Café Petrópolis
O bairro Cidade Nova também possuiu estabelecimentos como hotéis e cafés, lugares que proporcionavam o estreitamento de relações entres as famílias mais influentes da capital. Um desses cafés existentes era o Café Petrópolis. Matérias sobre esse café foram encontradas nas páginas do A Republica a partir de 1914. No bairro Cidade Nova existiram outros cafés, porém, antes da década de 1920, o Café Petrópolis é o único que aparece nas páginas do jornal A Republica.
Situado no Monte Petrópolis, tratava-se do primeiro café de frente para o mar existente na cidade. Seu proprietário, o major Aristoteles Wanderley, frequentemente divulgava as festividades que iriam ocorrer no café e ressaltava que se tratava de um dos pontos mais “pitorescos e saudáveis desta capital”, aonde se recebia o “mais respeitável publico”, servindo comida de todas as qualidades, além de finos licores e deliciosos sorvetes (VARIAS. A Republica, Natal, 18 maio. 1914. p.1. e CAFÉ Petropolis. A Republica, Natal, 12 dez. 1914.p.2.). matéria destacou, os cafés não podiam ser frequentados por qualquer indivíduo, eram destinados ao público considerado mais respeitável. Notas como essas indicam como esses estabelecimentos eram também espaços de segregação, destinados aos que estivessem afinados com as regras de comportamento definidas e divulgadas pela sociedade mais abastada da cidade, e também demonstram como Cidade Nova não era apenas um bairro residencial.
Os anos passavam e os reclames continuavam registrando a vida efêmera dos estabelecimentos recreativos da cidade. Pelas páginas d’A República anunciaram-se inaugurações, incidentes, atrações e reformas do Café Socialista, do Café Centenário, do Café ABC, do Bar América, do Café Avenida, do Bar Antártica, do Café Chile, Do American Bar, do Café Moderno, da Cova da Onça, do Café Popular, do Café Paulista, do Café Tyrol, do Café Petrópolis (Av. Afonso Pena – Petrópolis) etc. (Fontes: A Republica, 1897-1929; Diário do Natal, 1898-1913; Cigarra, 1928-1930 1897-1929.).
LOCALIZAÇÃO APRAZÍVEL
Por ser localizado nas proximidades do mar, o Café Petrópolis era também um local representado nos anúncios como saudável e aprazível, recebendo os bons ventos do oceano (A REPUBLICA, Natal, 08 abr. 1919. p.1.), além de ser localizado nas proximidades da linha de bondes, facilitando o acesso dos clientes. O referido café também era utilizado para a realização de comemorações particulares.
Em 1919, por exemplo, o jornal A Republica divulgou a realização de um almoço comemorativo entre os funcionários do Tesouro do estado no Café Petrópolis ( FESTA intima. A Republica, Natal, 26 mar. 1919. p.1.).
A natureza sobre a qual estava assentada a capital ganha novos sentidos. Seus benefícios, com destaque para o mar, aos poucos materializam-se no ideário dos natalenses. Como exemplo pode-se ressaltar a campanha publicitária do Café Petrópolis, no jornal A Republica, do dia 13 de fevereiro de 1924, que para atrair seus clientes, apresenta o ambiente como o ponto mais saudável de Natal, pelos ares recebidos devido à proximidade com o oceano.
Vale ressaltar ainda que o estabelecimento também mudou de proprietário. Não foi constatado o ano em que essa mudança ocorreu, contudo, em nota de 18 de janeiro de 1924, o jornal A Republica mencionou que o dono do referido café era Severino Guimarães e que o Café Petrópolis também funcionava como hospedaria (CAFÉ Petropolis. A Republica, Natal, 18 jan. 1924. p.3.).
ORIGENS DA LOCALIDADE
O lugar onde funciona hoje o Hospital Universitário Onofre Lopes, final da Avenida Nilo Peçanha, limite entre os bairros de Petrópolis e Praia do Meio, já em 1768, recebia referências em documento da Câmara do Senado do Rio Grande: “Favorecido, o Sargento-mor Inácio Francisco da Silva Botelho, aforamento que arrematou, no lugar do Monte … trezentas braças para a parte do nascente, e outras tantas para o poente”, cita Olavo de Medeiros Filho, em Terra Natalense.
Até o começo do Século XX, ele era assim conhecido: o Monte, também chamado Belmonte e Belo Monte. Monte Petrópolis veio a se chamar logo depois da criação do originário bairro Cidade Nova, que se tornou, posteriormente, Petrópolis e Tirol.
No Monte Petrópolis, já ao abrir dos anos 1900s, tinha casa de veraneio Alberto Maranhão, futuro governador, no lugar antes chamado Tapera do Jacó, em um dos cimos cujas terras pertenciam ao industrial Juvino Barreto, seu sogro.
Dali, para baixo, buscando o rio, casas já em alvenaria de Juvino Barreto e filho, que, em 1911, foram transformadas na Casa de Detenção de Natal . Mais abaixo, um lugar que se chamava “o Jacó”, com sua lagoa, no entorno da qual surgiriam as Rocas.
CIDADE NOVA (TIROL E PETROPOLIS)
O novo bairro que deveria representar progresso e civilização, ideais bastante em voga no período, teve que enfrentar crimes, brigas, assassinatos, animais percorrendo suas ruas e praças, moradores vendendo galinhas, perus, ovos, ao mesmo tempo em que sofria intervenções técnicas, que passou a contar com a iluminação elétrica, com o bonde elétrico, com a água encanada, com importantes bares e cafés. Para tanto, a lei institui fronteiras de poder, como ocorreu em Cidade Nova. O bairro não deveria ser habitado por qualquer tipo social. O preço do aforamento era alto, existiam normas e, para frequentar os bares, cafés e outros espaços de sociabilização era preciso dinheiro, roupas de luxo e um comportamento próprio dos grupos mais abastados. Apesar dessas fronteiras, impostas pelo poder local e estadual, existiram burlas, práticas que demonstraram a presença de hábitos tão criticados por esse poder.
Cidade Nova possuía vários locais com funções pedagógicas, como cafés, praças, clubes, que visavam moldar hábitos, criar laços e formas de sociabilização característicos de um grupo específico, como já analisado.
ELITIZAÇÃO
Outros equipamentos urbanos existentes em Cidade Nova na década de 1920 foram os cafés, destinados principalmente à parcela da sociedade com maior capital econômico e social. Como destacado na primeira parte da dissertação, desde 1914 existiu no terceiro bairro de Natal o Café Petrópolis. O primeiro café da cidade existente de frente para o mar pertencia a Aristoteles Wanderley. Tratava-se de um espaço de sociabilização que estabelecia uma segregação social. Estava destinado a promover eventos reservados ao “mais respeitável público” (VARIAS. A Republica, Natal, 18 maio. 1914. p.1.).
Apesar de ter permanecido como um espaço de segregação, sendo utilizado para almoços e festividades de indivíduos influentes na política local, as matérias publicadas no periódico situacionista durante a década de 1920 fornecem indícios que demonstram como o Café Petrópolis foi popularizando-se ao longo dos anos. Como o almoço realizado entre o então deputado Juvenal Lamartine e o engenheiro agrônomo e filho de Manoel Dantas, Cristóvão Bezerra Dantas (ver: A REPUBLICA, Natal, 25 set. 1923. Para mais informações sobre Cristóvão Dantas, ver: CARDOSO, Rejane (coord.). 400 nomes de Natal. Op. cit., p. 185.).
BAILES DUVIDOSOS
Em matéria publicada no jornal situacionista, em primeira página, no dia 28 de fevereiro de 1924, foi possível observar como o café, criado em 1914 e destinado aos membros mais influentes da sociedade, já não era frequentado apenas pela população rica e instruída. A referida matéria comentou sobre a proibição realizada pelo chefe de Polícia, que tinha impedido a realização de “bailes duvidosos” no Café Petrópolis ( A REPUBLICA, Natal, 28 fev. 1924. p.1.). Tratava-se de um problema que já era recorrente, uma vez que o proprietário do estabelecimento estava utilizando um habeas-corpus para continuar mantendo essas festividades no café. Contudo, o texto da matéria ressaltou que se tratavam de reuniões de pessoas que “a titulo de se divertirem, praticavam actos de imoralidade, alarmavam o socego publico e desacatavam estabelecimentos, como o Hospital de Caridade” (Idem.).
O autor da matéria, que não se identificou, ainda enfatizou que esses bailes eram verdadeiros entraves ao progresso da capital, e consentir que os bailes de “gente duvidosa continuem publicamente, seria desenvolver a tendência à imoralidade e trabalhar para que tivéssemos, não a cidade cujo nome lembra uma bela tradição religiosa, mas a cidade que, ao despertar para a vida, mergulhou na treva do vicio” (Idem.).
POPULARIZAÇÃO
No entanto, apesar dessa mudança de público, as autoridades locais estavam atentas para impedir que esse estabelecimento, localizado em um dos bairros tidos como mais salubre e aprazível da cidade, não continuasse com essas festividades consideradas pelo jornal A Republica como imorais e viciosas. A ideia era controlar esses espaços. Assim, as matérias analisadas demonstram que o poder público permitia que essa população menos abastada frequentasse os equipamentos urbanos destinados à educação, como o grupo escolar Antônio de Souza e a escola primária criada por Joffely. Os cafés, segundo essas notas do jornal situacionista, deveriam continuar como pontos exclusivos dos membros mais abastados e ligados aos grupos de destaque da capital.
O autor da matéria publicada em fevereiro de 1928 considerava os vícios e a imoralidade como consequências de todas as cidades que passavam por um processo de civilização, de progresso. Contudo, esse autor também chamava atenção para a necessidade de reprimir essas consequências, e por isso considerava mais do que acertada a proibição dos bailes “duvidosos” existentes no Café Petrópolis.
Nota-se como a referida matéria indica a popularização desse espaço de sociabilização criado na década de 1910 para servir de ponto de encontro da sociedade local mais abastada e influente. Na década de 1920, talvez pela mudança de dono e pela conversão do estabelecimento também em hospedaria, a população que frequentava o café tornou-se mais popular, revelando ainda a presença de indivíduos menos abastados no terceiro bairro de Natal.
POESIA E PROGRESSO
Assim, tentou-se demonstrar como na terceira década do século XX Cidade Nova continuou sofrendo a intervenção da iniciativa privada e pública, que culminou com a construção de vários equipamentos urbanos, como grupos escolares, cafés, clubes esportivos, ampliação do serviço de transporte, construção de avenidas, entre outros. As notas presentes no jornal da situação indicam principalmente como os membros mais importantes da sociedade utilizavam esses novos equipamentos, participando das festividades ocorridas nos clubes e nos cafés, das disputas de atletismo realizadas no Stadium Juvenal Lamartine, frequentando os bailes e carnavais do Aero Clube, utilizando esses equipamentos para consolidar ainda mais seus laços sociais.
Mesmo em 1929, após a implementação de várias construções tidas como modernas, da expansão das linhas de bondes, dos melhoramentos no serviço de iluminação e abastecimento de água, da criação do Aero Clube e de cafés e clubes esportivos, Cidade Nova ainda possuía uma “simplicidade cheia de poesia”, uma “graça dos recantos aonde a civilização ainda não chegou com seu barulho estonteante” ( TYROL. A Republica, Natal, 27 jan. 1929.).
O bairro Cidade Nova oferecia a oportunidade de seus moradores conviverem com elementos da modernização, com construções em estilos ecléticos, com bares e cafés luxuosos, com equipamentos urbanos que facilitavam o deslocamento pelas ruas do bairro e, ao mesmo tempo, era permeado por uma natureza inspiradora, que formava paisagens semelhantes a verdadeiras pinturas.
O bairro Cidade Nova, projetado desde 1901, era divulgado no periódico situacionista A República de forma ambivalente. Era, segundo esse jornal e os relatórios de intendentes, um bairro que possuía ao mesmo tempo a natureza aprazível e salubre, paisagens pitorescas, capazes de despertar o espírito, fazer rememorar lugares paradisíacos e até mesmo estados europeus, e, além de conter essa natureza inspiradora, o bairro ainda possuía os elementos representativos da modernização, como bondes, cafés, residências com espaçamento, entre outros elementos e equipamentos urbanos. De fato, ao longo do período estudado vários espaços de sociabilização foram criados naquele território, como o Café Petrópolis, a praça Pedro Velho, o Aero Clube, além das diversas festividades que ocorriam nas residências dos membros influentes da sociedade natalense, como as recepções do sítio Solidão pertencente à família de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão.
Apesar das construções mais imponentes serem iniciativas do poder público, uma parte considerável das investidas em prol da modernização da cidade não partiu da administração do estado. Uma boa parte das elites natalenses já havia experimentado o ritmo de vida das grandes cidades e desejava, na medida do possível, aplicá-lo ao cotidiano de Natal. Com essa intensão, alguns dos mais afortunados natalenses tentaram à sua maneira trazer um pouco do espírito do progresso a Natal, como foi o caso do sr. Anaximandro, proprietário do café Cova da Onça e do Café Petrópolis, que inaugurou o primeiro café de vista para o mar, no qual se poderia apreciar boa comida e receber os salubres ventos vindos do oceano, ou do sr. Luiz Camare, doador de um terreno na avenida Rodrigues Alves, destinado à construção do Natal Tennis Club, primeira agremiação onde se podia praticar esse esporte na cidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Centelhas de uma cidade turística nos cartões-postais de Jaeci Galvão (1940-1980) / Sylvana Kelly Marques da Silva. – Natal, RN, 2013.
Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na Belle Époque Natalense (1900-1930) / Márcia Maria Fonseca Marinho. – Natal, RN, 2008.
Por uma “Cidade Nova”: apropriação e uso do solo urbano no terceiro bairro de Natal (1901-1929) / Gabriela Fernandes de Siqueira. – Natal, RN, 2014.