p. 559-560 e LYRA, 2008, p. 52).
INVASÃO HOLANDESA
Sem passar pelo estágio de vila, a cidade de Natal vivenciou momentos de encontros e desencontros. Expulsos os franceses, vieram os holandeses e a conquista da Fortaleza dos Reis Magos, transformando a cidade em Nova Amsterdã.
No contexto da segunda das Invasões holandesas do Brasil (1630-1654), a “Memória” de 20 de Maio de 1630, oferecida aos dirigentes da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais (WOC) de Pernambuco por Adriaen Verdonck, refere-se a esta praça:
“Da cidade do Rio Grande [Natal] ao forte chamado os Três Reis Magos há apenas a distância duma pequena meia milha [c. 2 quilômetros], e esse forte é o melhor que existe em toda a costa do Brasil, pois é muito sólido e belo… e com a maré cheia o forte fica todo cercado d’água, de modo que ninguém dele pode sair nem nele pode entrar.”
Após uma primeira tentativa de assalto por Vandenbourg, frustrada em Dezembro de 1631, em Dezembro de 1633 inicia-se nova invasão neerlandesa: vindos do Recife em quinze navios, uma tropa de 800 soldados desembarca na Ponta Negra sob o comando do Tenente-coronel Byma, cercando o forte numa operação combinada terrestre e naval.
Sobre esta fortaleza, o Conde Maurício de Nassau (1604-1679), no “Breve Discurso”, datado de 14 de Janeiro de 1638, sob o tópico “Fortificações”, reporta:
“(…) o Castelo Keulen, no Rio Grande, situado sobre o arrecife de pedra na entrada da barra.
E como de maré cheia este forte fica cercado de água, e tem que resistir ao embate do mar, está um pouco danificado na parte inferior, o que se reparará, construindo-se de pedra e cal uma nova base.
O “Relatório sobre o estado das Capitanias conquistadas no Brasil”, de autoria de Adriaen van der Dussen, datado de 4 de Abril de 1640, complementa, atribuindo-lhe a Companhia do Capitão Bijler, com um efetivo de 88 homens:
“(…) o Castelo Keulen no Rio Grande; foi construído próximo do mar, além das dunas, em um arrecife, a um tiro de mosquete da barra.
BARLÉU (1974) transcreve a informação: “No Rio Grande o forte de Keulen está a cavaleiro do mar, muito bem amparado pela sua posição e construção, e por dez canhões de bronze e dezesseis de ferro.” (op. cit., p. 144).
A Figura acima reproduz uma estampa de autor não identificado, Veroveringe van Rio Grande in Brasil, ou a “conquista do Rio Grande no Brasil” pelos holandeses, em 1633. A Fortaleza dos Reis Magos está visivelmente superdimensionada. Há um acampamento holandês e uma edificação por trás das dunas próximas à fortaleza.
Navios holandeses estão fundeados na foz do Rio Potengi e no mar; tropas avançam em direção à fortaleza, por meio de dois caminhos, um dos quais passando perto da cidade. Entre a fortaleza e a cidade se localiza um córrego ou afluente do Potengi, com sua nascente numa lagoa; sobre o córrego há uma ponte, que faz parte de um dos caminhos utilizados pelas tropas holandesas se dirigindo à fortaleza.
O recorte mostra a cidade do Natal, aparentemente com alguma cerca ou paliçada em parte dela, com alguns soldados margeando a cerca, talvez representando portugueses tentando defendê-la. As casas são dispersas, com diferentes dimensões.
O “rio da cruz”, era um riacho localizado ao norte de Natal, não mais existente. Nascia na lagoa do Jacó e cortava “os trechos finais das avenidas Januário Cicco e Engenheiro Hildebrando de Góis, no bairro das Rocas” (MEDEIROS FILHO, 2007, p. 34). É certo que havia uma área alagadiça situada ao norte de Natal, em direção à fortaleza. Sobre essa área o capitão-mor João de Barros Braga mandou construir, em 1733 ou 1734, uma ponte de mais de 60 braças, ou 132 metros ao norte da cidade (TEIXEIRA, 2009, p. 241), demonstrando, aliás, que o eixo de crescimento urbano demandava o bairro da Ribeira, ao norte, em direção à Fortaleza dos Reis Magos, desde pelo menos o século XVIII.
Dois mapas, um português, outro holandês, ambos do século XVII, já permitem identificar o processo, obviamente ainda muito rarefeito, de ocupação não indígena dessa mesma faixa litorânea. O primeiro, de autoria do famoso cartógrafo João Teixeira de Albernaz I (O Velho), faz parte de uma série de mapas que ele desenhou, reunidos e publicados em 1640. As duas pranchas mostram respectivamente o litoral oriental, com a localização da cidade do Natal, chamada de “cidade do Rio Grande”, e a fortaleza dos Reis Magos, além do Rio Potengi e outros acidentes geográficos da costa, alguns dos quais com os nomes atuais, como o Rio Doce e o Ceará, atual Ceará-Mirim.
A segunda prancha apresenta a continuação do litoral oriental e o litoral norte, no qual constam alguns acidentes e locais cujos nomes chegaram até nós, como o Rio Guamaré, na foz do qual se encontra uma salina. Os holandeses foram os primeiros a explorar o sal na região.
Há outra estampa do período holandês, intitulada Afbeelding van Tfort opRio Grande ende Belegeringhe, publicada no livro do geógrafo holandês Joannes de Laet, em 1644 (LAET, 1912, p. 340-341), que também ilustra o cerco da fortaleza, mas difere levemente da estampa. O riacho entre a fortaleza e a cidade que tem como nascente uma lagoa é denominado, no livro de Laet, de “rio da cruz” (kruy’s rivier); um caminho, e não dois, liga a cidade – chamada de “aldeia dos portugueses” (het dorp van de portugezen) – à fortaleza, antes denominada de Forte Três Reis, agora Forte Ceulen.
Perto da fortaleza se encontra o mesmo acampamento militar, mas com três baterias de morteiros sobre as dunas; a edificação que lhe fica próxima também é representada, mas é identificada como o alojamento de Mathias van Ceulen, comandante da expedição holandesa que conquistou a capitania em 1633 e em homenagem ao qual a fortaleza foi renomeada. Do outro lado do rio, há outro assentamento. Essa estampa é acompanhada de um texto bastante detalhado sobre a conquista do Rio Grande, de autoria de Joannes de Laet, na mesma obra. No seu relato, ele descreve o ataque e rendição dos soldados da fortaleza, bem como a ocupação da “vila de Natal” (p. 341-346). A estampa não está sendo reproduzida aqui em razão das delimitações do artigo.
A Figura abaixo faz parte de um conjunto de mapas representando toda a costa do Brasil, de autoria desconhecida e publicado em 1640. Esse Atlas se assemelha ao Atlas de João Teixeira Albernaz I, do mesmo ano, que veremos adiante. Duas pranchas representam a costa da capitania do Rio Grande, uma das quais mostra a cidade do Natal.
Além da foz do rio, da Fortaleza dos Reis Magos e da cidade propriamente dita, denominada de Cidade do Rio Grande, como mostra o recorte ampliado, o mapa ainda localiza vários rios da costa para além do Potengi. Na cidade, há dois edifícios de maior porte, talvez a igreja e a sede do Senado da Câmara, e um mobiliário que parece ser um cruzeiro. No topo da prancha, encontra-se o seguinte texto:
O Rio Grande está em altura de cinco graus da parte do sul, é dos melhores da costa do Brasil, assim por ser a barra capaz de grandes embarcações como por ser mui defendida com uma fortaleza que tem junto à barra; a terra não dá grande proveito por não ser cultivada, contudo é abundante de mantimentos.
As informações contidas no mapa abaixo são semelhantes às do mapa anterior, um devendo ser cópia do outro, sem que seja possível definir qual é o original. Ambos são acompanhados de um breve texto explicativo descrevendo o litoral e a foz do Potengi e foram publicados por volta de 1640. O da Figura, porém, com uma representação gráfica mais colorida e viva, apresentando Natal com maior imponência, com mais edificações. Apresenta, ainda, uma edificação a meio caminho entre a cidade e a fortaleza, e uma praça mais definida, no centro da qual se localiza o que pode ser o pelourinho, o cruzeiro ou mesmo uma forca, além de mostrar as edificações que a delimitam. Esse mapa, como o anterior, denomina Natal de a Cidade do Rio Grande.
O mapa abaixo é parte integrante do Atlas Maior Sive Cosmographia Blaviana, Qua Solvm, Salvm, Coelvm, Accvratissime Describvntvr, publicado em 1665. Reproduz outro mapa holandês, também muito conhecido, de mesmo título, publicado em 1647, durante a ocupação holandesa do atual Nordeste brasileiro, de autoria de Georg Marcgraf.
Nele se localizam: a Fortaleza dos Reis Magos, chamada de Castelo Keulen16; a cidade – denominada Natal – ao norte de um córrego que nasce aparentemente numa lagoa, chamada de Tiuru, e deságua no Potengi, e ao sul do qual existe uma edificação; o Keisers croon, cuja representação parece ser de uma igreja; uma igreja isolada, ao norte da cidade, chamada de Nossa Senhora dos Montes; uma “cidade nova”, mais ou menos a sudoeste de Natal; um local chamado Itinga; currais de gado e caminhos, além de uma edificação localizada na foz e na margem esquerda do Potengi.
Neste primeiro momento histórico o acesso para a Fortaleza dos Reis Magos acontecia de duas formas: através dos arrecifes e pela praia na maré vazante. A segunda ocorria na maré cheia na sempre perigosa aproximação lateral de uma das paredes da fortificação pelo lado do rio Potengi. Nesta última as embarcações de pequeno porte se aproximavam e, em condições adequadas de maré e clima, tinham seus produtos levados através de cordas até o interior da edificação.
As RUAS PARA A FORTALEZA
Em Natal/RN aos poucos foram instalando-se casas paralelas voltadas para o Rio Potengi, avizinhando-se à Igreja, num total de 12 residências no ano de 1614 e de 118, em 1719 (SOUZA, 29/07/1943). Passou-se quase um século de crescimento ínfimo e poucas famílias se instalaram na cidade e em seus arredores, em granjas e sítios (CASCUDO, 1999).
As residências datadas desse período eram construídas em taipa e assim o foi durante um significativo espaço de tempo diante das dificuldades na fabricação de tijolos e telhas, não só por falta de argila apropriada no perímetro da cidade nascente, mas também pela ausência de oleiros, que somente anos depois vieram diretamente de Portugal ou das capitanias limítrofes (SOUZA, 25/07/1943, p.04).
A rua Chile, passou por várias denominações tais como: rua da Praia. Topônimo surgido pela primeira vez, em um registro de concessão de terra, de 21 de novembro de 1769, devido à presença do rio Potengi constituiu-se o caminho natural para a Fortaleza dos Reis Magos.
No decorrer do século XVIII foram solicitadas 69 datas de terra naquela nos primórdios da Rua Chile. A preferência dos suplicantes justificava-se principalmente, pelo fato da rua margear o rio Potengi, sendo frequente verificar-se a expansão de uma cidade, paralelamente ao curso de um rio.
A Rua Frei Miguelinho, também localizada no bairro da Ribeira, paralela à rua Chile, no trecho compreendido entre a avenida Tavares de Lira e a Esplanada Silva Jardim. Trata-se de uma das mais antigas ruas da Ribeira, na realidade o prolongamento da rua Dr. Barata, outrora conhecida como o “Caminho da Fortaleza”.
Um mapa da cidade de Natal, desenhado na 7ª década do século XIX, indica que o bairro da Ribeira terminava na atual Rua Ferreira Chaves e no Beco da Quarentena. A partir destes logradouros públicos, havia diversos sítios, cortados pelo chamado Caminho para a Fortaleza.
Em 1935, o Escritório Saturnino de Brito foi contratado para chefiar a Comissão de Saneamento de Natal, que elaborou em 1939, o Plano Geral de Obras. No campo da habitação, o Plano previa a criação de um bairro residencial nas proximidades do Forte dos Três Reis Magos, entre as Rocas e a costa, num terreno de aproximadamente 45.000m2, onde seriam abertas largas avenidas com cerca de 9m de largura, ruas internas do tipo cul-de-sac privilegiando a circulação de pedestres, e criada uma área central com parques, jardins, escolas, quadras de esporte, além de equipamentos coletivos, comércio e serviços.
O Plano Geral não foi concretizado por não ter sido transformado em lei, porém, mostra-se de suma importância na medida em que revela a sintonia dos administradores locais com as teorias e ações em voga no país e no exterior.
Em frente o mar, fervendo e espumando de ira,
Na nevrose de ódio, em convulsões rouqueja
E contra a Fortaleza imprecações atira
E blasfema e maldiz e ameaça e pragueja.
[…]
Evocando o passado, avista os sentinelas,
No cruzeiro do sul a cruz das caravelas
E as flechas de Poti rasgando a noite escura.
(Palmyra Wanderley)
As dependências do forte serviram como prisão política para os implicados na Revolução Pernambucana de 1817. Entre eles destacou-se o seu líder no Rio Grande do Norte, André de Albuquerque, que faleceu em uma das suas celas, vítima de ferimento, naquele mesmo ano.
Durante a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) o forte esteve guarnecido por uma Bateria Independente de Artilharia de Costa.
Em 28 de maio de 1930 num momento importante para a história de Natal, ocorreu a passagem do dirigível Graf Zeppelin LZ-127 por Natal, sobrevoando durante 12 minutos toda a cidade, em especial a orla marítima, o Forte dos Reis Magos e lançando uma coroa de flores sobre a estátua de Augusto Severo, norte-rio-grandense precursor e mártir da aviação. Na coroa estava escrito “Homenagem da Alemanha ao Brasil na pessoa do seu filho Augusto Severo”
A cidade do Natal sofreu, novamente, um distanciamento do Rio Potengi desde o final da Segunda Guerra Mundial. A ausência de uma política de valorização tanto histórico-paisagística quanto ambiental do próprio rio é, ao mesmo tempo, causa e efeito do processo de crescimento da cidade. Com efeito, o rio pode ser visualizado pelo habitante de Natal em alguns raros pontos privilegiados da cidade, como na Pedra do Rosário, no Canto do Mangue, nas imediações da Fortaleza dos Reis Magos ou na Rampa – neste último quase sempre por pessoas de maior poder aquisitivo, por ser um espaço fechado.
Foi tombado pelo Patrimônio Histórico desde 1949 e esteve sob a administração da Fundação José Augusto, fundação pública ligada ao Governo do Rio Grande do Norte, de 1965 até dezembro de 2013. A última grande intervenção de conservação foi realizada recentemente em 2022, com recursos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Inclusive desde janeiro de 2014, a gestão do edifício foi transferida para o IPHAN.
AVENIDA CAFÉ FILHO (ANTIGA CIRCULAR)
As transformações urbanas que ocorreram durante a guerra e as reformas implementadas na gestão do prefeito Sylvio Pedroza, iniciaram, mesmo
que timidamente, uma política de visibilidade turística da cidade. O calçamento de ruas, a abertura e reordenamento de vias de acesso e principalmente, a construção da Avenida Circular – com início na Praia do Meio chegando até a Praça do Cais do Porto, na Ribeira –, considerada a principal obra da gestão.
O Prefeito referido no texto é Silvio Pedrosa, de formação escolar londrina, administrou Natal entre os anos de 1946-1951. Após esse período assumiu o cargo de governador do estado do Rio Grande do Norte. O investimento que fez na orla marítima se destacou entre seus feitos. Teve como seu secretário de cultura o representativo Folclorista e Historiador da cidade de Natal Luís da Câmara Cascudo, autor do livro “História da Cidade do Natal” de 1947, que foi distribuído pela administração de Silvio Pedrosa em várias cidades do Brasil.
No início da sua construção foi criticada, tida como algo fora dos padrões urbanísticos para uma cidade como Natal, mas depois de construída foi considerada uma importante obra, que de acordo com o prefeito, serviria como elo fundamental na “integração à Cidade de nossas praias”. O discurso de Sylvio Pedroza destacava os benefícios que a obra traria para a cidade.
Da sua gestão na Prefeitura, a cidade ficara a lhe dever, entre outras coisas, a Avenida Circular, que acentuou sua identificação urbana como capital […]. Superou uma mentalidade mesquinha e acomodada, mas de uma resistência deplorável ao progresso. Hoje, Natal tem nessa avenida diante do mar a sua mais bela e procurada perspectiva.
UMA PONTE PARA O FORTE
Na segunda metade do século XX em um esforço de integrar a Fortaleza dos Reis Magos para a nascente infraestrutura turística de Natal foi construída uma ponte para que pedestres pudessem acessar as dependemos da fortificação histórica.
ATUALIDADE
Forte dos Reis Magos e seu entorno – Sítio de relevante valor artístico, arquitetônico, cultural, turístico e histórico, onde se encontra a Fortaleza dos Reis Magos. Localizada entre a zona de praia, construída sobre arrecifes adjacentes ao estuário do Potengi, é tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional.
O acesso ao forte é feito por uma passarela, da praia ao passadiço e, a partir daí, através de uma arcada à direita, saindo para o corredor. Outra escada dá acesso ao terrapleno e ao portão para a praça.
FONTES PRIMÁRIAS:
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