A prática histórica do tiro esportivo em Natal

Perceber a cidade como um produto do seu tempo, como um espaço mutante, é imprescindível quando se pretende trabalhar a construção dos espaços feitos pelas elites natalenses no início do século XX. A opinião das elites sobre os espaços da cidade pode ser notada por meio da imprensa local. É através das notícias dos jornais que se percebe que as elites não estavam preocupadas, unicamente, com a construção de prédios que abrigassem os clubes e instituições destinados a sociabilidade dos natalenses civilizados. As demarcações espaciais das elites vão sendo desenhadas aos poucos em certos pontos da cidade. Fronteiras e demarcações invisíveis entrelaçam a cidade. Essas fronteiras invisíveis não são perpétuas, não são fixas, porém existem e marcam em diferentes contextos e épocas os diversos espaços de grupos sociais. Os espaços das elites são mutáveis dentro da própria cidade e as mudanças são legitimadas pelos discursos proclamados pelas vozes dessas elites.

Do mesmo modo, as práticas herdadas do mundo rural – como os tiros de roqueira a qualquer hora do dia ou da noite – e aquelas que eram consideradas um estorvo à moralidade urbana civilizada, enfim, as práticas populares como um todo, também não coadunavam com este projeto de civilidade que cada vez mais se afirmava, não somente em Natal, mas em todo o Brasil. A Ribeira, bairro comercial e “porta de entrada” para os visitantes e passageiros em trânsito, não podia mais ter “vivandeiras” nem “cortiços” dando

“à sociedade espectaculos de quadros vivos à portas abertas! Ahi ellas praticam as maiores immoralidades, proferem em vozes altas palavras tão cabelludas que arrepiam as carnes, […], e quando dão para gritar, saltam, berram, como se estivessem em hospital de doudos. Taes e tão immoraes scenas as farçantes representam com os ganhadores de rua, e os carregadores de canecos d’agua, que, […], rolam pombos à vista de todos! A moral publica offendida, a sociedade insultada e as familias desrespeitadas, pedem e imploram a vós, cidadão dr. Chefe de Policia […]”. ((assinam “diversas famílias”).“Cidadão, Dr. Chefe de Policia”, Gazeta do Natal, Natal, n.154, p.04, 08 fev. 1890.).

Aos poucos, o entusiasmo dos atletas e treinadores contagiava os habitantes de Natal. A cada ano que se passava, a cidade, parecia ser tomada, de forma mais intensa, pela febre dos esportes. O uso dos discursos médico-higienistas e eugenistas atuaria na cidade com o propósito de entusiasmar os jovens a trocarem seus vícios por uma nova forma de diversão, que resultaria num real envolvimento dos moços na árdua tarefa de treinar o corpo, construir músculos e vencer. No entanto, o lazer e a saúde não foram as únicas motivações da juventude para seguir os caminhos do esporte. Algumas instituições, como foi o caso do Exército e das associações de tiro, propunham a junção dos ideais de patriotismo e formação de uma nação forte com as necessidades, que se faziam urgentes aos contemporâneos, de reavivar as forças armadas e recrutar membros de classes mais abastadas para o exército.

No domingo, 03 de maio de 1903, um grupo de amigos, pessoas da elite intelectual da cidade, resolveu “passar o dia convivendo espiritualmente numa agradavel sessão litteraria, em plena natureza, à sombra das arvores”. Nas primeiras horas da manhã, o tal grupo de amigos, formado por Alberto Maranhão, Manoel Dantas, Segundo Wanderley, Antonio de Souza, Augusto Bezerra, Pedro Avelino, Luis Emygdio, Manoel Coelho, Francisco Cascudo, Joaquim Anselmo, Adelino Maranhão, José da Penha, Henrique Castriciano, Domingos de Barros, Valle de Miranda e o tenente Helio, tomou um trem especial na estação central em direção ao sul, saltando “na aprasivel e pittoresca propriedade do coronel João Duarte, em Pitimbú, que com suas aguas correntes e cristallinas, com seus mangueirais copados e imponentes, offerecia encanto e repouso”. O dia se desenrolou com banhos de rio, almoço, torneio de tiro ao alvo e muita leitura, desde a leitura do novo livro de versos de Henrique Castriciano do qual se “leu varias paginas vibrantes e impressionadoras”, até às leituras de autores clássicos como Goethe e Herculano. Ao findar a tarde, todos voltaram para Natal “com a satisfação intima e a saudade vaga de um dia bem passado”.

Coronel José Mariano Pinto (Natal, 1874-1938), Jornalista, empresário, gerente do órgão oficial do governo A República. Era um cidadão muito conceituado na sociedade. Convivia diariamente com os expoentes da política e da administração estadual. Morava na melhor casa da Avenida Deodoro (Denominava-se “Vila Vina” (homenagem à sua esposa Ludovina) e foi, por muito tempo, sede da AABB (Associação Atlética Banco do Brasil). Demolida, tem um edifício em seu lugar. A rua que fica na sua lateral tem o nome de José Pinto). Tinha muitas fruteiras e dispunha de um grande terreno que ia até a outra rua dos fundos, que se chamava Rua do Cajueiro (Segundo a indicação, a rua seria a Felipe Camarão.). Foi sempre um pai muito bom. Nada faltava aos filhos. Estes dispunham de todos os apetrechos para toda espécie de esportes. Tinham até professores de tiro ao alvo. A casa apresentava sempre muito luxo. Tinha um piano alemão, novo em folha, que ninguém abria para tocar. As meninas diziam que o piano havia sido comprado para os meninos e estes diziam que o fora adquirido para as meninas. Era um jogo de empurra para não se estudar.

As campanhas militares, que já atuavam em todo o país desde o aflorar da República, ampliaram suas áreas de alcance um pouco antes e durante o governo do presidente Hermes da Fonseca (1910-1914), quando foi lançada uma tentativa de regularizar uma lei de alistamento obrigatório, além da campanha salvacionista de 1911 (ARRAIS, Raimundo. Recife culturas e confrontos: As camadas urbanas na Campanha Salvacionista de 1911. Natal: EDUFRN, 1998. p. 173.). O patriotismo difundido pelos militares queria valer-se do poder restaurador do esporte para unir nos recrutas o vigor da ideologia nacionalista com a força física em prol da pátria. Mas foram as tensões causadas pelos conflitos armados da Primeira Guerra Mundial que intensificaram os argumentos das elites em favor das práticas esportivas. A disciplina, a força física e o patriotismo passaram a ser vistos como atributos indispensáveis à juventude durante esses anos de incertezas. O clima de tensão transpôs o Atlântico e, à medida que os conflitos avançavam na Europa, maiores tornavam-se as preocupações das elites brasileiras em preparar física e psicologicamente jovens capazes de defender a pátria. As preocupações das elites natalenses com a saúde dos corpos e mentes da mocidade são expostas regularmente em artigos de jornais. Em 1916, A Republica publicou a seguinte nota:

É sabido que a educação physica preoccupa tambem seriamente, hoje, os dirigentes das grandes potencias. A pratica dos sports, por meio dos quaes temse a certeza d’uma raça forte no futuro, é seguida e amparada efficazmente pelos poderes publicos dos paizes adiantados.(…) têm elles ministrada nas escolas ou em outros estabelecimentos uma educação physica capaz de tornal-os sadios, aptos portanto a poder ser verdadeiros soldados. Para essa educaçào physica, procedente e observada nas nações adiantadas, a pratica de sports é o principal factor (NOTAS sportivas, A Republica, Natal, 19 set. 1916.).

Em 1912, Natal contava com casa de diversões Rio Branco. O estabelecimento era bem organizado e primava pelo luxo. Contava com salões, salas com bagatelas, mesas para ping-pong, jogo de damas, tabuleiro de xadrez, tiro ao alvo, seção de sorveteria, seção de bebidas, restaurante e, numa saleta bem ao centro, a primeira pianola que o natalense conheceu. A arborização de quase toda a cidade era de gameleiras plantadas no centro das ruas. Os moradores de ambos os lados da via pública viviam satisfeitos. A sombra das árvores era dividida fraternalmente. Os frutos, também…

Quando não se duvidava mais dos poderes regeneradores do esporte e da sua importância na formação do caráter do indivíduo, o ensino da educação física passou a ser incluído nos programas das escolas públicas como disciplina regular, especialmente nos cursos primários. A implementação da educação física nas escolas demonstra uma atenção e uma preocupação do Estado em usar o esporte como complemento da formação dos cidadãos norte-riograndenses (MENSAGEM do Presidente de Província 1894, S 5-4.). Essa atenção especial para com os futuros cidadãos republicanos seria intensificada com o surgimento do primeiro grupo de escoteiros de Natal.

1914 – 1° de Setembro – 2014 Escola Doméstica – 100 anos. No Tirol, onde foi construída a Escola Doméstica, antiga propriedade de Pedro Velho, chamada Solidão, que dava nome ao lugar, durante muitos anos, funcionou o Esquadrão de Cavalaria (foto).

O escotismo, aliado aos ideais de saúde e disciplina dos corpos, difundidos pelas associações esportivas, seria responsável pelo desenvolvimento de cidadãos patrióticos e saudáveis, aptos a servir a sociedade desde a infância. A ideia de se criar em Natal uma associação de escoteiros no Estado surgiu em 1916. À frente dessa ideia, estavam intelectuais como Henrique Castriciano, Luiz Soares e Manuel Dantas. O escotismo deveria proporcionar aos membros mais jovens das elites uma educação moral, física e cívica. Com a criação do primeiro grupo de escoteiros da cidade, a Associação de Escoteiros do Alecrim, em 1917, respondeu-se a alguns anseios das elites natalenses, que demonstrava preocupação com o futuro da nação, caso o Brasil se envolvesse em uma guerra. Portanto, o envolvimento do Brasil na Primeira Guerra Mundial causou alvoroço na imprensa local, multiplicando-se os apelos pela educação moral e física dos jovens natalenses.

Durante esse período, sob a existência do conflito mundial (Primeira Guerra), o País viveu um movimento, denominado por Nagle (1976) de entusiasmo pela educação, que se consubstanciou no surgimento de várias Ligas que defendiam a bandeira da erradicação do analfabetismo. A Liga de Defesa Nacional, fundada em 07 de setembro de 1916 por iniciativa de Olavo Bilac, Pedro Lessa e Miguel Calmon, tinha entre seus objetivos a defesa do serviço militar e a educação cívico-patriótica, que se impregnavam de inequívoco sentido disciplinador.

Essa Liga foi fonte de inspiração para o surgimento de outras associações, com semelhantes propósitos de mobilização, como foi o caso da Liga Nacionalista do Brasil e das Ligas Nacionalistas estaduais. A Liga Nacionalista do Brasil, com sede em São Paulo, teve como propósito a luta pela federação e pela unidade nacional; pela “defesa nacional, pela efetividade do voto, pelo desenvolvimento da educação cívica, da educação primária, secundária e profissional”. Sua defesa também se pautou na manutenção do “amor à Pátria e às tradições nacionais, a obrigatoriedade do ensino da língua, da história e da geografia pátrias em escolas estrangeiras existentes no país, a educação física, o escotismo, as linhas de tiro e o preparo militar […]” (NAGLE, 1976, p. 47).

TIRO DE GUERRA

Em 1917, quando o país entrou oficialmente no conflito, um grupo de jovens natalenses reuniu-se no Atheneu no intuito de montar um clube de tiro. O Tiro de Guerra 18, ou T. G. 18, era uma pequena unidade do Exército Brasileiro mantida em parceria com o município de Natal e responsável pela formação de reservistas de segunda categoria do serviço militar. Fundado em 1908, tinha sede no bairro do Alecrim, sendo normalmente comandada por um sargento, ou um tenente, com turmas que variavam anualmente de 35 a 45 rapazes. Esse pessoal fazia muita ordem unida, longas marchas, treinos de tiro ao alvo e desfilava garbosamente na Avenida Deodoro durante as comemorações do 7 de setembro. Entre os participantes ilustres do Tiro de Guerra 18 consta o maestro Waldemar de Almeida, que lá esteve na segunda metade da década de 1920. Outro que recebeu a sua carteira de reservista de segunda categoria foi o advogado, professor e político mossoroense Otto de Brito Guerra. Esse último foi contemporâneo do jovem Rodoval Cabral da Trindade quando esteve nessa instituição em 1928. Consta que Otto Guerra participou da marcha de 24 quilômetros, com fuzil no ombro e tudo mais.  

O Tiro de Guerra 18 era um lugar onde o esporte era intensamente praticado e incentivado.O antigo Tiro de Guerra 18 não existe mais, contudo esse tipo de organização é bastante presente em outros estados brasileiros e no Rio Grande do Norte ainda existe um em Mossoró, com mais de 120 anos de atuação. Um dos feitos esportivos mais marcantes foi Rodoval Cabral da Trindade (que viria a ser ex-combatente na FEB – Força Expedicionária Brasileira) ter participado e vencido a primeira competição pública de basquete realizada no Rio Grande do Norte.

O Tiro de Guerra foi bem recebido pela sociedade, que considerava a fundação do clube uma “patrictica idéa [que] tem encontrado a solidariedade dos nossos jovens conterraneos que, comprehendendo a gravidade do momento que atravessa paiz, irão alistar se no batalhão de atiradores dispostos a um cuidadoso preparo no manejo das armas.” (A REPUBLICA, Natal, 10 nov. 1917). A criação da associação de escoteiros em 1916 e a fundação do Tiro de Guerra natalense em 1917 refletem as preocupações das elites com a segurança nacional.

Arquibancada coberta do “Stadium” Juvenal Lamartine, onde aconteceu a primeira disputa pública de basquete no Rio Grande do Norte em 1931 e o Tito de Guerra 18, onde Rodoval Cabral serviu ganhou a disputa com o 29º Batalhão de Caçadores.

O fato ocorreu em 1931, em pleno estádio de futebol Juvenal Lamartine, onde improvisaram uma quadra de basquete não sei de que jeito e o Tiro de Guerra 18 venceu a poderosa equipe do 29º Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro. Digo poderosa porque o pessoal do 29º treinava muito e tinha até mesmo à disposição uma quadra de basquete. Mesmo sendo de barro batido essa quadra possuía dimensões oficiais e ficava onde atualmente se encontra o SESC da Cidade Alta. A equipe do 18 era formada, entre titulares e reservas, por Humberto Nesi, Luiz Tavares de Souza, Alberto Gentile, Zacarias Cunha, José Maia Mousinho e Miguel Ferreira da Silva. Esse pessoal era treinado pelo tenente Francisco Antônio do Nascimento, o conhecido “Chicó”, por anos comandante do Tiro de Guerra, e pelo soldado Severino Estevam dos Santos, o “Jaú”. 

Além do teatro, outras edificações da cidade tinham o poder de simbolizar valores estimados pela elites natalenses. Esses prédios abrigavam as instituições formais das elites, como o Atheneu Norte-Rio-grandense, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, a Escola Doméstica de Natal, o Natal-Club, o Club de Tiro de Guerra de Natal, o Natal Sport Club, entre outros. As instituições formais das elites tinham um papel decisivo ao que se refere à formação e estruturação das elites da cidade moderna, pois são elas encarregadas de instruir intelectualmente e socialmente os jovens membros das elites.

As instituições das elites natalenses refletiam uma tendência na qual a capital nacional era sempre tomada como referência. Apesar das instituições formais de Natal ainda estarem se consolidando nas duas primeiras décadas do século XX, a ideia de convívio adotada nesses espaços era semelhante à que vigorava no Rio de Janeiro. Nessas instituições, a circulação não era apenas de ideias, eram os lugares em que as elites se encontravam, onde os seus jovens membros se formavam, onde suas ideias eram divididas, as amizades eram seladas, enfim eram espaços de plena sociabilidade (NEEDEL. Jeffrey. Belle Époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.).

Festa da Bandeira no Grupo de Escoteiros e Associação de Escoteiros do Alecrim. ACERVO iconográfico do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Natal, 1927.

A formação do homem moral e fisicamente forte era uma preocupação que motivava as associações esportivas e as elites. Porém, outros motivos também impulsionavam a prática de atividades físicas na cidade. O esporte, nesse período, ainda era uma prática amadora e a reunião de sócios nos treinos e competições era mais uma forma de lazer oferecida às elites. A competitividade dos jogos e a disputa entre os times não ficavam restritas apenas aos sócios e esportistas. As emoções do jogo expandiam as fronteiras dos clubes e se espalhavam pelas torcidas da cidade.

As atividades esportivas e de entretenimento, como os torneios de tiro ao alvo, natação e remo, as festas, exibições de filmes e apresentações de
retretas demonstram que as cerimônias cívicas estiveram marcadas também por uma forte conotação lúdica e recreativa. Além disso, tais celebrações deixavam de ser rituais exclusivamente masculinos e de pessoas adultas, ou seja, de iniciados, para se tornarem cada vez mais abertas e marcadas pela participação de mulheres, jovens e crianças.

A biografia de Waldemar de Almeida estrita por Claudio Galvão, relata que Cussy filho, quando estudante, fazendo parte do “Tiro de Guerra 18” (Tiro de Guerra: instituição onde os rapazes prestavam serviço militar.), prestando com dedicação o serviço militar, teve de, acompanhando os colegas de farda, viajar ao Recife. O “Tiro de Guerra 18” de Natal vinha tomar parte na formatura do dia 7 de setembro na cidade, sede da região.

O batalhão natalense embarcou no navio “Una”. Devia chegar ao Recife no dia seguinte pela manhã. Nem Natal e nem Recife tiveram notícias por onde andava o navio. Um desarranjo nas máquinas do vapor o fez parar em pleno oceano. O telégrafo de bordo não funcionava. A bordo era tudo agitação. Não sendo possível se gritar por socorro, o jeito era esperar uma ajuda casual. Arary Brito, soldado integrante da tropa, prontificou-se a, junto com dois tripulantes, remar até a praia de onde partiria em busca de melhor assistência ao navio, que começava a oferecer maiores perigos.
Não me lembro da solução advinda da tarefa do Arary. Sei que o “Una” continuou viagem puxado por um rebocador. No dia da parada militar, a atração maior foi o “Tiro de Guerra 18”, ao qual o público passou a chamar de “os náufragos”… Cussy Junior escapou assim de um grave acidente
marítimo.

POLÍGONO DO TIRO DEODORO DA FONSECA

Já algumas vivendas vinham varando a selva no prolongamento do antigo Caminho da Saúde, depois Rua Coronel Pedro Soares (hoje não sei que nome tem), a Betânia, a pretoria, a Quinta dos Cajuais, a Chácara de cascudo (está já construída por Herculano Ramos em bom estilo) a casa do Dr. João Chaves, a do major Miguel Seabra, José Pinto e outras anunciavam a preferência da região para residências, o que determinou também a Ferreira Chaves, construir a Vila Cincinato e a Pedro Velho a Solidão, onde depois mandei instalar o polígono de Tiro Deodoro (Ver carta de Alberto Maranhão citada por Câmara Cascudo in: História da Cidade do Natal, p. 352, 353 e 354.).

A Cidade Nova também possuiu uma linha de tiro denominada Polígono do Tiro Deodoro da Fonseca, criada na gestão de Alberto Maranhão por meio do Decreto n.200, de 27 de maio de 1909. O decreto destacava a necessidade de criação de uma linha de tiro para que as forças federais de terra e do mar, a milícia estadual, os estudantes com ensino militar obrigatório no colégio Atheneu Norte-Rio-Grandense e as sociedades de tiro já organizadas no estado pudessem praticar os exercícios de tiro, de esgrima e de manobras. O referido decreto ainda estabelecia que o novo polígono permitiria que a capital cumprisse as últimas leis federais que determinavam a reorganização do Exército nos moldes estabelecidos “nas modernas organizações militares das Nações cultas” (RIO GRANDE DO NORTE. Decreto n.200, de 27 de maio de 1909. Actos legislativos e decretos do governo (1909). Natal: Typographia do A Republica, 1910. p. 76-77.).

Segundo Raimundo Arrais, na primeira década do século XX nenhuma instituição possuía, como o Exército, condições tão adequadas para expressar o conjunto de virtudes almejadas nos discursos em circulação. “Em torno dele ganhou vulto a ideia de que a saúde física e mental, obtida no culto ao esporte e no domínio de artes militares, se tornavam fundamentais para a defesa da nação e das instituições republicanas” (ARRAIS, Raimundo. Recife, culturas e confrontos: as camadas urbanas na campanha Salvacionista de 1911. Natal: Editora da UFRN, 1998.p.173.). Nesse sentido, visando reforçar a importância do Exército na manutenção do governo republicano, foi reativada, em 1906, a Confederação Brasileira do Tiro, que visava aproximar o serviço militar dos jovens. Em 1908 a instrução militar tornou-se obrigatória nos colégios secundários, visando difundir entre os jovens alunos secundaristas a linguagem, a cultura e os valores da vida militar (Ibidem, p.174-175.). Assim, a construção do Polígono de Tiros de Cidade Nova concretizaria na capital norte-rio-grandense esses ideais em voga. A construção do Polígono também foi comentada pelo governador Alberto Maranhão em sua mensagem de governo de 1910. Nesse relatório, Maranhão destacou que as construções do novo local já tinham sido iniciadas em 1909 e continuavam em processo. O Polígono ocuparia uma área com 73.425m², possuindo uma área em forma de retângulo para exercícios de evolução militares com 34.425m² e uma linha de tiro com 39.000m² (RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo governador Alberto Maranhão (1910).).

Notícias sobre os usos desse novo equipamento do bairro Cidade Nova começaram a aparecer no jornal A Republica em 1910 (POLYGONO do Tiro Deodoro da Fonseca. A Republica, Natal, 03 nov. 1910.), mas o Polígono foi inaugurado somente em maio de 1911, como destacou outra matéria publicada no mesmo jornal (POLYGONO “Deodoro da Fonseca. A Republica, Natal, 15 maio 1911.p.1.). Na festa de inauguração compareceram, além do governador Alberto Maranhão e do presidente da Intendência Joaquim Manoel, várias famílias e “cavalheiros de distincção” (POLYGONO Deodoro da Fonseca. A Republica, Natal, 15 maio 1911. p.1.). O governador inaugurou a linha de tiro dando o primeiro disparo e, após a solenidade oficial, foi servido “abundante copo de cerveja e finos licores aos convidados” (POLYGONO Deodoro da Fonseca. A Republica, Natal, 16 maio 1911. p.1.). Apesar de ter funções específicas, sendo usado no treinamento militar, o Polígono do Tiro também era utilizado como local de sociabilização, tendo, portanto, função pedagógica. Era um lugar que ajudava a construir uma identidade de grupo para essa camada da sociedade mais abastada da cidade e ligada ao poder local.

Varanda da antiga Fazenda Solidão que pertencera a Pedro Velho, então convertida em Polígono do Tiro Deodoro (Atual Escola Doméstica na Hermes da Fonseca.). Foto de Eduardo Alexandre Garcia e legenda de Anderson Tavares de Lyra.

TERRENOS DE TIRO

Em julho de 1939, apesar de não ter sido referido pelo Jornal A República, o Chefe do Serviço de Engenharia da 7ª Região Militar do Brasil esteve em Natal para escolher um terreno, avaliar suas condições da área e apresentar um projeto às autoridades locais para construção de um quartel federal. Esta iniciativa só foi publicada em 15 de setembro, quando o jornal deu cobertura à visita do Comandante da 7ª Região Militar, General Firmo Freire. Este veio visitar a obra do quartel, que já estava em andamento. O edifício abrigaria o 31º Batalhão de Caçadores e seu programa arquitetônico previa a construção de áreas destinadas à “caserna, vila de oficiais, campos de jogos esportivos, parques, salas de comando e armamento, jardins, linhas de tiro, estádio, baias, etc.” (O NOVO quartel federal. A República, Natal, 15 jun. 1939., p.3). O terreno em que estava se desenvolvendo a construção ficava à Avenida Hermes da Fonseca, em frente ao Aero Clube, e sua construção havia sido entregue à empresa local M. Martins e Cia.

Formando um harmonioso conjunto arquitetônico emoldurado pelas verdejantes dunas que o cercam e pelo mar, o 16º BATALHÃO DE INFANTARIA MOTORIZADO foi implantado em NATAL com a designação de 16º REGIMENTO DE INFANTARIA, pela junção do 11º e 29º BATALHÕES DE CAÇADORES, conforme Decreto nº 3.344, de 06 de junho de 1941. A Unidade surgiu da necessidade de reaparelhar a defesa do litoral nordestino, durante a 2º Guerra Mundial, contra a constante ameaça nazi-facista que rondava os mares brasileiros, torpedeando e afundando pacíficos navios mercantes e levando a dor e a orfandade aos nossos lares.

MOÇOS DO TIRO NATALENSE

Deolindo Ferreira Souto dos Santos Lima, natural de Açu, Rio Grande do Norte, mudouse para Natal em 1899, quando começou a trabalhar no comércio, mesmo aos 14 anos de idade (CARDOSO, Rejane (Coord.). 400 nomes de Natal. Op. cit., p.191; VIDA Social. A Republica, Natal, 09 mar.
1908.). Era tenente (ANNIVERSARIOS. A Republica, Natal, 08 mar. 1911.), foi ainda redator do periódico O Atirador, órgão dos “moços do Tiro Natalense” (O DIA de hontem. A Republica, Natal, 14 nov. 1910), presidente da Associação Clube Alecrim (ASSOCIAÇÕES. A Republica, Natal, 17 jan. 1928) e do Sport Clube de Natal (ALMANAK Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (Almanak Laemmert). Rio de Janeiro,
1929.), orador da Associação dos Empregados no Comércio do Rio Grande do Norte (ALMANAK Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (Almanak Laemmert). Rio de Janeiro,1914.), orador da Liga Artística Operária Norte Rio Grandense entre 1909 e 1913 e presidente da referida instituição de 1921 a 1926 (ALMANAK Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (Almanak Laemmert). Rio de Janeiro, 1926.).

SOCIEDADE DE TIRO BRASILEIRO NATALENSE

Aristóteles Costa também era militar, sendo citado em notas do A Republica como tenente a partir de 1913 e como capitão a partir de 1923 (VARIAS. A Republica, Natal, 01 ago. 1913; VIDA Social. A Republica, Natal, 10 abr. 1923.). Foi ainda tipógrafo na oficina da Gazeta do Comércio (A REPUBLICA, Natal, 09 abr. 1902.) e integrante da Sociedade de Tiro brasileiro natalense, compondo, juntamente com Deolindo Lima e outros militares, a diretoria dessa sociedade em 1910 (TIRO brasileiro natalense. A Republica, Natal, 11 jan. 1910.). Costa também foi companheiro de Lima na redação do periódico O Atirador (O DIA de hontem. A Republica, Natal, 14 nov. 1910; ANNIVERSARIOS. A Republica, Natal, 06 dez. 1910; VIDA Social. A Republica, Natal, 10 abr. 1911; VIDA Social. A Republica, Natal, 09 abr. 1913; VIDA Social. A Republica, Natal, 28 ago. 1916;) e na Liga Operária (A SEGUNDA reunião da Liga Operária. Diario do Natal, Natal, 26 jan. 1909.). Foi ainda funcionário da Secretaria do governo, subdelegado do Alecrim e escriturário do Tesouro do Estado (VIDA Social. A Republica, Natal, 09 abr. 1913; VARIAS. A Republica, Natal, 27 jan. 1917; VARIAS. A Republica, Natal, 09 abr. 1917; VIDA Social. A Republica, Natal, 06 dez. 1919; VIDA Social. A Republica, Natal, 10 abr. 1923; ALMANAK Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (Almanak Laemmert). Rio de Janeiro, 1916).

Tem-se várias notas no jornal de maior circulação da capital anunciando o natalício de Costa e de alguns de seus parentes, indicando que era figura
conhecida na sociedade natalense (VARIAS. A Republica, Natal, 31 ago. 1910.). Certamente os vínculos entre Costa e Lima, criados em ocasiões de sociabilização na Sociedade de Tiro, nas conversas na redação de O Atirador, e nas reuniões da Liga Operária podem explicar a transação típica de um mercado pessoal realizada entre ambos em 1924.

Como a revolta do povo potiguar contra a GREAT WESTERN contra o acidente ocorrido na descida de Pium em 23/11/1910 onde morreram três funcionários da Companhia e causou uma grande comoção na população devido a gravidade do sinistro tendo a imprensa local aproveitado o acidente para evidenciar a precária situação do trecho entre Natal e Nova Cruz assim como o descaso da administração da GWBR no referido trecho. Na Avenida Tavares e Lira, onde se reuniu a enorme multidão de pessoas de todas as classes, deu-se inicio a manifestação, falando logo de inicio o Sr. Aristóteles Costa, convidando o povo, para ir ao Palácio do Governo solicitar, por intermédio do Governador Alberto Maranhão, enérgicas e imediatas providencias do Ministro da Viação, contra as irregularidades denunciadas na GWBR. Terminada a fala de Aristóteles Costa, que foi geralmente aplaudido, organizou-se numeroso préstito que, precedido da banda de música do Tiro Natalense, pôs-se em marcha para o Palácio do Governo na Cidade Alta (A REPÚBLICA, 28 de Novembro de 1910, p.1).

No Annuário Administrativo, Agricola, Profissional, Mercantil e Industrial da Republica dos Estados Unidos do Brasil para 1914 na página 3892 descreve seguinte diretoria para a Sociedade de Tiro Brasileiro Natalense.
“UMA TURMA DA SOCIEDADE “TIRO AO ALVO” EM NATAL: 1 – Luiz de França – 2 – Manoel Luiz de França -3 – Paulo Nogueira China – 4 – Ricardo Barreto – 5 – Teodósio Ribeiro de Paiva – 6 – Anfilóquio Câmara – 7 – Aristóteles Costa – 8 – Tenete Barbosa – 9 – Silvino Dantas – 10 – Fernando Pedroza – 11 – Manoel Augusto -12 – Basílio Moura – 13 – Álvaro China – 14 – Coburgo Sales – 15 – José Luiz Tinoco – 16 – Mário Lira – 17 – Tenente João Augusto -18 – Pedro Soares Filho – 19 – Barôncio Guerra – 20 – não identificado. Fonte: IHGRN ( fonte: João Gothardo Dantas Emerenciano ).
OFICIAIS DO TIRO NATALENSE Nº 18 [1912] Sentados – Capitão Baroncio Guerra (1); Tenente Creso Monteiro (2); tenente Deolindo de Lima (3). Em pé – Ten. Jayme Aranha (4); ten. Aristoteles Costa (5) ten. Estelita Leite; ten. Xavier de Miranda (7)

ESCOLA DE INSTRUÇÃO MILITAR

Em conformidade com a intenção de (trans)formar os indivíduos em futuros trabalhadores-cidadãos, foi instalada (anexa ao Liceu Industrial) a Escola de Instrução Militar, denominada de EIM 271. Atribuímos a existência dessa escola de instrução militar ao fato de, no ano de 1939, ter sido aprovada uma nova Lei do Ensino Militar, a qual tornou obrigatória a instrução pré-militar também para os alunos menores, inscritos nos institutos civis de ensino público e secundário.

Essas escolas ficaram sob o controle da Inspetoria Geral de Ensino do Exército. Seus programas foram compostos pela “prática de instrução elementar de ordem unida (sem arma), a iniciação na técnica do tiro e o ensino rudimentar da instrução geral (regras de disciplina, hierarquia militar, organização do Exército, etc.)”, segundo Horta (1994, p.54). O certificado que poderia ser obtido pelos meninos, a partir dos 12 anos de idade, favoreceria a redução do tempo de prestação do serviço militar aos jovens. A educação militar tinha como finalidade incutir um sentimento de patriotismo, o desenvolvimento das virtudes cívicas, bem como promover a moralização.

Solenidade de passagem da Bandeira no Liceu Industrial do RN (1942). Fonte: Acervo CEFET–RN (2006)

O Liceu Industrial de Natal passou a ocupar uma área mais ampla na qual se instalavam não só as sessões de trabalho, mas também espaços como a Sala das Armas na qual era disposta o instrumental da Banda de Tiro do Liceu e as suas armas de instrução. A Banda de Tiro era vinculada a Escola de Instrução Militar 271, pertencente ao comando da 7ª Região Militar do Exército Nacional que funcionava na escola antes mesmo da lei de Ensino Militar de 23 de dezembro de 1937. (BRASIL. Decreto-lei nº. 432 de 19 de maio de 1938. Regula o ensino militar no Exército. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 31 dez. 1938. Coleção de Leis do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 4 jun. 2011.).

REFERÊNCIS BIBLIOGRAFICAS:

A CONSTRUÇÃO DA NATUREZA SAUDÁVEL: NATAL 1900-1930. ENOQUE GONÇALVES VIEIRA. NATAL / 2008.

CIDADE, TERRA E JOGO SOCIAL: APROPRIAÇÃO E USO DO PATRIMÔNIO FUNDIÁRIO NATALENSE E SEU IMPACTO NAS REDES DE PODER LOCAIS (1903-1929) / GABRIELA FERNANDES DE SIQUEIRA. – FORTALEZA, 2019.

A CIDADE E A GUERRA: A VISÃO DAS ELITES SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES DO ESPAÇO DA CIDADE DO NATAL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL / GIOVANA PAIVA DE OLIVEIRA. – RECIFE – PE, 2008.

A construção do espaço cívico: monumentos e rituais de memória na Natal republicana (1902-1922). / HELDER DO NASCIMENTO VIANA. – ANAIS DO MUSEU PAULISTA São Paulo, Nova Série, vol. 27, 2019, p. 1-44. e07.

A trajetória da Escola de Aprendizes Artífices de Natal: República, Trabalho e Educação (1909–1942) / Rita Diana de Freitas Gurgel. – Natal, 2007.

Linhas convulsas e tortuosas retificações Transformações urbanas em Natal nos anos 1920. / George Alexandre Ferreira Dantas. – São Carlos – SP, Outubro de 2003.

Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na Belle Époque Natalense (1900-1930) / Márcia Maria Fonseca Marinho. – Natal, RN, 2008.

O nosso maestro: biografia de Waldemar de Almeida. / Claudio Galvão. – Natal: EDUFRN, 2019.

Ordenamento Urbano de Natal: do Plano Polidrelli ao Plano Diretor 2007 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. – Natal: Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2007.

Por uma “Cidade Nova”: apropriação e uso do solo urbano no terceiro bairro de Natal (1901-1929) / Gabriela Fernandes de Siqueira. – Natal, RN, 2014.

UM HERÓI POTIGUAR DA FEB – A HISTÓRIA DO SARGENTO RODOVAL CABRAL DA TRINDADE E O COMBATE DE SAN QUIRICO. TOK DE HISTÓRIA. https://tokdehistoria.com.br/tag/tiro-de-guerra-18/ Acesso em 04/03/2023.

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