As manifestações histórico-culturais da Cidade do Natal

Para percorrer a cidade sonhada e a cidade vivida pelas elites natalenses vamos percorrer os principais espaços de sociabilidade de Natal, entre os espaços de lazer públicos, como os jardins, a praia e as instituições privadas, organizadas por estatutos, fechadas a um número limitado de sócios. Aqui os espaços de sociabilidade não são vistos como simples ponto de encontro de um grupo social, mas como a materialização de um desejo das elites locais de modernizar Natal.

As manifestações culturais, as edificações e monumentos focalizados neste trabalho representam fragmentos do passado. Como seria Natal há mais de cem anos passados? Quais as dimensões da cidade, topônimos, festas, superstições, costumes, condições gerais de vida da Província do Rio Grande do Norte aí pelos idos de 1872?

O calendário religioso comandava as brincadeiras populares que se organizavam em torno dos ciclos católicos, como a Lapinha e o Fandango, que eram vinculados aos festejos natalinos, ou as corridas de argolinhas, os paus-de-sebo e o circulo de fogo artificial, que tomavam lugar nas praças e ruas em dias santos. Quando comenta, entusiasmadamente, a abertura da nova associação recreativa, o redator ignora a presença de “outras diversões” na cidade de Natal, indicando em sua fala que as diversões populares não mereciam ser contabilizadas como formas possíveis ou próprias de diversão compatível com a sua classe social. Diferentemente das diversões populares, as novas formas de sociabilidade eram pautadas em valores urbanos e seculares.

As distrações eram de fundo religioso. Os Santos Reis, antefestejados com serenatas e cantigas típicas à porta dos amigos – tirando os Reis. Carnaval de entrudo com empapanguzados gritadores e encamisados sensaborões. Santo Antônio, S. João e S. Pedro com fogueiras, comidas de milho, fogos do ar, bailarico e banho de madrugada, sob os dendezeiros e ingazeiros do Baldo. Chegada de Presidente anunciada pelos canhões da fortaleza, procissão de penitência, assombradora e tétrica e, em novembro, festa da Padroeira, com as novenas, fogos de vista, bailes do noiteiro na entrega do ramo e jogos florais, duelo lírico e satírico, na alegria dos palanques erguidos em outeiros – eis o ciclo das diversões sociais. Os presidentes, exilados por dois ou três anos em Natal, procuravam as praias, os sítios com água corrente, faziam caçadas, teciam pilhérias, enchendo o tempo de espera para melhor província ou deputação geral. A cidade sem iluminação, sem calçamento, sem segurança afastava a vida noturna.

As festas religiosas, como a de Nossa Senhora dos Navegantes e a dos Santos Reis, e as manifestações populares como o pastoril, congos de calçola, caboclinhos, bambelôs, boi calemba, fandango e a lapinha, exemplares do nosso patrimônio cultural. Além dessas atrações, temos o Carnatal; carnaval fora de época do qual participam, além da população local, grande número de turistas, nacionais e estrangeiros. Por tudo isso, temos o prazer de apresentar, neste trabalho, uma amostragem do patrimônio histórico, cultural e turístico de Natal.

A civitati Natali, seu “non tali” (ut attenta ejus tenuitate per jocum dicitur”… Ainda em meados do século XIX, era corrente o trocadilho: – “Cidade do Natal? Não-há-tal!”. Também o sentimento de seu tamanho nunca influiu no espírito de sua coragem e orgulho. Os natalenses sempre foram bairristas. Até de mais. O presidente Dom Manoel de Assis Mascarenhas trouxe um criado ilustre de nome Paraíso e esse aristocrático rebento de Mascarillo achou Natal uma cidade demasiada minguada para seus vôos. Deu para falar de Natal. Sucedeu que seu amo ofereceu festa. Aproveitaram a festa e deram uma surra de pau no mestre Paraíso para ensiná-lo a gostar da cidade.

Não se assombrem os senhores com o número de convivas para uma festa íntima por estarmos aqui, seguramente, mais de 240 pessoas. Antigamente, dizia-se: nas festas íntimas, sentam-se à mesa nem mais de dez, nem menos de cinco. Mas, a quatro do corrente, não vimos nós um almoço íntimo de mais de cinqüenta talheres, em aprazível vivenda campestre, com mesa lauta em forma de E, banda de música, discursos de arromba e … cartolas? Estabelecendo a progressão, não é de admirar que, em 1959, 240 seja o número de convivas consagrado para os regabofes íntimos. Não vão agora os senhores fazer espírito chamando de pic-nic das dúzias a festa do Brás Contente, que seria, quando muito, um bródio de anciões. (Manoel Dantas Natal daqui a cinqüenta anos. Conferência realizada no salão de honra do Palácio do Governo, em 21 de março de 1909.)

As mudanças de costumes se davam à medida que se redefiniam novos sentidos para os espaços públicos. A rua, que no período colonial era espaço destinado ao trabalho e a ritos religiosos, passava por um processo de secularização. Essa cidade secular passou aos poucos a suprimir das ruas as populares manifestações de fé que, em Natal, passariam a se restringir às igrejas, a algumas procissões e eventuais festas beneficentes, promovidas pelos clubes e quermesses na praça, organizadas por grupos de senhoras. O calendário das festas religiosas continuava sendo seguido por muitas famílias da cidade, mas ele deixou de ser a principal motivação das festas populares da cidade, que passaram a acontecer livremente, sem obedecer necessariamente ao calendário das festas religiosas. Em outras palavras, buscava-se afastar das ruas qualquer imagem que afastasse Natal do padrão de civilidade que guiava as elites locais. A nova cidade secular, racional no uso dos espaços, pedia formas diferentes de sociabilidade. Os cafés, clubes e associações recreativas revelam a mudança de padrões e de hábitos em Natal. Inaugurava-se uma nova maneira de se relacionar com a cidade.

Respondendo aos anseios de civilidade, os bilhares, clubes e cafés começaram a ocupar os espaços da cidade ainda no final do século XIX. Nos anos 20, o surto de cafés e associações era já impressionante. É difícil precisar quantos cafés e bares existiram na cidade durante essas três décadas estudadas. Num abrir e fechar de olhos, estabelecimentos recreativos abriam, mudavam de nome ou fechavam as portas. Os anúncios de jornal, comentários avulsos e até mesmo as páginas policiais foram as parcas testemunhas da existência desses espaços de convivência rotineira. Através desses minguados testemunhos, conseguimos construir parcialmente as feições desses estabelecimentos e as atividades desenvolvidas neles.

AS FESTAS RELIGIOSAS

Lugar de reunião era a Igreja. A semana santa era tempo de festa de olhos. Aí se espanejava a casaca de baetão, as calças de duraque, o chapelão alto.

As brincadeiras e festejos mencionados tinham lugar nos espaços públicos da cidade. As apresentações, danças e jogos geralmente serviam de atrativos às festas religiosas. Em festejos públicos, como as festas da Igreja Católica, as manifestações populares se confundiam com as das elites, não havia uma fronteira sólida que os separasse.

No ano de 1729 governavam Portugal e Espanha, respectivamente, D. João V e D. Felipe V. Um casal de filhos do primeiro desposou um casal de filhos do segundo. Houve festa na Capitania do Rio Grande do Norte, bem como cobranças de impostos para casamentos. Existem correspondências geradas por esses acontecimentos do Governador da Capitania, Domingos de Morais Navarro, para Dom João V.

No século XIX, os divertimentos de Natal resumiam-se às serenatas nas casas de família ou ao ar livre (praias, ruas, praças) em noite de lua e às festas religiosas e populares nos espaços públicos. As festas religiosas de influência portuguesa obedeciam ao calendário católico e consistiam em missas, novenas, procissões e folguedos. As festas de São João, por exemplo, eram comemoradas com comidas típicas, ritos de fogueiras, fogos de artifício, bailes, bebidas e canções, acompanhadas por violões, violas e flautas. Essas festas religiosas eram populares, contando com a participação do povo natalense. Quando terminavam as missas e as procissões, a população tomava o terreiro da Igreja, comparecendo aos circos, aos parques e às barracas de comidas e de brincadeiras.

Cascudo afirma ainda que João Avelino teria sido companheiro de Fabrício Pedroza, o primeiro, na Casa de Guarapes (CASCUDO, Luís da Câmara. O Livro das Velhas Figuras. Vol. VI, p. 53-54. Texto publicado originalmente n’A REPUBLICA, Natal, 04 nov. 1939.) (estaria também seu nome ligado à firma comercial Vasconcellos & C., constante nos jornais do início do XX?). Afora isso, os jornais nos mostram a participação de Avelino em algumas festas religiosas realizadas na cidade, um dos locais de encontro da elite local. Há, ainda, uma nota de falecimento de seu filho homônimo, respeitável estudante da Escola de Medicina do Rio de Janeiro. Também não será o único, o capitão Avelino, a mandar seu filho estudar nos grandes centros da República

Entre as festas populares, havia os folguedos. O reisado era uma manifestação popular, realizada nas vésperas de seis de janeiro, dia de Reis. As principais manifestações culturais representantes na cidade de Natal segundo a PMN/SEMURB (2009) são: congos de calçola, araruna, bambelô, boi calemba, pastoril, teatro de bonecos populares, artesanato e arte popular e uma gastronomia bastante variada. Segundo PMN/SEMURB (2009, p.47):

O boi calemba, outrora festejado nos diversos bairros, fazia a festa do natalense. A “Cidade do Sol”, como bem diz seu hino, é lugar das procissões, dos pastoris e do entrudo. A terra dos autos folclóricos, das feiras de livros, das bibliotecas populares. A Natal de Djalma Maranhão, Chico Santeiro, Câmara Cascudo, Defílio Gurgel e tantos outros, nascidos ou não aqui, que fizeram, através dos seus saberes e fazeres, uma cidade mais bela, porque teimam em preservar suas raízes culturais.

Rapazes e moças cantavam quadrinhas e compareciam às residências de chefes de famílias, avisadas previamente, que esperavam o reisado oferecendo comidas e bebidas. Outras festas populares eram os fandangos, as lapinhas, os congos e o boi calemba. No século XIX, os espaços públicos natalenses eram destinados aos festejos populares. Nas primeiras décadas do século XX, esses espaços ganharam novas práticas e outros significados.

Finalmente, o Boi Calemba é um dos folguedos mais tradicionais de Natal, a relatos desta “brincadeira’ como parte de várias festas populares-religiosas. Guimarães (1999, p.39), cita como ponto alto dos festejos natalinos, de início do século XX, a presença do “Boi Calemba”.

As mudanças de costumes se davam à medida que se redefiniam novos sentidos para os espaços públicos. A rua, que no período colonial era espaço destinado ao trabalho e a ritos religiosos, passava por um processo de secularização. Essa cidade secular passou aos poucos a suprimir das ruas as populares manifestações de fé que, em Natal, passariam a se restringir às igrejas, a algumas procissões e eventuais festas beneficentes, promovidas pelos clubes e quermesses na praça, organizadas por grupos de senhoras. O calendário das festas religiosas continuava sendo seguido por muitas famílias da cidade, mas ele deixou de ser a principal motivação das festas populares da cidade, que passaram a acontecer livremente, sem obedecer necessariamente ao calendário das festas religiosas. Em outras palavras, buscava-se afastar das ruas qualquer imagem que afastasse Natal do padrão de civilidade que guiava as elites locais. A nova cidade secular, racional no uso dos espaços, pedia formas diferentes de sociabilidade. Os cafés, clubes e associações recreativas revelam a mudança de padrões e de hábitos em Natal. Inaugurava-se uma nova maneira de se relacionar com a cidade.

A chegada das modernas formas de sociabilidade na cidade não implicou no esvaziamento dos modelos antigos e tradicionais (festejos quase sempre vinculados ao calendário religioso). As festas populares, portanto, tiveram a sua existência contínua, apesar da atenção diminuta de parte da elite local. Para alguns contemporâneos, as formas de sociabilidades populares, como o paude-sebo, fandango e festas de padroeira não seriam propriamente formas de sociabilidade. Esse olhar crítico é facilmente detectável no discurso de Henrique Castriciano, que durante toda a década de 1900 estava constantemente afirmando a ausência de sociabilidade na cidade. Para ele, esses hábitos caseiros eram, em parte, fruto da situação de isolamento geográfico em que Natal se encontrou por muitos séculos. (CASTRICIANO, Henrique. Lourival e seu tempo I. A Republica, Natal, 3 jul. 1907.)

Na opinião do mesmo autor, que escrevia agora usando o pseudônimo de José Braz, a educação católica, principalmente a ensinada às mulheres, acabava afastando-as da vida social, pois “passeios, exercícios physicos, pic-nics, reuniões ao ar livre, são [vistos como] coisas perigosas, verdadeiros attentados contra o pudor. O resultado ahi está: uma legião de seres doentios, adoraveis de bondade e virtudes, mas debeis, de uma fragilidade de crystal, incapazes de longa vida e de dar à pátria filhos aptos para o trabalho fatigante dos tempos modernos.” (BRAZ, José. Crítica de costumes. Gazeta do Comércio, Natal, 10 abr. 1902.) Apesar da postura crítica de Castriciano aos tradicionais hábitos natalenses que adentravam o século XX, ele acreditava que essa situação estava passível de mudanças, a orientação adequada, ao seu ver, levaria as famílias natalenses rumo ao patamar de civilização encontrado nos grandes centros urbanos. Portanto, seria “um erro e uma injustiça suppor que a nossa capital é incapaz de civilizar-se e progredir. (CASTRICIANO, Henrique. A esmo. In: José Geraldo de Albuquerque (Org). Seletas: textos e poesia. v.2. Natal, v. 2. p.115.) ” O savoir-vivre moderno era uma questão de educação e as sociabilidades teriam um papel essencial no desenvolvimento desse espírito urbano.

Reunir-se em nome de ações caridosas também não parecia ser algo tão raro entre os atores sobre os quais aqui nos debruçamos. Chamou-nos a atenção, entre tais ações, a festa realizada em prol dos variolosos indigentes de Natal, realizada no ano de 1905. Organizada pela senhora Maria Barcellos, uma das dirigentes da Associação Damas da Caridade, a festa contou com a importante participação de Francisco Cascudo, Angelo Roselli, Alberto Roselli, Romualdo Galvão, Avelino Alves Freire, Francisco Rodrigues Vianna, José Mariano Pinto, Theodosio Paiva, Paschoal Romano Sobrinho (fiscal da Intendência), Coronel Elias Souto, líder da oposição, e capitão Elino Souto, seu fi lho (A REPUBLICA, Natal, 01 ago. 1905.). Por matéria do Diario do referido ano, vemos que também faziam parte do partido de oposição Angelo Roselli e Romualdo Galvão (DIARIO DO NATAL, Natal, 16 fev. 1905. Segundo Cascudo, Roselli imprimiu os 53 primeiros números do Diario de Elias Souto em sua tipografia (A REPUBLICA, Natal, 12 abr. 1929).), dirigentes da Associação Comercial.

Falando em irmandade, lembramo-nos das festas religiosas organizadas pela Igreja Católica e que contaram também com a participação de alguns dos personagens que aqui estudamos. Em 1906, por exemplo, Felinto Elysio representou os comerciantes na festa da Virgem da Apresentação (REPUBLICA, Natal, 30 ago. 1906). Para o mesmo ano, já haviam sido eleitos juízes da Festa de Nossa Senhora do Carmo os coronéis Francisco Cascudo, Francisco Rodrigues Vianna e Joaquim Manoel (Id., Natal, 20 jul. 1905.). E em tantas outras festas, encontramos esses nomes e os de João Avelino, Th eodosio Paiva, entre outros. Mas comoção maior, em nome da fé, veremos mesmo no ano de 1911, momento em que se reúnem vários membros da elite local com o desejo de realizar importantes obras de reforma na Sé. Da comissão encarregada de viabilizar as obras faziam parte o padre José de Calazans Pinheiro, os coronéis Joaquim Manoel, Avelino Freire, Olympio Tavares, Romualdo Galvão, Angelo Roselli e Francisco Vianna, e os majores José Pinto, Felinto Manso e Joaquim Policiano Leite (Ver A REPUBLICA, Natal, 03 mar. 1911; 04 mar. 1911), nomes que estiverem, em algum momento, ligados à Intendência da capital.

A sociabilidade neste trabalho foi considerada a porta de entrada para uma cidade que no início do século experimentava um ritmo de mudanças mais acelerado. Natal viu, nas três primeiras décadas do século XX, seu mapa duplicar de tamanho. Isso não implica dizer que as intervenções feitas pelos administradores tenham sido radicais a ponto de aniquilar as antigas feições da cidade. Pois, como já foi dito, a cidade é um misto de várias temporalidades, de modo que a adoção das novas práticas sociais, como bailes dos clubes ou retretas nas praças, não exclui outras formas de sociabilidade tradicionais, como as festas da padroeira, por exemplo. Fossem mudanças grandes ou pequenas, o fato é que elas foram suficientes para provocar uma euforia nos natalenses, em especial nas elites. Essa euforia alimentou sonhos, gerou desejos que aos poucos se materializaram na cidade. As sociabilidades nos espaços públicos da cidade passaram a ser composições essenciais da cidade moderna.

FESTAS CASEIRAS

Parece-nos que, na cidade de Natal, as últimas décadas do século XIX guardaram os derradeiros suspiros de uma “sociedade doméstica”, voltada mais para a privacidade do lar do que para uma vida social mais pública e urbana, vida essa que os diversos representantes do Estado prontamente se encarregaram de defender ao primeiro sinal da alvorada republicana. É possível considerar a cidade nesse período como uma “comunidade” em que todas as relações sociais podiam ser consideradas como uma espécie de extensão das relações familiares.

Natal também possuía um comércio pobre, não havia água encanada, nem esgoto, nem iluminação elétrica, mesmo os lampiões a base de óleo de mamona eram economizados nas noites de luar. Nessa cidade sem muitos atrativos, o ambiente familiar se tornava o local por excelência das reuniões entre amigos. A residência funcionava como o principal lugar de sociabilidade dentro da cidade. Até mesmo as festividades públicas, como as cerimônias natalinas e a Festa de Reis, tinham nas residências seu destino certo. De acordo com o folclorista e historiador Luiz da Câmara Cascudo, durante as festividades de Reis

O dono da casa convidava amigos, preparava a mesa, comprava vinhos, reforçava o café, ouvindo os violões ao longe, fechava porta e janelas, ficando com seus convidados, aguardando a chegada do reisado (CASCUDO, Luís Camara. História da cidade do Natal. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p. 111.).

Após brincadeiras em forma de versos, abria-se porta, abria-se janela, o povo saía batendo as palmas. O grupo entrava cantando, fazendo roda na sala. Depois, ceia. Ceia ou comidinhas rápidas porque havia outra casa perto, também avisada e esperando os “pastores e pastoras” (bid., p. 112.).

A falta de iluminação em Natal foi ressaltada por João Carlos Wanderley, quando ocupava o cargo de primeiro vice-presidente da província do Rio Grande do Norte, em 1851. Admirava-se o vice-presidente ser ele o primeiro a mencionar em Relatório o problema da falta de iluminação da capital do Rio Grande o Norte.

De acordo com Cascudo, no período da queixa do vice-presidente, Natal não possuía nenhum tipo de iluminação: a escuridão era interrompida somente nas noites de festas, quando se promovia uma iluminação de alguns pontos da cidade, de modo rudimentar, utilizando-se “uma quenga de coco, casca de laranja, cheia de azeite de carrapato”. Há várias matérias nos jornais locais que confirmam o depoimento do autor, mencionando a preocupação em iluminar certas ruas da cidade em noites festivas, como casamentos e festas religiosas (CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal. Natal: RN Econômico, 1999. p. 299).

A primeira lei ligada à iluminação foi a de n° 225, de 09 de agosto de 1851, que autorizava “[. ..] ao Presidente da Província a comprar 15 lampiões de rua para serem colocadas nos pontos mais convenientes da capital […] (CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal, p. 280) antes, as luzes vinham de fora, e quando havia festa se colocava ‘quenga de coco com casca de laranja e azeite de carrapato numa torcida de algodão ou pano velho’, ficando acesas durante três dias. Com este tipo de iluminação foi comemorado a Independência do Brasil, quatro meses após a sua Proclamaçao, ou seja, em janeiro de 1823. Nas festas religiosas utilizavam, dentro da Matriz, um material mais caro, “cera branca”, do lado de fora, um facho e/ou lampião de azeite.

As páginas dos jornais estão cheias dos termos iluminação, bonde, elétricos, luz, energia. As referências ao uso de eletricidade aparecem em torno de uma multiplicidade de possibilidades, em notas sobre festas, em explicações da empresas concessionárias, em relatórios de governos, em reclames publicitários, em notas avulsas (por vezes chamadas de solicitadas), em crônicas.

XARIAS x CANGULEIROS

Até o final do século XIX, a cidade de Natal era formada por dois lugares distintos: a Cidade Alta, onde havia sido instalado seu núcleo fundador, e a Ribeira, a qual se estabeleceu a partir do fluxo comercial das primeiras décadas do século XIX. Essas duas localidades teriam conferido aos seus moradores uma identificação cultural específica; os da Cidade Alta eram denominados de “xarias”, enquanto os da Ribeira de “canguleiros”.

Segundo Luís da Câmara Cascudo, (Cascudo (2010) essas denominações expressavam diferenças sociais importantes. Os xarias constituíam o grupo melhor aquinhoado, moradores da parte alta da cidade, centro do poder e da administração; receberam a alcunha pelo consumo de um peixe nobre, o xaréu. Os canguleiros, moradores de origem humilde, dedicados em grande parte à atividade portuária da região ribeirinha da cidade, ganharam essa denominação por serem comedores de cangulo, peixe de pouco valor comercial pescado na própria localidade.

Tratavam-se de denominações cristalizadas ao longo do tempo, expressando a forte rivalidade entre os grupos, que se transformava em conflitos sociais. Ainda segundo Cascudo, essa rivalidade era expressa em diferentes momentos da vida social, tanto nas festas e diversões públicas (circo, Carnaval, Festa da Padroeira), quanto nos cortejos de sepultamento, (Ibid) e chegava ao confronto físico e verbal, a fim de garantir a demarcação dos territórios habitados. O grito de guerra entoado por ambos os grupos, “Xaria não desce! Canguleiro não sobe!”, denotava o teor dessas fronteiras no interior da cidade.

Grandes grupos de canguleiros subiam a ladeira, armados, para assistirem à Festa da Padroeira. Depois de terem participado dos atos religiosos e profanos, sabiam que a batalha era inevitável no Beco do Tecido.

Tais formas de identificação cultural foram profundamente alteradas nas primeiras décadas do século XX. Cascudo relacionou o fim dessa divisão às mudanças físicas na cidade, sobretudo àquelas advindas com a melhoria da via de ligação entre as duas localidades. Para o autor, o calçamento da ladeira da Avenida Junqueira Aires, principal corredor entre a Cidade Alta e a Ribeira, e a introdução do bonde teriam proporcionado o fim dessas identidades locais e o surgimento de uma identidade municipal (Ibid., p. 287-288).

NATUREZA

A natureza costumava ser palco de muitas festas, era habitual a realização de aniversários, casamentos e outras atividades ao ar livre, em sítios, chácaras e praias.

No período das festas natalinas, um articulista de codinome “Catavento” escreveu um artigo permeado de lembranças, cujo título era “Frioleiras”, nele o jornalista afirmava: “tínhamos o divertimento bom, a expansão sadia de um dia de festa especialmente consagrado à natureza”(Frioleiras. A República, 23 de dezembro de 1902.). Informou que com o mesmo afã que se arrumavam para ir à missa da meia noite, as mulheres, donas de casa, vigiavam as panelas ao fogo “para que nada perdesse do seu aroma forte o quitute bem preparado que, de manhan, cêdo, à sombra dos cajueiros e ao coro das patativas, uma família alegre (…) iria saborear nas praias da Ridinha ou nas encostas dos morros” (Idem.). Mais adiante, ele reafirma o contato com a natureza, “e à brisa fresca das noites de dezembro, la iam as familias, em grupos, pela estrada ou pelo rio em fora, remoçados os velhos por se sentirem fortes no culto da natureza, esperançados e alegres todos”(Idem.). Nesse artigo “catavento” provoca, em tom saudosista, uma discussão de retomada das atividades desenvolvidas na natureza, mas também invoca a necessidade de mais uma vez se consagrar um dia de festa à natureza, mesmo que não seja aquela da sua memória.

Os articulistas “d’A República” criticavam o novo estilo das festas de final de ano, que, segundo alguns deles, nada mais eram do que “um arremêdo do Natal”, ou que “não encontra mais as bellas tradições populares”. Ainda segundo eles, o natal modernomais parecia uma festa estrangeira que em pouco lembrava as festas de antes.

A natureza era palco de festas com data marcada, mas também de atividades festivas improvisadas. Muitas festas eram realizadas sem o interesse de uma data
especial, mas com o intuito de juntar as pessoas em torno de determinados interesses ou gostos.

No domingo, 03 de maio de 1903, um grupo de amigos, pessoas da elite intelectual da cidade, resolveu “passar o dia convivendo espiritualmente numa agradavel sessão litteraria, em plena natureza, à sombra das arvores”(Convescote. A República, 04 de maio de 1903). Nas primeiras horas da manhã, o tal grupo de amigos, formado por Alberto Maranhão, Manoel Dantas,Segundo Wanderley, Antonio de Souza, Augusto Bezerra, Pedro Avelino, Luis Emygdio, Manoel Coelho, Francisco Cascudo, Joaquim Anselmo, Adelino Maranhão,José da Penha, Henrique Castriciano, Domingos de Barros, Valle de Miranda e o tenente Helio, tomou um trem especial na estação central em direção ao sul, saltando “na aprasivel e pittoresca propriedade do coronel João Duarte, em Pitimbú, que com suas aguas correntes e cristallinas, com seus mangueirais copados e imponentes, offerecia encanto e repouso”(Idem). O dia se desenrolou com banhos de rio, almoço, torneio de tiro ao alvo e muita leitura, desde a leitura do novo livro de versos de Henrique Castriciano do qual se “leu varias paginas vibrantes e impressionadoras”, até às leituras de autores clássicos como Goethe e Herculano. Ao findar a tarde, todos voltaram para Natal “com a satisfação intima e a saudade vaga de um dia bem passado”.(Idem)

Outra atividade festiva em meio à natureza e que foi muito concorrida deu-se em agosto de 1910, na chácara de residência de Pio Barreto, foi uma festa realizada “à sombra de magnificos arvoredos”, na qual se ofereceu um “epiparo almoço a muitos cavalheiros de sua especial estima”, eram convidados da festa os mais ilustres cidadãos da elite natalense. Após o almoço, os convidados foram contemplados com a apresentação dos “violonistas Heronides França e José Antonio Areias, auxiliados por outros musicistas inteligentes e apreciaveis. Deleitaram todos os convivas fazendo vibrar, alli, os maiores accordes de seus magicos instrumentos”(A Republica 01 de agosto de 1910); além da música instrumental, foi também ouvido o cantor Paulo Moreira que, “satisfatoriamente”, cantou diversas modinhas brasileiras e fados portugueses. A festa transcorreu com muito sucesso até a noite.

Na célebre palestra “Natal daqui a cinqüenta anos”, o jornalista Manoel Dantas ao convidar os seus ouvintes para um pic-nic no morro do “Perigo Iminente” fala assim:

O Perigo Iminente é um morro célebre, a leste da cidade, que nem todos os senhores conhecerão pelo nome, porém todos certamente conhecem pelo aspecto imponente. Adoro os morros que nos circundam como um colar de pérolas, esmeraldas e topázios; são como o prolongamento das espumas do mar, onde as ondinas vêm misturar-se às borboletas que adejam nas florestas para celebrarem à luz do sol a festa da natureza (DANTAS, Manoel. Op. Cit. p. 65.).

Por volta da década de 1920 com o intuito de estimular a convivência com a natureza as escolas passaram a criar atividades como os passeios escolares, ações didático-pedagógicas que levando as turmas de estudantes a determinados espaços da cidade, traduziam os conhecimentos dos manuais em conhecimentos vivenciados; eram realizadas também, sempre no mês de maio, a Festa das Árvores; e algumas escolas como a Escola Doméstica de Natal motivavam os seus alunos a cuidar dos jardins e hortas da escola, criando com isso uma relação mais íntima entre os alunos e a natureza. Na fotografia abaixo se percebe a importância que as atividades ligas à natureza assumiram no papel de formação das novas gerações.

Grupo Escolar Modelo Augusto Severo Ribeira. Festa das Árvores. 1º de Maio de 1916
Alunas da Escola em aula de jardinagem ao ar livre na instituição escolar, 1926. Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.
Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula prática de jardinagem, 1927.
Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

PRAÇA ANDRÉ DE ALBUQUERQUE

O uso dos espaços públicos, em especial das praças, paços e jardins para o encontro das pessoas, bem como para a realização de eventos foi uma prática corriqueira em Natal no início do século XX. Eram muitos e diversificados os usos das praças como espaço de sociabilidade e, até mesmo, como lugar de atos políticos.

Existia ali, um descampado sem projeto específico, utilizado para festas religiosas, festas folclóricas entre outros (NESI, 1997).

A praça André de Albuquerque antes do projeto do Herculano Ramos. Fonte: Arquivos do HCUrb

No mês de novembro, época em que se realiza as festas da padroeira da cidade, as atividades da igreja matriz de Nossa Senhora da Apresentação eram transferidas para a Praça André de Albuquerque, onde eram realizadas as quermesses, as novenas, os leilões em prol da paróquia e os folguedos populares em homenagem à padroeira.

A presença da igreja matriz enchia aquela praça de luz e de cânticos produzidos pelas festas religiosas. No Domingo de Ramos, a praça era cenário da Procissão de Fogaréu, em que todos os participantes portavam tochas ou lanternas de papel “recordando a busca dos Judeus e soldados romanos a Jesus Cristo’’.

A Procissão dos Passos, na quinta-feira santa, atraia a maioria da população àquela praça da matriz. Na madrugada do Domingo da Ressurreição, as ‘’campainhas, sinos e foguetões enchiam de rumores a Cidade’’. No meio do ano, as festas juninas alegravam a praça, com bandeirolas coloridas, fogos, fogueiras e modinhas.

O mês de novembro ainda conserva a tradição da festa de Nossa Senhora da Apresentação, padroeira da Cidade. Outrora era comum a queima de fogos na praça e “a rua grande não cabia o povo’’. Em dezembro os festejos natalinos promoviam os autos populares na praça: fandango, bumba-meu-boi, pastoris.

Em um artigo intitulado “Pela mocidade”, o mesmo jornal narrava um episódio no qual um grupo de estudantes houvera realizado uma manifestação em favor das causas defendidas pelo senador Lauro Sodré e por Barbosa Lima, essa manifestação ocorrida na Praça André de Albuquerque, em um dia de festa da padroeira da cidade, onde a banda do batalhão estava tocando, foi, segundo o jornal, reprimida pelo governador Tavares de Lyra, gerando posteriormente retaliações por parte do governo aos estudantes que promoveram a tal manifestação. (Pela mocidade. O Diário do Natal, 17 de novembro de 1904.).

Durante a noite, com a eletricidade iluminando festas, bailes dançantes, apresentações de dança e teatro, sessões de filmes e conferência, praças e jardins, as pessoas ganharam o espaço e o tempo da noite. A exemplo, em 1937, na praça André de Albuquerque foram se

armando os mecanismos de varios divertimentos: roda gigante, carrousseis, barcos venezianos, chicotes ou montanha russa, aeroplanos e outros brinquedos para gente grande de ambos os sexos e meninos que não gostem de ficar em casa…
Todas as noites a praça ficará illuminada, feericamente illuminada, para que a gente veja os sorrisos das nossas graciosas conterraneas, nos circulos interminaveis dos passeios, e lhes tente advinhar os suspiros indiscretos, ou as malícias que escapam por entre as perolas da bocca vermelha… (DANILO. Sociaes. A Republica. 21 de março de 1937, p.12.).

Naquele período a vida da cidade era dominada pelos espetáculos lúgubres da religião, tendo o próprio Cascudo realizado muitos estudos sobre as festas religiosas populares (CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1984.).

Uma comemoração na década de 1920 diante da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação , na Praça André de Albuquerque, no Centro de Natal.
 André de Albuquerque, na Cidade Alta.

PRAÇA AUGUSTO SEVERO

Apesar de todos os entraves financeiros, a construção do jardim público foi concluída no mês de novembro de 1905. A abertura ao público do jardim não contou com uma inauguração oficial, mas nem por isso as atrações de estréia seriam diminuídas. A freqüência da população, a música da banda do Batalhão de Segurança e a iluminação a acetileno deram o tom de festa à primeira noite do novo espaço público da cidade. (JARDIM publico. A Republica, Natal, 14 nov. 1905.)

A praça era o mais importante dos espaços públicos, onde as pessoas se encontravam, os casais de namorados tornavam público o seu romance, as pessoas de mais idade matavam o tempo. Onde se fazia as quermesses, as festas, as bandas de música interpretavam os grandes compositores, os poetas realizavam os seus sarais, as crianças brincavam. A praça era o lugar para tomar sorvete, as pessoas aparecerem para serem vistas, onde eram realizados eventos cívicos e também onde ocorriam os mais importantes atos políticos na cidade.

Na segunda-feira, um dia depois da inauguração da reforma do “Café Socialista”, relatava-se que a festa de inauguração havia sido um sucesso e que, a partir daquela data, o estabelecimento passaria a promover eventos na Praça da República, principalmente, aos domingos, onde iria tocar a “banda de música da segurança” ou a “banda do Heronildes”. No dia 07 de outubro, foi noticiado que o proprietário do “Café Socialista” havia contratado “a música do batalhão de segurança para todos os domingos fazer uma retreta na Praça da Republica das seis horas da tarde às nove da noite, só com o fim de proporcionar aos publico e fregueses, horas de agradavel passatempo”1)Café Socialista. A República, 07 de outubro de 1903.). Além do contrato da banda do batalhão de segurança, era noticiado também que Joaquim Moura pretendia construir “quanto antes, um modesto, mas elegante corêto, para a musica, cuja collocação será feita no centro da praça”(Idem).

Em outubro de 1903, foi construído um novo batelão, uma embarcação de piso reto e fundo chato, que serviria para o desembarque e o transbordo de carga, que, no caso dos serviços do porto, ajudaria no transporte da areia retirada pela dragagem no fundo da barra do rio. Segundo o jornal “A Republica”, “o novo batelão é sólida e caprichosamente construido, é o primeiro de uma serie que o digno engenheiro-chefe, dr. Pereira Simões, contractou com o fim de melhor aproveitar no transporte de areia o serviço da pequena draga ‘Priexmann’ de que dispõe a commissão, tem a capacidade de cincoenta toneladas”(Lançamento de embarcação. A República, 17 de outubro de 1903.). No dia 20 de outubro do mesmo ano, o novo batelão foi lançado ao rio em meio a uma grande festa em frente à Avenida Silva Jardim. A embarcação estava toda enfeitada de bandeiras e foi jogada nas águas do rio “fluctuando airosamente”, depois de cair na água, o novo batelão a “reboque do Potengy fez uma viagem rio acima, seguida de uma flotilha de pequenos barcos, voltando a fundear em frente ao edificio das machinas”(Idem.). A festa teve fim no barracão armado pelos operários da Comissão de Melhoramentos do Porto que estava enfeitado de bandeiras e folhagens.

Festividades escolares na praça Augusto Severo em 1912. A alusão ao mártir da aviação nos eventos civis realizados na praça era constante. No estandarte do desfile pode se ver “PAX”, o dirigível pilotado por Augusto Severo. O sobrado que aparece em segundo plano é a indústria de tecidos de Juvino Barreto. Fonte: CD Natal 400 anos.
Praça Augusto Severo, Ribeira

PRAÇA DA SANTA CRUZ DA BICA

A Praça da Santa Cruz da Bica representa um dos primitivos marcos de Natal. É provável que tenha sido construída à época da fundação da Cidade. Os portugueses e espanhóis adotavam o ritual de limitar com cruzes, os limites urbanos das povoações que fundavam. No caso de Natal, a cruz da bica de beber água assinalava os limites da Cidade pelo lado sul.

O capitão Naniquer, comandante da tropa de linha e devoto da Santa Cruz, mandou fazer um jardinzinho e comparecia fardado, as festas, prestigiando-as com todo amor pessoal (CASCUDO, 2002). Esse jardim foi cuidado pela comunidade ao longo dos anos.

Durante muitos anos, a população de Natal comemorava no dia 3 de maio de cada ano, o Dia da Santa Cruz. Era uma festa popular, em que era rezado um terço na Praça da Santa Cruz. A festa de devoção à Santa Cruz, raramente era assistida pelo clero. O terço geralmente era “tirado” por um leigo. Houve m certo ano em que a festa foi prestigiada por frei Vidal, quando o mesmo encontrava-se em missão pela Capitania do Rio Grande.

Nos festejos juninos, voltava a animação àquela praça. Ao som de violões, violas e flautas, os homens participavam dos festejos comemorativos, comendo, bebendo, cantando, e policiando o banho das filhas, irmãs e noivas, tomado no rio do Baldo. Em seguida, era a vez deles próprios se banharem naquelas águas, sempre cantando.

A Cruz da Bica.
Praça da Santa Cruz da Bica. Foto: arquivo da SEMURB – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo

RUA DO FOGO (ATUAL PADRE PINTO)

Ainda no final do século XIX, a rua do Fogo natalense era um logradouro elegante e muito frequentado pela rapaziada da cidade. Ficaram famosas as serenatas e as festas noturnas daquela rua. Nas noites de luar, a rua se enchia de alegria, animada pelas belas e românticas modinhas de então.

As festas eram geralmente frequentadas pelos velhos conhecidos: Manuel Joaquim Açucena, João Manuel de Carvalho (futuro padre), Francisco Atílio, Jesuíno Rodolfo do Rêgo Monteiro (pai do historiador Tobias Monteiro), Pedro de Alcântara Deão e tantos outros, que constituíam a Geração do Recreio, órgão que em 1861 publicou a primeira obra literária da província.

RUA VIGÁRIO BARTOLOMEU

Das festas populares, era o carnaval uma das mais animadas. Podemos dizer que se mantém a tradição, pois é a única festa em que todos são iguais, sem distinção de raça, idade, sexo ou classe social. São três dias de liberdade e de direitos iguais.

No século XIX, já era usual jogar-se água e farinha de trigo em quem caísse na folia. A diferença dos velhos carnavais da rua Vigário Bartolomeu para os atuais, revelava-se na espontaneidade e ingenuidade de outrora, quando ninguém faria comércio ou tiraria proveito próprio, sendo realmente uma festa popular. Os blocos dos jovens e adultos fantasiados desfilavam pela rua. A animação musical era proporcionada, principalmente pelas marchas carnavalescas, não existindo o som estridente e eletrizado de hoje. O carnaval saiu da rua Vigário Bartolomeu e perdeu a identidade com as novas gerações.

Vê-se na foto brincadeira do São João, com as pessoas cobrindo a roda enquanto que outros apenas olhavam. Naquele tempo, a rua era chamada Rua da Palha hoje Rua Vigário Bartolomeu, na Cidade Alta. O significado do seu nome: Rua da Palha era porque as casas eram feitas ou cobertas com palhas de coqueiros. Nesse mesmo local, bem antes, quando Natal se resumia apenas a Catedral de Nossa Senhora da Apresentação, que ainda não tinha nem essa Santa para cultuar, e as ruas próximas, como a Rua Santo Antônio, Rua da Conceição, e outras ruas como a Rua da Cruz, depois Rua Junqueira Aires e hoje Câmara Cascudo a cidade vivia em uma tranquilidade que fazia dó.

O FIM DA GUERRA DO PARAGUAI

A Guerra do Paraguai gerou grande preocupação à população natalense, que assistia desolada a partida dos seus filhos para tão assombroso conflito. Os “Voluntários-de-Pau-e-Corda” tentavam libertar-se daquele terrível compromisso com a Pátria. Em 1865, chegou a Natal a notícia da rendição de Uruguaiana. A Cidade virou uma festa e cobriu-se da fumaça dos foguetões. As ruas encheram-se de gente, fazendo passeatas, declamando versos e proferindo discursos, aclamando a pessoa de Sua Majestade, o imperador Dom Pedro II, e o presidente da província, Olinto José Meira.

Durante aquele regozijo, a rua do Sebo mudou de nome, virou Uruguaiana. E assim permaneceu até que o ato nº 110, de 22 de julho de 1938, substituiu a denominação para General Osório.

MODINHAS E SERENATAS

Há cem anos passados, Natal apresentava alguns costumes e tradições que chegaram até nós. Outros, porém, já se diluíram no tempo. Praticamente desapareceram da cidade em crescimento. Claro que ainda hoje, por exemplo, temos serenatas e tertúlias (estas com outros nomes). Mas os “Cantões”, – de que nos fala Lindolpho Câmara, – já desapareceram. As festas de São João e Natal ainda persistem, embora perdendo sempre o brilho e entusiasmo de antigamente. Sobraram alguns vestígios, mas, estes mesmos, parece que estão fadados a se transformar rapidamente.

Cláudio Galvão, em A Modinha Norte-Rio-Grandense (2000), escreveu a respeito da boemia natalense entre o final do século XIX e início do século XX. Para ele, a modinha é ―uma canção, uma obra composta de melodia e versos, harmoniosamente combinados para serem cantados. A presença dos versos implica a necessidade da voz humana para expressálos‖ (GALVÃO, 2000, p. 35.). Na cidade de Natal havia uma grande quantidade de poetas e de músicos que inseriam melodia em seus versos, produzindo a modinha. Esta foi estimulada pelo hábito de se fazer serenatas em dias de lua cheia, pela presença marcante do mar e do rio Potengi e pela pouca opção de divertimentos. O que rapazes poderiam fazer à noite na capital potiguar? Encontrar os amigos em um balcão de bar, cantar ou tocar nas serenatas ou esperar a chegada das datas religiosas para participarem das festas populares. As serenatas eram uma prática de divertimento.

A ligação entre modinhas, serenatas e vida literária aparece como parte da cultura literária desenvolvida em Natal, como podemos observar no fragmento abaixo:

Todas as nações tem possuído um cyclo poético proporcional a sua cultura litteraria. A literatura indígena acaba de atravessar o período “dos cantadores” de pé de viola. A transição deu-se naturalmente passando das festas de terreiro para os salões de família (BRIAS. Mãe – Henrique Castriciano. Diário do Natal. Natal, 3 mar. 1900.).

A crônica assinada pelo escritor Brias identifica o costume das serenatas como fase da literatura norte-rio-grandense. Não identificamos precisamente a quem pertencia o pseudônimo Brias. Alguns indícios levaram-nos a suposição que o codinome pertencia a Amorim Garcia, redator do jornal de oposição Diário do Natal no ano de 1900. O pseudônimo ficou conhecido na cidade, sobretudo, após o envolvimento em uma richa literária entre o periódico de oposição e o jornal oficial do Estado, A Republica, no que dizia respeito às obras do escritor Henrique Castriciano de Souza.

As práticas de serenatas reuniram poetas e cantadores nas ruas da cidade do Natal. Além do gosto pelas modinhas, os intelectuais recorriam a essa prática movidos por outro interesse: a oportunidade de tornarem-se conhecido. As modinhas eram produzidas por poetas, responsável pela letra, e por músicos, aos quais cabia a tarefa de compor a melodia para os versos escritos. Desse modo, as modinhas eram impressas nas tipografias da cidade por intermédio dos escritores que participavam de sua composição. De acordo com Cláudio Galvão, esses escritores “tinham ao seu dispor muitas tipografias e um público consumidor razoavelmente garantido” (GALVÃO, Cláudio Augusto Pinto. Op. Cit. p. 16.).

Parecia que o Natal triste e macambúzio metera-se em brios, todo risos, todo festas, para o início de uma nova era. E algo novo havia no ativo de uma cidade que se preparava para ser grande, na moderna civilização: o bonde, encurtando distâncias, acelerando o movimento, criando a vida de rua (CASCUDO, L. da C. Coisas da terra. A Republica. Natal, 12 set. 1908.).

No Café Magestic encontravam-se muitos músicos e intérpretes que cantavam canções e tocavam melodias, produzindo um ambiente de festa e descontração. Nessas reuniões, as serenatas eram organizadas quase todas as noites:

Sempre, a meia-noite era organizada uma serenata, que percorria as ruas da capital, quer fizesse luar ou fosse noite escura. Eram violões, flautas, violinos, oboé, bandolins, que compunham a orquestra, encarregada de acompanhar os cantores, Aristóteles Costa, Aurélio Flávio, Carvalho Cruz, portadores de sugestivos repertórios e de maviosa voz, que fazia despertar ―frission‖, nas morenas apaixonadas do bairro (WANDERLEY, 1984, p. 94.).

AMÉLIA MACHADO

Na investigação da vida de esposa de Amélia Duarte Machado será possível vislumbrar elementos de Natal no inicio do século XX, tais como: as festas religiosas; a identificação das práticas filantrópicas dos ricos e a identificação dos miseráveis que recebem essas caridades; o encontro dos doadores e suas famílias com os pobres e suas mazelas. Por Amélia Machado chega-se a uma Natal ainda pouco conhecida.

Manoel Machado, o marido, aparece como membro atuante da Associação Comercial do Rio grande do Norte como podemos perceber na notícia da coluna “Solicitadas” do jornal A República de 23 de setembro de 1922, na qual a Associação Comercial divulga a subscrição de cada sócio para as despesas nas festas do segundo dia – da Prosperidade – referente à semana comemorativa do Centenário da Independência Nacional na Cidade. Manoel ainda era membro da Junta Comercial do Rio Grande do Norte, fundada em 13 de setembro de 1899, órgão ligado ao Governo do Estado (JUCERN, 01/07/2012). A Junta Comercial tinha um espaço constante nas páginas do jornal A República, periódico que era vinculado na época a atividade política do Estado, através da publicação das atas das reuniões dessa instituição.

Fotografia de Manoel Duarte Machado, publicada no jornal O Poti com a seguinte legenda: “Manoel Machado foi um precursor do mercado imobiliário e dos supermercados” (SEREJO: 1978: 23).

Amélia tinha espaços de atuação bem definidos, eles não se retingiam apenas ao espaço privado, da casa, mas também a espaços que compreendem os seus compromissos enquanto uma dama sociedade. Durante os anos em que esteve casada Amélia teve uma vida de privilégios, acompanhava o marido em festas sociais e religiosas. As aparições nesses espaços, bem como suas atitudes, contribuíram para sua imagem de esposa exemplar, sempre atrelada a figura do seu marido Manoel Machado, imagem essa que aparece em muitas das narrativas que tratam desse momento de sua vida.

A casa do casal possuía um amplo salão de festas, o Clube Veneza, local em que ela e o filho adotivo Humberto Micucci promovia festas dançantes nos finais de semana (DANTAS, 1999:2).

Mulher católica, ela frequentava assiduamente a da Igreja do Rosário dos Pretos que fica bem em frente a sua casa, e que recebia de Amélia: […] “a doação de gordos dízimos provenientes da caridade cristã de católica fervorosa […]” (DANTAS, 1999:3) A sua bem feitoria em relação às atividades religiosas também podem ser vistas no jornal A República de 22 de julho 1923 que divulgava uma lista enorme dos participantes da organização Festa da Padroeira de Natal, em sua coluna, Solicitadas. Além de Amélia Machado, esposas de homens ilustres da cidade também participavam da organização, como por exemplo, as esposas do médico potiguar Januario Cicco, do desembargador Felipe Guerra e do jurista Sebastião Fernandes de Oliveira (A REPÚBLICA, 22/07/1923).

A data de fundação da igreja não é definida com exatidão. Segundo Cascudo (1999, p.102), “A igreja é, salvo documento em contrário, de 1713 ou 1714 […]. É a nossa segunda igreja. A mais antiga, depois da matriz”. É também a menor e mais simples das primeiras igrejas construídas em Natal. As origens do templo explicam as razões dessa singeleza. Sua construção, realizada por escravos, foi direcionada para o atendimento aos segmentos sociais desfavorecidos: “era o local sagrado dos casamentos, dos batizados, das festas dos que nada possuíam” (CASCUDO, 1999, p. 102). Apesar de sua simplicidade, “trata-se de uma edificação de relevante interesse histórico e arquitetônico” (NESI, 1994). Tombada no âmbito estadual em 30 de novembro de 1987.

Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Foto: arquivo da SEMURB – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo.

A participação em festas de caridades e quermesses era frequente. O casal aparece nas paginas do jornal A República, como responsáveis por uma quermesse em favor de arrecadação de fundos para a Caixa das Seccas, de acordo com o jornal a festa beneficente seria “o grande acontecimento na vida de Natal” pelo caráter humanitário da festa e pela alta importância social dos diretores e auxiliares (A REPÚBLICA, 30.03.1920).

Amélia e seu marido também aparecem como responsáveis da Barraca Portuguesa da Festa de Caridade que ocorreu na Avenida Tavares de Lyra em 04 de abril de 1920. A festa possuía barracas vinculadas a cada nacionalidade. Contava com barraca brasileira, americana, francesa, portuguesa. O casal Machado fazia parte da barraca portuguesa.

A festa também contou com música dos escoteiros do Alecrim cedido pelo professor Luiz Soares. Ainda possuía uma comissão própria que também era responsável por divulgar os resultados e os devidos agradecimentos aos participantes. (A REPÚBLICA, 19.04.1920).

Fazia parte da popularidade de um casal burguês à contribuição com as festividades da Igreja Católica. A participação nesses eventos religiosos e a doação de somas monetárias destinadas a Igreja faziam com que o casal tivesse o respeito e o apoio da Igreja, bem como aumentava o prestígio social do casal.

Ao ficar viúva em 1934, Amélia passou a ser conhecida como tal, era não mais a Sra. Amélia, mas a Viúva do Sr. Manoel Machado. Em 1935 em coluna dedicada à notícia das festas e aniversários, o aniversário da mesma era noticiado da seguinte forma: “Amélia Machado, viúva do senhor Manoel Machado, e proprietária da firma << Viúva M. Machado, Successora >>, desta praça”. (A REPÚBLICA, 08.12.1935: 12).

Apesar de por muitos anos possuir visibilidade e reconhecimento na cidade pelas suas atividades com os negócios, a viúva Amélia D. Machado tinha uma postura de recato e reserva. Mesmo reclusa para boa parte da cidade, a mesma continuou a receber seus amigos em suas festas de aniversário no Clube Veneza. Amélia teria também sido cercada por poucas pessoas mais próximas e por familiares. Sobre essas festas Galvão relatou: “fui algumas vezes a aniversário na casa dela, era casa cheia, aniversário dela 8 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição, sempre em dezembro era muita gente, adultos, pessoas bem vestidas lá, e agente sempre ia, meus pais iam” (GALVÃO, 05.06.2012).

Para além da casa, a Natal de Amélia viu aparecer inúmeros espaços de sociabilidade, em que por meio de uma conversa polida e de encontros sociais as pessoas poderiam interagir, inclusive as mulheres que tinham também como função contribuir com a figura pública de seus maridos. Por vezes, essas mulheres faziam de suas casas, centros de recepções através da promoção de festas, almoços e jantares oferecidos a pessoas ilustres da população e também para familiares. Nessa Natal, já que a mulher deveria ser o anjo do lar, a guardiã da família, o mundo do trabalho era algo distante para as mulheres, esse universo envolto em negociações financeiras, dinheiro e transações comerciais era mundo em que as mulheres não participavam.

Fotografia de pilotos que cruzaram o Atlântico e que foram recepcionados no palacete da Praça Dom Vital, publicada no jornal Diário de Natal de 15 de dezembro Na presente fotografia conseguimos identificar o português Manoel Machado, como sendo o homem calvo e de bigodes que está em pé encostado à janela.

PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES

A elite natalense passou a dotar a cidade de um equipamento urbano, afetando o modo de vida de seus habitantes e principalmente das pessoas da elite econômica e intelectual que vivenciaram essas transformações de perto, que frequentavam os cafés, iam assistir aos espetáculos no Teatro Carlos Gomes e desfrutavam das festas no Natal Club ou no Aero Clube. Amélia nesse período assumiu uma posição de visibilidade na cidade, uma posição que inspirava admiração e ao mesmo tempo suspeita e vigilância da população da cidade que começava a seguir os modelos e ideias burguesas.

Entre o lar e os espaços de sociabilidade, assim viviam as mulheres na cidade do Natal de 1900 a 1930. É evidente que enquanto parte de um círculo social, as mulheres costumavam acompanhar seus maridos em eventos sociais, isso faziam parte do engrandecimento da sua família e da posição do esposo, ao mesmo tempo essas mulheres passaram a abrir seus lares para promover festas e jantares.

Os frequentadores dos clubes e bilhares eram normalmente rapazes, mas homens mais velhos também eram ocasionais frequentadores. Quanto às moças e senhoras, só entravam nesse tipo de estabelecimento nas noites de festas e bailes.

Entre a esfera pública e a privada, assim viviam as mulheres do período, em Natal. Apesar do treinamento das mulheres em relação a vida pública era raro encontrar essa presenças nos cafés e bares da Natal das primeiras décadas do século XX. Elas só frequentavam esses estabelecimentos em noites de festas e bailes. Em Crítica de costumes, crônica de Henrique Castriciano de 1902 no Jornal Gazeta do Commercio, o autor critica uma posição provinciana da cidade do Natal pela escassez de mulheres em espaços públicos. O autor censura a sociedade natalense que entrando no século XX conserva hábitos arcaicos, pois a cidade não tem ainda teatro, existem poucos bailes e pouco se vê as mulheres nas ruas do comércio e praças da cidade. Em crônica de 1908, o mesmo autor critica mais uma vez os hábitos natalenses, para o autor, a educação católica rígida dada às moças na cidade seria um dos principais elementos que faria com que elas se conservassem em casa, se resguardando para não cometer nenhum pecado, elas observavam as ruas de longe. A presença de mulheres nas ruas era bem notada nos eventos religiosos.

A década de 1920 significou uma maior frequência das mulheres em clubes, cafés, cinemas e no teatro da cidade. Anteriormente os frequentadores dos clubes e bilhares eram normalmente rapazes, as senhoras e moças só entravam nesses estabelecimentos em noites de bailes e festas. Somente após a década de 1920 podemos perceber uma frequência feminina nesses espaços, por vezes desacompanhadas de seus pais e maridos (ARRAIS; ANDRADE; MARINHO, 2008: 140).

Em 1919 foi organizada em Natal uma festividade esportiva feminina. Essas competições tinham mais o contorno de gincanas do que propriamente competições. O evento foi organizado pela Liga de Desportos Terrestres. As torcedoras de cada clube representaria seu clube nas provas. As provas eram corridas de argolas, entre garrafas, luta de corda. Essas festas mostram já uma participação ativa das mulheres no espaço público da cidade. Apenas em 1927 foi fundado o Natal- Tênis Club, primeiro clube esportivo que possuía quase metade de sócias. Ainda que de maneira segregada as mulheres passaram a participar ativamente a vida esportiva da cidade. (ARRAIS; ANDRADE; MARINHO, 2008: 154-155).

Apesar de ligada ao âmbito doméstico, as mulheres passaram a frequentar cafés, clubes e teatros, fazia parte também das normas sociais a abertura das casas para festas e reuniões familiares, amigos ou para sujeitos pertencentes à elite.

Salões e salas de visita possuíam aspecto intermediário, ficavam entre o público e o privado. Passou a ser uma prática frequente a abertura desses espaços aos saraus, festas e jantares. Eram nesses momentos que a mulher se submetia a opinião dos outros. Essa mulher de elite que passou a marcar presença em teatros, bailes, cafés e reuniões sociais, parecia ser mais “livre”, porém era submetida a uma vigilância maior, essa não se restringia ao marido, mas aos atentos olhares da sociedade.

Linda foto do Carnaval no antigo Natal Club em 1938 com a alta sociedade natalense. “Nela aparece meu pai e meus sogros. Só uma correção, a foto foi tirada no carnaval de 1938, de acordo com minha mãe, e não em 35 como coloquei na legenda. Abraço e parabéns pelo trabalho.” Por Airton de Oliveira o qual agradeço a presença e a participação no #fatosefotosdenatalantiga

CIDADE NOVA

Apesar da existência de espaços de sociabilidade específicos, a maior parte dos eventos ocorridos em Cidade Nova acontecia nos sítios e residências dos moradores mais influentes do bairro. Várias matérias publicadas no jornal A Republica noticiaram eventos filantrópicos, bailes, jantares, aniversários, casamentos, piqueniques promovidos por associações, entre outras atividades que propiciavam o encontro das famílias mais ricas da capital. Esses acontecimentos eram ocasiões importantes para a criação e fortalecimento de um sistema simbólico, um sistema de valores que seria próprio dessa sociedade. Eram nesses momentos que se propagavam e definiam-se gestos, gostos, vestimentas, hábitos que deveriam ser partilhados por uma sociedade urbana, por uma sociedade que se pretendia modernizada, que habitava a capital de um estado republicano que tencionava, como as matérias publicadas nos periódicos e as mensagens de governadores, cronistas e intendentes demonstravam, aproximar-se dos centros considerados civilizados da Europa e dos Estados Unidos.

O Colégio Imaculada Conceição não tinha apenas a função de instruir as moças de boa família da capital. Essa instituição exercia uma função pedagógica mais abrangente. Por meio das festas de sociabilização existentes na escola, as famílias mais importantes da cidade podiam encontrar-se, desfilar seus hábitos e modos de vida, planejar casamentos e negócios, enfim, poderiam impor e difundir uma definição das práticas e condutas próprias a uma capital que se pretendia modernizada e civilizada. Várias matérias do jornal da situação destacaram a realização de festas, solenidades de premiação e formaturas no Colégio Imaculada Conceição, ocasiões sempre prestigiadas pelas famílias mais influentes da cidade, sobretudo por aquelas que moravam em Cidade Nova (VARIAS. A Republica, Natal, 24 nov. 1911. p.1.). Eram eventos prestigiados até mesmo por governadores e intendentes que passaram pela administração local (COLLEGIO da Conceição. A Republica, Natal, 26 nov. 1915. p.1.).

Colégio Imaculada Conceição em Cidade Nova. Fonte: MIRANDA, João Mauricio Fernandes de. Evolução urbana de Natal em 400 anos 1599-1999. Natal: Iarte, 1999.

Além de ser destinada à contemplação dos natalenses durante os dias de folga e aos jogos de futebol, a praça Pedro Velho também protagonizou outros eventos. Nas páginas do A Republica foi possível constatar a realização de apresentações de fandango na referida praça. Nessas festas sempre eram construídos tablados para acomodar com conforto as famílias mais importantes da cidade (FANDANGO. A Republica, Natal, 12 jan. 1917.p.1.). O fandango era uma festa popular que ocorria no período natalino em homenagem aos marujos. Segundo destacava o jornal da situação, a tradicional diversão “prende-se, como todos sabem, a historia de afontos mareantes do Portugal de outras eras, que em caminho para as Indias distantes, a bordo da náo Catharineta, estiveram perdidos sobre as vagas tempestuosas de mares desconhecidos”. Tratava-se de uma festividade que, no início do século XX, era realizada em vários pontos da capital norte-rio-grandense, sobretudo na praça Pedro Velho, como apontaram diversas notas do jornal da situação, ver: FANDANGO. A Republica, Natal, 27 dez. 1915. p.1.

Por ser localizado nas proximidades do mar, o Café Petrópolis era também um local representado nos anúncios como saudável e aprazível, recebendo os bons ventos do oceano (A REPUBLICA, Natal, 08 abr. 1919. p.1.), além de ser localizado nas proximidades da linha de bondes, facilitando o acesso dos clientes. O referido café também era utilizado para a realização de comemorações particulares. Em 1919, por exemplo, o jornal A Republica divulgou a realização de um almoço comemorativo entre os funcionários do Tesouro do estado no Café Petrópolis (FESTA intima. A Republica, Natal, 26 mar. 1919. p.1.).

Nota-se como, diferentemente do Café Petrópolis, o Café Tyrol não organizava festas destinadas aos populares, ao contrário, seus eventos expressavam a segregação social tão presente em vários equipamentos urbanos de Cidade Nova desde o início do século XX. Poderiam participar das festividades do Café Tyrol somente aqueles indivíduos tidos como “convenientes”, ou seja, que partilhavam gestos, roupas, hábitos, que integravam aquela parcela da sociedade mais abastada e ligada aos grupos que dominavam a política local.

Logo após essa nova arborização, a praça Pedro Velho foi palco de um acontecimento anedótico, narrado em matéria publicada no A Republica em 02 de janeiro de 1918. A matéria informou que no dia da festa que comemorou a passagem para o ano novo, quando Manoel Dantas voltava das festividades ocorridas na Vila Cincinato passando pelas estacas da cerca que protegia a nova arborização da praça Pedro Velho, um de seus filhos escutou um barulho estranho. O barulho tinha sido produzido por um jacaré, representado na matéria como um monstro enorme, “que andava vagabundando e atacando as crianças na praça Pedro Velho” (A REPUBLICA, Natal,02 jan.1918.p.1.). O episódio foi encerrado com a morte do animal, que recebeu três tiros do Dr. Julio Rezende, genro de Dantas.

Possivelmente, Suzana Silva e Januario Goes são exemplos de populares que aforavam terrenos no bairro, semelhantes àqueles indivíduos elencados na primeira parte do trabalho. Sujeitos que se envolviam em brigas, crimes, vendiam ovos e galinhas em suas pequenas chácaras na região, criavam animais em seus quintais ou simplesmente viviam suas vidas, que não foram registradas em solenidades públicas, nas grandes festas existentes nos palacetes dos Albuquerque Maranhão, e em outros documentos que possibilitassem apreender maiores informações sobre suas existências e práticas em Cidade Nova.

Praça Pedro Velho mas conhecida com Praça Cívica em Natal, 1937.

O Stadium Juvenal Lamartine não era utilizado apenas para a realização de jogos de futebol, sendo também um espaço escolhido para a realização de outros eventos. Em maio de 1929, o jornal A Republica anunciou que seria realizado nesse campo esportivo as festas desportivas do 29º Batalhão de Caçadores, que contaria com a realização de diversas provas, como corridas, corridas de revezamento, corridas com obstáculos, arremesso de peso, entre outras competições patrocinadas por clubes de futebol e remo, pelo governo municipal, pela escola de Aprendizes Marinheiros, entre outras instituições. Tratava-se de um evento importante, que contaria com a presença de membros de destaque da sociedade natalense, entre eles o próprio governador Juvenal Lamartine que, juntamente com as demais autoridades presentes, entregaria os prêmios aos vencedores de cada prova (A COMPETIÇÃO desportiva de hoje no Stadium do Tyrol. A Republica, Natal, 24 maio 1929.p.2; AS COMPETIÇÕES desportivas de hontem. A Republica, Natal, 25 maio 1929.p.1.).

Entrada do Stadium Juvenal Lamartine.
Imagens de evento de atletismo realizado no Stadium Juvenal Lamartine.

Devido à limitação das fontes disponíveis, não se tem condições de analisar detalhadamente como a outras parcelas da sociedade, entre essas os populares, usaram esses espaços. Na década de 1920 as notas policiais comentando sobre episódios no bairro Cidade Nova são ainda mais escassas, o que dificulta a análise dos usos que essas outras camadas da população fizeram dos novos equipamentos construídos nesse período. Todavia, a presença de escolas populares, como o grupo escolar Antônio de Souza, a realização de festas no Café Petrópolis em que esses populares participavam e a nota do relatório de O’Grady comentando sobre a desapropriação de casebres nas proximidades da praça Pio X, foram capazes de fornecer indícios de que esses indivíduos, moradores humildes que habitavam o bairro desde o início do século XX, ainda continuavam em Cidade Nova. No próximo tópico de estudo serão comentados mais indícios capazes de demonstrar que, assim como nas décadas de 1900 e 1910, na década de 1920 o bairro Cidade Nova ainda era ocupado e praticado por populares.

CENTENÁRIO DE FREI MIGUELINHO

O Rio Grande do Norte teve dois mártires na Revolução Republicana de 1817: André de Albuquerque e Frei Miguelinho. O primeiro foi homenageado com o nome numa praça, em 1888, situada defronte da velha Catedral.

O segundo recebeu a sua primeira homenagem pública com a aposição do seu nome numa rua do bairro da Ribeira, onde nasceu Miguelinho, cujo nome completo é Miguel Joaquim de Almeida Castro, nasceu em Natal aos 17 de novembro de 1768 e morreu arcabuzado, em Salvador, aos 12 de junho de 1817. Ele foi o secretário do Governo Revolucionário em Recife. Morreu heroicamente coerente com os seus ideais democráticos. A rua Frei Miguelinho situa-se entre a avenida Tavares de Lira e a rua Silva Jardim. Do ponto de vista comercial, ela é a continuação da rua Dr. Barata.

Anteriormente, a artéria conhecida hoje pela denominação de Frei Miguelinho chamava-se “13 de Maio”. Quando ocorreu a mudança “deste nome? Por iniciativa de Dr. Henrique Castriciano Souza, doublé de poeta e político, o governo do município e a sociedade natalense prestaram uma significativa homenagem ao Frei Miguelinho.

A resolução nº 104, de 11 de junho de 1906, da Intendência Municipal de Natal, batizou a antiga rua 13 de Maio de rua Frei Miguelinho, em virtude de ter sido a mesma, “a rua em que nasceu esse inolvidável patriota”. Uma grande festa, animada por músicas, desfiles e cantos, comemorou aquela mudança toponímica.

Na sessão do dia 18 de março de 1906, foi sugerido pelo mesmo Henrique Castriciano que o Instituto Histórico e Geográfico organizasse uma festividade para comemorar, no dia 12 de junho daquele ano, o 89° aniversário da morte de Frei Miguelinho. A 8 de abril, foi então nomeada uma comissão, a qual foi confiada a tarefa de angariar fundos e organizar todo o programa da festa que seria realizada. A comissão era composta pelos sócios Henrique Castriciano, Pedro Soares, Pinto de Abreu, Manoel Dantas, Luiz Lyra, José de Calazans, José Correia, Heliodoro Barros e Segundo Wanderley. (Rev. IHGRN N°. 1, v. IV, ano 1906; N°. 2, v. IV, ano 1906;309).

Assim, no dia 17 de junho de 1906, realizou-se urna grande homenagem ao referido sacerdote-mártir.

Logo pela manhã, houve missa campal em frente à Praça André de Albuquerque, que foi assistida pela multidão ali aglomerada. Em seguida, iniciou-se uma procissão cívica em direção à Ribeira. Antes de começar o desfile, de uma janela do prédio da delegacia Fiscal (hoje Memorial Câmara Cascudo), discursou o Dr. Alberto Maranhão enaltecendo aquela festa cívica.

Todas as bandas de músicas da cidade estavam ali, participando, misturadas à multidão, que carregava vários estandartes. Ao longo do percurso, desde a Praça André de Albuquerque até o final da rua 13 de Maio, na Ribeira, vários oradores enalteceram as virtudes cívicas do homenageado.

O ponto final do desfile foi a casa onde nasceu Frei Miguelinho, situada na esquina desta artéria com a rua Silva Jardim.

Ali, do alto de um estrado, onde estava o governador Augusto Tavares de Lira e outras autoridades, o Dr. Olympio Vital, presidente do Instituto Histórico e Geográfico, fez a apologia das virtudes de Miguelinho.

Em seguida, ao som do Hino Nacional, tocado por todas as bandas de músicas e sob o aplauso da multidão, o governador do Estado descerrou a lápide de mármore, que foi encravada no alto da parede lateral da casa onde nasceu o homenageado.

A referida lápide tem a seguinte inscrição:

1768-1817
17 de Novembro
12 de Junho
Ao Insigne Patriota
Miguel Joaquim de Almeida Castro FREI MIGUELlNHO.

O povo do Rio Grande do Norte, em comemoração cívica no 89º aniversário de tua morte, ufana-se de perpetuar, nesta lápide, solenemente posta no próprio lugar em que nasceste, teu nome imortal de herói e mártir. 1906

É importante lembrar que esta lápide de mármore encontra-se, ainda hoje onde foi posta. Parece um milagre!

No final da tarde, realizou-se um grande festival de poesia e de música no Teatro Carlos Gomes (hoje, Alberto Maranhão) (A República, 18 de junho de 1906).

Para completar a homenagem, o presidente da Intendência Municipal de Natal. Cel. Joaquim Manoel Teixeira de Moura, aos 11 de junho de 1906, editou a Resolução nº 104, cujo artigo único diz o seguinte: “Denominar-se-á Frei Miguelinho a rua em que nasceu este inolvidável patriota e na qual será inaugurada a lápide comemorativa do seu glorioso Martírio” (A República, 21 de julho de 1906, p. 3).

A foto da solenidade da aposição da placa é de Manoel Dantas. 

Na sessão de 07 de maio de 1916, é tomada a resolução para a comemoração; na sessão de 18 de junho daquele ano, o coronel Pedro Soares, então presidente do Instituto, estabelece que fossem iniciados os estudos das possibilidades para o evento e que cada sócio apresentasse uma ideia viável a respeito, sendo nomeada na ocasião uma comissão especial formada pelos senhores H. Castriciano, Manoel Dantas, cônego Estevam Dantas, Hemeterio Fernandes, Dionysio Figueira, Antonio Soares, Luiz Lyra, Horacio Barretto e Nestor Lima, exclusivamente para organizar um projeto para as festas comemorativas. Na sessão de 5 de novembro do mesmo ano, o Instituto apresenta-se ao Congresso Legislativo do Estado, para que fosse votado um “auxilio material” para as festas, ao passo que na sessão do dia 19 daquele mês foram examinados os diversos projetos para o monumento aos heróis de 1817. (“Resoluções e Preparativos”R – Revista IHGRN, N°. 1, v. XV, ano 1917; N°. 2, v. XV, ano 1917 ; 08).

No dia seguinte, o jornal traz com o título “Centenário de Miguelinho – ainda as festas do dia doze”, (A República 15 de junho de 1917. Ano, XXIX N° 132.) publicado, a primeira parte do discurso proferido por Manoel Dantas, na ocasião da sessão solene do IHGNR, além de um tópico sobre “as festas nos municípios”, no qual publica notas sobre os eventos cívicos realizados no dia 12 de junho em outros municípios do Estado.

Por resolução de 11 de fevereiro de 1916, e em virtude do convite dirigido pelo Instituto Histórico, Arqueológico de Pernambuco, o Instituto Histórico resolveu fazer-se representar nas festas do dia 6 de março, em Recife, em comemoração ao centenário da Revolução de 1817. E nessa mesma ocasião foi nomeado presidente de honra de todas as solenidades do centenário de Miguelinho o Governador do Estado, o Desembargador Joaquim Ferreira Chaves (Rev. IHGRN, N°. 1, v. XV, ano 1917; N°. 2, v. XV, ano 1917; 10).

No dia 6 de março, data comemorativa do advento da Revolução Pernambucana de 1817, que estava se firmando como referencial no calendário republicano, o IHGRN realiza uma sessão solene no Palácio do Governo, sob a presidência do Governador Ferreira Chaves; e nesse mesmo dia, o Governo do Estado, por meio de um “decreto especial”, declarou feriado estadual “mandando fazer prelecções nas escolas, hastear o pavilhão brazileiro e illuminar as fachadas dos edifícios públicos, em signal de gala pela celebração do 1° centenário da Revolução”. (Rev. IHGRN, N°. 1, v. XV, ano 1917; N°. 2, v. XV, ano 1917;11) Na ocasião da sessão, que reuniu no Palácio do Governo funcionários públicos, representantes do clero, corporações civis e militares, associações literárias e artísticas além de estabelecimentos de ensino e membros da impressa, (Idem;12.) discursou, na condição de orador oficial, o membro do IHGRN, o Dr. Eloy de Souza.

Na mesma ocasião da divulgação do relatório, na ordem do dia, o Sr. Manoel Dantas, orador oficial das comemorações, divulga o programa geral das festas cívicas do 1° Centenário de Miguelinho, no qual constava uma missa campal, procissão cívica, inauguração do monumento, sessão solene do Instituto, cinema público e outras festas populares, no dia 12 de junho; programa este que, com pequenas alterações, foi aprovado na assembleia. Aprovado o programa geral, o Instituto tomou a resolução de fazer convites coletivos às autoridades, às escolas, repartições e associações da capital e de interior do Estado. (Rev. IHGRN, N°. 1, v. XV, ano 1917; N°. 2, v. XV, ano 1917; 65.).

Na sessão de 20 de maio, sob a direção do 2° secretário, o Sr. Nestor de Lima, o Instituto resolveu promover, nos dias precedentes ao da comemoração, festas esportivas, convidando os clubs náuticos e os de futebol da capital. Antes que detenhamos nossa atenção nesses eventos esportivos, contudo, acompanhemos sumariamente algumas notas publicadas no jornal oficial do governo, que, sistematicamente, ao começar o mês de junho, vão dando conta dos preparativos das comemorações.

O jornal A República veicula as adesões. O presidente do Natal Club, major Antônio Gurgel, comunicou ao Instituto Histórico que aquela associação se faria presente nas festas do centenário, por intermédio de uma grande comissão de seus sócios; o Atheneu Norte-Rio-Grandense expressou sua intenção em aderir às festas, comparecendo a todas as manifestações; e o presidente da Liga do Ensino e da Comissão Executiva do Diretório Regional da Liga da Defesa Nacional, o senhor F. de S. Meira e Sá, comunicou que essas associações participariam às festas cívicas do dia 12. (A República 05 de junho de 1917. Ano, XXIX N° 125, p.1).

O outro ponto se refere a uma dispersão em termos mais temporais, e está ligada às matérias que são publicadas no jornal A República, nos dias que sucedem ao dia 12 de junho. A repercussão das comemorações deste dia se expressam no jornal do dia 14, em matéria que ocupava um página e meia, intitulada “CENTENÁRIO DE MIGUELINHO – O Rio Grande do Norte sabe comemorar os seus heroes”, trazendo como subtítulo “As festas de ante-hotem foram uma grande apotheose”. Foi apresentada nesta edição uma descrição extensa de todo o evento, chamando a atenção para a importância da homenagem prestada, da participação dos vários setores da sociedade e do que ficava como patrimônio material (o monumento) e como “patrimônio moral”, através das iniciativas do Instituto Histórico, do Governo, e das várias agremiações e escolas que concorreram para as comemorações. Segue uma descrição de todos os eventos que foram estabelecidos na programação, as festas esportivas, o préstito cívico, a inauguração do monumento (com a tradução de suas inscrições), a sessão solene do IHGRN, a relação das representações (mediante publicação dos telegramas), contando ainda ao final com a publicação da sentença condenatória de Miguelinho. A República 14 de junho de 1917. Ano, XXIX N° 131. Esse número em particular do jornal A República forneceu o material mais substancial para a composição da Revista do IHGRN comemorativa de 1917.

Sobre a participação de Manoel Dantas como representante do Estado ao longo de sua atuação como Diretor da instrução, vemos no relatório de 1917, um trecho em que o Presidente de Província Melo e Souza (1917, p.5) afirmou que:

Distinguido com o convite do Instituto Histórico e Geográfico Pernambucano para que o Estado se fizesse representar nas festas comemorativas do centenário da revolução republicana de 1817, coube-me a satisfação de, para esse fim, designar o Diretor da Instrução Pública, Dr. Manoel Dantas, que se desempenhou da sua honrosa missão.

Merece destaque da mesma forma, as iniciativas dos integrantes do Centro Cívico Literário Frei Miguelinho, que tomaram o encargo de ornamentar as praças do então Teatro Carlos Gomes por ocasião das festas, e os ensaios realizados no mesmo teatro pelas senhoritas que no dia 12 daquele mês estariam incumbidas de cantar o hino de Frei Miguelinho, chamando-se a atenção para a pontualidade e dedicação com que diariamente os ensaios vinham sendo conduzidos, sob a direção do professor José Borrajo. (A República 05 de junho de 1917. Ano, XXIX N° 125, p.1).

Ainda sobre os festejos a Frei Miguelinho, as comemorações adentraram pela tarde e noite, sendo encerradas com uma sessão de homenagem no IHGRN. “Na sessão foi cantado, por 37 senhoritas que representavam os municípios do Rio Grande do Norte, um hino, feito exclusivamente para homenagear o herói republicano”. A festa chegou ao seu final com a recitação, por um membro do instituto, o poeta Segundo Wanderley, de uma composição sua sobre o herói potiguar, que em seguida foi colocada “em lugar devidamente preparado, a estola que o grande mártir usou nos últimos anos de sua vida heróica”. (Wanderley (1950, p. 379).)

No dia 10 de junho, as comemorações tiveram início com o programa das festas esportivas. A primeira delas foi a “Grande regata do Centenário”, patrocinada pelo Instituto Histórico e Geográfico, na qual tomaram parte o Centro Náutico Potengy, o Sport Club de Natal, a Escola de Aprendizes Marinheiros e os marítimos da Alfandega e da Capitania do Porto. (Rev. IHGRN, vol XV, n° 1 e 2, 1917; 67.) Na ocasião, o desembargador Ferreira Chaves, governador do Estado e presidente de honra das festas do Centenário, marcou presença a bordo da lancha oficial, e da mesma forma, a diretoria e os demais membros do IHGRN, destacando-se aí uma comissão especialmente designada para fiscalizar o evento, se fizeram presentes a bordo da lancha “Affonso Barata”. (Idem.).

Tendo como ponto de partida o Paço da Pátria e como chegada o Cais da Alfândega, foram organizados seis páreos nos quais em diferentes modalidades as agremiações competiram, na seguinte ordem: 1° páreo – Riachuelo; 2° páreo – Instituto Histórico; 3° páreo Clara de Castro; 4° páreo – Miguelinho; 5° – páreo André de Albuquerque; e 6° páreo – Centenário. A bordo da lancha “Natal”, fundeada no ponto de chegada, a banda de música do Batalhão de Segurança tocou durante a festa, e ao final das competições (o 1° pareo correu às 14 horas e o último às 16), uma comissão de senhoritas fez a entrega aos vencedores de medalhas de prata, mandadas confeccionar pelo Instituto Histórico especialmente para a ocasião.

Os eventos esportivos tem continuidade no dia seguinte, 11 de junho, com a partida comemorativa de Futebol. Esta foi realizada no “ground” da Praça Pedro Velho e opôs as equipes do America F.C e do Potyguar F.C, sob o patrocínio do Instituto Histórico e Geográfico. O vencedor na ocasião foi o Potyguar, pelo placar de 1X0, com o gol marcado pelo “in side left” José Tavares. (Rev. IHGRN, vol XV, n° 1 e 2, 1917; 71.) Terminada a partida, o membro do Instituto, Nestor de Lima, representando essa instituição, conferiu aos vencedores as medalhas de prata com inscrições comemorativas da ocasião. (Idem; 73.). A competição esportiva gera assim uma expectativa adicional, um interesse caracteristicamente mobilizador que vai se vê associado às festas do centenário pelos elementos que vão particularizar essas disputas.

Detalhe do “carro triunfal” no momento em que o préstito cívico começava a deixar a Rua Frei Miguelinho (Foto do Acervo do IHGRN). Seguindo o carro a banda de musica da Escola de Aprendizes Marinheiros e os alunos do grupo escolar “Frei Miguelinho”.
Tirada de um prédio na Av. Tavares de Lira, a foto procurou registra o momento em que o cortejo cívico, guiado pelo carro triunfal, deixa a Rua Frei Miguelinho.
Foto da Avenida Junqueira Aires quando da chegada do préstito (Acervo do IHGRN). Ao centro, um pouco deslocado à esquerda, pode-se ver o “carro triunfal”. Na larga Avenida Jungueira Aires, principal via de acesso entre a Ribeira e a Cidade Alta (calçada e cortada pelos trilhos do bonde), o cortejo se encontra num momento singular para uma foto. O fotógrafo (não identificado) se posiciona num lugar privilegiado, numa das janelas do então prédio do Atheneu, e consegue enquadrar o rio Potengi (ao fundo e à esquerda), o prédio da Capitania dos Portos (ao fundo e ao centro), o relógio (em primeiro plano à direita) e um panorama da larga Avenida que vai sendo tomada pelo préstito que se aproxima, guiado pelo carro triunfal (ao centro e a esquerda).
O carro triunfal chegou em frete ao Obelisco, ou mais precisamente, ao “monumento Miguelinho”, que ia ser inaugurado na presença do Governador do Estado, do Instituto Histórico, do presidente da Intendência de Natal, das autoridades, e das escolas e comissões do préstito, estas últimas ocupando as alamedas do jardim da Praça, cheia, como registrou a Revista, “de uma das maiores agglomerações de povo que temos visto nesta cidade. […]”. (Rev. IHGRN. Vol. XV, n° 1 e 2, 1917; 83-84.).
Ainda envolto, sob a base do Obelisco se posiciona Henrique Castriciano, intelectual, membro do IHGRN e da comissão desta instituição que organizou o evento.

GRÊMIOS

O Centro Polimático(1920-1924) era uma associação literária reunindo nomes já familiares ao universo literário potiguar, como Galdino Lima, Kerginaldo Cavalcante, Floriano Cavalcanti e Adaucto da Câmara, publicando uma revista de estudos que levava no título o mesmo nome do grêmio (CASCUDO, Luís da Câmara. Op. Cit. p. 382.). A agremiação realizava as seguintes atividades:

Publicação de uma revista, conferências, dissertações e horas literárias, concursos literário, scientificos ou artísticos, festas para realce das grandes datas ou beneficio de algum intelectual ou artista, serões artistico-literarios, comunicação constante com outros centros literários, excursões cientificas as regiões do interior, viagens de delegados a centro e congressos intelectuais, manutenção de uma biblioteca e um museu (ARTIGO Nº 2. Estatuto do Centro Polymathico (1921).

Diante de todas essas atividades, supomos que o Centro Polymathico foi um dos grandes impulsionadores do movimento literário em Natal na década de 1920.

Em maio de 1921, o jornal de Amphiloquio Carlos Soares da Câmara (1889-1957) ofereceu uma “solenniade, tomando o aspecto de uma grande festa intellectual” às colaboradoras Izabel Dantas, Carolina Wanderley, Julia Alves Barbosa e Alice Cavalcanti. A festa de A Notícia contou com a presença de Luís da Câmara Cascudo que, na ocasião até pronunciou um discurso (A NOTICIA. Natal, 28 de maio de 1921.). O bacharel destacou-se também na prestação de serviços à imprensa do Rio Grande do Norte, fundou e dirigiu os jornais A semana (1915) e A Notícia (1921-1925). Ainda colaborou para os jornais O Tempo, O Dia, Jornal da Manhã, A Republica e A Imprensa. Consultar: CARDOSO, Rejane (coord.) 400 nomes de Natal. Op. Cit. p. 92.

BONDE

O bonde elétrico foi também importante na ampliação das possibilidades de uso da cidade à noite. Alguns relatos sobre festas mencionavam a presença desses dois elementos, iluminação e bondes, como tendo concorrido para o sucesso do evento. Em agosto de 1916, sobre um pic-nic em Petrópolis, comentou-se que “dançou-se animadamente até alta noite”. No dia desse pic-nic de “meio dia em deante, os bondes da linha de Petropolis trafegaram sempre cheios de senhoras e cavalheiros que iam tomar parte e apreciar o pic-nic (…)” (O PIC NIC Petropolis. A Republica. 12 ago de 1916. p. 2.).

Com a facilidade de acesso aos locais da cidade proporcionada pelos bondes, as festas deslocaram-se para os bairros novos, saindo dos tradicionais espaços de sociabilidades situados entre os bairros Cidade Alta e Ribeira. Como ocorrido, de acordo com nota d’A Republica, com as festividades Natalinas de 1916:

As festas de Natal não correram este anno muito animadas no centro da cidade, porque se deslocaram para os arrabaldes do Alecrim e Areia
Preta.
Na cidade, somente o ‘Natal-Club’ mantendo sempre a nota chic, conseguiu encher os seus salões, com os socios, famílias e convidados de cerca de duzentas creanças que foram admirar e premiar-se com a ‘arvore’ formando cortejo em redor do edificio um ‘sereno’ colossal.
Dançou-se animadamente até á ‘missa do gallo’ (…)
O Alecrim deu a nota das diversões populares, com os botequins, as tocatas, as lapinhas, e sobretudo o movimento nas ruas, sendo insufficientes os bondes da Empreza Tração, Força e Luz, apezar de duplicados.
Correu tudo alli na melhor ordem e com a maior animação.
E Areia Preta, a praia de grande luxo, que tomou uma feição accentuadamente aristocrata, os veranistas souberam distrahir-se com a elevada distincção do seu trato fidalgo (…)
. (As festas de Natal. A República. 26 de dezembro de 1916.)

Faltaram bondes para a quantidade de pessoas que passou pelo bairro do Alecrim nas festividades natalinas de 1916, localidade que era considerada o limite da área urbana até 1908 e que foi oficialmente considerado como bairro em 1911, de acordo comResolução Municipal. Areia Preta destacou-se como recanto elegante das festividades natalinas do ano de 1916, evento que marcava a abertura do período de veraneio na cidade, que tinha essa praia como um dos lugares mais concorridos desde a ocupação do bairro Cidade Nova.

O bonde dava vida à cidade, ajudando a conformar um modo de vida urbano. Além de ter sido, ele mesmo, um novo espaço de sociabilidade com regras de condutas a serem seguidas. O bonde conduzia os habitantes para o teatro, para os centros comerciais da Ribeira, os cinemas e os clubes, a praia de Areia Preta. No jornal A Republica comentou-se que “o movimento de bondes e automoveis transportando para os diversos bairros consideravel multidão, emprestava a cidade um aspecto dos dias de grandes festas”(LUZ ELECTRICA NA REDINHA. A Republica, 20 de novembro de 1924, p. 1.).

Lugar de muitas histórias recorremos, a Luís da Câmara Cascudo para saber como tudo começou:

…Praia feliz. Era recanto de pescadores até 1920, quando sua popularidade e rude beleza prestigiaram-lhe a forma. Os pescadores foram vendendo os ranchos e os natalenses construindo outros, mais feios, e indo passar as semanas de calor. Era a mais longínqua das terras para o leste e deu margem as festas lindas, serenatas, banhos de fantasia, piqueniques espaventosos e mesmo causou inveja às reuniões da cidade no tempo em que veraneava ali o comerciante Jorge Barreto, aclamado conde de Areia Preta pelos amigos (CASCUDO, 1999, p. 260).

Topo da Junqueira Aires. Pessoas, em festa, caminham em sentdo contrário ao do bondinho de Petrópolis. Por trás, a Intendência, prédio da Prefeitura ainda não reformado.

SALÃO DE DONA ISABEL GONDIM

Ainda a respeito dos últimos anos do século XIX, identificamos outro ambiente cultural a ser considerado na análise dos espaços de sociabilidade literária na cidade do Natal: o salão de dona Isabel Gondim. Jaime dos Guimarães Wanderley, assíduo frequentador das reuniões na casa da escritora, relata-nos a dinâmica dos encontros no salão:

A venerada professora convidava elementos da melhor sociedade e todos compareciam acompanhados de suas famílias, para os cumprimentos à distinta nataliciante. Eram magistrados, médicos, bacharéis, intelectuais, funcionários públicos, de elevada categoria, professores que se divertiam até avançada hora da madrugada em meio de muitas alegrias e cordialidade (WANDERLEY, Jayme dos G. Op. Cit., p. 29.).

Magistrados, médicos, bacharéis, funcionários públicos. Todos reunidos em clima de descontração e de cordialidade, regados a uma farta ceia e às singulares declamações de versos parnasianos. Esse era o clima das noites de festas promovidas por dona Isabel Gondim. Na primeira parte desta dissertação, já abordamos acerca das informações biográficas da professora e de suas publicações. Nesse capítulo, interessa-nos construir uma análise do salão literário promovido por essa intelectual, uma vez que foi na residência de Isabel Gondim que se realizaram os primeiros salões literários sobre os quais temos registros. Infelizmente, lamentamos não ter sido possível confirmar a localização da residência de Isabel Gondim, nem a localização específica da sala de aula que a poetisa estabeleceu em Natal

O salão, promovido em sua residência, é descrito por cronistas potiguares Jaime dos G. Wanderley e João Amorim Guimarães como o primeiro ambiente na cidade do Natal em que ocorria a junção de homens de letras e o festejo à literatura potiguar, nos últimos anos do século XIX. Os saraus realizados no salão de Isabel Gondim foi relatado por seus contemporâneos como “acontecimento marcante da elegância e da cordialidade reinante nos círculos sociais natalense” (Wanderley, Jayme dos G. Op. Cit. p. 29.). Curiosamente, a anfitriã, gentilmente referenciada por seus amigos como dona Isabel Gondim, também é descrita, como “rica e a mulher mais luxuosa da cidade” (GUIMARÃES, João Amorim. Op. Cit. p. 45.). Os saraus realizados em sua moradia eram promovidos todo ano em homenagem ao seu dia natalício.

Segundo as memórias em registro de Jaime Wanderley, as noites no salão da poetisa eram animadas por recitais de poesia românticos e canções de serenatas, momento que contava com a participação de literatos e simpatizantes das letras. Jaime Wanderley descreve um ambiente de amizade, cordialidade, intimidade e descontração compartilhada pelos amigos da escritora.

A poetisa anfitriã é descrita como “valendo a sua elegância e donaire, um rico vestido de seda europeia, tendo o colo adornado de ricas joias de muito bom quilate e, nos dedos delgados e nervosos, anéis com lampejantes pedrarias, como para autencticar os seus predicados de mulher vaidosa” (WANDERLEY, Jaime dos G. Op. Cit. p. 30). A representação de Isabel Gondim como, aparentemente, uma mulher rica, elegante e luxuosa, faz-nos refletir acerca da possibilidade de seu salão se tratar de uma sociabilidade realizada entre iguais. Ao identificarmos uma “sociabilidade entre iguais”, nos questionamos se indivíduos de posições e de status sociais diferentes, na cidade do Natal de outros tempos, poderiam compartilhar dos mesmos valores? Provavelmente, as formas de sociabilidade, nesse caso, são estabelecidas por indivíduos de um segmento social, uma vez que o pertencimento de uma mesma posição social pressupõe um compartilhamento dos mesmos valores.

O salão era promovido por uma mulher pertencente a um grupo detentor de posses e notabilidade, no qual a entrada era restrita aos indivíduos pertencentes a esse mesmo círculo, composto por “magistrados, médicos, bacharéis, intelectuais, funcionários públicos, de elevada categoria, professores” (Nomes citados em WANDERLEY, Jaime dos G. Op. Cit. p. 31-32).

ZAMBÊ

Apesar da tentativa de segregar os populares aos bairros periféricos, muitos deles permaneceram com seus modos de vida nas regiões centrais. As estratégias implementadas pela rede de poder local foram capazes de produzir, mapear e impor, mas as táticas dos sujeitos utilizaram, manipularam e alteraram os espaços em processo de modernização na cidade.

Exemplo disso foi veiculado na edição de 08 de agosto de 1904 do A Republica, em que um morador escreveu reclamando de um “zambê que jurou não deixar viva alma em socego lá para o bairro da cidade nova e ruas adjacentes onde mora este seu criado” (BATUQUE infernal. Escrevem-nos. A Republica, Natal, 08 ago. 1904.). O autor da reclamação alegou que passava as noites em claro, acrescentando que protestava contra “o espírito genial que inventou o batuque como diversão popular barata, reclamo igualmente a proteção dá lei em favor dos que preferem algumas horas de repouso e indago si não há um limite ao direito de zembear depois de des horas da noite” (Idem.). Tal nota fornece indício de como o bairro criado para abrigar os grupos influentes da capital, como os Albuquerque Maranhão, o presidente da Intendência Quincas Moura e o fiscal do 1º distrito (Cidade Alta), Major Raymundo Filgueira (INDICADOR da capital. A Republica, Natal, 13 ago. 1903.), também convivia com indivíduos que praticavam zambê, festas populares envolvendo música e bebidas. Provavelmente esses indivíduos sobreviveram ao processo de desapropriação iniciado com a abertura de determinadas vias no bairro.

CANTÕES

A reunião em residências, para prosear-se sobre assuntos que abarcavam a literatura, foi uma prática que se estendeu até as primeiras duas décadas do século XX na cidade do Natal. Os cantões eram espaços destinados a reunir determinados grupos na cidade. Nas memórias de Pedro de Alcântara Pessoa de Melo, referentes às décadas de 1900 e 1910, os cantões aparecem como ambientes destinados à aglutinação de pessoas nas calçadas de determinadas residências na cidade.

O memorialista menciona os cantões de Urbano Hermilo, empregado da Fazenda do Estado. A residência de Urbano Hermilo, localizada na Rua Nova – atual Avenida Rio Branco – no bairro da Cidade Alta, servia de local de reunião destinado à discussão de literatura e de arte. Nessas reuniões particulares, encontravam-se conhecidas personalidades potiguares, a saber: Alberto Maranhão, Manoel Dantas, Pinto de Abreu, os irmãos Celestino e Segundo Wanderley, Pedro Soares e Henrique Castriciano.

Outra residência que figura nos escritos de Pedro de Melo é a residência de Celestino Wanderley, “com características de ser um cantão familiar pois havia senhoras entre os seus mantedores. Nesse grupo João Nepomuceno Seabra Melo, Juvenal Lamartine, Manoel Coelho”. No fim da década de 1910, os cantões da cidade do Natal deixaram de ser frequentados por “gente grande”, passando a ser promovido nas calçadas em determinados pontos de ruas específicas da cidade do Natal por jovens.

Em um pequeno texto intitulado Pontos, publicado no jornal A Republica, Manoel Dantas definiu cantão como “reunião em um determinado ponto de uma determinada rua” (M. D. Pontos. A Republica. Natal, 13 jun. 1910.). O bacharel discorreu sobre a prática negativa dos cantões. A prática é descrita como em plena atividade na cidade do Natal e reprovável quando praticada por grupos de jovens que desenvolviam “pilherias grosseiras a homens, mulheres, creanças e velhos inofensivos” (Idem.). É plausível que a crítica elaborada por Manuel Dantas não esteja direcionada à prática das reuniões em cantões, mas sim pelas novas pessoas que passaram a promover e, sobretudo, pelo novo propósito a que eram destinadas essas associações.

Entre tais propósitos podemos destacar a reunião de rapazes que tinham o intuito de galantear ou de dirigir gracejos às moças da cidade. Em 28 de abril de 1917, publicou-se, no jornal oficial do estado, uma reclamação sobre esses propósitos negativos o qual se estavam servindo os cantões. A reclamação do jornal dizia respeito às reuniões de rapazes que estavam na esquina do Colégio Imaculada Conceição, no bairro da Cidade Nova. Os jovens aglutinavam-se na esquina da instituição a fim de mexer com as moças que, após as aulas, se dirigiam ao caminho de casa. Esses moços, exercendo práticas de galanteadores, “dirigiam ás moças pilherias mal pensadas, a ponto de faze-las corar e até chorar” (Idem). Nesse caso, observamos uma desvirtuação dos primeiros propósitos em que os cantões destinavam-se como, por exemplo, a discussão de arte, literatura e política.

Pinto de Abreu, Manuel Dantas, Pedro Soares, Henrique Castriciano e Alberto Maranhão possuíam em comum a ocupação de posições sociais semelhantes. Todos os nomes já mencionados nesta dissertação, que frequentavam a residência de Urbano Hermegenildo, além de ocupar cargos públicos na instância administrativa de Natal, também chegaram a desempenhar a função de redatores do jornal porta-voz do grupo político situacionista A Republica.

Os cantões estabelecidos em Natal foram ambientes de sociabilidade que nos mostram outras finalidades dos ambientes de sociabilidade. As noites de congruência entre essas pessoas que, igualmente, criavam e conservavam laços. É muito provável, como já identificamos, que esses mesmo indivíduos, habitués do salão da escritora e das residências familiares, frequentassem outros ambientes na cidade. O que nos leva a crer que essas reuniões, de caráter um tanto intimista, acabaram colaborando para fortificação de círculos sociais. Sendo assim, podemos afirmar que os espaços mencionados, como primeiros exemplos de espaço de sociabilidade intelectual na cidade do Natal, são dotados de um caráter instrumental, ou seja, eram ferramentas imprescindíveis ao auxílio da manutenção dos relacionamentos já existentes.

FESTAS ESPORTIVAS

No final do século XIX, em Natal, surgem as primeiras provas de remo no estuário do Potengi, levando parte da cidade, incluindo figuras políticas importantes, como o governador, na festa que era desenvolvida mediante as apresentações das competições. As competições de remo abrigavam tanto profissionais como também amadores, muitos deles empregados da comissão de melhoramentos do porto de Natal.

O século XX foi marcado por rápidas mudanças no estilo de vida, no uso das técnicas e pelas novas descobertas cientificas. A força jovem passa a ser o símbolo da mudança nesse século da agilidade. Em Natal, as agremiações esportivas incorporavam os novos valores de juventude e modernidade que passavam a fazer parte da vida da cidade. A população passou a identificar-se com os clubes, formando os coros das torcidas, ocupando a rua em festa nos dias das competições. Desta maneira, o esporte marca uma nova maneira de usar os espaços públicos da cidade.

O esporte náutico praticado na beleza de um Rio Potengi menos poluído teve grande desenvolvimento a partir da fundação do Centro Náutico Potengi e do Sport Clube de Natal. Em dia de regata toda cidade ficava em festa. A rivalidade era grande, assemelhada a um clássico de futebol nos dias atuais. As embarcações alvinegras e rubro-negras faziam disputas duríssimas com a participação animada das torcidas que se acomodavam principalmente no Cais Tavares de Lira e no Passo da Pátria. O terceiro clube náutico criado em Natal foi o Riachuelo com padrão alviazulino.

Nesse clima de “competições” preliminares, entusiasmo e novas sensibilidades surgiram, a partir do início do século XX, as primeiras agremiações esportivas ligadas ao Remo. O Clube de Regatas Natal, em 25 de junho de 1905, inaugurou os tempos que desembocaram no profissionalismo do esporte com sua fundação pelo Comandante Pereira Franco, Capitão dos Portos. Nesse mesmo ano, reforçando a percepção de que o esporte era cada vez mais incentivado e dialogava com os vários aspectos de sociabilidade da Cidade do Natal, uma regata foi organizada para comemorar a construção de um pontão, “uma passarela sobre a água importante para dar suporte aos serviços de dragagem” (ARRAIS, 2017, p. 96) no Porto natalense. Já no ano seguinte, 1906, as organizações para as regatas ganhavam a páginas de jornais, como mostra a figura 3. Assim como ocorrera na regata de 1897, o evento foi comemorado pelos jornais da época, destacando a movimentação de pessoas em torno do espaço esportivo, seja na beira do cais ou em barcos às margens do rio com bandeiras, gritos e muita festa.

MARINHO, Márcia. Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na belle époque natalense (1900-1930). 2008. Dissertação – Programa de pós-graduação em História na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2008. p.68.

Essa, por sinal, estimulava a prática do esporte, ao promover competições comemorativas no rio Potengi, referentes à inauguração de novos serviços no porto ou a construção de novos equipamentos a serem utilizados nas obras. A regata do pontão, promovida em 1905, para comemorar a construção do pontão, uma passarela sobre a água, importante para dar suporte aos serviços de dragagem, foi um exemplo destas comemorações feitas para inaugurar os novos serviços e equipamentos, e que, ao mesmo tempo, serviam para estimular a prática desse novo esporte, que só ganharia a criação de clubes profissionais em 1915.

Em 1900, deu-se a corrida inaugural do Derby-Club Natalense, clube que deveria promover não apenas as corridas, mas que se dedicaria ao desenvolvimento e aperfeiçoamento da raça cavalar. Em geral, as corridas, ou cavaladas tomavam lugar nas ruas e avenidas da cidade, como nos conta um cronista, em 1903:

Hontem, à tarde na rua visconde do Rio Branco um, grupo de amadores, sob a direcção do camp. Fausto Leiros, realisou as annunciadas cavalladas. (…) Na falta de outras devemos cultivar essas festas, que alem da distracção commoda e barata á nossa gente, que gosa por ai da fama de tristonha e macambusia, servem para concervar as nossas tradições populares. (A REPUBLICA, Natal, 13 abr. 1903.).

Em Natal, salvo as devidas proporções, acontece o mesmo processo de especialização nas práticas esportivas que ocorreu na Europa. Um dos exemplos é a construção do Prado Natalense, em 1909. Construído no mais novo bairro da cidade, A Cidade Nova, o Prado dotava a cidade de um lugar específico para a criação e corrida de cavalos. As corridas de cavalos não eram uma novidade para os natalenses. As chamadas cavaladas eram práticas comuns, mas somente na virada do século aparece, entre os cavaleiros potiguares, a preocupação com a regulamentação das competições. Em 1900, deu-se a corrida inaugural do Derby-Club Natalense, clube que deveria promover não apenas as corridas, mas que se dedicaria ao desenvolvimento e aperfeiçoamento da raça cavalar.209 Em geral, as corridas, ou cavaladas tomavam lugar nas ruas e avenidas da cidade, como nos conta um cronista, em 1903:

Hontem, à tarde na rua visconde do Rio Branco um, grupo de amadores, sob a direcção do camp. Fausto Leiros, realisou as annunciadas cavalladas. (…) Na falta de outras devemos cultivar essas festas, que alem da distracção commoda e barata á nossa gente, que gosa por ai da fama de tristonha e macambusia, servem para concervar as nossas tradições populares. (A REPUBLICA, Natal, 13 abr. 1903.).

A certidão de nascimento do Centro Náutico Potengy, pela grafia da época, data de 3 de outubro de 1915. Conforme a ata da assembleia de fundação, reproduzida na íntegra no anexo deste texto, o clube fora fundado em edifício anexo à Capitania dos Portos, e, entre os seus objetivos, visava a promoção do esporte náutico e seus benefícios à mocidade natalense. Para tanto, ainda segundo o documento, as festas náuticas, regatas e natação seriam os “instrumentos” atrativos para a população da capital potiguar. No que diz respeito ao funcionamento do clube, além do estatuto, a ata apontava, também, os valores para a jóia (valor pago pelo ingresso no clube) e mensalidade dos sócios e membros, definidos na quantia de dez mil réis para a primeira e dois mil réis para a segunda.

Os esportes aquáticos apostavam na junção do lazer e bem-estar proporcionados pela prática de exercícios físicos. Em Natal, duas associações esportivas promoviam competições no rio e nas praias que cercavam a cidade. As provas disputadas de natação, remo e water polo não eram festas apenas dos atletas. Os convites se estendiam às famílias dos sócios, que acompanhavam as competições ao som da banda do Batalhão.(A REPUBLICA, Natal, 11 ago. 1916.) Em 1916, A Republica afirmou que aproximadamente 200 jovens natalenses dedicam-se à prática de esportes marítimos. (NOTAS sportivas. A Republica, Natal, 19 set. 1916.) Com os clubes náuticos e os estuários, a praia e o rio se consolidavam como ambientes de lazer para as elites natalenses.

Os clubes esportivos moviam a vida social não apenas dos sócios que pagavam as mensalidades e freqüentavam as suas sedes sociais, mas sim uma vasta camada da população que passou a identificar-se com os clubes, formando os coros das torcida, ocupando a rua em festa nos dias de jogos de futebol nos anos 1920 e enchendo o cais Tavares de Lyra nos dias de competição dos clubes náuticos na década de 1910.

Outra quebra de rotina proporcionada aos sócios dos clubes náuticos eram os passeios de lancha e piqueniques, organizados pelos clubes, que geralmente tomavam lugar nas praias e subúrbios da cidade. Em 1916, o Sport Club do Natal organizou um desses eventos: tratava-se de um passeio fluvial de lancha até Macahyba, terminando o passeio em uma festa na vizinha cidade para os sócios e seus familiares. (VARIAS. A Republica, Natal, 16 set. 1916).

Em 1918, numa festa em homenagem ao editor-chefe da Republica, Eloy de Souza, foi anunciado o esboço de uma nova instituição esportiva que viria a renovar o quadro esportivo natalense. Tratava-se do regimento de dois clubes náuticos da cidade sob as normas de uma instituição superior, que seria responsável pela organização e coordenação das competições oficiais de remo e natação, além de mediar possíveis conflitos entre os clubes. O novo Conselho Superior dos Sportes Náuticos, tão aplaudido por intelectuais e desportistas, alterava as regras da conduta esportiva dos clubes, padronizando-os, criando limites, obrigações e normas que deveriam ser seguidas. Deste modo, as associações de esportes náuticos passaram a ter seus eventos formalizados por uma outra instituição. A festejada união dos clubes teve lugar em um outro espaço de sociabilidade, muito prezado pelas elites locais, o famoso Natal Club. OS CLUBES de regatas promoveram hontem, brilhante manifestação ao senador Eloy de Souza. A Republica, Natal, 6 mar. 1918.

Em 1919, organizou-se em Natal uma festa esportiva feminina. As competições entre mulheres nada mais eram do que uma grande gincana promovida pela Liga de Desportos Terrestres. Segundo constava no programa da festa, torcedoras [e não sócias] de cada clube esportivo associado à Liga de Desporto Terrestre representariam, nas provas, o seu clube. No programa foi proposto o jogo do ovo na colher, corrida de batata, corrida de argolas, corrida entre garrafas, corrida das agulhas, corrida da flor, terminando a festa com um jogo da sacola e uma luta de corda entre senhoras. (5 FESTA Sportiva Feminina, A Republica, Natal, 3 maio 1919.).

Apesar de as torcedoras não terem ainda o direito de se associarem aos clubes e não poderem participar ativamente nas competições esportivas oficiais, festas, como a promovida em 1919, já revelam uma participação ativa das mulheres no espaço público da cidade, deixando de lado o papel de expectadora e passando a ocupar, mesmo que momentaneamente, o centro das atenções.

A prática de esporte pelas mulheres não obedece à mesma lógica das práticas masculinas. As mulheres deveriam praticar esportes como medida profilática, higiênica, no intuito de manter a saúde do corpo. O exagero, a competitividade e a agressividade presentes nas competições não caberiam à imagem do belo sexo.

Esculpir músculos, colecionar virtudes, superar limites: o esporte moldava não apenas os corpos, mas as mentes da juventude. Ser um esportista passou a ser um predicado fundamental dos jovens citadinos. Eram os mais musculosos, os mais ágeis que se destacavam nas festas esportivas, nos banhos de mar. Eram eles os alvos dos olhares apaixonados das moças nos bailes do Natal-Club e do Aero-Club. Alguns moços, decerto mais preguiçosos, tentavam conseguir o status de sportman trilhando um caminho mais curto. Esses moços possuíam a incrível habilidade de aumentar de manequim em poucos minutos. A idéia era simples: em vez de inflar o músculo com esforço físico, o faziam através dos alfaiates, que costuravam os falsos músculos nas suas roupas de baixo. Daí serem esses moços conhecidos como ‘almofadinhas’. A trapaça poderia até funcionar com as moças nos bailes do Natal-Club, mas era severamente condenada pelos verdadeiros incentivadores do esporte. (DEGENERADOS. A Republica, Natal, 15 maio 1920.).

Esculpir músculos, colecionar virtudes, superar limites: o esporte moldava não apenas os corpos, mas as mentes da juventude. Ser um esportista passou a ser um predicado fundamental dos jovens citadinos. Eram os mais musculosos, os mais ágeis que se destacavam nas festas esportivas, nos banhos de mar. Eram eles os alvos dos olhares apaixonados das moças nos bailes do Natal-Club e do Aero-Club. Alguns moços, decerto mais preguiçosos, tentavam conseguir o status de sportman trilhando um caminho mais curto. Esses moços possuíam a incrível habilidade de aumentar de manequim em poucos minutos. A idéia era simples: em vez de inflar o músculo com esforço físico, o faziam através dos alfaiates, que costuravam os falsos músculos nas suas roupas de baixo. Daí serem esses moços conhecidos como ‘almofadinhas’. A trapaça poderia até funcionar com as moças nos bailes do Natal-Club, mas era severamente condenada pelos verdadeiros incentivadores do esporte. (DEGENERADOS. A Republica, Natal, 15 maio 1920.).

De fato, no decorrer das primeiras décadas do século XX, novos olhares e novos usos foram lançados sobre o espaço público de Natal. Dentre os novos espaços que passaram a ser ocupados, estava o mar e o ar (onde se exibiam orgulhosos os pilotos formados pela escola de aviação do Aero-Club), sem mencionar o rio Potengi, onde se davam as regatas, competições esportivas que se transformavam em verdadeiras festas, contagiando uma multidão de torcedores apertados à beira do cais Tavares de Lyra, ou em lanchas particulares.

O culto ao físico não foi o único princípio dos clubes esportivos. Estas associações interferiam na vida da cidade de diferentes modos. No carnaval, por exemplo, não era incomum encontrar atletas e sócios empenhados em organizar festas ou pontos de parada das bandas marciais em suas sedes, como o Baile do Carnavalesco organizado pelo Centro Náutico em 1923. Ao comentar a festa organizada pelos atletas, o jornalista d’A Republica anunciou: “sabemos que uma grande comissão constituida por elementos de alto commercio da Ribeira, com o concurso de rapazes do “Centro Nautico potengy”, acaba de tomar a frente dos festejos carnavalescos a serem realizados na Avenida Tavares de Lyra.” (CARNAVAL. A Republica, Natal, 28 jan. 1923.).

Espectadores de uma regata, 1921. Fonte: acervo João Sizenando.
Regatas no rio Potengi, 1922. Fonte: acervo João Galvão.

Nesse sentido, não se pode falar do Sport Club e do Centro Náutico somente como clubes que usavam as raias do Potengi para seus páreos. O entendimento do esporte para além do campo esportivo nos faz perceber que tais clubes passam a ser incluídos em situações de celebração da Cidade do Natal, como a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, noticiada pelo jornal A Ordem, de 1936 que destaca a presença de guarnições rubro negras e alvinegras na procissão fluvial pelas águas do Potengi. A festa religiosa é motivada pelas celebração da padroeira do bairro da Redinha. A então colônia de pescadores que originou o bairro, ainda no século XIX, passou a ter uma profunda relação com a Santa, fruto de um episódio de naufrágio que motivara uma promessa de preservação da imagem, que estava na embarcação, além da construção de um altar em terra firme. Foi então que, já no século XX, mais precisamente em 1924, foi construída uma capela no bairro e os festejos religiosos feitos no último domingo de janeiro, sempre marcados por uma missa e um tríduo pela manhã, encerrando com uma procissão fluvial na parte da tarde.

Procissão fluvial, 1922. Fonte: acervo João Galvão, 1922.
Foto rara do Porto de Natal mostrando as melhorias realizadas nas primeiras décadas do século XX. Notem que a foto parece retratar alguma festa.Daí lhes pergunto: será a festa da padroeira de Natal Nossa Senhora da Apresentação cuja liturgia envolve anualmente uma procissão marítima? Ou será que foi a festa de reinauguração do porto? De qualquer forma vale o registro e como vale.
Festa da consagração de Nossa senhora da Apresentação. A primeira, celebração da padroeira do município remonta ao século XVIII com o surgimento da imagem da santa às margens do Potengi. A foto dos anos 1970, da procissão marítima de Nossa Senhora dos Navegantes, percurso da Boca da Barra/ Redinha até a base naval.

Além disso, em desfiles cívicos pelas ruas da urbe, mais especificamente no bairro do Tyrol nos atletas das agremiações também se faziam presentes, demonstrando todo o espírito dos sportmans e a apropriação dos clubes nos espaços da cidade para além das águas ou competições.

Remadores do Centro Náutico em desfile cívico, 1932. Fonte: acervo Semurb/Domingos Guará.

A presença das autoridades oficiais também reforça a percepção de que as regatas eram um momento festivo para a cidade, inclusive, como noticiado pelo jornal O Atleta, em edição de 16 de julho de 1938 que citava uma lei estadual que dava aos páreos de remo a condição de “Festa Official”. É importante perceber o destaque dado pelo periódico, em sua descrição não somente da regata, mas também de todo o desenrolar que envolvia o evento, entre esportistas, espectadores e autoridades civis para denominá-la como uma “festa oficial” no calendário citadino.

Foto: Regata no Potengi, 1938. Acervo: Elisabeth Lins Paranhos

CLUB CARLOS GOMES

Em Natal, cafés, bares e bilhares não foram os únicos estabelecimentos dedicados às diversões. Os clubes tiveram um importante destaque na vida social da cidade. Os clubes recreativos eram sociedades fechadas e seletas, ambientes em que as elites desenhavam seus espaços e definia suas imagens. A primeira sociedade recreativa da cidade teve lugar ainda no século XIX. O Club Carlos Gomes funcionava em uma residência alugada no bairro de Cidade Alta, na rua 21 de Março, número 8, e veio responder aos apelos de uma sociedade que ansiava por um lugar onde pudessem ocorrer bailes e reuniões sociais capazes de movimentar a vida social da cidade, como nos mostra o redator d’O Nortista nesse artigo de 1893:

Felizmente vai-se desenvolvendo entre nós o gosto e perseverança pelas associações recreativas, uma necessidade no centro de uma cidade como esta já bastante populosa, e sem meios de outras diversões. (…) grande casa convenientemente preparada e mobiliada; um salão de honra magnificamente decorado; o terraço com mezas de jogos de diversão, um novo bilhar no centro de outro salão; salas de palestra, a banda de musica marcial do Club, em uma sala de espera, tocando escolhidas peças ao entrarem as famílias para a festa. (CLUB Carlos Gomes. O Nortista, Natal, 1 dez. 1893.).

TERPSYCHORE-CLUB

O Terpsychore-Club era mais um clube recreativo que funcionava em Natal. O clube tinha lugar na rua Coronel Bonifácio, também situada na bairro de Cidade Alta. Desde 1917, ofereciam aos seus sócios saraus, pic-nics, festas de aniversário e bailes carnavalescos. O Terpsychore ajuda a construir na cidade a imagem do moderno, não apenas por promover em seus salões a circulação do ideal de cidade moderna desejado pelas elites, mas também por introduzir no espaço urbano mais um “bello prédio”, (TERPSICHORE-club. A Republica, Natal, 29 jun. 1923) edificação condizente com os padrões arquitetônico desejados por essa classe. A adoção dos estilos neoclássico e eclético nas novas edificações feitas em Natal, como o Teatro e o Palácio do Governo. indica que a influência francesa não se ateve apenas à moda e literatura.

O Terpsychore não era propriamente um clube pequeno, pois possuía sede própria e atingia um considerável número de sócios. No entanto, lendo a coluna social d’A Republica, tudo indica que esse clube não fazia sombra ao Natal-Club, que ainda nos anos 1920 reinava soberano na capital do Rio Grande do Norte. Esse quadro só se reverteria no final da década de 1920, mais precisamente em 1928, quando se deu a inauguração do Aero-Club, no bairro do Tyrol.

NATAL-CLUB

Os clubes eram espaços de sociabilidade com grande importância no cenário da vida social da cidade de Natal. Nas duas primeiras décadas do século XX, as principais festas aconteciam nos salões dos clubes da Cidade Alta, a exemplo do Natal Club, inaugurado no dia 9 de outubro de 1909, na Avenida Rio Branco. A criação de outros clubes, como a Associação dos professores e o Aero Club do Rio Grande do Norte, permitiu a expansão de espaços de sociabilidade para o bairro de Cidade Nova (Tirol e Petrópolis).

O clube realizava soirées dançantes, bailes de carnaval, festas de final de ano, conferências, entre outros importantes eventos que contavam com a participação de parte significativa da elite local. Foi lá, no salão nobre do dito club, que se realizou, por exemplo, a última conferência do ciclo feito em homenagem ao poeta Segundo Wanderley, dirigida pelo secretário de governo Henrique Castriciano, no ano de 1910. No ano anterior, Nestor Lima já havia tratado, em conferência, da história da matriz de Natal. (Ver relatório bienal do Natal-Club, apresentado pelo então presidente e futuro intendente da capital, major José Mariano Pinto, o Zé Pinto gerente d’A Republica: A REPUBLICA, Natal, 05 jan. 1911.). Mais tarde, em 1920, será a vez do agrônomo Christovam Dantas, filho de Manoel Dantas, discorrer sobre a eugenia, com presença de grande público, conforme atestam as matérias publicadas após sua conferência. A matéria sobre a conferência está n’A REPUBLICA, Natal, 03 jan. 1920. Edições seguintes, entre os dias 5 e 10 de janeiro, trazem a fala de Christovam Dantas na íntegra e comentários sobre a conferência.

O Natal-club foi uma instituição criada em 1906, funcionava no bairro Cidade Alta e promovia diversões diárias aos associados, com destaque para a soirée dançante e para os saraus realizados todos os meses. Tratava-se de um espaço de sociabilidade dos indivíduos mais abastados e influentes da capital. Ver: MARINHO, Márcia Maria Fonseca. Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na Belle Époque natalense (1900-1930). Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, 2008. p.83.

Um dos eventos de destaque do Club foi a festa da árvore, realizada no período natalino de 1909. Manoel Dantas, por meio de seu Braz Contente fará a propaganda da realização do Natal-Club em uma de suas Coisas da terra. Para o cronista, que não esquece também da conferência que seria realizada por Nestor Lima, o novo club da cidade inaugurava novas formas de festejar, fugindo dos espalhafatos típicos das festas de rua. No trecho mais rico da crônica, Braz Contente dirá que “O Natal-Club não é certamente a associação ruidosa dos folgares de rua, nem pode proporcionar nos seus membros esses regosijos espalhafatosos que são como os fogos de bengala: deslumbram e cegam. Mas, naquillo que trouxer a nota distincta de uma tradição a zelar, de uma elegancia social a cultivar, elle estará sempre na primeira linha… (A REPUBLICA, Natal, 23 dez. 1909)”. Para uma análise mais aprofundada dos espaços de sociabilidade na Natal do início do século XX, ver: MARINHO, Márcia. Natal também civiliza-se: sociabilidade, esporte e lazer na Belle Époque natalense. Na dita festa da árvore de Natal, compareceram todos os filhos do Dr. Manoel Dantas. Os coronéis Francisco Cascudo e Angelo Roselli, e o major Fortunato Aranha, fizeram também questão de participar, enviando valorosos presentes para as crianças (A REPUBLICA, Natal, 27 dez. 1909).

Localizado na esquina da Avenida Rio Branco com a Rua Visconde de Inhomirim (atual Rua João Pessoa), a sociabilidade dentro do clube ia aquém da promoção de bailes dançantes na cidade do Natal. O Natal-Club constituiu-se como um importante ambiente que colaborou para a dinamização da vida literária no espaço urbano. Na edificação localizada na Avenida Rio Branco, os literatos potiguares reuniram-se, conversavam e promoveram literatura.

Apesar de seu caráter predominantemente residencial, o bairro da Cidade Alta agrupava alguns dos centros recreativos de maior prestígio e tradição da cidade, dentre eles o Natal Club e o Potyguarania. A Cidade Alta foi eleita pelas elites locais como o ponto ideal para os salões e
bailes dançantes. Até os anos 1920, as principais festas da cidade tiveram lugar em um dos salões dos clubes da Cidade Alta, em especial o Natal Club.

O Natal-Club. Fonte: Foto de Manoel Dantas. MIRANDA, João Maurício Fernandes de. 380 Anos de História Foto-Gráfica da cidade de Natal – 1599/1979, Editora Universitária, UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. p. 37.

Em meio aos festejos elaborados pelo clube, a instituição propunha uma “hora literária”, ou seja, o momento em que as festas no clube dedicavam um instante à literatura local. O momento literário era promovido pelos sócios do clube a fim de proporcionar, aos participantes, um momento de leitura, declamações de poemas e apreciações das produções literárias com a presença de alguns dos escritores do estado.

A primeira “Hora literária”, da qual temos conhecimento, foi proposta no dia 25 de dezembro de 1909. Sob a direção de Manuel Dantas, o clube realizou uma festa em comemoração ao aniversário da cidade do Natal. Devemos chamar a atenção que Manuel Dantas, em 1909, já estava atuando nas páginas do jornal oficial A Republica, por intermédio da publicação de crônicas literárias. A “Hora literária” foi constituída pela conferência promovida pelo orador Nestor dos Santos Lima, intitulada A Matriz de Natal (SOARES, Moysés. Op. Cit., p. 13). Isso demonstra que os “momentos literários”, ainda que denominados assim, nem sempre se restringiram a declamações de poesia dos poetas norte-rio-grandense. Isso ocorria, provavelmente, pela definição do que vinha a ser considerado literatura no início do século XX.

Outro intendente que aforou extensos lotes foi Alberto Roselli, filho de Sofia Pipolo e Angelo Roselli, que ocupou a Intendência de Natal entre 1892 e 1895 e atuou como comerciante no estado. Era, assim como seu pai, nome influente na cidade, aparecendo em notas sobre solenidades e festas no Natal Clube, do qual era sócio (NATAL-Club. A Republica, Natal, 10 jan. 1910; ASSOCIAÇÕES. Natal-Club. A Republica, Natal, 17 jan. 1910.) e passou a ser diretor em 1912 (CONCERTOS e Bailes. A Republica, Natal, 19 jan. 1912.).

A iluminação das ruas foi um elemento determinante à adoção de hábitos que adentraram a noite. Relatos de festas ocorridas nos clubes da cidade, publicados nos jornais locais, destacavam a iluminação que havia sido utilizada nos eventos. Tal iluminação aparecia compondo o cenário decorado para festa no interior dos clubes ou nas ruas próximas. Numa dessas festas no Natal Club publicou-se em nota de jornal elogios a Empresa Força e Luz pela iluminação que foi preparada para o evento. De acordo com o relato

Até adeantanda hora da noite a multidão avaliada em milhares de pessoas, estacionou em frente ao “Natal Club”, num sereno colossal. O Sr. Americo Gentil digno gerente da Empreza Força e Luz, para dar maior realce á festa, teve a feliz idéa de reforçar a illuminação na Avenida Rio Branco, em frente ao edifício da sociedade.
A Casa Edison encarregou-se da decoração interna a luzes de cores, desempenhado-se com todo bom gosto, para que muito concorreu o Sr. Americo Gentil, gerente da Empreza, que tudo facilitou, para o bom effeito da decoração
(VÁRIAS. A Republica. 24 jul. 1916, p. 2.).

Nessa festa ocorrida em 1916, a empresa responsável pelos serviços de iluminação encarregou-se de intensificar a luminosidade das ruas próximas ao evento, enquanto a loja distribuidora de lâmpadas e equipamentos de instalação elétrica no comércio local foi responsável pela iluminação interna do Natal Club.

Muitas notas de jornais sobre acontecimentos sociais, por vezes reunidas sob o título de “Várias” mencionam que as festas nos clubes da cidade, os pic-nics, bailes e saraus invadiram o tempo da noite, terminando cada dia mais tarde. Em setembro de 1916 um sarau do Natal-Club “correu sempre animado até depois da meia noite”(NATAL-CLUB. A Republica. 25 de setembro de 1916. p. 2.), outro sarau promovido em novembro por esse clube também prolongou-se até depois da meia noite(Natal-Club. A Republica. 20 nov. 1916.).

As notas em jornal que divulgavam e convidavam os membros da sociedade para prestigiar as atrações teatrais e festas, as quais estavam sendo promovidas pelos clubes da cidade, acompanhavam a advertência de que haveria bonde disponível para retorno aos lares ao término do evento. É o que vemos no convite para um sarau do Natal-Club:

Realiza-se, hoje ás 20 horas, o sarau do Natal-club a direcção do sócio Alberto Roselii. Apezar de ser uma festa modesta, é de esperar que os socios e convidados lhe deem o concurso de suas presenças, animado-a, como sempre. Depois das danças haverá bondes para todas as linhas. (Natal-club. A Republica, 23 set. 1916. p. 2.).

A “Hora literária” também compôs a programação de festejos promovidos em homenagem ao aniversário do Natal-Club. Em 6 de julho de 1917, o jornal A Republica anunciou:

À reunião de hontem, do Natal-Club compareceu um número crescido de sócios, tal o interesse que vae despertando a commemoração do 11º aniversário de fundação daquella distincta associação recreativa. Assumindo a presidência dos trabalhos, o major Antônio Gurgel, explicou o fim da reunião no qual deveriam combinar definitivamente o programma das festas. Sendo suggeridas varias medidas tendentes ao Maximo realce da solemnidade foi finalmente combinado o programma definitivo, o qual será oportunnamente publicado. Entre outras deliberações tomadas ficou assentado a realização de uma “hora literária”, na qual tomarão parte conhecidos cultores das boas lettras (NATAL-CLUB. A Republica. Natal, 6 out. 1917.).

O capitão Theophilo Moreira Brandão foi escriturário e contador do Tesouro do Estado1544, ocupando a Diretoria da Fazenda entre 1925 e 1930. Era figura de relevo na sociedade natalense. Foi diretor do Natal Clube, organizando festas e comissões de recepção de senadores e governadores, ocasiões em que certamente solidificou seus laços com as redes de poderlocais (VARIAS. A Republica, Natal, 19 abr. 1912; A REPUBLICA, Natal, 22 jan. 1913; NATAL-CLUB. A Republica, Natal, 15 dez. 1919.).

A “hora literária” também foi promovida durante a comemoração do aniversário de José Pinto oferecida no salão do clube no dia 01 de agosto de 1921: “a ‘hora litterohumoristica’ foi uma bella exhibição de inteligência e de cultura dos nossos litteratos, agradou bastante dando um realce todo especial à festa” (A REPUBLICA. Natal, 02 ago. 1921.). O momento destinado à literatura potiguar contou com a presença de: Moysés Soares, com os poesia A dança; Luís da Câmara Cascudo, declamando Marroeiro, poesia de Catulo da Paixão Cearense; José Gobat, contando a lenda A princesinha e o pastor; Adaucto Câmara, recitando os poesia de Olegário Marinho (A Felicidade); Christovam Dantas, discursando o Culto a arte; Jaime Guimarães, declamando Suggestões do amanhecer; Ezequiel Wanderley com Fora do Sério; José Ferreira, lendo seus escritos sobre Jeca Tatu; Virgílio Trindade apresentando o poema Rosa; Francisco Palma versejando sua obra Anceios inútil; Edionor Avelino, lendo seu escrito intitulado Apologia do silêncio; e, por fim, a poetisa Palmyra Wanderley declamando o soneto Caminho do Sertão, de autoria de Auta de Souza (Idem.).

Os bailes do Natal Club correspondiam ao ápice da elegância, bom humor e originalidade da elite natalense dos anos 1920 até 1940. Anualmente era organizado o Natal dos filhos sócios e uma grande árvore natalina era colocada no meio do vasto salão. A distribuição de brinquedos era generosa. Também eram organizados piqueniques com sócios e filhos, em um deles todos foram de trem até o Engenho Cajupiranga, um sucesso.

Em função da grande atração dos eventos e da sua localização no coração da cidade, o clube era alvo preferido de “penetras” que tentavam a todo custo participar das festas, mesmo não sendo sócios. Nesse aspecto o então diretor social Júlio de Melo Resende era extremamente rigoroso e inflexível, chegando a barrar o então de Capitão dos Portos fardado e família porque o mesmo esquecera de levar a carteira de sócio.

Luiz Veiga era membro de importantes associações como o Natal Clube em que foi aceito como sócio efetivo em 07 de outubro de 1922 (A REPÚBLICA, 07.10.1922). Como Luiz Veiga, também figuravam nos jornais seu filho e sócio da Torrefação e Moagem São Luiz, Roberto Veiga. A coluna social cita viagens de Roberto Veiga para a Europa e para a América do Norte (A REPÚBLICA, 05. 10. 1957: 4). Roberto Veiga tinha seu aniversário também noticiado, festa comemorada de acordo com os jornais em sua “elegante residência na Avenida Getúlio Vargas” com “figuras de destaque” na sociedade natalense (A REPÚBLICA, 04. 03. 1958: 4). Entre essas figuras destaca-se a presença de nomes como o escritor, jornalista e folclorista Veríssimo de Melo e a poetisa e bibliotecária Zila Mamede (A REPÚBLICA, 05. 03. 1958: 4).

Manoel Borges, João Sizenando Filho e Ângelo Pessoa almoçando com amigos no Natal Club, 1923

Se os eventos que promoviam “a hora literária” no Natal-Club possibilitavam a apreciação das produções da literatura potiguar, o ambiente também proporcionava uma interação de literatos para literatos. Era possível que os homens de letras escolhidos para pronunciarem suas poesias ou seus ensaios concebiam o momento como oportunidade de compartilhar suas produções ou apresentar trabalhos inéditos. Podemos aferir ainda que esse compartilhamento não ocorreu exclusivamente de literato para literato. A “hora literária” promovida na noite de festa do Natal-Club rendeu publicações na primeira página do jornal A Republica.

A expressão espaços de sociabilidade ou sociabilização será empregada para designar alguns locais em que os sujeitos analisados se relacionavam e fortaleciam seus laços de afinidade, fosse em jantares e almoços nas residências de governadores e intendentes, fosse nas festas do Natal Clube, nas reuniões maçônicas, em cafés, clubes, praças, entre outras espacialidades. As sociabilidades fazem referência às ações de reciprocidade duráveis “relativas ao Estado, família, corporações, igre jas, classes, grupos de interesses”, que são essenciais para a existência e para a manutenção da sociedade.

HOSPITAL DE CARIDADE JUVINO BARRETO

Em 12 de setembro de 1909, num domingo, o Hospital de Caridade Juvino Barreto fora oficialmente inaugurado. Bebidas, autoridades políticas e administrativas, banda de música: o hospital também era uma festa! O longo dia da celebração começara, em verdade, bem antes da 1h da tarde. Em torno das 8h da manhã, realizou-se uma missa a cargo do padre Moisés Ferreira do Nascimento, ajudado pelo acólito Antônio Fagundes, recheada de cânticos, cheiro de rosas, vela queimada e incenso.

Seja como for, a representação do hospital como espaço de celebração, de festa, é completamente diferente daquela relatada sobre a nossa primeira experiência hospitalar, o Hospital de Caridade, fundado 10 de setembro de 1855. Encapsulado no discurso administrativo dos presidentes de província, ou nos relatórios dos médicos que nele trabalharam, o HC era visto como “Inferno de Dante”, “Hospital-depósito”, “Antecâmara da morte”, cadeia de suplementos que remetiam para uma espacialidade da doença, da morte, e não da saúde, da vida.

O Hospital de Caridade Juvino Barreto nasce a partir de uma casa. Ou melhor, da casa de campo do governador Albuquerque Maranhão, comprada em 1905 pelo próprio Estado. Localizada em parte da propriedade Sítio do Jacob, fora adquirida por Alberto Maranhão e depois vendida para Aureliano Chaves, que a transacionou com o Estado. (MIRANDA, João Maurício Fernandes de. Evolução urbana de Natal em 400 anos: 1599-1999, p.65.). O HCJB não nasceu do nada, do vazio, mas de um espaço até então destinado ao lazer do governador e sua família, daí talvez a festa de inauguração, a celebração, não somente do rebento hospitalar, mas da própria família Albuquerque Maranhão.

Casa de campo de Alberto Maranhão, anterior a 1909. Fonte: MIRANDA, 1999, p. 67.

A preocupação com uma casa de maternidade para as mulheres parturientes extrapolava os círculos do Estado e ganhava incentivadores nas muitas festas filantrópicas realizadas para a construção do sonhado espaço. Em agosto de 1929, o jornal A República anunciava para 1º de setembro uma grande festa no Aero Club visando divulgar os interesses dos “circulos sociaes natalenses” na edificação de uma maternidade para o Estado. As senhoras responsáveis pelo evento se reuniram na residência do coronel Fernando Pedroza, dividindo-se em comissões para preparar a festividade, que contaria com muitas diversões.

Segundo os idealizadores do evento, a maternidade se destinava tão somente a receber parturientes e ministrar-lhes cuidados pré e pós-natal, mas a ensinar verdadeiros princípios de educação higiênica, civilidade e patriotismo. (A REPÚBLICA. Maternidade de Natal: a festa que se realizará nestes dias, 9 ago. 1929).

Fachada do HCJB, década de 1920. Fonte: Fotografia “Chic”, João Crisóstomo Galvão.

FESTA A BORDO

O jornal A República, apresentou em suas matérias a expectativa dos grupos dominantes do estado e das elites locais, com a resolução dessa situação. A passagem dos vapores da Lloyd por Natal representaria a chegada do progresso nas terras potiguares, progresso este que vinha sendo possível, em parte considerável, pelas obras de melhoramento do porto. A insistência da companhia em não incluir Natal em sua escala de viagens era apontada, pelo periódico, como “má vontade” da Lloyd Brasileiro com o Rio Grande do Norte.

Outro comerciante importante na cidade, que também mantinha armazéns na Rua do Comércio, era Júlio Von Sohsten. Agente da Harrison Line, tal como Fabricio Pedrosa, Von Sohsten exportava farinha e algodão pelo vapor inglês Matador. Dono de uma empresa de pesca, A Baleia, na Paraíba, Von Sohsten trouxe para Natal, a “pesca moderna”, inaugurando essa atividade em 1910, junto ao governador, Alberto Maranhão, a bordo da embarcação que homenageava o governador com seu nome. (NAVIO Alberto Maranhão. A República, Natal, 19 de jul. de 1910.) À bordo, fora realizado uma festa, tendo como convidados, além do governador e o próprio, as figuras mais “ilustres” da sociedade natalense, segundo o jornal A República, além de parte da imprensa, que também fora convidada para a festa. Von Sohsten, também era dono da lancha Progresso, construída em solo potiguar para realização das atividades envolvidas na pesca.

No dia 3 de agosto de 1907, a comissão de melhoramentos realizou, na fortaleza dos Reis Magos, uma festa para comemorar o recuo de 30 metros da boia que assinala a ponta da Baixinha, que indicava o quase desaparecimento da curva reversa, existente próximo a esse recife. Tal feito, era, segundo o jornal A República, resultado do trabalho de arrasamento e dragagem de entulhos na barra empreendido pela comissão, permitindo, agora, o ingresso de navios de maior porte no porto.(OBRAS do porto. A República, Natal, 3 de ago. de 1907.) Do porto externo, prosseguimos nossa visita ao porto interno, formado pelo ancoradouro interno.

A chegada do vapor planeta, um dos menores vapores da companhia, foi acompanhada por uma grande festa de recepção, toda noticiada pelo periódico republicano. Por volta das seis da manhã, parte da população natalense se dirigiu para o cais da alfândega, principal ponto de desembarque antes do cais da Tavares de Lyra ser efetivado para o posto de cais exclusivo de desembarque de passageiros

À noite, a bordo do navio, foi dada uma festa, que reunia as figuras mais “ilustres segundo o jornal A República, da sociedade natalense”. O periódico não deixou de relatar os detalhes mais chamativos do evento, entre eles, o fato do navio ser todo iluminado com energia elétrica. É importante lembrar, que nesse momento, na cidade, o serviço de energia elétrica ainda não havia sido introduzido no espaço urbano. Apenas em 1911, com a construção da usina do oitizeiro, na região do baldo, sobre a propriedade da empresa de melhoramentos de Natal, foi que a energia elétrica de fato chegou a capital potiguar. Até este período, o serviço de iluminação era feito pelos lampiões movidos a gás acetileno, que por sua vez haviam substituído os lampiões movidos a querosene.

As festas realizadas nos navios atracados no porto renderam comentários entusiásticos no periódico republicano. Antes da passagem do vapor planeta por Natal, outra festa a bordo de um navio havia rendido pela imprensa local declarações de encantamento por parte de membros das elites locais com as instalações da embarcação. Foi o caso da festa realizada a bordo do vapor Bolívar, logo no começo do ano de 1902. Lulu capeta, com seu humor característico, não se furtou em tecer suas impressões sobre a especial ocasião.

Assisti hontem a uma esplendia festa a bordo do Bolivar, um beo vapor inglez surto no porto d’esta cidade. O comandante James Good, é um cavalheiro distinctissimo, atencioso e… pandego. Torou-se champagne, como quem bebe agua, sahindo todos os convidados agradavelmente satisfeitos. Queira o distincto marinheiro, comandante Goog, e todo o pessoal do Bolivar, aceitar os meus sinceros cumprimentos, não esquecendo de, todas as vezes que ancorar por cá, promover muitas fests iguais a de hontem. Meu caro leitor, franqueza, si eu for outra vez ali, levo pra lá, com certeza, a vazia de drumi. O BOLIVAR. A República, Natal, 17 de jan. de 1902.

FESTA PELA AVIAÇÃO

Diversos outros aviadores pioneiros passaram por Natal, isso tudo era motivo de festa na cidade provinciana: o comércio fechava as portas, as ruas eram enfeitadas com bandeirolas, políticos recepcionavam os tripulantes estrangeiros com banda de música e intermináveis discursos.

Governador Juvenal Lamartine de Faria e autoridades na recepção ao piloto Charles Lindemberg.
População curiosa para conhecer de perto o “Sampaio Correia II”, Natal 1922.
População observa hidroavião Sampaio Correia.
Ornamentação de bandeiras e palanque na Avenida Tavares de Lira para recepção aos pioneiros da aviação transatlântica. Ao fundo à esquerda hidroavião no Rio Potengi, 1927.

AVENIDA TAVARES DE LYRA

O movimento da Avenida Tavares de Lyra é descrito em crônica de 1926, intitulada “A Physicologia da Avenida Tavares de Lyra”. Considerada uma das principais avenidas da cidade, nela se localizavam muitas casas comerciais. De acordo com o cronista ela

É uma avenida que exprime a alma tumultuaria do bairro: Ribeira. Ha de tudo nesse avenida. Desagua no Potengy, de cujo caes se admiram os poentes. Avenida de festa e de trabalho. Cortam-na ainda os bondes promiscuos, isso é, sem distinção de classes. (LUCANO, A Physicologia da Avenida Tavares de Lyra. A Republica, Natal, 24 jan. 1926.).

A avenida, como o bonde, era espaço de todos sem distinção, espaço de trabalho e de festa, e, principalmente espaço de movimento, onde as pessoas, independente das motivações, transitavam, passeavam, andavam a pé, de bonde, de carroça, de automóvel.

A avenida era festa para uns e labor para outros e, assim como os bondes, ela seria democrática por abrigar dentro de si todas essas variedades. Essa mistura de passado e presente, algo que se dava até mesmo nas “linhas coloniais de seus edifícios,” (LUCANO. A physicologia da avenida Tavares de Lyra. A Republica, Natal, 24 jan. 1926.) e a ansiedade em relação ao futuro, faziam da Tavares de Lyra o símbolo dos novos ritmos que alteraram o cotidiano dos natalenses.

CASCUDO

O nome Francisco Cascudo foi citado em várias passagens deste trabalho. O pai de Câmara Cascudo era muito bem relacionado no estado, destacava-se no setor comercial, era gerente e sócio majoritário da Cascudo & Cia, foi um dos fundadores do Banco do Natal, e participou de diversas ocasiões de sociabilização na cidade, sendo convidado para festas, solenidades públicas e eventos em residências de pessoas influentes, ocasiões em que os laços com as redes de poder eram reafirmados e fortalecidos. Francisco Justino de Oliveira Cascudo foi indicado por Pedro Velho em 1893 para ocupar a vaga de alferes do Batalhão de Segurança, atuando no interior do estado. Foi ainda comandante do 1º Batalhão da Infantaria de Natal, coronel da Guarda Nacional, delegado da Ribeira e proprietário do A Imprensa. Em relação às suas atividades políticas, foi deputado estadual entre 1918 e 1923, assumindo o poder municipal entre 1923 e 1925.

Não obstante, uma matéria veiculada pelo órgão noticioso da Imprensa Oficial do Estado do Rio Grande do Norte, o jornal A República, deixa ver a participação da família Cascudo na elite social da cidade, no início do século XX. No dia 01 de janeiro de 1959, A República circulou com uma coluna que reproduzia algumas notícias publicadas pelo mesmo jornal 50 anos antes. A coluna intitulada O dia há meio século fazia alusão às efemérides sociais ocorridas durante a passagem do ano de 1908 para o ano de 1909. Dentre os eventos noticiados, estava uma festa de aniversário solenizada por Francisco Cascudo ao seu “jovem e inteligente filhinho”. A nota destacava ainda o perfil das pessoas que compareceram ao evento: “cavalheiros e senhoras da nossa melhor sociedade”. (O DIA há meio século. A República, Natal 01 jan. 1959.) Fazendo uso dos termos do jornal A República, foi como membro da “melhor sociedade” de Natal que Câmara Cascudo veio ao mundo e estabeleceu suas primeiras articulações com a cidade.

Particularmente, no já citado livro O tempo e eu, de 1968, Câmara Cascudo descreveu sua antiga morada expondo o luxo e o requinte que a caracterizava. Segundo ele, o terreno era cercado por balaústres, pérgula, jardins, pomar de frutas raras, estábulo com vacas holandesas e estribaria para o seu cavalo Cossaco. Por sua vez, a casa era mobiliada com móveis suntuosos que haviam pertencido a Pedro Velho, possuía teto forrado, biblioteca, ampliações para os nove empregados, sala de visitas ornamentada, grande banheiro, mosaicos belgas, água encanada, lustres de cristal, iluminação elétrica, telefone, garagem com três carros (sendo um deles do próprio Cascudinho), dois salões de jantar (com mesa farta e interminável), despensa para bebidas e uma frequência de “hóspedes ilustres e de visitantes eminentes”. (CASCUDO, Luís da Câmara. O tempo e eu: confidências e proposições. p. 60-63.) Nessa descrição, a Vila Cascudo assumiu uma atmosfera de esplendor que teria marcado época na cidade do Natal:

Aqui outrora retumbaram hinos! Fundou-se o Principado do Tirol, com toda a hierarquia aristocrática, reuniões mensais (…). Meus primeiros artigos e livros nasceram nesse clima. Meu pai mantinha, à sua custa, o jornal A Imprensa (1914-1927), para a nossa inflamação literária. (…). Dessa Vila Cascudo planejou-se muita festa vitoriosa e não mais repetida, (…), planos de renovação literária, apoio à Semana de Arte Moderna, leitura de originais de poemas de poetas dos estados vizinhos, euforia, magnificência (Grifos meu). (Id., Ibid., p. 61.).

Imagem do Principado do Tirol. Fonte: Acervo pessoal de Anderson Tavares de Lyra.

Cascudo estava atento à mutação porque passava Natal nas primeiras décadas do século XX. Os artigos das Actas Diurnas que tratam da cidade não deixam de relatar a crescente agitação social com a mudança da superfície e das formas de sociabilidade de tal espaço. São tratadas, por exemplo, além das perturbações sonoras ocasionadas por donos de rádios e automóveis, as mudanças ocorridas nas festas carnavalescas; ou ainda a feiúra dos anúncios publicitários espalhados pelos muros da cidade, além de muitas outras questões relativas ao urbano.

Neste pequeno trecho já conseguimos identificar duas das características principais que irão marcar as crônicas cascudianas sobre a Natal antiga: o tom predominantemente nostálgico e saudosista e a associação de outros personagens (algumas vezes notóricas como neste caso) aos espaços afetivos com os quais se identifica. Vejamos esta outra passagem em que essas características aparecem de maneira mais clara:

“(…) Natal de noventa e seis lampiões de querosene.Santos Reis da Limpa em Janeiro. Santa Cruz da Bica em maio. Senhora d ´Apresentação em novembro.Farinha de castanhas e carrocel. Xarias e Canguleiros. Natal que se apavorou com o holofote,enchendo as igrejas de bramidos e arrependimentos. Auta de Sousa embalou-me o sono. Pedro velho pôs-me na perna. Vi segundo Vanderley declamar. Ferreira Itajubá cantando. Alberto Maranhão passeando a cavalo, manhã de domingo. Tinha treze anos quando veio a luz elétrica. Festas no Tirol. Violão de Heronides França. Livros.Cursos.Viagens. Sertão de pedra e Europa. Nunca pensei em deixar minha terra.” (CASCUDO, Luís da Câmara. Câmara Cascudo: Auto Retrato de um Brasileiro Incomum. In: Câmara Cascudo. 20 anos de encantamento. Organização Daliana Cascudo. Natal, EDUFRN, 2007. p. 188.).

Em um texto de 1944, época em que, como foi frisado anteriormente, a presença de contingentes militares-norte americanos oxigenava o cotidiano da cidade trazendo uma certa liberalização de hábitos e costumes, o autor revela sua percepção de uma brincadeira carnavalesca que a cada ano ganhava mais espaço nas festa natalenses.

Cascudo reconhece que a festa carnavalesca sempre foi um momento de transgressão e extravasamento, porém no passado as formas de comemoração eram menos debochadas e nocivas. A própria brincadeira da troca momentânea de papéis, os homens se vestindo de mulher e as mulheres de homem, segundo o autor era proibida até há algum tempo. Ao refletirmos acerca destas crônicas cascudianas, publicadas na década de quarenta, que elegem como tema privilegiado as mudanças que estão ocorrendo na festa popular do carnaval, percebemos como seu autor enxerga a modernidade como um forte fator que estaria contribuindo para a dissolução da cultura popular.

Para Cascudo a Natal antiga constituía um local em que as tradições tinham sua continuidade assegurada. Cozinheiras, pescadores, feirantes, vendedores de rua, festeiros, cantadores, enfim, todos os tipos populares, que segundo o autor eram característicos da velha cidade, mantinham viva sua cultura através da transmissão oral. As festas, os folguedos, os gestos, a própria troca de informações e experiências do povo perpetuavam-se através de uma forma não escrita. A Natal antiga, portanto, enquanto espaço privilegiado da manifestação de uma cultura popular, que Cascudo entendia como milenar e iletrada, constituía uma cidade da palavra falada, da voz, da oralidade enfim, e não da escrita. Desse modo, os anúncios, que na cidade moderna vão se desdobrar em uma abundante escrita espalhada pelas ruas em cartazes, tabuletas, pinturas nos muros, na velha Natal eram produzidos, sobretudo, pela voz que enunciava. A publicidade era feita através da conversa, a oferta de produtos e serviços era gritada pelo ambulante na porta de cada residência.

PEDRO VELHO

No dia 15 de fevereiro de 1903, o senador Pedro Velho volta a Natal, sendo preparada uma festa para sua recepção. Logo ao amanhecer, às quatro horas da manhã, as bandas de música do batalhão de segurança e da Philarmônica Luiz Coelho, percorreriam as ruas tocando músicas em homenagem ao viajante ilustre. Enquanto caminhavam pelas ruas da cidade, uma salva de tiros era dada na Praça Augusto Severo, anunciando a chegada do viajante ilustre. (SENADOR Pedro Velho. A República, Natal, 15 de fev. de 1903.)

Várias embarcações, se reuniriam em frente ao cais da Alfândega, muitas delas, com flâmulas e ornamentações. Aqueles que desejassem receber Pedro Velho, embarcariam nesses navios, já que a embarcação, na qual vinha o senador, não tinha condições de entrar na barra. No rebocador, Augusto Severo, que recebia o nome do irmão de Pedro Velho, embarcou o governador do estado, seu secretário e ajudante de ordens, junto também a comissão do Partido Republicano, formada pelo desembargador Moreira Dias, pelo comandante Arthur Lisboa, Manoel Dantas, coronel Pedro Soares e Francisco Câmara.

Em terra, ficaram os responsáveis por dar as boas-vindas ao senador, o representante do governo municipal Joaquim Manuel, um representante do Partido Republicano, Pinto de Abreu, e da família Albuquerque Maranhão, Fabrício Pedrosa.

A galeota Natal, foi responsável por buscar Pedro Velho. À bordo desta embarcação, o senador daria uma volta pelo porto, passando pela draga, onde estava o chefe da comissão de melhoramentos do porto, o engenheiro Pereira Simões. Ao desembarcar no cais, o senador, junto ao governador Ferreira Chaves, foi recepcionado por parte da população, que o aclamou soltando pequenos foguetes. Uma marcha, formada por Pedro Velho, Ferreira Chaves e algumas figuras políticas importantes da capital, seguiu pelas ruas do comércio e pela travessa da Alfândega. O fotografo Bruno Bougard, acompanhou a marcha, fotografando o viajante e sua comitiva de recepção. Ao passar pelo sobrado onde funcionava a comissão de melhoramentos, na Rua do Comércio, localizada no bairro da Ribeira, o fotógrafo registrou em sua câmara algumas jovens senhoritas atirando confete das janelas do referido sobrado. O destino final da caminhada era a casa do senador, que abrigava os mais importantes chefes políticos da capital, para festejar sua chegada.

A partir de 1904 o jornal que representava o partido da situação começou a divulgar eventos públicos e privados existentes em Cidade Nova. Em setembro desse ano, o jornal anunciou a realização de um almoço campestre no sítio Solidão, propriedade de Pedro Velho. O evento foi oferecido em homenagem aos representantes do estado no Congresso Legislativo. A notícia destacou que a festa ocorreu animadíssima, “com esse tom de fino gosto e de superioridade que sabem dar-lhe os que aliam a cultura de espirito aos hábitos de bôa sociedade” (PIQUENIQUE. A Republica, Natal, 12 set. 1904. p.1.). O almoço foi servido às onze horas em uma clareira abrigada por um galpão, área cercada por arvoredos enfeitados com bandeiras e folhagens. Além da presença do ilustre anfitrião, o senador Pedro Velho, participaram do evento o então governador Augusto Tavares de Lyra e uma lista vasta de deputados.

Ao falar sobre os momentos que antecederam a implantação da República no Rio Grande do Norte, Câmara Cascudo destaca Pedro Velho de Albuquerque Maranhão e a sua liderança. Descreve-o como o “arrebatador, empolgante, orientador nato.” (CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. p. 135.).

[…] Autos populares, danças tradicionais, festas típicas, contavam com sua presença entre os infalíveis. […] Guardava as anedotas do povo, os remoques e respostas dos humildes. Foi um conservador admirável. (CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte . p. 216.).

Câmara Cascudo, ao escrever sobre Pedro Velho, destacou que o chefe da família Albuquerque Maranhão frequentava festas de amigos. Entre essas comemorações destacavam-se as organizadas por Valentim de Almeida (CASCUDO, Luís da Câmara. Vida de Pedro Velho. Op. cit.,p.96), mais um indício que demonstra a proximidade dessa família com aquele que comprou um extenso terreno por preço simbólico aos herdeiros de Pedro Velho.

Um das características que, segundo Câmara Cascudo, legitimava a imensa autoridade de Pedro Velho como Chefe republicano, era a honestidade.

Dono do Estado, teve inexcedível escrúpulo no manejar dos dinheiros públicos. Nunca permitiu que os amigos e correligionários, aproveitando a festa do seu aniversário, verdadeira mobilização do solidarismo político, trouxessem presentes parecendo prêmios desmarcado. Jóias, carruagens, propriedades, nunca aceitou. (CASCUDO, Luís da Câmara Vida de Pedro Velho. p. 81, grifos do autor.).

Pedro Velho de Albuquerque Maranhão
Foto: acervo suplemento Nós, do RN

TEATRO CARLOS GOMES

Podemos perceber o valor atribuído ao Teatro Carlos Gomes pelos grupos interessados na modernização da cidade. Sua construção iniciou-se em 1898 no governo de Ferreira Chaves, atravessou o mandato de Alberto Maranhão, tendo ocorrido a sua pomposa inauguração no ano de 1904, dois dias antes que Augusto Tavares de Lyra assumisse o governo. Com a festa inaugural intitulada Grande festival de Caridade, pretendia-se arrecadar vestimentas e dinheiro destinados às vítimas da seca que estavam instaladas na cidade. Estiveram diretamente envolvidos na montagem do espetáculo o dramaturgo Segundo Wanderley e Henrique Castriciano, autor dos versos de A Promessa que, segundo o redator do jornal A Republica, foram, na noite inaugural, encenados “por creanças das nossas principais famílias.

” O jornal fez uma especial menção à concorrência do teatro, que teria sido “selecta e numerosa, havendo enchente geral nas cadeiras e camarotes, onde estavam presentes as principais familias da sociedade natalense.” Até a inauguração do teatro, os natalenses que desejassem assistir a grandes companhias artísticas nacionais e estrangeiras, deveriam deslocar-se até o Recife, sendo o Teatro de Santa Isabel a referência mais próxima de uma elegante e luxuosa casa teatral. Dessa forma, o Carlos Gomes veio responder aos anseios das elites por um teatro capaz de receber companhias de maior porte, e conseqüentemente, de maior prestígio. (Sobre o teatro de Santa Isabel ver: ARRAIS, Isabel Condessa. Teatro de Santa Isabel. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2000.).

Para as festividades organizadas por Alberto Maranhão, na inauguração da Casa das Artes, ocorrida na noite da Quinta-feira, 24 de março de 1904, Herculano Ramos (1854- 1928), mineiro, pintor, desenhista, cenógrafo, arquiteto, chegando em Natal no ano de 1904, foi encarregado da decoração do Teatro, sendo as pinturas, a cenografia e as decorações executadas pelo artista Sam Jey, tendo como auxiliares Teixeira da Cunha e Lustosa. A iluminação, de gás acetileno, foi feita pelos operários da Usina Ilha do Maranhão, sob a inteligente direção do Domingos de Barros.

A execução do programa ficou a cargo da Orquestra do Teatro e da Banda de Música do Batalhão de Segurança. Na Segunda parte da programação foi representa a peça teatral infantil em um ato e em versos, “A Promessa”, da autoria de Henrique Castriciano, sob a direção do Dr. Segundo Wanderley e da Madame Celestino Wanderley. Continuando a festa da inauguração, Deolindo Lima recitou um monólogo de Arthur Azevedo A orquestra do Teatro, dirigida por Luigi Maria Smido, tocou breve programa e acompanhou o baritono Comoletti que cantou a canção do aventureiro do “Guarani” de Carlos Gomes e a ária do Fígaro, no “Barbeiro de Sevilha”, de Rossini.

Outro grande evento na cidade, destinado a um público especifico, da considerada obra mais vistosa do governo, foi à inauguração da reconstrução do Teatro “Carlos Gomes”, em 1912. Iniciada em 1910 teve a execução do arquiteto Herculano Ramos. A primeira construção durou quatro anos, sendo inaugurado em 1904, no primeiro mandato de Alberto Maranhão.

A revista Cigarra apresenta-se com fotografias da cidade, de festas e de momentos de lazer; anúncios de eletrodomésticos e artigos da moda; contos e poemas. A literatura se mostrou como caminho para captar as sensibilidades relativas à cidade moderna. O processo de modernização da cidade e da vida urbana foram inspiradores para a produção literária dos que testemunharam a época e registraram em suas obras as características da vida na cidade de Natal.

Exibição de filme no Cine-Teatro Carlos Gomes Fonte: Revista Cigarra, 1929.

O Grande Hotel fechou suas portas ainda nos anos 1940, e assim também ficaram para trás na história do bairro as festas memoráveis, como a do Réveillon de 1940-41, realizada no Teatro Carlos Gomes e descrita no jornal A República como:

TEATRO CARLOS GOMES
Revestiu-se de brilhantismo o baile de ano bom Conforme noticiamos, realizou na noite do dia 31 de dezembro findo o baile do Teatro Carlos Gomes, promovido pelo seu diretor, prof. Alcides Cico, prof. Ivanaldo Lopes e Sr. Meira Lima.
Essa elegante reunião revestiu-se de brilhantismo e distinção, com o comparecimento de numerosas famílias, senhoritas e rapazes de nossa sociedade.
Graças sobretudo do esforço do prof. Alcides Cico, o Teatro apresentou um aspecto atraente, reinando grande animação e cordialidade. Houve serviço de buffet, que esteve desempenhando a contento geral
(A República, Natal, 1 jan. 1941, grifos nossos).

GRANDE HOTEL

Nos primeiros anos de funcionamento, o Grande Hotel estava sempre lotado e era considerado um dos centros da vida social natalense, assim como o teatro Carlos Gomes, que recebeu inúmeras festas e atrações, colocando a Ribeira no centro das atrações da capital potiguar.

Os visitantes americanos confraternizavam com os natalenses nas suas festas tradicionais. No dia 7 de Setembro, todos os anos, formavam vários pelotões da tropa americana, na comemoração de nossa festa maior da independência, o que dava um brilho todo especial ao evento, deixando o povo alegre e feliz. No carnaval, que nenhum deles conhecia e muitos nunca tinham ouvido falar nesse folguedo brasileiro, era uma loucura. Entravam nas danças de rua, pulavam, imitando os natalenses, cantavam, gritavam e tentavam dançar o“passo Pernambuco”, o que provocava divertimento e alegria principalmente para as crianças. Há até a historia de um oficial que esteve na avenida Rio Branco, todos os dias e, na quarta feira de cinzas apareceu e perguntou, vendo a rua às escuras: “Porque não mais Cecília?” (referia-se ele a uma marcha vitoriosa daquele ano).

Confraternizações realizadas dentro do Grande Hotel.

CENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA

No centenário da independência a cidade viveria mais mudanças, entre as quais a tão desejada construção da nova sede do poder municipal, a qual tantas vezes havia sido adiada em razão das dificuldades financeiras enfrentadas pela edilidade. O governo do estado e a Intendência preparavam a capital potiguar para aquela que seria, certamente, a maior comemoração até então já realizada pelo regime republicano.

Dentre as cerimônias que mobilizaram os membros do instituto e todo o poder constitutivo do município e do estado, a comemoração do Centenário da Independência do país foi a que mais se destacou. O evento impressionou pela dimensão social e simbólica que assumiu na cidade, não só pelos oito dias dedicados à celebração, mas pela mobilização social que ela envolveu.

Em princípios de agosto, o governador Antonio de Souza convocou para uma reunião no Palácio do Governo, os membros da comissão que havia nomeado para limpar a cidade e cuidar do seu embelezamento para as festas do Centenário da Independência409. Os responsáveis por essas ações eram os senhores Francisco Cascudo, José Lagreca, futuros intendentes, e José Ferreira, que trataram de se empenhar para melhorar o visual da urbe, especialmente de suas praças.

No dia 7 de setembro, nesta data e nas seguintes, até o dia treze desse mês, os jornais a que nos referimos tratam dos oito dias de comemoração programados pelo governo do Estado, com apoio do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e da Associação Comercial, nos quais ocorreram uma regata, uma festa veneziana, um corso de automóveis, uma exposição dos principais elementos da indústria local, além da inauguração do monumento da Independência, na Praça Sete de Setembro, ápice das comemorações.

Diferente das anteriores, a programação foi organizada em oito temas, de modo que cada dia do festejo seria dedicado a um tema específico: o primeiro foi consagrado à “colonização”; o segundo à “prosperidade”; o terceiro à “força”; o quarto às “artes”; o quinto à “pátria”; o sexto ao “trabalho”; o sétimo ao “futuro”; e o oitavo à “história”. Para cada dia havia um conjunto de atividades específicas em torno do tema. Na manhã do primeiro, visitou-se a Fortaleza dos Reis Magos, onde foi fixada uma lápide comemorativa. À tarde foi organizada uma festa marítima no estuário do Potengi, acompanhada por um torneio de remo, natação e outros jogos, sendo encerrada à noite com uma “festa veneziana”. O segundo dia foi dedicado às atividades econômicas, sobretudo ao comércio e à indústria local. Na ocasião, realizou-se uma exposição de “produtos regionais” de produtores e comerciantes do estado.

Os demais dias seguiram-se numa extensa programação cobrindo todos os turnos com atividades variadas, não apenas no centro da cidade, mas também nos bairros. Essas ações eram as mais diversificadas, indo de apresentações militares, com alvoradas e salvas de tiros, passando pela celebração de missas, prática de atividades desportistas até inauguração do novo “Palácio da Municipalidade” no bairro da Ribeira e do monumento da Independência na praça Sete de Setembro.

Além das atividades cívicas propriamente ditas, o evento foi permeado por um caráter festivo, com queima de fogos de artifício, apresentação de retretas, exibições cinematográficas ao ar livre e outras diversões populares. A cerimônia marcou a consagração do sentimento patriótico entre a população da cidade. Não só afastava cada vez mais qualquer manifestação de provincianismo separatista que viesse colocar em risco a integridade nacional, como também aprofundava o processo de cidadania cívica ao promover a nacionalização do cidadão. Assim, apesar de cada participante vivenciar uma experiência particular, esta se tornava intercambiável às outras cerimônias similares realizadas no mesmo momento em todo o território nacional. (Connerton (1993, p. 81).).

Discurso do Dr. Sebastião Fernandes junto ao medalhão de Nísia Floresta
Homenagem aos literatos mortos. Praça Augusto Severo em 26 de setembro de 1922.
Um dos diversos desfiles realizados durante a cerimônia do Centenário da Independência. O préstito cívico concentrado na praça Augusto Severo, em frente à nova sede do poder estadual, foi recebido oficialmente pelo presidente do Rio Grande do Norte, Antonio José de Mello e Souza. A grande presença de crianças assinala a importância que esse grupo passou a ter nas cerimônias cívicas republicanas. Fonte: Acervo Fotográfico do IHGRN. Foto: J. Galvão. Tais celebrações deixavam de ser rituais exclusivamente masculinos e de pessoas adultas, ou seja, de iniciados, para se tornarem cada vez mais abertas e marcadas pela participação de mulheres, jovens e crianças.
Festa da Pátria, na Praça “7 de Setembro”. As festividades cívicas aparecem como grandes momentos da experimentação da História por parte das crianças, experimentação esta fortemente carregada de um discurso patriótico e nacionalista em que o herói ocupava lugar central, encabeçando um discurso que fazia referência a valores como a honra, a moral, a coragem e o amor à pátria. As ocasiões eram várias: Festa da Bandeira, Festa do Professor, Festa da Independência, Festa da Pátria, entre muitas outras.

ROCAS

Os registros existentes na imprensa oficial pouco informaram sobre a periferia da cidade. O bairro das Rocas era o “mais antigo dos bairros exteriores” (CASCUDO, 1999, p.231) e ficava numa colina de areia onde originalmente trabalhadores do porto e pescadores pobres foram construindo suas residências. De acordo com este autor (CASCUSDO, 1999, p.247), no final dos anos 1930, as Rocas encontrava-se como na “fase inicial do Alecrim, embora sem as possibilidades de ascensão”. O pequeno povoado não possuía ruas calçadas, energia elétrica ou abastecimento de água, embora fosse o lugar onde ainda podiam ser encontrados os resquícios mais evidentes da tradição popular, de festas religiosas e folclóricas, que raramente eram referidas como uma atividade costumeira na área central da cidade.

Os moradores das Rocas, assim como os do Alecrim, continuavam promovendo as festas populares e cultivando os costumes tradicionais, como as festas juninas, com suas fogueiras e lanternas, reuniões noturnas nas portas das casas e conversas nas ruas de areia.

A principal festa do bairro era a dos Reis Magos, no dia 6 de janeiro. Nessa ocasião, os moradores dos demais bairros e localidades da cidade se deslocavam para participar e esta podia ser uma das poucas oportunidades em que tinham alguma motivação para se dirigirem às Rocas (FRANÇA, Aderbal. A Capela era no forte. A República, Natal, 22 out. 1936g; __. Da Limpa à Montagem. A República, Natal, 8 jan. 1937a.).

Duas grandes festas do povo, na cidade, há cem anos passados, eram também o São João e o Natal, afirma o memorialista Lindolpho Câmara. No São João, acendiam-se as fogueiras diante dos lares pobres ou remediados, para assar o milho verde e as batatas doces. Dentro das casas, armavam-se altares de banqueta, com a efígie de São João no alto. Entoavam-se cantos alusivos à data e na mesa de jantar estavam os pratos de canjica e bolos os mais variados. Moças e rapazes tiravam sortes, – como ainda hoje, – para saber com quem casavam. À meia-noite, diante do altar, cumpria-se velha superstição: todos deveriam olhar um espelho, para verificar se viam a própria cabeça. (É claro que todos a viam). Mas afirmava-se que, aquele que não a visse, deveria logo mandar encomendar o caixão mortuário… Variante da mesma abusão, que já registramos no passado, mandava que se olhasse para o fundo de uma jarra com o mesmo fim.

Noite de São João andei pela cidade, Olhei das esquinas, a extensão das ruas. Povoei a imaginação de uma imensidade de coisas que a memória me concedeu. De uma para a outra passei desolado. Que mal faz hoje a gente recordar, no dia de São João, o pitoresco do povo em torno de uma fogueira, de tóros ou de barris, sob as linhas das bandeirolas e as folhas de mamoeiros! […] As lanternas deram ao Alecrim e às Rocas a expressão tradicional de São João, expressão de humildade e de amor a um passado, que vive na memória dos que o amaram (FRANÇA, Aderbal. Noite de São João. A República, Natal, 27 jun. 1939e., p.12).

Sobre a festa do Natal, o autor refere que saíam às ruas o Bumba-meu-boi, o samba, o maracatu e o batuque.

NEGROS E MESTIÇOS

Outro grupo social importante era o de pessoas negras e mestiças. Fotografias dos festejos testemunham a presença desses indivíduos como público expectador e também atuante. Para esse grupo, ainda fortemente estigmatizado pela escravidão, a presença nas festas e cerimônias cívicas representava uma possibilidade de garantir respeitabilidade social e ascender na sociedade urbana moderna. Diferentemente da experiência natalense, os festejos cívicos na Bahia foram acompanhados por manifestações populares de caráter mais espontâneo e tradicional, muitas vezes vistas pela elite letrada como expressão de resistência à modernidade e à civilização. (Cf. Albuquerque (1999.).

ESCOTISMO

O escotismo, aliado aos ideais de saúde e disciplina dos corpos, difundidos pelas associações esportivas, seria responsável pelo desenvolvimento de cidadãos patrióticos e saudáveis, aptos a servir a sociedade desde a infância. A ideia de se criar em Natal uma associação de escoteiros no Estado surgiu em 1916. À frente dessa ideia, estavam intelectuais como Henrique Castriciano, Luiz Soares e Manuel Dantas. O escotismo deveria proporcionar aos membros mais jovens das elites uma educação moral, física e cívica. Com a criação do primeiro grupo de escoteiros da cidade, a Associação de Escoteiros do Alecrim, em 1917, respondeu-se a alguns anseios das elites natalenses, que demonstrava preocupação com o futuro da nação, caso o Brasil se envolvesse em uma guerra. Portanto, o envolvimento do Brasil na Primeira Guerra Mundial causou alvoroço na imprensa local, multiplicando-se os apelos pela educação moral e física dos jovens natalenses.

Em 1917, quando o país entrou oficialmente no conflito, um grupo de jovens natalenses reuniu-se no Atheneu no intuito de montar um clube de tiro. O Tiro de Guerra foi bem recebido pela sociedade, que considerava a fundação do clube uma “patrictica idéa [que] tem encontrado a solidariedade dos nossos jovens conterraneos que, comprehendendo a gravidade do momento que atravessa paiz, irão alistar se no batalhão de atiradores dispostos a um cuidadoso preparo no manejo das armas.” 191 A criação da associação de escoteiros em 1916 e a fundação do Tiro de Guerra natalense em 1917 refletem as preocupações das elites com a segurança nacional.

Festa da Bandeira no Grupo de Escoteiros e Associação de Escoteiros do Alecrim (ACERVO iconográfico do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Natal, 1927.)

A formação do homem moral e fisicamente forte era uma preocupação que motivava as associações esportivas e as elites. Porém, outros motivos também impulsionavam a prática de atividades físicas na cidade. O esporte, nesse período, ainda era uma prática amadora e a reunião de sócios nos treinos e competições era mais uma forma de lazer oferecida às elites. A competitividade dos jogos e a disputa entre os times não ficavam restritas apenas aos sócios e esportistas. As emoções do jogo expandiam as fronteiras dos clubes e se espalhavam pelas torcidas da cidade.

AERO CLUBE

Novos bairros foram edificados, como o bairro da cidade nova em 1904. Ruas e avenidas foram alteradas, o teatro da cidade foi reformado, novos serviços urbanos foram introduzidos na cidade, como a energia elétrica e novos meios de transporte como o bonde. Novos espaços de sociabilidades foram criados, como cafés, praças, cinemas, restaurantes e associações esportivas bem como espaços destinados a festas. Todas estas intervenções na cidade visavam modernizar a pequena Natal, não só como já dissemos acima, mudando o espaço físico da cidade e os sentidos atribuídos a este espaço.

O Aero Club do Rio Grande do Norte foi inaugurado em 29 de dezembro de 1928, no bairro de Cidade Nova, reunindo o ―charme dos salões, as aventuras da aviação e a competitividade dos esportes. A sua fundação visava à integração da cidade ao desenvolvimento da aviação comercial no Brasil. O governo do estado do Rio Grande do Norte cedeu o prédio, situado na Avenida Hermes da Fonseca, para ser a sede do clube. A aviação foi a grande novidade do Aero Club do Rio Grande do Norte.

A Inauguração do Aero Club. Fonte: Cigarra, Natal, ano 2, n. 3, abr. 1929, p. 26.

Pelo grande número de notas que divulgavam a realização de festividades na sede social do clube, pode-se constatar que o Aero Clube foi um dos principais espaços de sociabilização da capital durante a terceira década do século XX. Como exemplo dessas festividades, tem-se os bailes de carnaval realizados em fevereiro de 1929. Para comemorar a passagem do “Deus Momo”, o Aero Clube foi palco de quatro bailes festivos, ornamentados com o auxílio do cenógrafo e caricaturista Erasmo Xavier. O periódico Cigarra publicou algumas fotografias dessas festas:

Fotografias do carnaval de 1929 realizado no Aero Clube. (CIGARRA, Natal, ano II, n.3, 1929. p.27.).

Como é possível observar nas imagens acima destacadas, as festividades de carnaval realizadas no Aero Clube contavam com a participação de membros influentes da sociedade, como o próprio governador Juvenal Lamartine, que apareceu na fotografia ao lado de um grupo de pessoas fantasiadas de chineses. Tem-se ainda a imagem da portaria de entrada do clube, decorada por Erasmo Xavier, e a fotografia que ressalta a presença de várias senhoras momentos antes do início do baile carnavalesco.

O Aero Clube também foi utilizado em vários outros eventos, como o chá dançante oferecido aos seus sócios em março de 1929 (O CHÁ dansante de hoje. A Republica, Natal, 10 mar. 1929. p.2.); o baile em homenagem às esposas de Varella Santiago, Omar O’Grady e Adauto Câmara, realizado em abril de 1929 (AERO-CLUB. A Republica, Natal, 10 abr. 1929.); a recepção em homenagem ao importante empresário Conde Pereira Carneiro, proprietário da empresa Pereira Carneiro & Companhia e presidente da Companhia Condor de Navegação Aérea, promovido também em abril de 1929(CONDES Pereira Carneiro. A Republica, Natal, 20 abr. 1929. p.1.); a festa em homenagem à Palmyra Wanderley ocorrida em maio de 1929 (UMA homenagem á poetisa Palmyra Wanderley. A Republica, Natal, 28 maio 1929.p.2; A FESTA de hoje em homenagem á poetisa Palmyra Wanderley. A Republica, Natal, 01 jun. 1929. p.1.), divulgando sua nova publicação, o livro de versos Roseira Brava; o baile homenageando o vice-governador do Ceará, Demosthenes de Carvalho, e sua esposa, oferecido em julho de 1929 (O AERO-CLUB homenageará o dr. Demosthenes de Carvalho. A Republica, Natal, 13 jul. 1929. p1.); a festa de Natal celebrada em dezembro de 1929 (O NATAL no Aero Club. A Republica, Natal, 22 dez. 1929. p.1.); a solenidade visando homenagear a cantora Lydia Salgado, docente do Instituto Nacional de Música e Soprano, ocorrida em janeiro de 1930 (UMA Homenagem do Aero Club a d. Lydia Salgado. A Republica, Natal, 01 jan. 1930. p.3.); além de várias outras festividades (AERO-CLUB. A Republica, Natal, 03 maio 1929. p.1; O BAILE de sábado no Aero Club. A Republica, Natal, 07 maio 1929.p.1; AERO-CLUB. A Republica, Natal, 23 maio 1929.p.1; AERO-CLUB do Rio Grande do Norte, A Republica, Natal 14 jun. 1929. p.1; O PROXIMO baile do Aero Club. A Republica, Natal, 10 jul.p.1; O BAILE do Aero-Club. A Republica, Natal, 09 ago. 1929. p.1; O BAILE de hoje, no Aero Club. A Republica, Natal, 07 set. 1929.p.1; AERO-CLUB. A Republica, Natal, 28 set. 1929.p.1.).

Como é possível observar pelas notas publicadas no A Republica que anunciavam os bailes realizados, o Aero Clube era um espaço de referência da sociedade local. As figuras ilustres que visitavam a capital norte-rio-grandense eram recepcionadas nesse estabelecimento que deveria, segundo o discurso local, ser capaz de demonstrar em seus chás dançantes, festivais literários e musicais, o progresso da cidade e a civilidade de sua sociedade. Assim, o clube funcionava como uma espécie de vitrine, de cartão postal da capital, espaço por onde todos os visitantes deveriam circular, observando uma parte de Natal que crescia, vivenciava um processo de modernização, inseria-se no cenário da aviação e oferecia festividades elegantes e bem organizadas. Uma Natal destinada àqueles que possuíam consideráveis parcelas de capital econômico, político e social.

Além dos pic-nics, outras formas de lazer traziam os sócios dos clubes para fora das associações. Uma dessas festas dava-se principalmente no verão, entre o Natal e a primeira semana de janeiro, era o banho à fantasia. O Aero Club inaugura essa tradição na cidade, que em outros momentos foi adotada em outras ocasiões. A festa à fantasia consistia de um animado banho de mar com fantasia e tudo, contando com a presença de uma banda de música. Os banhos à fantasia fizeram sucesso na quinta edição d’A Cigarra em 1930. (CIGARRA, Natal, ano 3, n. 5, p. 39, mar. 1930).

Fotografia do Aero Clube do Rio Grande do Norte feita por João Galvão.

Em maio de 1929 a sede social do clube passou por uma reforma. A grande área interna foi transformada em um terraço, visando melhor acomodar o grande número de frequentadores dos bailes promovidos pela instituição (O CHÁ dançante de amanhã no Aero Club. A Republica, Natal, 25 maio 1929.p.1.).

Em 1939, o Aero Clube era um lugar de acesso restrito a poucos frequentadores e estava sob a presidência do Prefeito Gentil Ferreira. Suas instalações haviam sido reformadas e os caminhos que lhe davam acesso haviam sido adaptados aos automóveis que, naquele período, transportavam um público em torno de seiscentas pessoas a cada festa. Seus frequentadores, estimulados pelo clima de modernização por que a cidade passava, envolviam-se na adoção da sofisticação e da elegância de um novo estilo de vida. Para França (FRANÇA, Aderbal .O baile do Aero-Club. A República, Natal, 11 ago. 1936e, p.12), as elites locais imaginavam estar adotando um modelo que se aproximava da “aristocracia européia”, e o Aero Clube era o centro dessa atividade.

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Natal foi, muito provavelmente, um dos lugares de melhor qualidade de vida para um soldado na Guerra. As pessoas cantarolavam jazz nas Ruas. A vida aqui era diferente, sofisticada, uma festa.

O cotidiano foi imediatamente afetado e as mudanças refletiram em todas as dimensões da vida dos moradores da cidade. Desde a vida íntima no interior das residências até as tradições festivas e religiosas às quais costumeiramente se envolviam como, por exemplo, as festas juninas e natalinas. Para o Jornal A República, a partir de 1939 e durante todos os anos em que existiu o conflito na Europa, as festividades da cidade perderam o brilho e o encanto, pareciam diferentes e, mesmo, desapareceram das suas páginas. Seus redatores, eventualmente, a cada ano, quando noticiavam alguma informação sobre as festas tradicionais, faziam-no de maneira melancólica, comparando-as com as festividades do passado e, a essa altura, revelavam-nas envoltas pela esperança de um futuro sem guerra:

A noite de Natal deixou uma lembrança agradável para toda a gente que a aguardou com o carinho que ela inspira. Embora afastada daquela tradição que a tornava mais interessante, que a apresentava mais festiva, mais popular, o Natal deste ano também teve os seus festejos e as suas festas íntimas. O espírito cristão que o envolve permaneceu no encanto dos presépios e dos quadros que o tempo não leva e se transmitem de geração a geração: a estrela, os pastores, as adorações, as manjedouras, Maria e José e Jesus, sorrindo para a humanidade que vai redimir (FRANÇA, Aderbal. Saudades da noite de Natal. A República, Natal, 28 dez. 1941c., p.8).

Entre todas as festas tradicionais da cidade, o carnaval foi a que mais se manteve nas páginas do Jornal A República. Mesmo sob impacto, a população continuou participando dos festejos entre os anos de 1939 a 1942. Nesse período, a festa foi referida como se estivesse na normalidade e utilizasse os mesmos espaços públicos, fosse festejada com a mesma animação nos clubes e vivida com a mesma alegria pelas pessoas que dela participavam. Segundo o jornal, as ruas mantiveramse iluminadas, cheias de pessoas como se, a cada ano tivesse a mesma normalidade dos anos anteriores.

A Cidade Alta, naquele momento, concentrava o corso do carnaval das elites da cidade, o qual era intensamente movimentado pelos automóveis lotados de grupos familiares. Além desta, os clubes tradicionais eram bastante frequentados e, a partir de 1939, o carnaval da cidade ganhou mais um espaço festivo: o Grande Hotel.

Em todos, no entanto, predominava a ostentação, e o “glamour” aglutinava as autoridades civis e militares, comerciantes e industriais, sócios e convidados. Em todos os locais, o Jornal A República informa que as pessoas festejavam como se estivessem alheios às tensões do momento histórico em que viviam. No entanto, algumas palavras dissonantes se mostraram nas suas páginas e revelaram que, dentro da própria elite, alguns não reagiam com tanta alegria. Para estes, o que se vivia durante os dias de Momo era uma manifestação incompreensível, especialmente diante da gravidade da situação e da ameaça que se estava vivendo, particularmente pela eminente possibilidade de a cidade sofrer um ataque de tropas militares inimigas.

“(…). Entraram em plena confraternização com as moças da terra e fizeram camaradagem com os filhos das famílias da melhor sociedade, freqüentando as suas residências e dançando nas festas dos clubes. Nadavam em nossas piscinas e bebiam cerveja nos ‘cafés’, como eram chamados os bares naquela época. Recebi também vários deles em minha casa e alguns até me procuravam como advogado, para aconselhamento, no caso de encrencas e envolvimento amoroso com moças da terra. Conheci também militares de outras armas e bati ‘longos papos’ com os que passavam para a África. Falava-se inglês no Grande Hotel e também nas ‘staff-houses’ (casas de descanso dos militares) (…). Havia duas ‘staff-houses’ e ali fomos tomar cerveja, a convite dos gringos, falar inglês e informar a melhor maneira de se comportarem em nossa pequena província. (…). Alugamos até um piano de nossa propriedade que, por sinal, ficou arruinado depois da barganha. (…)” (Melo, 1993:37).

Grandes festas foram animadas pelas Bandas de Jazz do Exército NorteAmericano, em que predominavam o jazz, o twist e o rock. No período mais crítico da falta de habitação para alugar, algumas famílias chegaram a hospedar, em suas próprias residências os oficiais e os soldados norte-americanos, enquanto aguardavam o término da construção das habitações. Para os soldados de baixa patente eram improvisadas barracas como moradias e o seu lazer se desenvolvia no bairro das Rocas e da Ribeira, onde foi construído um USO para os soldados, instaladas muitas casas de diversão e onde proliferavam os cafés, os cassinos e os cabarés (Melo, 1993).

As informações publicadas pelo Jornal A República sobre as operações militares na Cidade do Natal são marcadas pela omissão. Poucas dizem respeito ao que acontecia à cidade e à população. Porém, as notícias dão cobertura às visitas oficiais e militares e, a partir de 1942, passam a se referir às sucessivas festas que passam a ocorrer com muita freqüência.

O conhecimento da notícia de que o Governo de Getúlio Vargas havia declarado o país em Estado Nacional de Guerra, em 1º de setembro de 1942, se fez acompanhar em Natal pelas comemorações da Semana da Pátria de uma grande manifestação de apoio a estado decisão. As festividades públicas contaram com a participação de “todas as entidades esportivas e estabelecimentos de ensino da capital” (AS GRANDES comemorações da semana da Pátria nesta capital: a parada da mocidade e da raça – tomarão parte todas as organizações esportivas e educandários da cidade – as festas do dia 7 – hora da independência. A República, Natal, 1 set. 1942., p.1). Foi montado um palanque na Praça Pedro Velho, onde se realizaram solenidades durante uma semana, com discursos e cortejos e desfiles escolares e militares. Autoridades civis e militares se revezavam a cada dia, manifestando-se nos microfones e assistindo aos desfiles.

A Praça Pedro Velho, que ocupava uma grande área, foi reduzida em 1936, criando-se duas partes separadas por uma artéria para o acesso de veículos. Esta artéria, criada através do Ato nº 35, do Prefeito Gentil Ferreira, foi identificada no Ato como “Nova Rua”. As duas partes da praça dividida tiveram a seguinte destinação. Uma foi reservada para a construção de residências. A outra foi ajardinada com quadras esportivas separadas por uma construção onde se localizava um bar e sorveteria conhecido por “avião”, além de um parque infantil com apetrechos para exercícios e diversões. A praça passou a ser o local preferido para a realização de retretas e festas públicas.

Os eventos foram noticiados e envolveram a população da cidade. Estes ocorriam, em geral, na Base Naval de Natal, no Alecrim e contavam com grande participação da população mais pobre da cidade. Ao longo desse período, verificou-se a cobertura a várias comemorações, como a festa de criação da 3ª Companhia Regional de Fuzileiros Navais (formada na totalidade por norte-riograndenses), em novembro de 1942 (TERCEIRA Cia. Regional de Fuzileiros Navais: a solenidade de hoje de juramento a bandeira. A República, Natal, 28 nov. 1942.); o Dia do Reservista, em dezembro de 1942 (FRANÇA. Aderbal. Na base naval. A República, 18 dez. 1942m.); o aniversário da Batalha Naval do Riachuelo e o dia do Marinheiro, respectivamente em junho e dezembro de 1944 (TRANSCORRE amanhã o Dia do marinheiro: homenagens serão promovidas nesta cidade, pela Base Naval – Missa na Catedral às 7,30 horas e visitação pública à Base – Outras notas. A República, Natal, 10 jun. 1944). Enquanto isso, no outro lado da cidade, no bairro do Tirol, na estrada de Parnamirim e na Base de Parnamirim, as festividades eram freqüentes e envolviam apenas as elites locais e, sobre estas, o jornal apresentava muito menos detalhes ou informações.

As festividades também são um acontecimento à parte do cotidiano da cidade, conhecidas no período por reunirem brasileiros e americanos, dos bailes às festas de carnaval, no dia 14 de maio de 1943 realizou-se o primeiro baile no clube U. S. O (SMITH JR, 1992)

Aos 27 dias de Junho de 1943, o “A República” já noticiava as boas-vindas ao General Antônio Fernandes Dantas, recebido pelos militares com festas e corso pela cidade, até mesmo o Aero Clube sediou festa ao novo interventor, enquanto salientavam o árduo trabalho ao longo de oito anos de administração do interventor Rafael Fernandes, conhecido por ter feito parte de todo o processo de tornar o Rio Grande do Norte uma rota militar efetiva.

O bairro do Tirol significou a expansão do limite urbano na direção da Base de “Parnamirim Field”, ao longo da “pista” (“Parnamirim Road”), muito distante do centro e próximo do fluxo e da movimentação dos caminhões, dos soldados e dos quartéis. Nesta distanciamento e isolamento do centro, os moradores de Tirol e Petrópolis costumavam participar das festas promovidas pelos oficiais americanos nos seus Clubes, assim como convidavam os soldados para fazerem refeições em suas residências.

A guerra já saíra da África e as missões militares a partir de Natal perderam importância. A tensão que ocupava o tempo dos soldados em Parnamirim, havia deixado de existir e as ocupações disponíveis na base pareciam ter se tornado insuficientes para distrair o contingente que ficava esperando embarcar para a guerra ou voltar para seu país. Os militares estadunidenses, por isso, começaram a participar mais ativamente da vida da cidade e a frequentar as páginas do Jornal A República, principalmente nos eventos de caráter cívico que o Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda organizava. Entre as festividades, a população da Cidade do Natal passou a compartilhar datas comemorativas importantes e alusivas à cultura daquele país:

As comemorações [do Dia Panamericano] serão revestidas de grande brilhantismo, sendo de ressaltar que as de hoje têm uma significação ainda mais alta pelo momento que atravessamos, empenhados que nos vemos numa guerra na qual participa outras Repúblicas irmãs. Em Natal, muito especialmente temos motivos para o realce dessas festividades, dada a importante posição em que nos encontramos em face do conflito internacional, hospedando em nosso meio as forças diretamente ligadas à grande luta contra os inimigos da civilização (COMEMORA-SE hoje o dia panamericano: as festas nesta capital: um programa especial na Rádio Educadora de Natal: falarão as altas autoridades do Estado. A República, Natal, 14 abr. 1943., p.1).

Indistintamente, a população da cidade podia assistir às aulas e revelavam interesse em aprender o idioma. O método visava ensinar a quem não tinha qualquer noção e foi bem aceito por todos. As elites o considerava um avanço para o “conhecimento cultural” dos moradores da cidade e este atributo passou a ser utilizado para justificar as aproximações com os militares estadunidenses que, segundo Melo (1993), se firmavam em festas e recepções sociais, em visitas à Base de Parnamirim e suas instalações, assim como na permissão para frequentar os clubes de oficiais e o PX (supermercado).

A programação do USO Town Club, em geral, iniciava-se entre 18:30 e 20 horas e se estendia até a meia-noite. Alguns funcionários das forças armadas estadunidenses foram destacados para trabalhar nos clubes e vieram para Natal para organizar as recepções e festas, que eram preparadas com musicais e jantares. Alguns eventos recebiam as autoridades locais como convidados, particularmente políticos, comerciantes, jornalistas e intelectuais da cidade.

Ao longo de 1944, os USO’s trouxeram para Natal artistas do cinema e do rádio, como Tyrone Power, Humphrey Bogart, Nelson Eddy, Jack Benny, Larry Adams, Ann Lee, Winnie Shaw, Marlene Dietrich, Tommy Dorsey e a Orquestra de Glenn Miller. Nestes casos, os shows eram exibidos no Teatro da Base Aérea Estadunidense, no “Wing Headquarters Squadron”, e, em geral, o Jornal A República apenas fazia a divulgação do espetáculo. Em todos eles, no entanto, eram convidadas as “autoridades civis e militares e grande número de pessoas da sociedade” (A FESTA de hoje em Parnamirim. A República, Natal, 22 dez. 1943, p.8), quando eram distribuídos convites e disponibilizados transportes a partir “da sede da Cruz Vermelha Brasileira, junto ao Rex”, na Avenida Rio Branco, Cidade Alta (A FESTA de hoje em Parnamirim. A República, Natal, 22 dez. 1943., p.8).

Ator Tyrone Power em Natal. Acervo J. Alves de Melo. Fonte: Diário de Natal.
Tyrone Power chega a Natal. À esquerda, de chapéu, o jornalista Luiz Maria Alves. Arquivo O Poti.

Na cidade, além dos tradicionais Aero Clube e Teatro Carlos Gomes, surgiram o Cassino Natal, o Círculo Militar, o Clube Hípico de Natal. Todos integravam uma “cadeia de promoções” e ofereciam sucessivas festas e bailes. O Cassino Natal, que foi inaugurado a 20 de outubro de 1943, estava localizado vizinho ao Grande Hotel e promovia reuniões sociais e shows. Era tido como um espaço luxuoso, onde as pessoas frequentavam vestidas a rigor. O Circulo Militar era o clube das Forças Armadas Nacionais, que fora organizado pelas diversas Guarnições Militares do país e tinha como objetivo “criar e manter um ambiente social, promovendo reuniões familiares e festividades”, assim como contribuir com “o espírito de cordialidade entre os oficiais das várias armas e suas famílias” (DANILO (Aderbal de França). Círculo militar. A República, Natal, 31 mar. 1944c., p.7). Suas atividades eram basicamente bailes que ocorriam no Aero Clube.

E, por último, o Clube Hípico de Natal, que estava localizado na Estrada de Parnamirim e foi criado para promover provas hípicas e congregar as elites da cidade e a oficialidade das forças armadas brasileiras e estadunidenses. Foi inaugurado apenas com as instalações do salão de festas, mas previa a construção de um parque esportivo com quadras (tênis e voleibol) e piscinas.

Além das festas semanais, nos clubes natalenses, incluindo o Hípico, recém-fundado, onde confraternizavam natalenses ricos e yankees havia o mais perfeito entendimento. Os americanos tinham seus clubes, além de excelente cassino, dentro da base, onde brasileiros eram convidados e circulavam figuras do cinema hollywoodiano, do showbusiness e outros. Na cidade havia 2 clubes. Um na praça Augusto Severo, onde é hoje a firma Limarujo e o outro no fim da avenida Getúlio Vargas. Eram denominados, respectivamente, de USO cidade e USO praia. Nestes clubes os visitantes bebiam, e dançavam com as moças da terra, filhas das famílias mais “pra frente”, numa camaradagem, como se tudo já tivesse sido ensaiado.

As moças de Natal, que só iam às festas acompanhadas de um membro da família, com a chegada dos rapazes de fora, mudaram de vida e aderiram a informalidade dos “gringos”, no uso de roupas mais leves e o costume de beijar os amigos no meio da rua, o que era um verdadeiro escândalo antes da guerra. E também os pais exigentes, começaram a permitir a saída das filhas, assim como, oferecendo “festinhas” em casa aos amigos das meninas.

As moças passaram a ir às festas e clubes sem companhia, pois até mesmo suas mães passaram a adotar um comportamento diferente ao permitir que saíssem com os norte-americanos, assíduos frequentadores também de suas residências, à noite para dançar.

A Cidade do Natal virou uma cidade de festa e suas elites se desdobravam para estar presentes nas inúmeras atividades dos clubes da Ribeira, Petrópolis, Tirol e Parnamirim.

Estrutura Militar e equipamentos de Lazer na Cidade do Natal (1942-1945). Fonte: SEMURB/PMN Nota: Elaboração do autor sobre base atual da cidade.

ALECRIM

O Alecrim apresenta manifestações culturais próprias, como a festa do padroeiro da Igreja de São Pedro, a festa do padroeiro da Igreja de São Sebastião, festas juninas organizadas pelos moradores do bairro e as comemorações carnavalescas. Todas as manifestações tem um significado especial para os moradores do Alecrim e é necessário notar o papel que as mesmas desempenham na dinâmica do bairro.

Uma das festas mais tradicionais do bairro é a festa do padroeiro da Igreja de São Pedro. A pedra fundamental dessa igreja foi lançada pelo Monsenhor Alfredo Pegado, em 1916. Segundo Itamar de Souza (2008), nessa época os fiéis organizaram festas, quermesses e mobilizações para a construção do templo, que foi inaugurado em 4 de maio de 1919.Até hoje (em 2011) ele permanece como um dos maiores de Natal e do Alecrim, sendo o santo padroeiro, São Pedro, considerado padroeiro do bairro. A festa do padroeiro, portanto, confunde- com a história da igreja e do próprio bairro, criado em 1911.

Não eram somente as festas de padroeiro que tinham espaço no universo do morador do Alecrim. Tradicionalmente, no mês de junho em todos os cantos do Brasil e com mais força no Nordeste brasileiro são comemoradas as tradicionais festas juninas, erguidas em homenagem a três santos: Santo Antônio (13 de junho), São João (24 de junho) e São Pedro (29 de junho); entretanto, são para esses dois últimos que são feitas as maiores comemorações. No Alecrim não é diferente.

As festas juninas sempre foram motivo de alegria para o morador do Alecrim e um dos principais espaços de sociabilização do bairro. As pessoas costumavam fechar as ruas com o intuito de organizar a festa e reunir- nesses espaços, como podemos ver nesse depoimento: “[…] a própria população fechava as ruas, trazia palha de coqueiro, enfeitava, era o pai, a mãe, o irmão, os amigos, as pessoas que vinham de fora para se confraternizar nessa data” (MAFRA, 2011). Segundo os depoimentos, todos eram chamados para participar da festa, inclusive da sua organização. Entretanto, a festa vem sofrendo modificações com o passar dos anos.

Podemos perceber, primeiramente, que o próprio caráter visual da festa foi mudando. Oliveira (2006), ao estudar as festas juninas, afirma que era muito comum a prática de se colocar, a título de adereço, lanternas nas casas durante o mês de junho. Hoje em dia, não se vê mais isso. O que ainda permanece do visual típico da festa junina são as bandeirinhas, fogueiras e palhas de coqueiro em algumas ruas residenciais do bairro.

Confetes, lança-perfumes, serpentinas, fantasias (as indumentárias e os devaneios), tambores, batucadas, desfiles, blocos… Quando se ouvem esses nomes, a imagem de alegria é associada ao que grande parte do povo brasileiro manifesta em relação ao carnaval. O amor e a paixão por essa festa que retrata a identidade cultural do país estão presentes em todo o Brasil. Poucos são aqueles que não desenvolvem essa paixão.

No Alecrim, a festa de carnaval e as escolas de samba não tinham tanta tradição quanto em outras localidades de Natal, mas nesse bairro morava o Mestre Guedes, grande apreciador da cultura popular, que criou o Bambelô Asa Branca, a escola de samba Asa Branca. João Galvão do Nascimento Neto explica ainda que o bambelô era “uma variante de coco de roda” (NASCIMENTO NETO, 2010).

Até a década de 1940, poucas são as notícias sobre o bairro Alecrim e as instituições e equipamentos presentes nele. Dentre essas notícias, anualmente podemos encontrar uma que trata da festa de São Pedro.

A festa de padroeiro da Igreja de São Sebastião, assim como a de São Pedro, sempre teve grande participação da população e não era só nisso que elas se assemelhavam. A estrutura da festa era composta primeiramente pelos festejos religiosos (com as novenas e a tradicional procissão) e depois pela quermesse, assim como na Igreja de São Pedro. Entretanto, há uma diferença que dava algo mais à festa de São Sebastião. Existia, durante os festejos, uma espécie de “rivalidade” entre dois grupos: o Cordão Encarnado e o Cordão Azul. As cores dos grupos são as mesmas utilizadas no Pastoril, tradicional manifestação cultural que faz parte do ciclo de comemorações natalinas em estados do Nordeste como Pernambuco e Rio Grande do Norte. Ambos os grupos possuíam barracas montadas durante a quermesse e ofereciam serviços, como os tradicionais leilões das festas de padroeiro, com o objetivo de arrecadar fundos para a igreja

Assim como outros espaços urbanos, no Alecrim também havia peculiaridades, que ficaram marcadas pela memória dos moradores: eram as “batalhas” e os “assaltos”, que hoje apresentam um aspecto demasiadamente distinto da que havia na época. Os “assaltos” aconteciam quando um desses ricos, que faziam parte dos blocos carnavalescos de elite, chamava os outros integrantes do bloco para a sua casa e lá oferecia comida e bebida aos convidados, e sentia-se orgulhoso pela festa que organizava.

Carnaval na Rua Amaro Barreto. Década de 1980. Acervo Chyka.

ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES DE NATAL

A Escola de Aprendizes Artífices, como bem sabemos, foi instalada em Natal em janeiro de 1910. Sua chegada, pudemos ver, foi cercada de expectativas. Os anseios de formação de um novo homem e de uma sociedade reformada permaneceram vivos ao longo do período que estudamos. Em fins de 1913, vemos a edição de 1º de dezembro d’A República dedicar sua primeira página às festas escolares, destacando as ocorridas no Grupo Escolar Frei Miguelinho e na Escola de Aprendizes. Relativamente à instituição que estudamos, além da forte referência ao diretor Sebastião Fernandes, posto como um guia moral dos aprendizes, o periódico destacava que a Escola vinha preparando, “pelo trabalho, pela instrução e pelo exemplo, uma geração nova digna de nossa terra, escola da sociedade natalense” (JARDIM publico. A Republica, 01 dez. 1913, p.1).

Estavam estre as práticas educativas, destacadamente, as premiações, as festas e o conteúdo cívico-militar, presentes na Escola de Aprendizes Artífices de Natal, como modeladoras dos corpos, dadas as pretensões manifestadas pelo Estado brasileiro de formar o cidadão-trabalhador.

As cerimônias realizadas pela Escola em comemoração aos grandes feitos e vultos republicanos não eram práticas recentes: desde a instalação do novo regime, as festas escolares foram pensadas como momentos de manifestação máxima de emoções e apreço às figuras que haviam se destacado na cena republicana.

Para não ir muito longe basta lembrar a festa de encerramento do ano letivo de 1913, que ocorreu na Escola de Aprendizes Artífices de Natal. No evento, estiveram presentes o então Governador do Estado, Alberto Maranhão, e todos os Deputados Estaduais que, naquela época, encerravam os trabalhos legislativos.

É de Manoel Dantas uma rica crônica que retrata a festa de encerramento do ano letivo de 1913 na Escola de Aprendizes de Natal. Seu entusiasmo presente nas linhas do texto revela que os membros dessa elite acreditavam que a construção de um novo país, na virada do século XIX para o XX, da Monarquia para a República, passava pela educação.

Escola de Aprendizes Artífices. Fotografia da festa de encerramento do ano letivo de 1913,
ocorrida em fins de novembro.

É o que se vê também em uma das crônicas de Manoel Dantas que, sob o pseudônimo de Braz Contente, escrevia com admiração e entusiasmo sobre a festa de encerramento de mais um ano letivo, no derradeiro dia de novembro de 1913:

Vi ontem, admirei com orgulho de brasileiro e fé de patriota […] nos lavores do ferro obedecendo como um pedaço de cera a pericia dos forjadores, nas evoluções militares mostrando a força e a disciplina desses futuros defensores da Pátria, no vigor físico que é o hino da natureza à saúde do corpo, na elevação moral transparecendo na desenvoltura com que o humilde comparece para receber o prêmio conquistado, vi em tudo isto a formação de uma alma nova, a eclosão dessa grande força nacional, desse Brasil unido e forte […] (DANTAS, 1913, p.1).

As palavras de Manoel Dantas que, tempos depois, em 1924, tornar-se-ia presidente da Intendência Municipal de Natal, remetem a três valores fundamentais nas práticas pedagógicas desenvolvidas na Escola: a cultura prática, a educação moral e a valorização da pátria.

Pelo olhar de Manoel Dantas, podemos ver uma Escola que abre espaço também para as brincadeiras. A fotografia foi tirada pouco depois do desfile cívico realizado em virtude do encerramento do ano letivo de 1913. Os alunos apareciam com trajes militares e sabres e espingardas de madeira, produzidos por eles próprios. O clima era de ordem e concentração. Dias depois, nos fundos da mesma Escola, era possível presenciar uma cena de descontração: os jovens aprendizes corriam e pulavam para resgatarem as argolas penduradas no cordão. Vistas em conjunto, as duas fotografias citadas revelam que a Escola era um espaço mais diverso do que normalmente imaginamos. Era, sem dúvida, lugar onde se tentava impor uma disciplina. Mas era, também, espaço para se resistir a essa disciplina, ou mesmo, lugar de diversão e alegria para os jovens aprendizes.

Em Natal, assim como em várias cidades brasileiras, as escolas se preparavam para as festas. O jornal A República registrou, com detalhes, a comemoração pelo dia da Independência (7 de setembro de 1939), realizada no Liceu Industrial de Natal.

Em 12 de dezembro de 1939, realizou-se a festa de encerramento do ano letivo no Liceu Industrial; como era de praxe, contou com a presença do então interventor federal interino, Aldo Fernandes, além de várias autoridades civis e militares, dos escoteiros do Alecrim e da Liga Artístico-Operária e do corpo docente
e discente do Liceu. Registrou-se ainda, nesse dia, a inauguração da sede do centro de escoteiros. “Foi pelo prof. Luis Soares hasteado o pavilhão nacional, ao som do Hino Nacional entoado pelos escoteiros e demais presentes” (LICEU INDUSTRIAL DO RIO GRANDE DO NORTE, 1939c, n. 2607, p. 3).

Conforme percebemos, as festas comemorativas foram rituais que se repetiram, rebuscadas pela descrição dos grandes feitos republicanos, na unificação de valores e na estimulação pela obra educativa do estabelecimento.

Durante o encerramento do ano letivo no Liceu Industrial de Natal, em 29 de novembro de 1941, foi promovida uma festa interna à qual compareceram todos os
professores e alunos. O diretor do Departamento de Educação do Estado foi representado pelo professor Joaquim M. Noronha. Inicialmente, o diretor do Liceu,
Jeremias Pinheiro Filho, teceu algumas considerações em torno do encerramento dos trabalhos. Concedida a palavra ao professor Joaquim M. Noronha, este proferiu discurso enaltecendo a obra educativa daqueles que procuraram, naquele momento, “dotar o país de estabelecimentos como o Liceu, verdadeira escola de onde haviam de sair os operários conscientes para o engrandecimento da Pátria comum” (ENCERRAMENTO do ano letivo. A República, Natal, ano LIII, n.3176, 07 set. 1941., p. 4).

A valorização do trabalho era em nível ideológico, mas não havia ações que proporcionassem a inserção dos egressos no mundo do trabalho. Ainda assim, não podemos negar que toda a propaganda exercida, quer pelas exposições dos trabalhos (conjuntamente com as premiações) quer pelas festas de encerramento e pelos exames, serviu como importante instrumento de consolidação do prestígio da instituição perante a comunidade, bem como para a propagação dos valores
republicanos, que, por sua vez, estavam inseridos num contexto mundial regido por um capitalismo em forte expansão imperialista e pela intensificação das inovações tecnológicas.

Liceu Industrial do RN (Av. Rio Branco após reforma de 1937). Fonte: Acervo CEFET-RN (2006)

OUTRAS PRAÇAS

Para atender a elite da capital, desenvolveram-se diversas opções de lazer, dentre elas poderíamos destacar a criação de diversos clubes, que faziam a alegria dos jovens privilegiados, hora citamos: o Aero Clube (Tirol, 1929), AABB (Tirol, 1961), Sede Social do ABC Futebol Clube (Petrópolis, 1959), Sede do América Futebol Clube (Tirol, 1959). Nesses clubes eram realizados concursos de misses e festas das mais diversas (shows, carnavais, casamentos etc.), todos os eventos voltados para o grupo seleto dos moradores de Tirol e Petrópolis.

Mas a cidade cresce assustadoramente. Onde cacei, com espingarda de chapéu-de-sol, cotias e jacus, sobem palacetes e rodam os autos. O Baldo, logradouro clássico, é uma praçuela deliciosa. A Solidão, Tirol, é bairro de gente rica e que sabe viver. Lá no cimo está o Aero Clube, que não é mais Aero e sim Clube, mas suas festas não dão saudades às do Tijuca Clube. Natal-não-há-tal (CASCUDO, 2007, p. 101).

Antiga sede do ABC em Petrópolis, natal/RN.
Vista aérea do Clube América- Natal-anos 70 – Foto de Jaeci

DJALMA MARANHÃO

Dizem que “quem não conheceu Natal na época de Djalma Maranhão, não conheceu Natal”. Exageros à parte, tantas foram as realizações telúricas da administração DM que a cidade se transformou numa festa permanente. Esses eventos eram bem mais simples e mais baratos do que os shows atuais de fim de ano organizados pela prefeitura e absurdamente realizados no gramado do Machadão. Mas eram muito mais autênticos.

Djalma Maranhão foi esportista, professor de educação física do Colégio Atheneu, praticou boxe, futebol e basquete, gostava de papear no Grande Ponto e na Ribeira. Também participava de serestas junto com violeiros da cidade. Djalma foi prefeito de Natal duas vezes. Restaurou todos os autos populares, numa autêntica revalidação do folclore natalense. Promoveu vários congressos brasileiros de folclore, praças de cultura, feiras de livros, edificou a Galeria de Arte e bibliotecas públicas.

O Prefeito da época, Djalma Maranhão, participou de ensaios, festas, bailes, e claro, do desfile oficial de Carnaval. O prefeito Djalma dançando em um baile de carnaval. 
Prefeito Djalma Maranhão (gestão 1956 – 1959) e o Escritor Câmara Cascudo em uma festa junina, ao lado D. Daria Maranhão, esposa do Prefeito.

INAUGURAÇÃO DA RODOVIÁRIA VELHA

Com o grande fluxo de ônibus que circulavam no período em questão, surgiu a necessidade de construir em Natal uma estação rodoviária que atendesse à população local. Ciente dessa realidade, o então prefeito da cidade Djalma Maranhão (1960-64) decidiu construir o estabelecimento no bairro da Ribeira. A escolha da Ribeira para sediar a estação rodoviária foi considerada como uma das primeiras medidas de revitalização feitas no espaço. Acreditava-se que a estação rodoviária traria a vida de volta ao bairro, o que já denota o abandono do espaço, uma vez que este ficou caracterizado, no decurso de sua história, através dos transportes. Na coluna intitulada “Um dia na prefeitura”, publicada no jornal Diário de Natal (Natal, 13 dez. 1963), o prefeito Djalma Maranhão afirmava que “é certo que a Ribeira voltará aos seus velhos tempos e que a estação rodoviária, com as suas modernas linhas arquitetônicas, vem mudar completamente a fisionomia do velho bairro”. Sobre a inauguração, o jornal Diário de Natal noticiava em 17 de dezembro de 1963:

Foi inaugurado em Natal o Terminal Rodoviário, com os discursos do vereador e médico Demétrio Viveiros, do engenheiro Wilson Miranda, do mestre construtor Abel Florêncio, e, por fim, do Prefeito Djalma Maranhão. […] Blocos carnavalescos animaram a festa de inauguração.

Um ano após ser ativada, a estação rodoviária passaria a se chamar Presidente Kennedy: “É uma homenagem do povo de Natal ao conhecido líder democrático e amigo do Brasil, assassinado barbaramente” (Diário de Natal, Natal, 10 dez. 1964), o que denota a permanência dos laços feitos com os norte-americanos desde a Segunda Guerra Mundial.

Estação Rodoviária Presidente Kennedy. Fonte: Natal ontem e hoje. 2006.

SCBEU

A Sociedade Cultural Brasil-Estados Unidos (SCBEU), a primeira escola estruturada de inglês de Natal, foi criada em 1957. A localização da SCBEU era privilegiada e ocupava enorme terreno até então utilizado como área do “Adido Cultural dos EUA”, no Bairro de Petrópolis. A maior parte dos equipamentos e material da Escola foi doada pelo governo americano. Os primeiros diretores eram americanos e tinham mandato de dois anos. Em tempos de Guerra Fria, comentava-se entre os estudantes, que John Ewing, o primeiro diretor da Escola, era vinculado ao Serviço de Informações dos EUA. Foram seus sucessores: Robert Lindquist, William Hauseman e Douglas Rose.

A SCBEU foi um referencial nos anos 1960 e 1970 para toda nossa geração em Natal. Tinha características ambientais e organizacionais que davam um ar de Estados Unidos dentro da nossa cidade. O laboratório de línguas da SCBEU, importado dos States, era um diferencial na época.

A exibição do filme especial sobre a chegada dos astronautas americanos M. Collins, Eldwin Aldrwin e Neil Armstrong à lua no final dos anos 1960 foi sucesso na SCBEU. O filme rolou antes de uma festa do tipo Haloween que era grande novidade para os estudantes natalenses. Essa película foi posteriormente exibida na Praça Pedro Velho e chamou a atenção de uma multidão, conforme ilustra fotografia exibida ao lado.

Festa Baile na SCBEU, 1968.

CAFÉ SÃO LUIZ

Na imagem abaixo o Café São Luiz é representado com um local de várias cores e pessoas que fazem do local uma festa por suas reuniões e conversas. O ponto é delineado como um amontoado de pessoas. Apesar de o café estar cheio de pessoas, algumas delas ganham contornos mais detalhados em suas feições. Da direita para a esquerda estão representados: Julio Hernesto Ramezoni, escritor; Mery Medeiros, militante político e escritor; no banco de óculos de sol, Osório Almeida, escritor; com um longo chapéu Pedro Grilo, pintor publicitário, artista plástico e poeta; Gutenberg Costa, funcionário público, escritor e folclorista; Moura; e no final, Eugênio Neto, jornalista e escritor. Pelas atividades dos sujeitos delineados na ilustração podemos perceber que a cara que o autor deseja delinear para o Café São Luiz é constituída pela cara de seus frequentadores, um espaço para intelectuais e artistas.

Caricatura de autoria de Amâncio de 2005. A imagem representa o Café São Luiz e
seus mais conhecidos frequentadores. Foi adquirida pelo autor em um sebo da cidade em 2010.

REDINHA CLUBE

Para o escritor Onofre Jr. (2002) a Redinha é considerada por muitos uma senhora praia, uma vez conhecendo sua beleza surge, então, um eterno namoro. Lugar de mil e umas histórias, lá encontramos o antigo cemitério dos ingleses e diversas manifestações da cultura popular, como por exemplo, o tradicional Bloco dos Cãos, que por mais de 40 anos, anima o carnaval do litoral norte.

O Redinha Clube foi construído originalmente em madeira (1922), na década de 1940, o velho clube é derrubado e em seu lugar é erguido um novo prédio, desta vez em pedra. Abrigou a primeira escola pública daquela praia. Palco de festas, também serviu na formação escolar dos filhos dos pescadores. Sua forma rústica, erguido junto ao mar, compõe um lindo cartão-postal. Lugar de memória, testemunha “viva” da evolução urbana da praia da Redinha.

Redinha Clube. Foto: arquivo da SEMURB – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo

FESTA DE SANTOS REIS

A primeira Igreja ou Santuário construído em Natal e no RN foi a Capela do Forte, sob a invocação dos Três Reis Magos, que segundo os historiadores o início da construção data de 6 de janeiro de1598. Até 1910, a celebração da Epifania, popularmente chamada Festa dos Reis Magos, fazia-se dentro da própria fortaleza, quando foi construída uma nova capela, no Morro da Limpa, próxima ao Forte, local onde foi celebrada até 1936. A primeira festa da atual capela, ou Santuário, do bairro de Santos Reis, realizou-se em janeiro de 1937.

Capela da Limpa em festa. Santos Reis.

As imagens dos três Reis Magos chegaram a Natal no ano de 1753, envidadas pelo então Rei de Portugal Dom José I, como presente de sua esposa Dna. Maria I a Capitania do Rio Grande, estas ficaram no Forte dos Reis Magos até o ano de 1910.

No dia 22 de agosto de 1964, foi criada por decreto de Dom Eugênio de Araújo Sales, a Paróquia de Santos Reis, passando de capela à Matriz. Após 18 anos como Paróquia, foi criada no dia 15 de abril de 1982, à Paróquia da Sagrada Família, elevando a Igreja da Limpa, à categoria de Santuário, chamando-se: Santuário Arquidiocesano dos Santos Reis.

A Festa de Santos Reis, hoje uma das maiores festas de padroeiros da cidade do Natal, retrata a grandiosa manifestação de fé e devoção popular. A programação é celebrada no período de 03 a 6 de janeiro, com tríduo, missas, bênçãos do Santíssimo Sacramento e a tradicional procissão na tarde do dia 6,de janeiro.

Santos Reis, foi oficializado bairro, em 17 de agosto de 1946, através de Decreto-lei nº 211. Natal, nesta época, era administrada pelo prefeito Sylvio Pedroza, responsável por muitas obras estruturantes, que até hoje beneficiam os moradores deste bairro. Segundo Souza (2008), destacam-se as seguintes ações: a abertura de logradouros interligando o bairro de Santos Reis a Rocas, e, também, a ligação com a antiga Avenida Circular (Atual Avenida Café Filho). Lugar de memória, no dia 6 de janeiro, acontece uma das festas mais tradicionais de Natal, a festa de Santos Reis, homenagem aos santos, Gaspar, Belchior e Baltazar, padroeiros do bairro.

Ao promover o processo de urbanização da área adjacente ao Forte dos Reis Magos e implantar um novo bairro no local, o prefeito nomeou o lugar de Santos Reis:
“a denominação foi escolhida tendo-se em vista a festa religiosa que, há séculos, se realiza naquela parte de Natal”. Além disso, a escolha da nomenclatura para os logradouros públicos do novo bairro da cidade seguiu os referenciais históricos da fundação de Natal: “as denominações dos novos logradouros foram reservados para aqueles que aqui aportaram no fim do século XVI: Jerônimo de Albuquerque, o fundador; Mascarenhas Homem, comandante da expedição; Padre Samperes, autor do plano do forte dos Reis Magos, (…)”. (Cf. EXECUÇÃO do plano “Palumbo” – “Santos Reis” – o novo bairro da capital. In: PEDROZA, Sylvio Piza. Cidade do Natal – Administração Sylvio Piza Pedroza. Natal, 1946. v. 1. Copydesk. Acervo Centro de Documentação Cultural Eloy de Souza, Natal – Rio Grande do Norte.).

O historiador Luís da Câmara Cascudo e o prefeito Sylvio Piza Pedroza, na segunda metade da década de 1940, em visita ao Forte dos Reis Magos. Acervo: Forte dos Reis Magos – Natal- Rio
Grande do Norte.

QUINTAS

Antigo caminho de Natal para Macaíba, as Quintas era uma região de sítios e fazendas. Lugar de granjeiros, margeando o rio Potengi, cortado pelo riacho das Quintas ou rio das lavadeiras, as Quintas tem seus limites “confundidos” com o do velho e bom Alecrim. As Quintas, recorremos a Cascudo (1999), era também lugar de festas compridas e gostosas como cana-de-açúcar. O bairro Quintas foi criado oficialmente, em fins da década de 1940, durante a administração do Prefeito Sylvio Pedroza. Conforme CASTRO (2007, p.983): “por mais de 20 anos, Quintas foi o limite da cidade ao norte, onde havia a “corrente”, local de parada obrigatória de veículos para inspeção dos guardas da fiscalização estadual. Era popularmente conhecida como “Quintas profundas”.

FESTA DO BOI

Parnamirim nunca concentrou uma grande atividade pastoril, mas as mesmas vantagens estratégicas que atraíram os militares e as indústrias acabaram por colocar o município na rota e no calendário do agro-negócio. A cidade é a sede da Festa do Boi, evento anual que reúne, durante oito dias do mês de outubro, criadores e empresas de implementos agrícolas. Realizada desde 1955, essa festa já é considerada como uma das mais importantes exposições agro-pecuárias do Brasil, oferecendo uma mostra completa dos avanços no melhoramento genético dos rebanhos bovino, caprino, suíno, ovino, eqüino e na avicultura local e de outros Estados.

A história da Festa do Boi está ligada à instalação do Parque de Exposições Aristófanes Fernandes – uma área de 26,3 hectares no município de Parnamirim – mas suas origens são mais antigas.

Os primeiros a pensar na possibilidade de um evento que reunisse os melhores espécimes bovinos locais e alguns de fora, oferecendo oportunidades de negócios que melhorariam a qualidade genética dos rebanhos, foram os pecuaristas Olavo Montenegro, Luciano Veras e Aristófanes Fernandes. Este último, deputado estadual e federal por várias legislaturas, comerciante e dono de minas de schellita, trazia gado das regiões sul e centro-oeste e com ele promovia feiras em sua fazenda, no município de Santana do Matos, vendendo os animais aos outros criadores. O próprio Aristófanes Fernandes bancava os custos da organização, a comida e a bebida para os convidados. Em 1949, foi criada a Associação Norte-Riogran-dense de Criadores, por iniciativa de Olavo Montenegro, Luciano Veras e outros.

Reunidos na entidade, esse grupo realizou as primeiras feiras e exposições de gado, no colégio agrícola de Jundiaí. Ao mesmo tempo, em Parnamirim, surgiu um “parque” de vaquejadas, e a ANORC viu que a área reunia condições bem melhores para sediar as feiras e exposições. No entroncamento das estradas de rodagem e da estrada de ferro que ligavam Natal ao sertão potiguar, a João Pessoa e a Recife, o “parque de Parnamirim” oferecia vantagens de transportes que a fazenda de Aristófanes e o colégio de Jundiaí não tinham. A associação construiu os primeiros galpões no local com troncos de carnaúbas e cobertura de palhas de coqueiros. Em 1953, o governador Silvio Pedroza construiu os primeiros galpões em alvenaria e, em 1955, inaugurou a área como “Parque de Exposições”. No ano seguinte, foi realizada a primeira exposição de animais e máquinas agrícolas. O governador seguinte, Dinarte Mariz, fez mais algumas melhorias na estrutura e em 1961, já no governo Aluízio Alves, o parque recebeu a primeira grande reforma, assumindo as dimensões atuais e a homenagem a Aristófanes Fernandes.

Hoje, Parque Aristófanes Fernandes, Parnamirim, onde se realiza a Festa do Boi. Foto do Acervo Sylvio Pedroza, CEDOC/FJA
Foto foi postada no grupo das Rocas por Osvaldo Carneiro via Dinarte Lima. Trata-se de um cartaz da Festa do Boi em 1978.

Em 1978, o governador Tarcísio Maia modernizou as instalações do parque para a realização da “Exposição Nacional da Raça Guzerá”. O evento deu um novo impulso à pecuária potiguar que passou a ocupar, em poucos anos, uma posição de destaque na composição do rebanho nacional dessa raça bovina. Na década seguinte, durante o governo José Agripino, as exposições anuais passaram a ser chamadas de “Festa do Boi”. Em 2001, o evento revelou um recorde do melhoramento genético dos rebanhos.

A vaca “Nação AM”, produzida no Estado, tornou-se a recordista mundial em peso (1.008 quilos) entre todos os espécimes das raças zebuínas.

O Parque de Exposições conta hoje, além das instalações para a acomodação e exposição dos animais, com um laboratório de análises clínicas veterinárias; as sedes de várias associações de criadores filiadas a ANORC; escritório técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), auditório para palestras e arquivos com os registros dos rebanhos potiguares.

Portão do Parque de Exposições Aristófanes Fernandes, cenário para um das maiores feiras agropecuárias do Nordeste que já se integrou ao calendário de eventos de Parnamirim.

FESTA ESMERALDA

A Faculdade de Medicina é associada ao desenvolvimento social da cidade de Natal, tanto em termos científicos, sociais e esportivos, quanto como mecanismo de integração na comunidade através do atendimento à saúde, nas recordações de Edmilson Fernandes Queiroz:

Talvez possamos acreditar que nós tínhamos a Faculdade de Medicina como um marco para Natal, tanto na parte científica porque eram promovidos muitos congressos, muitas reuniões aqui mesmo em Natal, com a participação de colegas de outros estados como a Paraíba, Pernambuco, Ceará. Na parte esportiva também havia muita participação, pela primeira vez a Faculdade Medicina participou em 1956, dos jogos Olímpicos Universitários. Então, na parte social, nós temos uma tradição em Natal, a Festa da Esmeralda que era uma festa esperada todo ano pela sociedade. É bem verdade: a Faculdade de Medicina projetou Natal e o Rio Grande do Norte praticamente porque nós tínhamos além do envolvimento com a comunidade no atendimento à saúde a parte social e a esportiva. (Informação verbal). (Depoimento concedido pelo médico Edmilson Fernandes Queiroz, aluno egresso da turma concluinte de 1961, da Faculdade de Medicina da UFRN, em Natal, em julho de 2005.).

FESTAS DA RIBEIRA

Uma data muito importante para o bairro da Ribeira era o carnaval, que ainda mantinha uma tradição de festas pacíficas e familiares. As troças saiam da Tavares de Lira e percorriam todas as outras ruas, portando bastante serpentina e lança perfume. Mulheres e crianças fantasiadas, bandinhas tocando marchinhas carnavalescas, deixando resquícios daquela época nas antigas escolas de samba, como a Balanço do Morro, que surgiu através do Mestre Lucarino que havia saído da Malandros do Samba por motivos pessoais, decidindo montar a sua própria escola no seu bairro (Rocas) pra competir com a Malandros do Samba. Logo no primeiro ano a escola foi campeã e hoje ocupa lugar de destaque no cenário carnavalesco da cidade. O lugar de destaque ocupado pela escola de samba Balanço do Morro é tão expressivo no carnaval natalense que seu barracão hoje serve de ponto turístico para os bairros da Ribeira e Rocas.

Havia também outras festividades no bairro, como a festa do Padroeiro, São João, com quermesses e terços religiosos, e mesmo diante da paz reinante no bairro, algumas brigas aconteciam quando nessas festividades grupos distintos se encontravam, como, por exemplo: existia uma rivalidade entre o bairro da Ribeira e o das Quintas, e quando essas gangues se encontravam sempre havia medo e caos, fato de proporção diante da calmaria do bairro. Mas o carnaval era sempre pacífico, por onde os blocos carnavalescos, por exemplo, o bloco “Pinto Molhado”, que saía da comunidade próxima de Brasília Teimosa e se deslocava até a Ribeira arrastando multidões. Ali passavam as famílias, outras se reuniam em suas varandas para apreciar a beleza do evento, porque a Ribeira mesmo não sendo hoje, já foi um bairro residencial. Câmara Cascudo, Januário Cicco foram figuras ilustres que residiram por lá.

CALENDÁRIO HISTÓRICO-CULTURAL DE NATAL

FONTES SECUNDÁRIAS:

ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. Algazarra nas ruas: comemorações da Independência na Bahia (1889-1923). Campinas: Editora da Unicamp, 1999.

ARRAIS, Raimundo; ANDRADE, Alenuska; MARINHO, Márcia. O corpo e a alma da cidade: Natal entre 1900 e 1930. Natal, RN: EDUFRN, 2008.

ARRAIS, Raimundo Pereira Alencar.; SIQUEIRA, G. F. (Org.) ; SANTOS, R. M. B. (Org.) ; JOBIM, K. (Org.) ; S.L.R. SILVA. (Org.) ; SILVA, M. J. G. (Org.) . A terra, os homens e os sonhos: a cidade de Natal no início do século XX. 000. ed. Natal: Sebo Vermelho, 2017. v. 225p .

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UM ARTÍFICE MINEIRO PELO PAÍS: Formação, trajetória e produção do arquiteto Herculano Ramos em Natal / Débora Youchoubel Pereira de Araújo Luna. – NATAL/RN, 2016.

Um espaço pioneiro de modernidade educacional: Grupo Escolar “Augusto Severo” – Natal/RN (1908-13). Ana Zélia Maria Moreira. – Natal, RN, 2005.

UM SÉCULO DE CONTRIBUIÇÕES PARA A HISTÓRIA DO TEATRO NA CIDADE DO NATAL: 1840-1940 / ÂNGELA MARIA DE CARVALHO MELO. – NATAL, 1999.

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