Alfândega de Natal
Um documento importante, extraído do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, é a relação das Barras e Enseadas, listadas pelo capitão-mor Caetano da Silva Sanches em 1799. Por isso, transcrevo para cá.
Ofício do capitão-mor do Rio Grande do Norte Caetano da Silva Sanches ao Secretário de Estado de Mar e Ultramar, Conde de Linhares, D. Rodrigo de Souza Coutinho, enviando relação das Barras e Enseadas existentes no Rio Grande do Norte.
Recebi a carta de Vossa Excelência de 20 de agosto de 1798, em que foi servido dizer-me que foi presente a Sua Majestade a minha carta de 25 de abril e a mesma Senhora procurará todos os mais de animar o comércio direto deste governo para essa capital, se eu mandar uma relação exata dos portos que há neste governo, da grandeza e porte dos navios que podem aqui abordar, e da facilidade de estabelecer aqui alfândegas, onde os gêneros paguem tanto, quanto pagam nos outros portos do Brasil.
Após a chegada da família real em 1808, o Brasil passa de colônia a sede do Reino de Portugal. Os portos são abertos para o comércio direto com as nações européias aliadas. As províncias, anteriormente capitanias, adquirem certa autonomia política e econômica, principalmente após a emancipação política do Brasil de Portugal, em 1822. As administrações locais das províncias agora eram responsáveis pela sua arrecadação de recursos, que dependiam em grande parte de um sistema de escoamento eficiente, que integrasse os caminhos e estradas aos portos, alfândegas e estações de arrecadação.
REVOLUÇÃO DE 1817
Durante todo o século XVIII e no início do século seguinte, o Rio Grande do Norte reivindicava “a liberdade de comércio interno e externo e a isenção de impostos de exportação e importação”, pleito que significava na prática a autonomia “em relação a Pernambuco”, objetivo só conquistado, como veremos, “no contexto do Movimento de 1817”, quando aqui “foi instalado o órgão encarregado de armazenar, registrar e fiscalizar as mercadorias exportadas e importadas, arrecadando os impostos devidos: a ‘Alfândega’ de Natal”.
Referindo-se ao governador do Rio Grande do Norte José Inácio Borges, Tavares de Lyra (1972) afirma ser ele homem dotado de espírito culto de apreciáveis talentos, que rapidamente conheceu o descontentamento que grassava na capitania e que com louvável solicitude, procurou captar a estima e o apoio dos que, pela sua influência, estavam no caso de tornar mais fácil a sua ação administrativa.
A partir desse momento (1820, quando a Alfândega foi criada por Decreto do rei de Portugal), o porto de Natal foi aberto “para o comércio com outras nações”, mais precisamente a Inglaterra, país que, “além de comprar algodão, passou a (…) vender diretamente aqui as mercadorias produzidas em suas fábricas, em número e variedade cada vez maiores” (MONTEIRO, 2000, p. 105). É verdade que José Inácio Borges condenara
explicitamente a revolução, declarando a capitania desligada de Pernambuco e criando uma alfândega em Natal; mas muitos outros, inclusive André de Albuquerque, o fizeram também, sem que isto tivesse sido obstáculo à sua posterior adesão (LYRA, 1972, p. 27-28).
Terminada a Revolução de 1817, a Coroa portuguesa resolveu conceder autonomia à capitania do Rio Grande do Norte, afastando-a da influência política e administrativa de Pernambuco. Primeiro, em 25 de março de 1818, foi criada a Ouvidoria do Rio Grande do Norte, desligando-a da Paraíba; somente em 1820, através de alvará expedido pelo rei D. João VI, em 3 de fevereiro, foi oficializada a Alfândega do Rio Grande do Norte, marco do fim da subordinação econômica a Pernambuco (CASCUDO, 1984, p. 141). Essas medidas e a “bem sucedida repressão ao movimento
não apagou, contudo, as aspirações latentes de liberdade que estavam, então, em gestação em algumas províncias brasileiras” (BASILE, IN: LINHARES, 2000, p. 192).
Após a derrota dos revolucionários de 1817, reassumiu o governo José Inácio Borges para um segundo governo, que se estendeu de 17 de junho de 1817 a 03 de dezembro de 1821. Na sua segunda gestão, o Rio Grande do Norte adquiriu autonomia judicial (1818) e fiscal (1820). Em 1820 foi criada a alfândega no Rio Grande do Norte.
Na Cidade Baixa (Ribeira) desde a primeira década do século XIX, já havia aproximadamente 300 moradores, dentre eles os comerciantes que faziam os negócios de importação e exportação de mercadorias da província, em seus armazéns situados na Rua da Alfândega, atual Rua Chile (MONTEIRO, 2000, p. 122).
“Tarde de outrora no Potengi! O rio todo se transfigurava. As águas plácidas, azuis-prateadas, Faiscavam ao sol. Lanchas, rebocadores, botes, canoas, De ponta a ponta os animavam. À margem, a cidade em peso para aplaudir os grandes páreos Uma brisa leve acariciava os rostos, Moças, rapazes, senhoras, velhos, ansiosamente acompanhavam as guarnições em pugna ingente desde o cais da antiga Alfândega. Esmeraldo Siqueira
RUA DA ALFÂNDEGA
Dos caminhos de água aos caminhos de ferro: a construção da hegemonia de Natal através das vias de transporte (1820-1920) / Wagner do Nascimento Rodrigues. – Natal, RN, 2006.
O Bairro da Ribeira mesmo tendo sido originado de um terreno alagadiço não impediu que fossem abertas ali vias de acesso que o colocasse em evidência na história da Cidade do Natal. As praças, logradouros e avenidas apresentaram significativas importâncias. A rua Chile, considerada uma das mais movimentadas do bairro, trouxe relevantes fatos para a Província.
Uma das ruas mais importantes da história de Natal, cenário de intensa atividade econômica, no passado Rua da Alfândega, a atual Rua Chile era onde os principais comerciantes da província faziam os negócios de importação e exportação de mercadorias em seus armazéns, instalados próximo ao porto (MONTEIRO, 2000).
A rua acima, passou por várias denominações (Rua da Praia, Rua da Ribeira, Rua da Alfândega, Rua Tarquinio de Souza, Rua do Comércio). A rua da Praia surgiu pela primeira vez, em um registro de concessão de terra, de 21 de novembro de 1769, devido à presença do rio Potengi constituiu-se o caminho natural para a Fortaleza dos Reis Magos. Provavelmente, após o ano de 1863, essa rua passa a ser chamada rua da Alfândega, devido à construção do primeiro cais da Alfândega. Com o intenso movimento de negociantes na rua da Alfândega, o topônimo é modificado para a rua do Comércio.
Na Rua Chile. Nessa rua encontravam-se as maiores empresas comerciais, industriais e exportadoras que atuaram diretamente no processo de desenvolvimento da cidade, além da Alfândega antes de ser transferida para o prédio na Rua Silva Jardim.
CAIS DA ALFÂNDEGA
No final do século XIX, o calçamento da Capitania dos Portos foi construído. Localizado na Avenida Junqueira Aires o prédio da Capitania dos Portos ocupou de 1830 a 1862 a sede do governo provincial (O POTI, 07 jul. 1991).
Em 09 de junho de 1863, foi concluído o primeiro cais da antiga Alfândega custando 2.790$000, tendo como encarregado o engenheiro hidráulico chamado Berthott (CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal, p.134). Por volta de 1874, chegou a Natal um enviado do Governo Imperial, o inglês Sr. John Hawshaw, para fazer a drenagem da barra do Potengi e vencer os recifes.
Em 1907, na administração do governador Antônio José de Mello e Souza, o arquiteto Herculano Ramos foi contratado para reformar o Caes Augusto de Lyra, elaborando um plano para o futuro Caes Tavares de Lyra e cuidando ele mesmo da administração de todo o trabalho:
MELLO E SOUZA, Antonio J. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo a 01 de Novembro de 1907. Natal: Typographia d’A Republica, 1907. Sobre as Obras Públicas (p.24-27): […], fiz construir uma pequena casa annexa ao galpão existente, com accommodações para os passageiros e um aposento para o contractante daquelle serviço.” O segundo serviço foi o cais Augusto Lyra (futuro cais Tavares de Lyra), “estando completamente demolido e imprestavel o caes Augusto Lyra, e havendo urgente necessidade de reparal-o, sobretudo para o serviço de passageiros, pois que o caes da alfandega acha-se continuamente atulhado de mercadorias, contractei a reconstrucção provisoria daquelle caes com o habil architecto Herculano Ramos que encarregou-se gratuitamente de organizar o plano e de administrar pessoalmente todo o trabalho. (Mensagem do Governo – 01 de Novembro de 1907. Arquivo compilado no HCUrb).
RECEITAS
Os recursos do Rio Grande do Norte, bastante limitados, não possibilitaram sequer fazer estudos mais amplos do território provincial. As principais medidas nesse sentido foram feitas a partir da percepção do porto de Natal como principal escoadouro em potencial da produção da região.
Visto agora com outros olhos pela administração local, era necessário direcionar os investimentos na área de transporte para que o comércio da região fluísse diretamente para o porto, fazendo com que a Alfândega – criada em 1820 – recolhesse os direitos provenientes da atividade comercial. A arrecadação desses direitos era a principal fonte de renda da nova administração provincial, de modo que nada adiantaria uma produção exemplar sem um sistema eficiente de drenagem desses produtos para um ponto oficial de arrecadação. Mas em 1835, o sistema de arrecadação de impostos é falho e grande parte da produção é levada para outros portos.
Segundo o presidente Quaresma Torreão, por um lado isso se devia à “falta de zêlo” dos agricultores que não exigiam as “guias” das mercadorias que adquiriam, a falta de interesse dos juízes de paz em exigi-las, e o nenhum interesse dos arrecadadores das províncias vizinhas em registrarem a exportação proveniente do Rio Grande do Norte. Por outro lado, era quase impossível transportar uma provável arrecadação para os cofres da província sob o risco de “expor-se à Renda Pública, ou à furia dos ventos e das ondas, ou ao insulto dos salteadores; enfim a despeza…”.
A Alfândega de Natal, principal estação arrecadadora de direitos da província, ocupa um prédio alugado “… sem commodos, nem a decencia convinhavel…” (Fala do Presidente Quaresma Torreão, 02 de Fevereiro de 1835, p. 2-4). O prédio, as instalações e o número de funcionários permanecerão os mesmos até o início da década de 1860.
Até esse período, pela ausência de estudos na área de transportes para a província, havia apenas uma preocupação latente em melhorar o transporte em geral e algumas referências dispersas no sentido de integrar a capital, já que a alfândega estava situada em Natal. As finanças da província dependiam de uma boa arrecadação e para que o sistema de coletas funcionasse, as estradas deveriam correr facilmente e diretamente para a alfândega e, consequentemente, para a capital.
Em 1870 o cais do Passo da Pátria e o da Praça da Alfândega estão bastante deteriorados, o que faz com que o Presidente autorize orçamento para as despesas necessárias para o conserto dos dois. O cais da Alfândega desempenhava também um importante papel de integração – no caso do abastecimento interno – da cidade com o rio. Tanto que é proposto em 1873 o prolongamento deste até o Passo da Pátria, obra que não foi realizada pela falta de recursos da Província.
Em 1853, o Presidente Pereira de Carvalho faz a primeira proposta de intervenção pública no local. O alagadiço aparece como um local estratégico na cidade, situado entre a Cidade Alta e a Ribeira, sendo espaçoso o bastante para a implantação de um equipamento de lazer para os habitantes. A cidade poderia agora desfrutar da “vantagem de possuir um optimo cáes de desembarque, que nada teria á invejar á outras Provincias, que desfructam semelhante bem.” O local seria a representação do triunfo da capital sobre a região, a praça onde os fluxos comerciais se encontrariam e seriam devidamente organizados e controlados pela alfândega. Numa escala menor, a imponência desse edifício sobre os demais era símbolo do controle do estado sobre o comércio:
Não pára nisso a vantagem do passeio publico no lugar, que vos indico; outra igualmente importante é a possibilidade de vir a ser para o futuro uma praça magnífica de commercio, sendo que bem contiguo á esse lugar existe já um armazem, que pela sua vastidão, solidez, e outras proporções, é o edificio mais proprio para Alfandega d’esta Cidade. (Falla do Presidente Pereira de Carvalho, 17 de Fevereiro de 1853).
INVESTIMENTOS
O crescimento das exportações e importações gerou um aumento na renda arrecadada pelo governo provincial, através dos impostos sobre as mercadorias que entravam e saíam da província. Com esses recursos, foram feitas ou inciadas obras na capital, como o Hospital Público (em 1856), o Cemitério Público do Alecrim (1856), a iluminação pública com lampiões (1859), o Mercado Público (1860), a primeira Escola de Ofícios (1858), o prédio para abrigar a Assembleia Provincial, a Câmara Municipal de Natal, a Tesouraria Provincial e o Tribunal do Júri (1865), a Biblioteca Pública Municipal (1868), o prédio próprio do Atheneu Norte-Rio-Grandense (1859), o calçamento da “Ladeira da Cruz” que ligava a Cidade Alta à Ribeira – atual Junqueira Aires – onde se localizavam as casas de comércio e a Alfândega – (1870), e ainda a construção da “Ladeira do Baldo”, entre a Cidade Alta e a fonte pública de abastecimento de água da cidade, existente no Rio do Baldo (1866).
A população da capital, que já ultrapassava 6.000 pessoas, contava com artesãos, que supriam com sua arte e técnica manuais diferentes necessidades de seus habitantes, como os alfaiates, ferreiros, marceneiros, sapateiros; contata com pequenos comerciantes varejistas; funcionários públicos subalternos da justiça, fazenda, polícia e legislatura; empregados de pequenas manufaturas, como redes; soldados; desempregados; padres de pequenas posses; caixeiros das casas comerciais, etc., além de algumas centenas de escravos e mulatos.
No bairro da Ribeira já existiam os quarteirões que delimitam a Praça Augusto Severo de hoje, formando os seus lados Norte e Oeste. Também um trecho de casas, no local hoje correspondente à Travessa Aureliano Medeiros, em cujo final encontrava-se o prédio da Alfândega. Acompanhando o leito do Potengi existia a atual Rua Chile, antiga Rua da Alfândega ou Rua do Comércio, que terminava à altura do Beco da Quarentena.
GUERRA DO PARAGUAI
Depois de aguardar por longas semanas o embarque para o sul do país, o 1º Corpo de Voluntários da Pátria do Rio Grande do Norte, formado por 463 homens, “distribuídos por 4 Companhias, sob o comando do tenente-coronel da Guarda Nacional, José da Costa Vilar”, embarcou no Jaguaribe, a 9 de junho de 1865, depois de desfilar pela rua da Palha (atual Vigário Bartolomeu), largo da Matriz, rua da Conceição, “donde partiu para o local do embarque que foi o cais da Alfândega, na rua do mesmo nome, atual rua Chile” (CÂMARA, 1998, p. 183-184). Cascudo apresenta outros dados: 2.197 norte-rio-grandenses foram enviados para os campos de batalha platinos, dos quais “500 perderam a vida na defesa da Pátria” (1984, p. 180).
Foram aproximadamente 2.000 norte-rio-grandenses para os campos de batalha, dos quais 1.200 morreram. Os dados do Presidente Olinto Meira, até agosto de 1866, são os seguintes: 1.467 soldados norte-rio-grandenses convocados (nem todos do Corpo de Voluntários da Pátria), sendo 1.410 praças e 57 oficiais. Os Presidentes Luiz Barbosa e Gustavo Adolfo de Sá, sucessores de Olinto Meira, contribuíram, cada um, com 430 e 300 soldados, respectivamente. Temos dessa forma um efetivo de 2.197 soldados norte-rio-grandenses (CÂMARA, 1998, p. 203-206).
NADA APRAZÍVEL
Natal em fins do século XIX ainda apresentava um desenvolvimento incipiente em relação às outras capitais das províncias vizinhas. Isso se refletia nos espaços da cidade. Carentes de intervenções e apresentando um caráter descuidado e provinciano, as principais praças e logradouros eram objeto de discussão nos discursos das elites, que reivindicavam uma ação enérgica por parte dos poderes públicos no intuito de reverter essa situação. O periódico “O Caixeiro”, descreve a cidade no ano de 1892 como “pobre e pequena” e de edificação “irregular e mesquinha”. Nesse artigo tanto a iluminação rudimentar – “feita por verdadeiras lamparinas” – como as praças – classificadas como “tristes” – são objeto de crítica. O interlocutor fala a partir da perspectiva de um visitante que chega à cidade e que, paulatinamente, começa a formar a suas impressões.
Quem chega ao porto do Natal recebe a principio a impressão menos má de 3 ou 4 grandes edifícios, que emergem na cidade alta, de entre a cazaria chata e reles; aquelles cazarões embora não sejam nenhum palacio, sempre dão ao conjunto uma perspectiva relativamente agradável. Mas, logo que o visitante baixa os olhos para o desembarque, julga-se n’alguma aldeia marítima do Congo: O aspecto do caes é de desanimar, de entristecer. – Fundos de quintaes, decorados de pequenas latrinas ignobeis, feitas de velhas tabuas de pinho mal unidas, deixando perceber lá dentro vultos indiscretos agachados; um alinhamento a Ia diable onde não se encontram dois predios que coincidam… uma vergonha! Entretanto,
corressem um cordão de casas desde a Alfandega ao Canto da Ribeira, numa extensão que não tem talvez 300 metros; fizessem avançar ou recuar as casas, obrigando os proprietários a fazerem uma rua de 40 a 50 palmos, com um renque de arvoredos e bancos toscos a sua sombra; dispusessem meia duzia de Kiosques entre as arvores: e que bello passeio não ficaria alli, na frescura das brisas matinaes, ou ao explendor dos nossos occasos fulvos de zona tropical, discortinando-se todo o movimento do porto?! Eis uma idéia que não nos parece má e que deixamos de graça à municipalidade e a população em geral. Promettemos continuar neste assumpto. Embora nos desanimem, affirmando que pregamos no deserto, temos muita confiança no velho prolóquio: – agua mole em pedra dura… (O CAIXEIRO, 1892a, p. 01, grifos do autor).
É interessante notar o lento progresso e desenvolvimento urbano vivenciado por Natal ao longo do século XIX. O relato acima transcrito de fins do século (1892) se assemelha consideravelmente ao relato do inglês Henry Koster, quando esteve na cidade em 1810.
ATERRO
O espaço do charco, ou alagadiço da Praça da República é objeto de um aterro parcial no sítio destinado a abrigar o parque ferroviário da Estrada de Ferro de Natal a Nova. O aterro posteriormente reclamado seria aquele referente à área em frente à estação, que continuaria alagada. Os primeiros estudos realizados para instalação da estação acontecem em 1878 na época em que a companhia responsável pela construção da via férrea era a Imperial Brazilian Natal and Nova Cruz Railway Company e o aterro inicialmente não havia sido planejado (RODRIGUES, 2006). Esses estudos determinavam que os trilhos passariam por cima do chamado Cais do Salgado – muro de arrimo construído entre o Rio Potengi e o alagadiço – e terminariam nas proximidades da Alfândega, permanecendo ainda o charco que, posteriormente, seria aterrado. Entretanto, essa proposta não é levada adiante.
No ano 1881 – ano também da inauguração das atividades da via férrea – é iniciada a construção de “um aterro de 70 mil metros quadrados sobre o alagadiço, agora área da marinha, para conseguir-se o espaço necessário ao parque ferroviário, com edifícios destinados aos vagões, mercadorias, locomotivas, carpintaria, oficinas de máquina e casa de fundição” (RODRIGUES, 2006, p. 127). Dessa forma, o espaço ocupado pelos equipamentos se torna uma nova fronteira para a cidade. No entanto, apesar da instalação do complexo, a área frontal, correspondente à Praça da República, continua a ser objeto de constantes reclamações.
O prolongamento da estrada de ferro apresentou ressonâncias econômicas significativas para Natal. Em reportagem de 06 de fevereiro de 1913, o periódico “A República” traça um panorama sobre o progresso material vivenciado pelo Rio Grande do Norte nos últimos anos, mostrando que a Alfândega de Natal passava a ser a oitava do país em arrecadação. Entre os fatores citados como “imprescindíveis” pela reportagem para o alcance dessa condição estão os melhoramentos efetuados na E.F. Central, além das obras do porto e das obras contra as secas como um todo (O CASO…, 1913).
A ligação da esplanada Silva Jardim com a Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte incluía a construção de um muro de arrimo à beira rio, que partiria do pátio da Great Western até a ponte de atracação do Porto de Natal. Em 5 de março de 1913, seria aprovado um projeto de enrocamento de pedras soltas para formar as bases da linha, que passaria por dentro do rio, próximo à rua do Comércio, na Ribeira. O projeto, ao tentar baratear ao máximo a construção, não previu que esse tipo de alicerce iria prejudicar o canal do rio, que corria justamente rente à margem direita. Não se poderia facilitar um meio de transporte em detrimento de outro, levando-se em consideração que o projeto original do parque ferroviário da esplanada Silva Jardim contemplava uma ligação plena entre porto e ferrovia. A Companhia Viação e Construções, arrendatária da linha, juntamente com a Alfândega se posicionaram contra o projeto, formulado ao que parece pelo antigo engenheiro fiscal.
Apesar de negar-se a realizar uma obra que era de responsabilidade do porto de Natal, a companhia vê que um segundo trajeto ajudaria bastante os trabalhos posteriores de desapropriação e regularização do rio. Correndo por cima de um antigo conjunto de lotes comerciais que tinham servidão direta ao rio, o novo trajeto adiantaria o fim da paisagem oitocentista do porto, composta por um casario deteriorado e ultrapassado, pouco adequado aos novos ritmos de circulação do porto e da ferrovia, e, talvez com a imagem moderna que se queria da cidade.
A questão das disputas fundiárias alimentadas no processo de implantação do complexo ferroviário na Esplanada Silva Jardim é reforçada, posteriormente, no ano de 1918.
[…] a Companhia de Viação e Construcções alega o seguinte: que no local onde os A.A. dizem ser possuidores de terrenos de marinha, ao longo da via férrea da Great Western Railway, no espaço comprehendido entre essa mesma via férrea e o rio Potengy, a partir do logar Pedra do Rozario, abaixo da ladeira do mesmo nome, até a estação provisória ao lado da Alfandega. […] porque a ninguém é permittido fazer obras em marinhas, ou construcções sobre o mar ou rios navegáveis sem o competente titulo de aforamento (A REPUBLICA, 1918b, p. 02).
No relato da situação dos principais projetos para o porto de Natal, o superintendente Décio Fonseca destaca os projetos para esse cais de atracação, elaborados pelos engenheiros Souza Bandeira, José Garcia e Lothario Hehl.
Construcção de quatrocentos metros de caes começando defronte da casa n. 26 da rua do Commercio e terminando defronte da rotunda da estação da E.F. da Great Western passando por fora da Alfandega (A REPUBLICA, 1919a, p. 01).
BONDE
Em 1916 a concessão dos serviços elétricos em Natal muda novamente de mãos, apesar de a empresa concessionária continuar se chamando Tração, Força e Luz. Entre as melhorias empreendidas cabe destacar a compra de novos geradores com potência bem superior tanto para iluminação pública, como para alimentar os bondes em circulação, além da expansão das linhas de tramways pela cidade. Esses trabalhos haviam sido iniciados na gestão anterior, em março de 1915.
Entre as modificações iniciadas pela Empresa nas linhas de tramways pode-se indicar o prolongamento para Solidão, Tirol, Areia Preta, Alfândega (bairro do Alecrim) e Matadouro, com um desenvolvimento de cerca de sete quilômetros em extensão, além da montagem de novos carros motores de passageiros e de carga e a construção de carros para transporte de carne verde aos mercados da Cidade Alta e Ribeira.
FREI MIGUELINHO
No dia 10 de junho de 1917, as comemorações do centenário de Frei Miguelinho tiveram início com o programa das festas esportivas. A primeira delas foi a “Grande regata do Centenário”, patrocinada pelo Instituto Histórico e Geográfico, na qual tomaram parte o Centro Náutico Potengy, o Sport Club de Natal, a Escola de Aprendizes Marinheiros e os marítimos da Alfandega e da Capitania do Porto (Rev. IHGRN, vol XV, n° 1 e 2, 1917; 67.) Na ocasião, o desembargador Ferreira Chaves, governador do Estado e presidente de honra das festas do Centenário, marcou presença a bordo da lancha oficial, e da mesma forma, a diretoria e os demais membros do IHGRN, destacando-se aí uma comissão especialmente designada para fiscalizar o evento, se fizeram presentes a bordo da lancha “Affonso Barata”.
Tendo como ponto de partida o Paço da Pátria e como chegada o Cais da Alfândega, foram organizados seis páreos nos quais em diferentes modalidades as agremiações competiram, na seguinte ordem: 1° páreo – Riachuelo; 2° páreo – Instituto Histórico; 3° páreo Clara de Castro; 4° páreo – Miguelinho; 5° – páreo André de Albuquerque; e 6° páreo – Centenário. A bordo da lancha “Natal”, fundeada no ponto de chegada, a banda de música do Batalhão de Segurança tocou durante a festa, e ao final das competições (o 1° pareo correu às 14 horas e o último às 16), uma comissão de senhoritas fez a entrega aos vencedores de medalhas de prata, mandadas confeccionar pelo Instituto Histórico especialmente para a ocasião.
PRÉDIO DA RECEITA FEDERAL
Localizado na Esplanada Silva Jardim, n° 83. Foi construído em 1928, para ser a alfândega de Natal. Em 1939, o edifício foi restaurado e reinaugurado em janeiro de 1940.
Eis um apanhado histórico do prédio da Alfândega de Natal, atual Delegacia Regional da Receita Federal, localizado na Esplanada Silva Jardim na Ribeira.
Em 20/03/1926 foi aberto um edital de concorrência pública para a construção do edifício da Alfândega de Natal.
No dia 15/06/1928 foi solenizado o ato de lançamento da pedra fundamental do edifício da Alfândega de Natal, cuja construção foi encarregada ao engenheiro Otávio Tavares.
Ao ato estiveram presentes o presidente do estado, Juvenal Lamartine, os auxiliares do governo, altas autoridades federais e estaduais e outras pessoas de representação.Usou a palavra, em primeiro lugar, o delegado fiscal do Tesouro Nacional, que explicou a finalidade da solenidade.Em seguida, falou o presidente Juvenal Lamartine congratulando-se com o Estado pelo grande melhoramento e enaltecendo a ação do presidente da República, no acontecimento.Por fim o engenheiro Otávio Tavares agradeceu o comparecimento das autoridades presentes.(O PAÍZ, 16/06/1928, p.7).
Em 26/06/1928 a delegacia fiscal recebeu o crédito de 380 contos de réis destinados a construção do novo edifício da Alfândega de Natal.
Em 1929 o ministro da Fazenda, Oliveira Botelho, recebeu de Natal o seguinte telegrama:
“Tenho a honra de comunicar a V. Ex., que acabo de receberas chaves do novo edifício da Alfândega de Natal, cujas obras estão concluídas e feias sob minha responsabilidade de acordo com a ordem de v. Ex., prevalecendo-me do ensejo, cumpro o dever de apresentar a V Ex., meus melhores votos de perenes felicidades no ano que hoje começa. Saudações respeitosas (a) Alexandre Colares, Delegado Fiscal”. ( JORNAL DO BRASIL,05/01/1929,p.10).
O edifício da Alfândega de Natal, era o primeiro entre outros diversos, cuja reconstrução foi autorizada e iniciada na administração do Sr. Oliveira Botelho.
Segundo o jornal do recife o diretor geral da Fazenda Nacional autorizou transferência da alfândega de Natal para um prédio particular, visto achar-se em ruínas o prédio próprio nacional em que funcionava aquela repartição e não haver outro imóvel da União disponível na capital.(JORNAL DO RECIFE, 21/10/1937,p.1).
Já em 1940 a Alfândega de Natal voltou a funcionar no antigo prédio reconstruído na administração do inspetor Eurico Seabra.
Após importantes melhoramentos no prédio da Alfândega, situado a Esplanada Silva Jardim, a repartição voltaria a funcionar ali a partir do dia 29/01/1940.
Após importantes melhoramentos no prédio da Alfândega, situado a Esplanada Silva Jardim, a repartição voltaria a funcionar ali a partir do dia 29/01/1940.
Entre os presentes estavam o interventor federal, Rafael Fernandes,o representante do bispo, mons. Alfredo Pegado.Inaugurando os melhoramentos do prédio, o inspetor da Alfândega, Eurico Seabra Melo, proferiu um discurso historiando a marcha dos trabalhos até sua conclusão.As obras foram autorizadas pelo Presidente da República, a vista de exposição de motivos do ministro da Fazenda.Foram confiados os serviços a direção técnica dos engenheiros Gentil Ferreira de Souza e Alvim Schinmelphheng, sendo executados pelos construtor Carlos Lima.O valor das obras foi de 60:000$000.(A ORDEM,29/01/1940, p.1).
Trata-se de uma edificação de significativo valor arquitetônico. Possui fachada simétrica, emoldurada por cornijas e cunhais. Uma pequena escadaria de acesso valoriza a entrada principal do edifício, que é feita através de uma porta, ligeiramente angulada, de grade de ferro, com as iniciais NA (Alfândega de Natal). Essa porta localiza-se na parte central do edifício e é ladeada por duas colunas, cuja função é apoiar a sacada de pavimento superior (NESI, 2002, p.124).
Vencendo o tempo, o prédio da Receita Federal guarda seu traçado original. Não é tombado como Patrimônio Histórico. Como lugar de memória, faz parte da História da cidade de Natal.
FONTES:
A REPUBLICA, Natal, ano 30, n.164, 25 jul. 1918b.
A REPUBLICA, Natal, ano 31, n.96, 03 maio 1919a
CASCUDO, Luís da Câmara, História da Cidade do Natal. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 ed. Natal: Fundação José Augusto; Rio de Janeiro: Achiamé, 1984.
LINHARES, Maria Yedda (org.). História Geral do Brasil. 9 ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
LYRA, Augusto Tavares. A independência do Brasil no Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Pongetti, 1972.
MIRANDA, João Maurício Fernandes. Evolução Urbana de Natal em 400 Anos. 1599-1999. Coleção Natal 400 anos. Volume VII. Natal: Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Prefeitura do Natal, 1999.
MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução à História do Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN, 2000.
O CASO Rocas, A Republica, Natal, ano 25, n.28, 06 fev. 1913.
O POTI, 7 jul. 1991.0 antigo prédio da Capitania dos Portos. Natal: Revistas 4.
O PRÉDIO DA ALFÂNDEGA DE NATAL – Crônicas taipuenses – https://cronicastaipuenses.blogspot.com/2019/05/o-predio-da-alfandega-de-natal.html – Acesso em 22/04/2022.
RODRIGUES, Wagner do Nascimento. Dos caminhos de água aos caminhos de ferro: a construção da hegemonia de Natal através das vias de comunicação (1820-1920). 2006. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2006.
BIBLIOGRAFIA:
A MODERNIZAÇÃO DA CIDADE DO NATAL: O AFORMOSEAMENTO DO BAIRRO DA RIBEIRA (1899-1920). LÍDIA MAIA NETA. NATAL/Dez/2000.
Anuário Natal 2007 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2008.
Anuário Natal 2009 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009.
Caminhos que estruturam cidades: redes técnicas de transporte sobre trilhos e a conformação intra-urbana de Natal / Gabriel Leopoldino Paulo de Medeiros. – Natal, RN, 2011.
Dos caminhos de água aos caminhos de ferro: a construção da hegemonia de Natal através das vias de transporte (1820-1920) / Wagner do Nascimento Rodrigues. – Natal,
RN, 2006.
História do Rio Grande do Norte / Sérgio Luiz Bezerra Trindade. – Natal: Editora do IFRN, 2010.
Linhas convulsas e tortuosas retificações Transformações urbanas em Natal nos anos 1920 / George Alexandre Ferreira Dantas. — São Carlos, 2003.
Mais notícias genealógicas do Rio Grande do Norte [recurso eletrônico] / João Felipe da Trindade. – Natal, RN : EDUFRN, 2019.
MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução à história do Rio Grande do Norte. Natal/RN: EDUFRN – Editora da UFRN. 2000. p. 138.
Natal Não-Há-Tal: Aspectos da História da Cidade do Natal/Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo; organização de João. Gothardo Dantas Emerenciano. _ Natal: Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2007.
O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos. Rubenilson B. Teixeira / Revista franco-brasilera de geografia. 23 | 2015 | Número 23. Dossiê São Francisco
(POR)ENTRE PEDRA E TELA: a construção de uma memória republicana (Natal – 1906-1919). DIEGO SOUZA DE PAIVA / Natal. 2011.
UM ARTÍFICE MINEIRO PELO PAÍS: Formação, trajetória e produção do arquiteto Herculano Ramos em Natal / Débora Youchoubel Pereira de Araújo Luna. Natal, RN, 2016.