As manifestações político-literárias da Natal provinciana
Sendo assim, podemos afirmar que as manifestações literárias brotaram na acanhada cidade provinciana desde pelo menos a segunda metade do século XIX. As letras potiguares foram surgindo articuladas à política norte-rio-grandense e a sua revelia. Mesmo que o movimento literário provinciano fosse, inicialmente, medido pelo efervescente debate político partidário, indubitavelmente surgia na cidade do Natal uma atividade voltada às letras em que se produzia, se discutia e se falava sobre literatura. Desse modo, a literatura na província natalense emergiu como novidade, inovação, divertimento, àquela que deveria passar distante
das constantes discussões políticas alimentadas na cidade.
Os legítimos representantes da intelectualidade natalense de seu tempo, além de dedicarem-se à literatura, consonantemente envolveram-se em debates
políticos. Sejamos:
Luiz Carlos Lins Wanderley (1831-1890)
Relembremos de outro nome célebre da literatura provinciana, já mencionado pelas discussões historiográficas locais sobre a vida literária em Natal: Luiz Carlos Lins Wanderley (1831-1890). Luís da Câmara Cascudo identifica-o como “grande expoente da literatura na Província” (CASCUDO, Luis da Câmara. Op. Cit. p. 374). Natural da cidade de Assu, nascido no ano de 1831, Luiz Carlos Lins Wanderley revelou-se como primeiro romancista do Rio Grande do Norte. Com formação na Faculdade de Medicina na Bahia (1857) e desempenhando a função de médico no Hospital da Caridade na urbe potiguar, Luiz Carlos Lins Wanderley desempenhou as atividades de literato.
Em 1873, o médico e escritor publicou o primeiro volume do romance Mistérios de um homem rico impresso na cidade do Rio de Janeiro. Apenas o segundo volume, datado do ano de 1883, foi publicado na província do Rio Grande do Norte77. Sua produção literária não parou por aí. Luis Carlos Lins Wanderley também publicou Ode a mulher e a rosa, A loucura ou o riso da dor, Amor de um anjo, o drama Os anjos do amor, a cena dramática em poesia O anjo da meia noite, a poesia O premio da viúva, as narrativas Impressões de uma viagem e Visitas pastoral e bibliografias (WANDERLEY, Ezequiel. Poetas do Rio Grande do Norte. Op. Cit.p. 12. Não há informações quanto à datação das obras publicadas por Luis Carlos Lins Wanderley).
Acreditamos que o médico oriundo de Assu praticava sua atividade literária em suas horas vagas, uma vez que além da atividade profissional de médico, ele também ocupava importantes cargos políticos no Rio Grande do Norte, entre os quais se encontram o de comendador, de vice-presidente da província e de deputado estadual da Assembleia Legislativa (1890). Luiz Carlos Lins Wanderley ainda era dono de uma tipografia que, durante a República, foi vendida para Pedro Velho Albuquerque Maranhão.
Isabel Gondim
Outro nome expressivo nas letras provincianas potiguares foi o de dona Isabel Gondim. Isabel Urbana Carneiro de Albuquerque Gondim é considerada a escritora mais antiga residente no estado.
De acordo com a história sobre a literatura feminina no Rio Grande do Norte, Nísia Floresta Brasileira Augusta é considerada a escritora mais antiga do estado. Nascida 12 de outubro de 1810, na mesma cidade que Isabel Gondim, Dionísia Gonçalves Pinto – o verdadeiro nome de Nísia Floresta – mudou-se, com a família, para o estado de Pernambuco e, posteriormente, para o estado do Rio de Janeiro e, finalmente, para Rouen (França) – local onde acaba falecendo em 24 de abril de 1885. Nísia Floresta veio a óbito sem nunca mais ter retornado ao seu estado natal. Isso explica o motivo de Isabel Albuquerque Gondim ser considerada a escritora norte riograndense mais antiga e residente no estado. Para maiores esclarecimentos, ver: CARDOSO, Rejane (Org.). 400 nomes da cidade do Natal. Natal/RN: Prefeitura Municipal de Natal, 2010. p. 261.
Nascida em 05 de julho de 1839, na vila de Papari – atual município de Nísia Floresta – Isabel Gondim tornou-se figura notável no ambiente literário da capital
desenvolvendo as atividades de poeta, ensaísta, educadora, dramaturga e autora de livros didáticos (LIMA, Constância. MACÊDO, Diva Cunha Pereira de. Isabel Gondim. In: __. Literatura feminina do Rio Grande do Norte: de Nísia Floresta a Zila Mamede – antologia. Natal/RN: Sebo Vermelho, 2001. p. 122).
Assim como no caso de Luiz Carlos Lins Wanderley, os esforços de publicação de escritos literários no Rio Grande do Norte no século XIX nos chama mais atenção em dona Isabel Gondim. O livro Reflexões as minhas alunas teve sua segunda publicação na cidade do Natal no de 1879, uma vez que a primeira edição do livro foi publicada na cidade do Rio de Janeiro em 1874. Devemos esclarecer que apenas a segunda e a terceira edição de Reflexões as minhas alunas foram publicadas na cidade do Natal, respectivamente, nos anos de 1879 e de 1910.
A obra, de cunho moralista, analisava os momentos da vida feminina delineados entre a fase escolar da menina à mulher mãe. A obra reflete o posicionamento de
Isabel Gondim como defensora do ensino público para as mulheres.
O fato de sua obra ter sido publicada inicialmente no Rio de Janeiro e, apenas em segunda edição, na cidade do Natal, assemelha-se com o caso de Luiz Carlos Lins Wanderley. Ou seja, em ambos os casos tratam-se de escritores da cidade que tiveram seus primeiros livros publicados fora de Natal, nos centros de projeção intelectual: a capital federal do Rio de Janeiro.
Reconhecemos as dificuldades de publicação na província do Rio Grande do Norte, no entanto, o que enfatizamos aqui é que essa prática não era nula. Havia literatura, mesmo que em pequeno volume, difundida na cidade do Natal, ora em periódicos, ora em pequenos volumes de literatura. Assim como também houve publicações, ainda que se tratasse de segundas edições de obras publicadas pioneiramente fora do Rio Grande do Norte.
Além de sua atuação literária na província, Isabel Gondim atuou como professora do ensino primário regendo uma turma de alunos em Papari até o ano de 1866. No mesmo ano, a poetisa instalou sua sala de aula no bairro da Ribeira, onde pode prosseguir com sua atuação profissional ocupando a cadeira de ensino das primeiras letras na capital do estado. A descoberta da atuação de Isabel Gondim na prática de magistério não representou uma novidade.
Identificamos que a autora era filha de Urbano Égide da Silva Costa Gondim de Albuquerque, o primeiro professor no colégio secundarista Ateneu Norte-rio-grandense entre 1834 a 1838. Urbano Égide da Silva Costa nasceu na cidade de Recife em 01 de setembro de 1805. O professor mudou-se para Natal ainda na década de 1830 aonde veio a ocupar o cargo de lente de geometria na escola secundarista, de 1834 a 1838. O professor foi o primeiro que ocupou a cadeira da disciplina mencionada. No ano de 1838, por desentendimentos com colegas professores do colégio, Urbano Égide da Silva Costa Gondim de Albuquerque foi
demitido do cargo, ficando em seu lugar Antônio José de Moura. Para mais esclarecimentos, consultar: CASCUDO, Luís da Câmara. Ateneu norte riograndense – pesquisas e notas para sua história. Natal, 1971. Coleção Juvenal Lamartine. p. 30.
Isabel Gondim foi também a primeira mulher eleita sócia do Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Norte, participando também como membro do
Instituto Arqueológico e Histórico de Pernambuco, produzindo pequenos textos para as duas instituições. A escritora faleceu na cidade do Natal em 10 de outubro de 1933. Após a sua morte, Isabel teve alguns dos seus poemas reunidos e publicados no livro A lyra singela (LIMA, Constância, MACÊDO, Diva Cunha Pereira de., Op. Cit., p. 123.).
O livro O evangelho de Cristo perante a Igreja dos Papas, escrito por Antônio Arêas, também fez parte do conjunto de publicações da época. O padre Antônio Francisco Arêas (1835-1899) publicou sua produção no ano de 1875. Em seu livro, defendeu a Maçonaria dos debates efervescentes com a Igreja Católica durante a Questão Religiosa na província do Rio Grande do Norte. De acordo com Câmara Cascudo, Antônio Arêas compunha a lista de “nomes expoentes do jornalismo literário” (ao lado de Antônio Areas, Luis da Câmara Cascudo identificou Urbano Hermilio de Melo, Maria Balbina, Francisco Herculano, Antônio José de Moura, Antônio José Filho, João Areas Bajão e Belissário Maria de Lima e Silva).
Luís da Câmara Cascudo ainda o descreve como “orador, jornalista, poeta satírico, autor de maior parte dos versos políticos, paródias e mofinas contra adversários” (CASCUDO, Luís da Câmara. Pe. Antônio Arêas. Acta Diurna. A República. Natal, 26 mar. 1944).
Joaquim Fagundes
Joaquim Fagundes e José Teófilo. Ambos eram jovens literatos fundadores de O Eco Miguelino, periódico que revelou um grande poder de penetração no campo das ideias difundindo literatura em prosa e em poesia. Nascido no ano de 1856, na cidade do Natal, Joaquim Fagundes alcançou reconhecimento como literato por meio da publicação em jornais, organização de conferências e na produção e encenação de dramas.
Não obtivemos informação acerca da ocupação profissional de Joaquim Fagundes, além de suas atividades na imprensa. Ainda que o jovem intelectual não tenha publicado nenhuma obra literária, Joaquim Fagundes é identificado como nome de expressão da literatura na província. Segundo Henrique Castriciano de Souza, Fagundes “é o verdadeiro tipo representativo da embrionária literatura de então. Excede mesmo e em um muito a cultura do meio, o espírito aberto às grandes correntes modernas da filosofia e da liberdade” (CASTRICIANO, Henrique. A Propósito de Honória Reis. A República. Natal, 9 abr. 1913.).
Joaquim Fagundes faleceu em 21 de agosto de 1877, restando apenas o reconhecimento como figura notável nas letras potiguares de seu tempo. As palavras declamadas por José Moreira Brandão Castelo Branco Filho fazem alusão à importância do jovem literato para o movimento literário na Província:
Perdi um amigo dedicado e a província um das suas mais belas esperanças.
Na idade de vinte anos, sem estudos regulares, Joaquim Fagundes tinha sido redator de dois periódicos – O Íris e Eco Miguelino –; escreveu dramas que foram representados com sucesso; fez conferências públicas em que foi muito aplaudido e deixou vários escritos, que revelaram talento superior e privilegiado (MOREIRA BRANDÃO apud MELO, Manoel Rodrigues de. Op. Cit. p. 121-122 (grifos do autor). (grifo do autor).
José Teófilo
José Teófilo foi contemporâneo de Joaquim Fagundes, participando igualmente da fundação dos dois periódicos já mencionados. O amigo de Joaquim Fagundes trabalhou como escriturário da Fazenda Provincial, até que, em 1874, foi demitido do cargo após publicar um artigo no jornal O Eco Miguelino revelando o seu envolvimento no debate travado por maçons potiguares e o bispo Dom Vital. No artigo, José Teófilo posicionou-se em defesa da Maçonaria, assim como seu amigo Joaquim Fagundes.
Além do trabalho burocrático, José Teófilo desempenhou atividades na imprensa, assumindo cargos de redator e de colaborador nos jornais provincianos literários. O literato faleceu no ano de 1879, sem deixar algum livro publicado. Mesmo que não chegasse a ter produzido nenhuma obra literária, José Teófilo
tornou-se conhecido pela composição do poema “undecassilábico intitulado Marília” (WANDERLEY, Ezequiel. Op. Cit. p. 16).
Curiosamente, no período imperial, os literatos da província norte-rio-grandense eram reconhecidos como escritores mesmo que não tivesse publicado nenhum livro. O movimento literário na província do Rio Grande do Norte também contou com a participação de outros indivíduos: o poeta norte-rio-grandense Antônio Amorim Garcia colaborou assiduamente com poesias no jornal O Liberal; João Batista da Câmara Açucena; Francisco Herculano A. da Silva; Hermilo de Melo91. Ainda que representassem nomes importantes para a constituição de um movimento literário na cidade do Natal, provavelmente, nenhum desses nomes foi tão expressivo quanto o de Lourival Açucena.
Lourival Açucena
Joaquim Eduvirges de Melo autodenominou-se Lourival Açucena, apelido que ficou conhecido depois de representar o capitão Lourival na peça O desertor francês, encenada em Natal. No conjunto de crônicas Lourival e seu tempo, escritas por Henrique Castriciano e publicadas no jornal A Republica em 1907, Lourival Açucena é identificado como nome de maior projeção na história da literatura da província do Rio Grande do Norte, vivendo em um período definido por Castriciano como “época de retardamento intelectual” (CASTRICIANO, Henrique. Lourival e seu tempo III. A Republica. Natal, 05 de julho de 1907).
Segundo Castriciano, Lourival Açucena, aos doze anos, como aluno do colégio secundarista Atheneu Norte-rio-grandense, já cantava modinhas e lundus ao violão. No ano de 1849, o poeta trabalhou como porteiro do Correio e, posteriormente, escriturário da Tesouraria, 1º oficial da Secretaria do Governo, aposentando-se como chefe da mesma seção.
Além dos cargos burocráticos, Lourival Açucena ainda “alimentou pretensões políticas” (CASTRICIANO, Henrique. Lourival e seu tempo V. A Republica. Natal, 16 de julho de 1907). Na administração de Amaro Bezerra, o presidente da província prometeu a Lourival o cargo de deputado provincial. A promessa não foi cumprida.
O poeta não foi nomeado deputado provincial por causa de seu comportamento boêmio (atribuído por causa de suas cantorias), uma vez que o cargo na Assembleia só seria ofertado “mediante a condição do Sr. (Lourival) não cantar no coro, pois, como se expressou não tem feito outra coisa senão cantar e tocar nas igrejas, nas ruas, em toda parte”. Apesar desse atrito entre o presidente da província e o poeta, Lourival Açucena ocupou diversos cargos políticos nas administrações dos presidentes Gustavo Adolfo de Sá (1867-1868) e de José Nicolau Tolentino de Carvalho (1877-1878) (CASTRICIANO, Henrique. Lourival e seu tempo VII. A Republica. Natal, 20 de julho de 1907.). Em seus relatos acerca da memória do literato, Henrique Castriciano forneceu mais informações sobre outras funções exercidas por Joaquim Eduvirges de Melo:
Foi mais eleitor da paróquia, juiz de paz, delegado de polícia e membro fundador de três lojas maçônicas. Exerceu porém, todas essas funções sem interesse e sem enlevo. Precisava agir para viver; aceitava, por isso, os empregos que lhe davam, adquiridos à custa da simpatia que inspirava aos dirigentes da província, todos os cativos de sua verve adorável, no fundo um espelho da boemia provinciana de sociedade do tempo (CASTRICIANO, Henrique. Lourival e seu tempo IV. A Republica. Natal, 9 de julho de 1907).
Segundo Wanderley
Entre os expoentes da literatura na província do Rio Grande do Norte não poderíamos deixar de fazer menção a Segundo Wanderley. Manoel Segundo Wanderley nasceu em 1860 em Natal, tendo que partir ainda jovem para a província da Bahia com o objetivo de cursar a Escola de Medicina. A partir do ano de 1883, Segundo Wanderley já atuava como literato na província Bahia, onde, no mesmo ano, publicou o livro Estrelas Cadentes. O jovem escritor concluiu o curso no ano de 1889, retornando à cidade do Natal onde passou a desempenhar algumas funções, tais como: professor do colégio secundarista Atheneu Norte riograndense –
ocupando as cadeiras de Filosofia, Francês, Física, Química e História Natural, ocupou o cargo de inspetor de saúde, de inspetor de higiene no porto de Natal e de diretor do Hospital da Caridade. Segundo Wanderley também ocupou cargos políticos, elegeu-se deputado estadual no ano de 1906 (GURGEL, Tarcísio. Op. Cit. p. 39).
Na época de retorno à cidade do Natal, os poemas do intelectual já estavam conhecidos, principalmente O naufrágio do vapor baía (1883) e O poeta e a fidalguia (1883). A obra de Segundo Wanderley possuía forte influência do poeta Victor Hugo, “francês com repercussão espetacular em Natal”.
Os estudiosos da literatura norte-rio-grandense caracterizam Manoel Segundo Wanderley como romancista de “condoreirismo”, ou seja, relativo à terceira geração corrente da escola romântica do século XIX. No entanto, Manoel Segundo Wanderley é considerado um literato pertencente ao movimento das letras republicanas, ainda que tenha alcançado a notoriedade como escritor em um período anterior ao advento do regime republicano.
De fato, Segundo Wanderley alcançou reconhecimento e notoriedade na primeira década de 1900 no Rio Grande do Norte, por meio da sua produção poética e, sobretudo, de suas peças teatrais (Durante o período republicano, Manoel Segundo Wanderley publicou as peças teatrais Amor e Ciúme (1901), Providência (1905) e Brasileiro e portugueses (1905). Outras produções: Recoltas Poéticas (1896) e Gondolas (1903). Informações extraídas de: WANDERLEY, Ezequiel. Op. Cit. p. 27, e do escritor Castro Alves).
Além disso, o literato era simpático ao regime republicano. Durante os primeiros anos do regime republicano, Segundo Wanderley estabeleceu laços com os membros do grupo político Albuquerque Maranhão e seus correligionários. Ainda assim, optamos por mencioná-lo nesse tópico que aborda o movimento literário provincial, a fim de identificá-lo como indivíduo influenciado pelas manifestações literárias que ocorriam na província norte rio-grandense, antes mesmo de sua saída para terras baianas.
Fonte:
“Em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal”: a vida intelectual natalense (1889-1930) / Maiara Juliana Gonçalves da Silva. – Natal, RN, 2014.