A história do sobrevivente do túmulo de pedra vai para a TV

Nossa entrevista com a TV Ponta Negra está agendada para o dia 5 de junho de 2021, às 8h, na Praia do Forte. Isso mesmo, o local é bem este.

Graças a repercussão da minha última expedição fotográfica naquela região mostrei a história de um resgate dramático de uma criança presa nas pedras em 1958. Hoje está criança chama-se Ademar Medeiros, engenheiro e sócio participante do Fatos e Fotos de Natal Antiga.

Para mim será uma grande satisfação estar ao lado dele contanto um pouco desta história. Será a primeira vez que uma TV fará este registro graças ao nosso trabalho. Aqui se faz história #fatosefotosdenatalantiga

Veja abaixo a história completa contada por Ademar Medeiros

Sobrevivente de um túmulo de pedra
#fatosefotosdenatalantiga

Por Ademar José Medeiros de Oliveira em 13 de abril 1994

Logo após a madrugada saímos, meu pai e eu, para mais uma pescaria na “Pedra do Lascão”, na Praia do Forte. Meu pai, José Magy de Oliveira, veterano e campeoníssimo pescador amador do Pâmpano Esporte Clube, ao qual pertencíamos, gostava desse local porque, devido à violência do mar, quase sempre fisgava um cação lixa, uma moréia ou um ariocó, normalmente de grande porte.
Todos os domingos em que a maré era baixa pela manhã, nós íamos para a Pedra do Lascão. Embora eu fosse um garoto de apenas dez anos, já participava dessa rotina há anos. Lá, eu encontrava os filhos de outros pescadores e saíamos a pescar de pindaúba (varinha de mão), peixes de pequeno porte.

A Pedra do Lascão está localizada no início da baía que forma a grande piscina da Praia do Forte, a Copacabana natalense da época, que se caracteriza pelas falhas em sua formação, que formam abaixo do lajeiro um verdadeiro labirinto submerso quando a maré enche. A partir de três horas de enchente, torna-se perigoso permanecer lá, pois as ondas passam sobre as rochas, arrastando tudo que se encontra na sua superfície em direção às fendas, que funcionam como ralos e vão alimentar os rios subterrâneos do labirinto, por baixo do lajeiro, formando correntezas violentas.

Naquele dia estávamos vários garotos, aproveitando a concentração de nossos pais na pescaria, na beira do lajedo, pescando diretamente no mar violento. Faltavam menos de três horas para preamar. Quando uma onda maior se formava, corríamos para um local seguro. De repente, surge uma onde de dimensões descomunais. Corremos, mas ela foi mais rápida, empurrando três dos garotos inclusive eu, para um dos ralos. Eu fui o primeiro.

Os outros dois safaram-se ajudados por um pescador que percebera o ocorrido. Eu, ao contrário, fui sugado para o labirinto subterrâneo. Desfaleci e acho que retornei à quando tentei respirar e meus pulmões encheram-se de água. Parecia um pesadelo: era uma escuridão total e eu, sem fôlego, sendo carregado pela correnteza.

De repente, vi um foco de luz parecido com o facho de uma telha de vidro numa antiga casa de fazenda e nadei para ele. Era, na verdade, uma outra fenda só que por ela, mal passava meu braço. Segurei-me em sua borda e gritei.

Um dos pescadores me ouviu e me pegou pela mão. Começava ali o problema: como me tirar dali. Entre eu e a superfície do lajeiro, existia uma laje maciça de pedra com pelo menos meio metro de espessura.

Enquanto não chegava a ajuda solicitada ao quartel antiaéreo do exército, localizado na Praia do forte, os pescadores de fim de semana e, numa altura dessas, curiosos tentando ajudar, usavam a criatividade em busca de uma solução. Amarraram algumas varas de pescar, umas nas outras, que enfiadas numa fenda maior e guiadas pela correnteza subterrânea, tocaram no meu corpo e auxiliado por esta guia, eu tentei retornar. Tentei, porque com minha cabeça batendo contra as rochas, com a correnteza contrária e o natural cansaço, desfaleci novamente e larguei o caminho de varas de pescar.

Retornei à consciência quando, carregado pela correnteza, passava exatamente pelo estreito buraco de onde havia partido, coloquei o braço, gritei e, começamos tudo de novo. A essa altura a maré estava tão alta e as ondas cada vez mais freqüentes e violentas que me impediam de respirar longos períodos.

Duas providências básicas foram tomadas pelos pescadores: a primeira, quebraram uma cadeira de tubos de alumínio e improvisaram um respirador para mim. A segunda, foi formada uma barreira de homens deitados ao redor do buraco em várias camadas, a fim de desviar o fluxo das águas para outras fendas, para que não me atingissem, pelo menos diretamente.

O resultado dessa operação foi que, cada vez que uma onda lavava o lajedo, eles rolavam sobre as pedras arrastados pelas águas, cumprindo o objetivo, mas tendo seus corpos rasgados pelos rochedos.

A esta altura, meu pai rondava o buraco desesperado e impotente. Minha mãe, avisada do acidente, chorava na beira da praia desconsolada, amparada pelos amigos e estranhos, solidários ao nosso drama. Ouvi alguém sugerir que todos abandonassem a pedra, deixando meu braço amarrado por uma corda e respirando pelo canudo improvisado, até que a maré parasse de subir e começasse a baixar, pois tornava-se quase impossível alguém permanecer no local.

Nessa hora de extrema angústia, um sargento do Antiaéreo do Exército (Sargento Yale), a quem eu devo a vida, com uma frieza impressionante, verificou que batendo contra o rochedo não se iria obter nenhum resultado. Com uma picareta posicionada inclinada em relação à espessura da rocha e batendo nela com uma marreta tentou, e conseguiu arrancar uma lasca da borda do buraco. Com essa idéia luminosa bem sucedida, várias lascas da pedra foram arrancadas e, antes mesmo que houvesse espaço suficiente para passar pelo buraco alargado, fui arrancado, deixando na passagem uma boa parte de minha pele, quiçá, de minha carne.

Vi-me então atordoado e todo lanhado, diante de uma verdadeira multidão (a Praia do Forte estava toda lá) que ria, chorava e aplaudia o quase milagre que acabara de presenciar.

Faltavam cinco minutos para preamar e era quase impossível que tantas pessoas tivessem conseguido ficar no “Lascão“ até àquela hora. O Pâmpano Esporte Clube, clube a que com imenso orgulho eu pertenço, mandou fixar no local, sobre um marco de granito com os dizeres em bronze, a seguinte mensagem de autoria do professor Antônio Soares de Araújo: “Aqui, na manhã de 13 de abril de 1958 reuniram-se em torno de uma criança o milagre, a fé, a aflição, a coragem, a renuncia, o dever, o heroísmo e a solidariedade humana. Homenagem do Pâmpano Esporte Clube”.

P.S. Propositadamente, deixei de citar nomes de pessoas que estiveram presentes ao episódio, pois por mais memória que eu tivesse, após 36 anos, certamente eu deixaria de citar algum dos heróis, meus heróis, nessa briga contra a morte, o que seria uma tremenda injustiça. Arriscaria dizer, no entanto, que Luiz G. M. Bezerra foi o pescador que segurou minha mão e que um dos três moleques era Fernando Bezerril, que se segurou na borda do buraco pelo qual fui tragado.

Cerimônia de apresentação da placa original em 1958.
Placa fixada por Ademar Medeiros em 2008 ao completar 50 anos dos acidente. A original havia sido destruída.
Fotos locais em 06/02/2021 registradas por Adriano Medeiros
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