Colégio Atheneu Norte-riograndense
Pioneiro na educação do país, já que foi uma das primeiras instituições públicas de ensino no Brasil, fundado antes mesmo do colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, o mais importante Colégio Público da História do Rio Grande do Norte completou esse ano 187 anos de história. Ao longo desse tempo, não só formou gerações, como foi fator determinante na construção de hábitos e costumes da nossa sociedade. Pelo Atheneu passaram importantes personagens da nossa história política e uma infinidade de outros profissionais competentes do nosso estado, entre eles, um Presidente da República, Ministros de Estado, Governadores, Prefeitos, Deputados, Reitores da UFRN, Escritores, Médicos, Artistas Plásticos …
Sua aprovação ocorreu em dezembro de 1833 e sua instalação e funcionamento em 3 de Fevereiro de 1834, tendo na vice-direção de Antonio Xavier Garcia de Almeida. Porém, o dia 1 de Março foi consagrado como o “dia histórico do Atheneu’’, por ter sido a data de inauguração do seu prédio próprio.
O Atheneu Norte-riograndense foi a primeira instituição secundarista do estado. Sob a forma de colégio, a instituição preparava seus alunos para a entrada nos cursos superiores do país ou para o ingresso no serviço público estadual e federal. Pela instituição formativa secundária, passaram nomes importantes para a história literária da capital potiguar, tanto na condição de alunos quanto na condição de docentes. A escola secundarista contribuiu ainda com a dinamização do universo literário potiguar por meio da fundação de agremiações literárias estudantis que atuaram como verdadeiros celeiros intelectuais.
Atheneu de 1834 a 1858
Em 03 de fevereiro de 1834, na gestão do presidente da província do Rio Grande do Norte Basílio Quaresma Torreão (1833-1836), foi fundado o colégio Atheneu, época em que o Brasil ainda era uma monarquia. É a terceira mais antiga instituição escolar brasileira (a segunda mais antiga é o Ginásio Pernambucano, de 1825), e a mais antiga é a escola brasileira foi fundada por jesuítas em Salvador em 1549 onde ensinava-se a ler, escrever, a matemática e a doutrina católica (fundado antes mesmo do Colégio Pedro II no Rio de Janeiro).
Quando o seu idealizador, o então presidente da província, Basílio Quaresma Torreão, pensou em criar o Atheneu, o Brasil sonhava com a Europa e tentava imitar seus modismos, como o interesse acentuado dos poetas parnasianos pela cultura grega. Daí a ideia de se pegar o nome Athenaion, do templo da deusa grega da sabedoria, Atena, e trazer para o português, transformando-o em Atheneu.
Para Luís da Câmara Cascudo, o nome Atheneu refere-se à égide de Atenas, a deusa grega de sabedoria. Segundo o historiador da cidade do Natal, em Atenas, “o estabelecimento de instrução onde se lia e ouvia o sábio discorrer acerca da sapiência era o Athénáion, templo de Atenas, a Casa da Sabedoria”. CASCUDO, Luís da Câmara. Ateneu norte-riograndense – pesquisas e notas para sua História. Op. Cit. p. 22.
De acordo com Luís da Câmara Cascudo, a instituição secundarista foi estabelecida a partir do projeto discutido na Assembleia Legislativa Provincial, em que 20 deputados aprovaram a Lei número 16, de 12 de agosto de 1834, sancionada pelo referido presidente (CASCUDO, Luís da Câmara. Atheneu norte-riograndense. Op. Cit. p. 9-10.). A criação da instituição foi solicitada pelo Conselho-Geral da província em dezembro de 1833, levando, portanto, um ano para efetivar-se a solicitação no Rio Grande do Norte. A escola secundarista Atheneu reuniu as chamadas aulas maiores compostas pelas disciplinas de Filosofia, Geometria, Retórica, Língua Francesa e Língua Latina.
Basílio Quaresma foi também o primeiro diretor-geral, dessa instituição de ensino que se tornou a mais antiga do Brasil, fundado antes mesmo do Colégio Pedro II no Rio de Janeiro.
O objetivo de Basílio Quaresma era reunir em um único prédio, as cadeiras de humanidades, as chamadas cinco aulas maiores que fundamentavam o pensamento contemporâneo: Filosofia, Retórica, Geometria, Francês e Latim, que eram dadas em locais distintos e de forma autônomos. Essas disciplinas as primeiras a serem lecionadas no Atheneu, por professores iriam formar uma geração de homens que marcaram a história do Rio Grande do Norte com sua cultura humanística e capacidade intelectual. São eles: Padre Antônio Xavier Garcia de Almeida (1º Vice diretor), lecionava Filosofia;Joaquim José de Souza Serrano, lecionava Retórica; Urbano Egide da Silva Costa, lecionava Geometria; Elias Antônio C de Albuquerque, lecionava Francês Francisco Felipe da Fonseca Pinto, lecionava Latim. Entre os conselheiros que aprovaram a criação do Atheneu estão: Antônio da Rocha Bezerra Joaquim José do Rego Barros Luís de Albuquerque Maranhão Padre Manuel Pinto de Castro Matias Barbosa de Sá Bartolomeu da Rocha Fagundes.
Na sua fase inicial, o Atheneu não teve grande importância devido ao reduzido número de pessoas formadas pela instituição e suas fracassadas tentativas de transformação num centro melhor de formação de professores. É apenas na República que sua importância na formação cultural e política dos natalenses aumenta, organizando-se como principal instituição que reúne a “cultura” da cidade.
A primeira sede do Atheneu foi numa dependência do Quartel da Tropa de Linha do Exército, na época desocupado, localizado na Avenida Rio Branco, onde hoje funciona o Colégio Estadual Winston Churchill. Na arcada e entrada do Quartel, foram colocados os seguintes dizeres: “De guerreiros assento fui outrora, hoje d’aquilo que Minerva adora”.
Antes do estabelecimento da instituição, a formação secundarista da cidade do Natal era realizada por meio de as referidas aulas de humanidades de maneira autônoma. Ou seja, o ensino se dava em horários e locais com horários de funcionamento diferentes e locais dispersos pela cidade, uma vez que os alunos frequentavam as aulas percorrendo as casas particulares de seus professores. A abertura oficial do Atheneu ocorreu então no edifício do Quartel do Batalhão de linha, desocupado na época, onde permaneceu até o ano de 1859, quando passou a funcionar no edifício localizado na Rua Junqueira Ayres (atual Secretaria Municipal de Finanças) até o ano de 1954. Desse ano em diante, a instituição fixou-se, definitivamente, na Rua Campos Sales, no bairro de Petrópolis (Ibid, p. 20).
Com a chegada do batalhão de tropas, os alunos foram desalojados e as aulas passaram a ser dadas nas casas dos professores. O Presidente da Província, Antônio Bernardo de Passos, fez a escola voltar a funcionar em 1856, mas só se considerou a partir de 1º de março de 1859, quando o presidente Nunes Gonçalves instalou-a num edifício novo, onde hoje funciona a Secretaria de Finanças do Município.
Organização e fiscalização do ensino
Instituído com o intuito de colaborar para a organização e fiscalização do Ensino na Província, o cargo de Diretor Geral encontra-se descrito na Lei nº 135 do ano de 1845, sendo efetivamente estabelecido no Rio Grande do Norte com a Lei nº 191 de 1848. Nesta conjuntura ficava definido que o Diretor do Atheneu assumiria também a função de Diretor Geral, responsável pela instrução primária e secundária.
No mês de Setembro de 1845, o então Presidente de Província do Rio Grande do Norte proferiu uma mensagem endereçada à população da época, tratando sobre a educação no Estado do RN e suas constatações sobre o assunto. O Dr. Casimiro de Abreu esclarecia que eram necessárias medidas para a melhoria do Ensino Primário e Ensino Secundário, figurado pelo Atheneu, sobretudo investindo em prédios adequados, bem como à qualificação dos profissionais da educação.
Os atributos do Diretor Geral, explicitados nos Estatutos do Atheneu mostram o quão ativo seria o Diretor que acompanhasse todas as atividades dispostas no Regulamento, as atribuições eram importantes e o colocavam em verdadeira imersão no âmbito educacional da Província.
Os mapas escolares, descritos no Estatuto do Atheneu, eram elaborados pelo Diretor ou pelo Secretário, e consistiam em tabelas com informações importantes organizadas e anexadas ao Relatório da Instrução Pública. Exemplificando um mapa geral dos alunos ainda no período do Império, a Figura 8 retrata o Mapa 2 do Relatório de Presidente de Província do ano 1845, elaborado pelo Secretário da Província João Carlos Wanderley registrando o demonstrativo das Aulas Públicas de Primeiras Letras existentes na Província do Rio Grande do Norte.
Atheneu de 1859 a 1953
Em 1848, Frederico Augusto Pamplona iniciou a construção da sede para o Atheneu, que levou 11 anos para ser concluída. No ano de 1859 o Atheneu foi transferido para o prédio onde hoje funciona a Secretaria de Finanças do Município, próximo a Prefeitura Municipal, na Rua da Cruz, antiga rua Junqueira Aires, atual rua Câmara Cascudo, e lá permaneceu até a inauguração da sede no bairro de Petrópolis.
O prédio do Ateneu era referência na cidade e, muitas vezes, utilizado para outros fins. O professor Clementino Câmara, em Romance do Ateneu Norteriograndense, os parece indignado com tal fato, quando afirma: “não havia edifício onde a escola pudesse funcionar [o autor se refere a Escola Normal]. Para onde iria? O Atheneu estava naturalmente indicado. E lá ficou a escola Normal desde 13 de maio de 1908 até 31 de dezembro de 1910”. Informa ainda que essa decisão se deveu ao Governador Alberto Maranhão que fechou as escolas primárias, rotineiras, retrógradas e improdutivas que havia no Estado, e criou a Escola Normal, a fim de preparar gente capacitada. Nas palavras do Professor Clementino Câmara entendemos que a Escola Normal utilizou as dependências do Ateneu até dezembro de 1910. Daí, inferimos que, quarenta e quatro anos depois, a Escola Normal e o Ateneu voltam a utilizar o mesmo espaço.
A primeira inserção do discurso psicológico no Atheneu ocorre em 1911, mediante o Decreto nº 250, que reformulou o sistema de ensino do Estado. O novo regimento do Atheneu, publicado com o Decreto supramencionado, institui a disciplina Lógica e “Phisyo-psychologia”. Esta disciplina expressa, com extrema clareza, a dificuldade de a Psicologia se diferenciar de suas duas fontes: a Filosofia e a Fisiologia.
Em 1919, o jurista Floriano Cavalcanti ensinou a disciplina Psicologia, Lógica e História da Filosofia, instituída no Atheneu pela Lei n nº 395, de 16 de dezembro de 1915. Floriano Cavalcanti foi um intelectual de suma importância na história potiguar, não apenas enquanto jurista, mas como pensador da cultura e da sociedade da época, o qual considerou a importância do conhecimento psicológico na compreensão dos fatos históricos.
A presença da Psicologia no Atheneu era muito mais teórica do que prática. Apesar de a Psicologia Experimental ser o conhecimento dominante, sua presença deveria complementar a análise de outros conhecimentos, sobretudo, o filosófico. Este fato não era injustificado, pois o Atheneu seguia uma lógica utilitarista da educação imposta desde a reforma do ensino secundário em 1908. O currículo do Ginásio Potiguar era determinado pelos exames de preparação das faculdades, principalmente de Direito e Medicina.
Além do teatro Carlos Gomes (atual Alberto Maranhão), outras edificações da cidade tinham o poder de simbolizar valores estimados pela elites natalenses em 1922. Esses prédios abrigavam as instituições formais das elites, como o Atheneu Norte-Rio-grandense, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, a Escola Doméstica de Natal, o Natal-Club, o Club de Tiro de Guerra de Natal, o Natal Sport Club, entre outros. As instituições formais das elites tinham um papel decisivo ao que se refere à formação e estruturação das elites da cidade moderna, pois são elas encarregadas de instruir intelectualmente e socialmente os jovens membros das elites.
“Quem quer que se dirija hoje ao bairro da Ribeira, ao iniciar o percurso da Av. Junqueira Aires, vê logo após a igreja Protestante, o edifício da Faculdade de Farmácia e Odontologia no mesmo lugar onde existiu o Atheneu Norte Rio Grande. Ali estudavam-se tôdas as matérias do curso secundário.”
(Pedro de Alcântara Pessoa de Mello)
Subindo a ladeira da Avenida Junqueira Aires no sentido Ribeira/Centro pele a esquerda o caminho era de areia entre o antigo prédio do Atheneu e o não menos velho edifício do 24o Batalhão de Caçadores. Este antigo serviu de primeira sede prédio do Atheneu e foi criminosamente demolido; em seu lugar construíram um arremedo de edifício onde funciona uma repartição municipal. O prédio do Quartel Federal foi alvo de semelhante atentado; em seu lugar foi construído o Colégio Churchill.
Ainda acrescenta que o imóvel funcionou como instituição educacional de ensino primário, secundário e superior durante 65 anos. Abrigando, além do grupo escolar, a Escola Normal, anexo do Atheneu Norte-rio-grandense, e a Faculdade de Direito. Sendo considerado patrimônio histórico-cultural no Rio Grande do Norte. Ele foi tombado pelo governo do estado em 6 de dezembro de 1991. Atualmente o prédio encontra-se abandonado e em precário estado de conservação (NESI, 2012).
A transferência da Escola Doméstica de Natal de sua sede na Ribeira para o bairro de Tirol, a construção do novo prédio do Colégio Atheneu Norte-Rio-Grandense, mudando-se da Avenida Junqueira Aires para Petrópolis, e a criação de outras instituições de ensino nos bairros de Tirol e Petrópolis, a exemplo do Instituto Maria Auxiliadora (1952) e Externato Nossa Senhora de Fátima (1952), demonstram a preocupação das elites em criar, para seus filhos, novos estabelecimentos de ensino nos bairros onde se processava o crescimento de Natal.
Reformas no ensino
Desde o ano de sua fundação (1834) até os anos iniciais do regime republicano, o Atheneu Norte-riograndense sofreu diversas reformas no ensino e, até mesmo chegou a ser extinto. Segundo Marta Araújo, no ano de 1852, o colégio Atheneu foi suprimido. Nesse ano, a educação secundária foi limitada em aulas de latim e de francês, dispersando, novamente, as aulas pelas casas dos professores das respectivas disciplinas. No ano de 1854, por meio do Decreto número 1331-A, de 17 de fevereiro de 1854, regulamentou-se o ensino primário e o secundário na Corte no qual foi estabelecido que o colégio Pedro II serveria de instituição escolar pública padrão a todos os colégios secundários provinciais. O decreto de 1331-A causou repercussão na província do Rio Grande do Norte, de modo que a Assembleia Legislativa Provincial elaborou e aprovou a Resolução número 350, em 26 de setembro de 1856, que, por sua vez, instalava um colégio secundarista em Natal intitulado Atheneu Norteriograndense com edifício próprio inaugurado em 01 de março de 1859 durante a gestão provincial de Antônio Marcelino Nunes Gonçalves (1858-1859).
Durante toda a história da instituição essas reformas modificaram o tempo de ensino e o programa de estudo. Nos primeiros anos o regime republicano no estado, as disciplinas estabelecidas eram “Português, Literatura Nacional, Latim, Francês, Aritmética e Álgebra, História Natural e Higiene, Geografia Geral e especial do Brasil, Astronomia, História Geral e especial do Brasil, Sociologia, Moral, Pedagogia, História natural, Física, Química, Música e Desenho, Trigonometria e Ginástica” (ATHENEU NORTE-RIOGRANDENSE. A Republica. Natal, 19 fev. 1892). Para Araújo e Medeiros, com exceção das disciplinas e grego, alemão, esgrima e evolução militar, o programa curricular da instituição norteriograndense estava de acordo com a Reforma Benjamin Constant, que renovou o ensino secundário por meio do Decreto número 891 datado de 08 de novembro de 1890 (ARAÚJO, Marta Maria de. MEDEIROS, Cristiane Moreira Lins. A educação do homem culto – o norteriograndense Juvenal Lamartine de Faria (1875-1956). Revista de Humanidades – MNEME. V.5. n. 10, Abr./Jun. de 2004. p 315. Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro de 2013.), e em consonância com a grade curricular da escola modelo Pedro II – que continuou a ser o colégio padrão durante a República.
No fim do século XIX, estávamos diante de uma população no qual, aproximadamente, 181.137 indivíduos (sendo 89.119 homens e 92.018 mulheres) eram analfabetos, de um total de cerca de 233.979 habitantes norte-rio-grandense. Logo, as políticas direcionadas ao letramento dos potiguares eram urgentes e deveriam contemplar as preocupações republicanas. Dados relativos à população do Rio Grande do Norte e os números correspondentes aos indivíduos que sabiam ler e escrever e aos que permaneciam na condição de não alfabetizados nos últimos anos do século XIX, no regime imperial. Os dados foram retirados de NOBRE, Manoel Fereira. Op. cit.p.18.
Contudo, ainda que os chefes políticos norte-rio-grandenses, entre eles Alberto Maranhão, Augusto Tavares de Lyra, Joaquim Ferreira Chaves, Antônio José de Melo e Souza e Juvenal Lamartine Farias tenham empreendidos esforços em suas gestões para criarem instituições educadoras que contribuíssem para a transformação e para o desenvolvimento da sociedade potiguar, o colégio secundarista Atheneu era considerado um caso a parte. A “égide ateniense”, assim denominada por Câmara Cascudo, não era aberta a todos os filhos da terra potiguar, uma vez que o seu programa curricular era destinado a formar exclusivamente os filhos dos homens de posse e de prestígio na capital norte-riograndense, já que nem todos os potiguares dispunham de condições financeiras para matricular e manter seus filhos nessa instituição.
Assim, constituído por um grupo de jovens letrados, a história do Atheneu Norteriograndense está intrinsecamente relacionada à vida intelectual da capital, uma vez que compartilhamos da ideia elaborada por Eva Barros a cerca de que a instituição secundária deve ser entendida como “eixo aglutinador de práticas culturais” (BARROS, Eva Cristini Arruda Câmara. Atheneu norteriograndense: lócus de desenvolvimento cultural da Natal republicana. Disponível em: www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe1/anais/053_eva.pdf . Acesso em: 13 de dezembro de 2013). Em sua tese, intitulada Atheneu Norte Rio-grandense: práticas culturais e formação de uma identidade (1834-1924), Eva Cristini Barros discute a escola Atheneu como instituição criada para o fortalecimento do republicanismo em terras potiguares, compreendendo o período correspondente aos anos de 1834 a 1924 como o mais produtivo para a formação da memória dessa instituição (BARROS, Eva Cristini Arruda Câmara. Atheneu Norte Rio-grandense: práticas culturais e formação de uma identidade (1834-1924). Tese de Doutorado. Universidade Pontifícia Católica (PUC)/SP. São Paulo, 2000. p. 176).
Professor de História do Atheneu Norte-Rio-Grandense, Diógenes da Cunha Lima (1999) lembra a preocupação do educador, Pedro Velho, que escreve cartas para os pais e os alunos, praticando, já naquele tempo, uma “Pedagogia da Presença”.
Qualificacão profissional
O Atheneu Norte-riograndense também preparou seus alunos para a vida profissional. O decreto imperial número 5.429, de 2 de outubro de 1873, criou comissões de exames gerais de preparatórios nas províncias onde não havia cursos superiores. O decreto almejava facilitar o ingresso dos estudantes pudessem ingressar no ensino superior nas instituições estabelecidas fora de sua cidade ( BRASIL. Decreto Imperial número 5.429, de 2 de outubro de 1873. Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro de 2013.). Portanto, os exames preparatórios foram implementados no Atheneu ainda durante a gestão do chefe da província João Capistrano de Mello Filho (1873-1875). Por meio dessas avaliações, o colégio secundarista norte-rio-grandense poderia atuar como alavanca para a formação superior e a profissionalização dos seus estudantes. Desse modo, o colégio Ateneu, possivelmente, funcionou como um impulsionador, tanto das atividades nas letras por meio das associações literárias, como das projeções de seus homens de letras no campo literário potiguar.
Quando não participou sediando reuniões e eventos das organizações estabelecidas para diversos fins na cidade do Natal, o colégio também se destacou em importância para a vida profissional de alguns sujeitos. Pelas portas do Atheneu Norte-rio-grandense passaram nomes como Luiz Carlos Lins Wanderley e Manoel Segundo Wanderley, ocupando o cargo de professores; Luís da Câmara, José Augusto Bezerra de Medeiros e Francisco Ivo Cavalcanti, no cargo de diretores; Ponciano Barbosa como fiscal da União junto ao Atheneu (Informações extraídas de WANDERLEY, Ezequiel. Op. Cit. e CARDOSO, Rejane (O rg.). Op. Cit.).
É importante ressaltarmos que a inserção profissional das mulheres potiguares estava restrita às carreiras de professoras de ensino primário. No colégio secundarista Atheneu Norte-riograndense não identificamos nenhuma lente do gênero mulher, o que demonstra que a atuação do magistério feminino tinha seus limites, estando restritos ao ensino primário.
A primeira biblioteca pública
Outro ambiente destinado à iniciação intelectual consistia na Biblioteca Pública Provincial. A Biblioteca Pública do Rio Grande do Norte foi instituída no dia 8 de março de 1868 pelo presidente de província Gustavo Adolfo de Sá. A primeira e única biblioteca pública da cidade durante o período imperial foi estabelecida em uma das salas do colégio secundarista Ateneu e administrada pela Diretoria Geral da Instrução Pública da Província. De acordo com Manoel Ferreira Nobre, a Biblioteca Pública era mantida com verba anual destinada pela Assembleia Legislativa Provincial do Rio Grande do Norte e pelo financiamento ofertado por alguns particulares, resultando em “uma boa livraria de todas as ciências” (NOBRE, Manoel Ferreira. Biblioteca Pública. IN: _. Breve notícia sobre a Província do Rio Grande do Norte – baseada nas leis, informações e fatos consignados na história antiga e moderna. Rio de Janeiro: Pongetti, 1971. p. 29.).
Nos primeiros tempos de seu funcionamento, segundo os registros de Manoel Nobre, a Biblioteca Pública era “visitada mensalmente por 150 a 200 leitores, conforme consta nas participações do respectivo bibliotecário” (Ibid, p. 31.). É possível que a instituição pública destinada à instrução tenha proporcionado um maior acesso dos estudantes e dos professores do colégio Atheneu Norte rio-grandense devido à instalação da biblioteca no espaço interno da escola. É provável que a biblioteca tenha sido visitada por intelectuais que não eram professores ou alunos da instituição, principalmente, por escritores que não dispunha de boas condições financeiras de comprarem livros.
O Atheneu participou da vida intelectual da capital norte-rio-grandense por meio do empréstimo de seu espaço físico para o
funcionamento de associações literárias e para a realização de eventos. O colégio secundarista abrigou a Biblioteca Pública do estado, que nos anos iniciais do regime republicano havia encerrado as suas atividades. Antônio José de Melo e Souza recorda no jornal A Republica de 1891, os tempos da biblioteca fundada no interior da escola:
Em uma das salas do Atheneu Riograndense viu-se em tempos, estantes cheias de livros, cuja leitura franqueava-se ao público e nesta terra fala-se já ter havido uma bibliotheca… Hoje pairam estes livros, espalhados por estantes particulares, a sala de leitura trancou-se e a bibliotheca, portanto, é uma simples recordação261
A REPUBLICA. Natal, 19 jul. 1891.
.
A biblioteca foi composta graças à ajuda de “intelectuais de vários quadrantes e principalmente aqueles que participavam das bases de sustentação do governo recémempossado, tomaram como sua a campanha de doações de livros, idealizada pelo novo diretor da Instrução” (Idem.). No ano de 1897, a biblioteca do Atheneu foi elevada à categoria de Biblioteca Pública do estado.
Grêmios literários
O colégio Ateneu foi um celeiro de produções intelectuais. Os estudantes da escola secundarista atuaram na constituição de grêmios literários por iniciativa de seus estudantes. As agremiações literárias desenvolveram um importante papel na dinamização da vida intelectual da capital.
Cada agremiação literária identificada no período provincial possuía um jornal. As três primeiras associações mencionadas por Câmara Cascudo, publicaram, respectivamente, O Albatroz (1887), O Cisne (1887) e O Têntamen (1889). Os periódicos dos clubes literários tanto serviam para refletir as ideias das associações, bem como proporcionar um espaço de divulgação do trabalho de seus membros. Podemos acrescentar às associações literárias mencionadas por Cascudo, a agremiação literária e filosófica, a Sociedade Miguelina. Os grêmios literários eram frequentados, em sua maioria, por jovens estudantes secundaristas do colégio Atheneu e das faculdades de Medicina e de Direito do país (FERNANDES, Luis. Op. Cit. p. 62.).
Existiam duas associações literárias compostas por, exclusivamente, alunos da escola secundaristas que atuaram como literatos na cidade, a saber: os grêmios Literário Natalense (1892-1893) e o Castro Alves (1897).
No ano de 1892, os alunos do colégio Atheneu fundaram o Grêmio Literário Natalense. A associação reuniu os estudantes Juvenal Lamartine, José Bernardes Filho, José Rodrigues Leite, José Ribeiro Paiva e Luiz Souto Neto (MELO, Manoel Rodrigues de. Op. Cit. p.144). De acordo com Eva Câmara Barros, a motivação principal do grêmio era “discussão literária, para isso fundando o jornal O Athleta” ( BARROS, Eva Cristini Arruda Câmara. Atheneu Norte Rio-grandense: práticas culturais e formação de uma identidade (1834-1924). Op. Cit.p. 183.). O periódico Athleta, jornal porta-voz da associação, foi distribuído em 7 de setembro de 1893 e tinha como redatores os alunos José Bernardes Filho, Rodrigues Leite e Ribeiro Paiva (FERNANDES, Luis. Op. Cit. p. 42).
A atuação do Grêmio Literário Natalense foi além da discussão acerca de literatura. Os alunos que estavam à frente da associação, entre eles Juvenal Lamartine, participaram da primeira greve estudantil no Rio Grande do Norte. Segundo Marta Maria de Araújo, a greve foi deflagrada após o convite realizado pelo governador Pedro Velho ao desembargador José Clímaco do Espírito Santo para que o último assumisse o cargo de vice-diretor do colégio secundarista. A preocupação e a ação desses jovens literatos iam, portanto, para além da literatura. Não foi possível detectarmos o ano exato em que o Grêmio Literário Natalense encerrou as suas atividades.
O colégio Atheneu Norte-riograndense veio a abrigar outra associação que marcaria a história da instituição: o Grêmio Castro Alves (1897-1898). O Castro Alves foi criado pelos alunos da escola, entre eles Antônio Soares, Raul Fernandes, Alfredo Soares, Honório Tinoco, Aristóteles Costa, Lemos Filho, Pedro Amorim, Fernando Seixas, Eduardo Seixas, Adalberto Peregrino, João Valfredo, Virgílio Seabra, Manoel Quintino, Virgílio Benevides, José Nunes e Alcides da Câmara (BARROS, Eva Cristini Arruda Câmara. Atheneu Norte Rio-grandense: práticas culturais e formação de uma identidade (1834-1924). Op. Cit. p. 177.). Identificamos a importância da associação literária devido ao seu caráter excepcionalmente estudantil e à contribuição que esses jovens proporcionaram às manifestações literárias na capital. O conjunto de rapazes, em 12 de junho de 1897, colocaram em circulação o periódico O Íris.
O grêmio Castro Alves estava envolvido nos festejos do dia 7 de setembro, 15 de novembro, 25 de dezembro, datas de comemorações a eventos de simbolismo nacional e estadual. Se observarmos a data de fundação do jornal do Castro Alves (12 de junho de 1897), podemos articulá-la à data de comemoração dos 80 anos da Revolução de 1817, no qual a figura de Frei Miguelinho foi escolhida como herói norte-rio-grandense.
Identificamos que o Grêmio Literário Natalense também escolheu uma data diferenciada para a sua fundação, a saber o 7 de setembro. Podemos aferir que havia nos grêmios estudantis literários do Atheneu uma estreita comunhão com os ideais republicanos que se difundia na cidade do Natal.
A participação dos alunos de o Atheneu não ficou restrita apenas à instituição. Eva Barros elenca que alguns jornais da cidade do Natal difundiram contribuições dos alunos secundaristas, entre eles: O Correio do Natal (1878-1889), A Liberdade (1885-1889/ 1915-1916), Gazeta do Natal (1888-1890), O Corrisco (1888-1889), A Inspiração (1889-1890), O cascabulho (1888-1889), O Fantoche (1896), A Bala (1896), O Punhal (1889), O Tentâmen (1899), A Ordem (1909-1915), O Estudante (1909-1910) (ANAGRAMA. O Íris. Natal, 8 ago. 1897,p. 2.). No que diz respeito ao periódico O Íris e o grêmio Castro Alves, estes encerraram atividades em dezembro do ano de 1898.
Em 1916, o jornal “O Parafuso” publicou naquele ano: “Uma commissão da florescente Agremiação Litterária Ferreira Itajubá, composta dos distinctos moços Lauro Botelho e Pedro Lopes Júnior, teve a gentileza de nos communicar, que desde terçafeira, acham-se abertas as matrículas, no edifício do Atheneu Norte Riograndense, das 10 e meia em diante. É para todo mundo – moços, velhos, pretos, brancos, limpos,sujos, mestiços, caboclos, todo mundo enfi m. O melhor de tudo é que os ensinantes dão tudo quanto o alunno precisar para aquelle serviço”.
Do colégio secundarista Atheneu Norte-riograndense saíram nomes de destaque na vida intelectual natalense, entre os quais podemos citar Henrique Castriciano de Souza, Raul Fernandes, Sebastião Fernandes, Aurélio Pinheiro, Adalberto Peregrino, Juvenal Lamartine, Ponciano Barbosa, Nestor Lima, Paulo Barreto Maranhão, Érico Souto, José Gothardo Emerenciano, Luiz Segundo Bezerra Trindade, entre outros indivíduos que se lançaram como amantes das letras no universo literário potiguar desde os tempos estudantis.
A Escola Normal
Na primeira década do século XX, o governo republicano no Rio Grande do Norte empreendia esforços para organizar o ensino no estado, o que resultou no estabelecimento de instituições voltadas para a formação de professores. Para tanto, no ano de 1908 estava criada a Escola Normal de Natal, responsável pela formação de professores na capital norte-rio-grandense.
Em 29 de abril de 1908, o Decreto número 178 criou a instituição normalista denominada Escola Normal de Natal voltada para a formação e preparo de professores de ambos os sexos. O mesmo decreto ainda estabeleceu a Diretoria Geral da Instrução Pública, que tinha sido extinta em 1900, e criou os Grupos Escolares e Escolas Mistas na capital e em outros municípios (LIMA, Nestor dos Santos. Um século de ensino primário. Natal: tipografia de A República, 1927. p. 26.). O curso normalista tinha duração de quatro anos, posteriormente acrescido de mais um ano por meio da Lei número 284, de 30 de novembro de 1909, que ratificou reforma da Instrução Pública no Rio Grande do Norte (MORAIS, Maria Arisnete Câmara de. Chicuta Nolasco Fernandes, intelectual de mérito. Natal: Editorial A Republica, 2006 (série Educação e Educadores do Rio Grande do Norte, n.2). p. 74.)
A Escola Normal de Natal foi instalada na sede do colégio secundarista Atheneu Norte-riograndense, onde funcionou até o final de 1910, quando se mudou para as instalações do Grupo Escola Augusto Severo. Nesse ínterim de tempo, o mencionado Grupo Escolar, criado em 5 de março de 1908 pelo Decreto número 174, foi elevado à categoria de escola modelo, ou seja, serviria à prática daqueles que estava sendo formados docentes na escola normalista ( MORAIS, Maria Cristine Câmara de. SILVA, Francinaide de Lima. História da profissão docente em Natal/RN (1908-1920). Op. Cit. p. 269.).
Elencamos essa instituição devido a sua importância na diplomação de literatos potiguares, entre eles José Rodrigues Filho e Francisco Ivo Cavalcanti, ambos formados pela escola normalista no ano de 1910.
Este prédio foi edificado no início do século XX, ao lado da Praça Augusto Severo. Nele funcionou o Grupo Escolar pioneiro no Rio Grande do Norte na reformulação do modelo educacional implantado à época. O ato inaugural ocorreu a 12 de junho de 1908, com a presença do governador Alberto Maranhão e representantes das principais instituições educacionais de Natal. Segundo Onofre Jr. (1998, p.67), para quem o edifício é de “indiscutível valor artístico”, o projeto é de autoria do arquiteto Herculano Ramos. A edificação apresenta um único pavimento, com fachada rebuscada de composição simétrica. Possui corpo central com pórtico
de entrada enquadrado por pilastras, além de exibir frontão triangular e platibanda com ornatos e cornija em massa.
O Grupo Escolar Augusto Severo foi convertido em Escola-Modelo pelo decreto 198, de 10 de maio de 1909. Em 1952, com a desativação do antigo prédio do Atheneu Norte-rio-grandense, este passou a funcionar, até 1954, no edifício do Grupo Escolar. A partir de 1956, ali foi instalada a Faculdade de Direito, que permaneceu nessas dependências até 1974, quando o Curso de Direito foi transferido para o Campus Universitário. Posteriormente, a edificação sediou a Secretária de Segurança Pública do Estado. Em 6 de dezembro de 1991, o prédio foi tombado pelo governo estadual (NESI, 1994).
Ao falar sobre instrução no ano de 1908, o Presidente de Província Alberto Maranhão mencionou o Grupo Escolar Augusto Severo. Maranhão (1908, p.6)
O Grupo Escolar Augusto Severo – fundado pelo meu ilustre antecessor – serve atualmente de escola de aplicação, na qual fazem sua aprendizagem os estudantes da Escola Normal. No mesmo dia da inauguração desse grupo – 12 de junho – começou a funcionar, anexa ao teatro Carlos Gomes – uma modesta escola de música. O ensino secundário continua a ser ministrado no Atheneu Rio-Grandense, cujo professorado, competente e assíduo, preenche os fins exigidos pelo curso de madureza. Quando nos for possível a criação de um Liceu de artes e ofícios e de uma escola de agricultura estará completo o nosso elenco de instrução primária, secundária, normal, artística e profissional.
Elite
Estudar as instituições das elites natalenses ajuda-nos a reconhecer as fisionomias dessas elites, a descobrir como e quem a formava, a começar pela instrução indispensável a todo jovem membro da elite: o ensino secundário. As escolas secundárias dariam continuidade aos esforços dos professores primários. Nesse sentido, o Atheneu Norte-Riograndese assumia posição de
destaque, sendo a principal referência em educação secundária na cidade.
A escola era regida por um estatuto, que deveria ser prezado por estudantes e funcionários. No estatuto da escola, estava prevista a função a ser desempenhada por cada funcionário, o calendário letivo, as disciplinas ministradas e o papel dos alunos. No que diz
respeito aos estudantes, era exigida “a maior gravidade dentro das Aulas, e toda civilidade e cortezia fóra das mesmas, quando reunidos os Estudantes, ou quando se encontrarem uns com os outros, ou com os Lentes do Atheneu.” (ESTATUTOS DO ATHENEU, 1835. In: CASCUDO, Luiz da Câmara. Atheneu norte-riograndense. Natal: coleção Juvenal Lamartine, 1961.). As punições deviam ser devidamente aplicadas pelo diretor, se esse “assim julgar ser de justiça”, e em casos de reincidência, o castigo era dado pela
Congregação e dependendo da gravidade do caso, podendo resultar na expulsão do aluno.
Cumprindo as normas, exercitando o saber e prezando as noções de cortesia e civilidade, assim como constavam nos artigos do estatuto, passaram pelo Atheneu políticos, literatos, bacharéis. Enfim, todos os membros da elite que concluíam o secundário no Estado passavam pelos mestres do Atheneu antes de partirem do Rio Grande do Norte a fim de completarem seus estudos nas faculdades de Direito, Medicina ou Engenharia, nas faculdades da Bahia, Pernambuco ou mesmo no sul do país.
A cidade aparece aqui nas vozes de um grupo de governantes, intelectuais − enfim, uma elite cujos membros tiveram, em sua maioria, sua formação escolar no Atheneu, que seguiram para outros centros e experimentaram a turbulência da modernidade no Brasil ou na Europa. Esse grupo tomava as rédeas do Estado, seja na administração pública ou na formação de uma opinião
pública, através das colunas d’A República, da Gazeta do Commércio ou do Diário do Natal.
Os rapazes natalenses cursavam o ensino secundário no Atheneu Norte-RioGrandense, mas apenas os membros de famílias abastadas estudaram em faculdades de outras capitais como Recife e Salvador. Aos jovens sem recursos restavam às atividades intelectuais realizadas na capital da província do Rio Grande do Norte (Cf. CASTRICIANO, 2011, p. 205.).
Nos jornais, as primeiras informações que temos sobre Omar O’Grady fazem referência ao aluno que, então, prestava exames para o Atheneu Rio Grandense, escola onde alguns dos membros da elite local cursaram o secundário, inclusive personagens que fizeram parte da Intendência à época em que O’Grady a presidia. O jovem O’Grady será aprovado plenamente nos testes realizados para essa instituição, no ano de 1905. O detalhe era que os exames feitos pelo estudante prestes a completar onze anos eram destinados aos que desejavam cursar direito (A REPUBLICA, Natal, 21 fev. 1905; 22 fev. 1905.). O’Grady será lembrado em outra nota de aniversário de 1909, ano em que obtém o primeiro prêmio como aluno do Atheneu Rio Grandense (Ver, respectivamente: A REPUBLICA, Natal, 17 fev. 1909; 05 maio 1909).
Exames
O mais frequente era o aluno estudar quatro matérias (entre as quais português e aritmética) e no fim do ano enfrentar os examinadores, catedráticos do Atheneu Norte-Rio-Grandense. Aquele que preparasse os doze preparatórios podia se candidatar a qualquer vestibular nas escolas superiores do Recife, Salvador, Rio ou São Paulo. Aquele que preparasse os doze preparatórios podia se candidatar a qualquer vestibular nas escolas superiores do Recife, Salvador, Rio ou São Paulo. O problema maior era ter de arcar com a despesa. Quantos rapazes ficavam com os “doze” engavetados, esperando uma possibilidade que nunca chegava…
No colégio as notas de Clovis (irmão do maestro Waldemar de Almeida) não recomendavam nenhum estudante. No fim do ano, foi reprovado. No ano seguinte, inscrito para quatro exames parcelados, foi reprovado em duas matérias, sendo que não perdeu “francês” graças a um ardil que foi muito comentado por todos os professores do Atheneu Norte-Rio-Grandense.
Pela prova escrita de francês, Clovis sabia que estava fadado à reprovação. O fiscal federal do ensino, Dr. Kerginaldo Cavalcanti, entrava e saía da sala de exames. Passando junto da banca do examinado, leu um pouco a prova e disse: “você está ruim, menino”. Professor Abel Barreto, catedrático e examinador da cadeira, da mesa onde estava sentado. observava.
Clovis não perdeu a calma. Observando que o professor Abel Barreto não tirava os olhos deles dois, puxou conversa com o fiscal, dando-lhe parabéns pelo magnífico discurso que ele havia feito de improviso – fazia poucos dias – na praça pública numa campanha política.
Kerginaldo Cavalcanti era na realidade um grande tribuno. Tinha todas as palavras que queria à sua disposição. Os gestos, o timbre da voz, o vocabulário, eram de um autêntico dominador da oratória.
O fiscal ouviu o elogio, e fez o que justamente Clovis queria: alongar um pouco mais o diálogo. Quando saiu, batendo diversas vezes nos ombros do estudante, dizendo “você precisa estudar, rapaz”, recebeu como resposta um rápido abraço dado de
propósito para que Abel Barreto visse.
Depois, quando terminou o exame oral, antes que o resultado fosse lido pelo bedel e fixado na secretaria do Atheneu, Clovis aproveitando um curto instante em que o fiscal se ausentou da sala, destemidamente, colocou a mão no ouvido esquerdo do examinador de “francês” e cochichou: “Dr. Kerginaldo mandou dizer que faça tudo para não me reprovar”.
Meia hora depois, era afixado o resultado dos exames de francês e meu irmão figurava na lista como um dos aprovados. Quando o fiscal que já assinara a ata dos exames, chegou à secretaria e viu a lista dos aprovados, virou “onça”. Imediatamente procurou Abel Barreto e o lente surpreso, sem entender a fúria do fiscal, limitou-se a dizer:
– Não é seu recomendado?
– Recomendado uma ova!
– Você não mandou pedir para aprová-lo?
– Eu?
– Vi você conversando com ele, batendo no ombro dele!
Ele o abraçando!
– O que tem uma coisa com a outra, Abel?
– Acreditei no recado e subi a nota do rapaz…
– Se não tivesse assinado a ata…
Clovis se escondeu do Dr. Kerginaldo Cavalcanti por muito tempo. Quando se encontraram casualmente, o fiscal em vez de
chamá-lo filho desta ou filho daquela, limitou-se a sorrir e disse: “a piada mereceu a aprovação”.
O catedrático de aritmética do Atheneu, professor Garcia, vinha dar aulas montado no seu burrinho. Os alunos que haviam sido reprovados na sua matéria gritavam escondidos, quando o mestre se aproximava do velho casarão da Junqueira Aires: “O
burrinho do professor Garcia já chegou?”. Ou: “lá vem o burro do professor Garcia”.
O Atheneu Norte-Rio-Grandense, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, a Escola Doméstica de Natal, o Natal Club, entre outras instituições, também contribuíram para a propagação de valores de civilidade, trabalho e progresso, pretendidos pela elite no começo do século XX. Era fundamental educar os jovens a comportar-se nos lugares de sociabilidade, a exemplo de praças, teatro, clubes, cinemas e cafés.
Ainda que contando com dificuldades, a Escola de Farmácia abriu suas portas para os futuros farmacêuticos do Estado:
Assim as aulas do primeiro anno tiveram começo em 16 de abril, fazendo a primeira preleção, da cadeira de História natural, o notável clinico Dr. Adolpho Ramires.
Matricularam-se apenas quatro alumnos, previamente approvados no exame vestibular, mas alem desse a Congregação permittiu a frequência a 22 “ouvintes” que, uma vez preenchidas em tempo as formalidades regulamentares, poderão ser admitidos a exame do primeiro anno.
A assiduidade, quer dos professores, quer dos alumnos, tem sido sempre a mesma do primeiro dia, e tudo parece indicar que a Escola preencherá cabalmente os fins a que se destina. Para facilitar o estudo das sciencias physicas e naturaes do primeiro anno, foi permitida a utilização dos gabinetes do Atheneu Norte-Rio-Grandense, em cujo edifício funcciona a escola, enquanto não dispõe esta de gabinetes proprios.
(RIO GRANDE DO NORTE…, 1923, p.13.).
Atheneu Feminino
Até 1902, o Atheneu foi uma instituição voltada para a formação dos rapazes da sociedade potiguar, um espaço exclusivamente masculino, repetindo um modelo da sociedade em que a mulher era relegada sempre ao segundo plano, apenas dedicada ao serviço doméstico. A partir de 1903, porém, refletindo os anseios de modernidade de uma parcela significativa de mulheres, o Atheneu abriu suas portas para elas e, em janeiro de 1903, ocorreram as primeiras matrículas de mulheres na instituição. Entre as pioneiras aprovadas nos exames de humanidades estão: Sidrônia de Carvalho, Maria Arminda Caldas, Edilbertina Figueira e Albertina Avelino.
É interessante observar que Inicialmente as mulheres dividiram o mesmo espaço educativo com os homens. Posteriormente foi aberta uma secção exclusivamente feminina – o Atheneu Feminino, que teve como sede o antigo prédio do Grupo Escolar Antonio Souza, na rua Jundiaí, onde hoje funciona a Fundação José Augusto, enquanto que o Atheneu masculino continuava na rua Junqueira Ayres.
O Atheneu feminino teve como diretores: o professor Edgar Barbosa, seu substituto o Monsenhor João da Mata Paiva e o Professor Protásio de Melo. A primeira mulher a administrar o Atheneu foi a professora Olindina Lima Gomes da Costa, de 1955 a 1961, no governo Dinarte Mariz.
Cântico
A 3 de julho de 1931, Waldemar de Almeida iniciava uma nova vertente de sua carreira de educador musical ao ser nomeado professor de Canto Orfeônico do Atheneu Norte-Rio-grandense. Iniciava-se no Brasil um movimento que visava a valorização da música nacional através de grupos corais, denominados na época de “conjuntos orfeônicos”. Acreditava-se que o canto coral possuía mais do que benefícios artísticos e educacionais, pois era um valioso recurso para se alcançar o despertar da consciência
nacional, especialmente pela entoação de hinos patrióticos, na divulgação da canção brasileira e na ênfase ao folclore nacional.
No ambiente local, as consequências se fizeram sentir: o Interventor Federal Aluísio Moura assinou, a 3 de julho de 1931, o Decreto de n. 115 criando no Atheneu Norte-Rio-Grandense a cadeira de Música (Canto Orfeônico), conforme se ministrava no Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, ao qual era equiparado. Através do Ato n. 229, do mesmo dia, nomeava Waldemar de Almeida professor de Canto Orfeônico daquela escola.
Desde o ano de 1931 havia o Governo do Estado implantado a disciplina Canto Orfeônico para as escolas de nível médio do Estado, o Atheneu e a Escola Normal. Impulso decisivo foi tomado com a criação da Superintendência de Educação Musical e Artística, órgão da Secretaria de Educação do Distrito Federal, sendo nomeado para dirigi-la, em 1932, o Maestro Heitor VillaLobos. Por indicação do Diretor Geral do Departamento de Educação do Estado, Dr. Anfilóquio Câmara, o Interventor Mário Câmara instituía o “Orfeão de Professores”; no dia 15 de março de 1934, o governo criava, através do Decreto n. 594, (Decreto nº 594, de 15 de março de 1934: Cria o Orfeão de Professores do Estado.) o novo conjunto e nomeava para regente o Maestro Waldemar de Almeida. O texto do decreto justificava a importância do órgão criado, considerando a alta missão de educação que a música pode realizar através do Canto Orfeônico e, ainda, que é pelas escolas públicas que o canto coral penetrará mais facilmente nas massas populares.
Seguiram-se muitas apresentações, entre as quais no dia 7 de setembro de 1939, a homenagem, no Teatro Carlos Gomes do Instituto de Música, “Curso Waldemar de Almeida”, Orfeão do Atheneu, Orfeão do Instituto de Música e a banda de música da Força Policial Militar.
Decreto do dia 14 de maio de 1945, do Interventor Federal, nomeou a Professora Maria de Lourdes Guilherme, ex-aluna do Instituto de Música, para a função de Professora de Canto Orfeônico do Atheneu.
Faculdades de Farmácia e Odontologia no Atheneu
A Faculdade de Farmácia de Natal foi criada em 1923, pelo governador Antônio José de Mello e Souza. Importa dizer que durante a gestão de José Augusto Bezerra de Medeiros (1924-1927), o ensino foi suspenso, tendo em vista uma reforma educacional realizada pelo Governo Federal, a qual alegava que o Estado Norte-riograndense não teria condições financeiras para sua manutenção. Desse modo, o curso de Farmácia não teve como prosseguir nesse período, formando apenas uma turma que colou grau no ano de 1925, com apenas dois concluintes.
Por sua vez criou-se a Faculdade de Odontologia de Natal, em 1923, pelo governador Antônio José de Mello e Souza (1920-1923), como curso anexo à Faculdade de Farmácia. A partir disso, foi chamada Escola de Farmácia e Odontologia de Natal. A cargo da direção esteve o médico Dr. Januário Cicco e como vice-diretor o médico Dr. Adolpho Ramires.
Para o retorno do ensino superior da Faculdade de Farmácia foram promovidas discussões pelo professor Luiz Correia Soares de Araújo, diretor do Grupo Escolar Frei Miguelinho, nos anos de 1944 e 1945. A Comissão que criou essa instituição recorreu ao interventor federal pela volta do curso. E posteriormente, através do Decreto Estadual nº 682 de 03 de fevereiro de 1947, foi explanada a necessidade de formação de farmacêuticos e odontólogos para atuação na área de farmácia e saúde oral.
O curso de Farmácia e Odontologia tinha como pretensão funcionar no prédio da Associação de Escoteiros do Alecrim, com a contribuição da Policlínica do Alecrim, tendo em vista favorecer as aulas práticas de Anatomia, fato esse também noticiado pelo jornal A República, em 15 de março de 1945.
As aulas dos cursos de Farmácia e odontologia começaram em 1949, após a realização dos vestibulares, com uma turma de quatorze discentes, funcionando no edifício do Colégio Atheneu Norte-rio-grandense, na avenida Junqueira Alves. É importante ressaltar que a autorização se deu por parte do Governo Estadual, em turno noturno, uma vez que no diurno ocorriam as aulas próprias do Atheneu.
Referente ao ensino no Curso de Odontologia, as aulas eram teóricas e práticas, com duração de três anos com as seguintes disciplinas: Anatomia, Fisiologia, Histologia, Microbiologia, Metalurgia e Química Aplicada (1º ano); Clínica Odontológica, Prótese Dentária; Técnica Odontológica, Higiene e Odontologia Social (2º ano) e Clínica Estomatológica, Patologia e Terapêutica Aplicada, Ortodontia e Odontopediatria, Prótese Buco-Facial. (3º ano).
Mesmo diante das dificuldades de falta de livros e acomodações adequadas, em 1951, foi formada a primeira turma de cirurgiões-dentistas do curso de Odontologia.
Considerando que a estrutura do edifício do Atheneu não tinha condições adequadas para comportar os cursos de Farmácia e Odontologia, em 1954, o Estado do RN transfere esse tipo de ensino profissional para um novo local, na Avenida Campos Sales, esquina com a Rua Potengi.
Com a mudança, o curso de Odontologia passou a ser diurno e o de Farmácia continuou noturno. Mesmo com essa inciativa, os recursos eram insuficientes para a Escola. O Estado dotava-a com uma verba que mal dava para gratificar os seus professores e o pessoal administrativo.
Atheneu de 1954 aos dias atuais
O terreno da atual sede do Atheneu, comprado pelo então Interventor do Estado Dr. Mário Leopoldo Pereira da Câmara, conforme Decreto de nº 832 de 10 de maio de 1935, com 8.228 m², pela quantia de trinta e cinco Contos de Reis, da Viúva Maria Machado, passou por um longo período de construção. Foram 11 longos anos desde a data de sua compra até a data da inauguração de sua tão esperada sede própria, projetada por João Vitor de Holanda. Durante muito tempo, esta data foi comemorada com jubileu, Sessão Magna, discursos e banda de música.
Em 11 de março de 1954, o Atheneu foi reinstalado em um prédio moderno, em forma de X, com um ginásio coberto para a prática de esportes e de educação física, graças aos esforços do professor Severino Bezerra de Melo, diretor do Departamento de Educação, e do interesse do governador Sílvio Pedrosa, em cujo governo a obra foi concluída.
O nome foi modificado para Instituto de Educação porque se pretendia de fato, fazer funcionar um Instituto de Educação, inclusive com um Grupo Escolar Modelo. Essa proposta não foi concretizada e o Atheneu ocupou todo espaço. O governo construiu outro prédio destinado à Escola Normal, Escola de Aplicação e Jardim Modelo.
Infelizmente nos dias atuais esse belo prédio que já foi símbolo da Educação no Rio Grande do Norte está com sua estrutura bastante deteriorado bastante e entregue ao descaso pede socorro. Um movimento de ex-alunos e professores chamaram a atenção da sociedade para o problema do colégio e exigir dos políticos responsáveis uma solução urgente.
O prédio atual desde 2010 é Patrimônio Histórico, tombado pelo Município de Natal.
Para a aposentada Socorro Silva, que foi aluna do colégio na década de 60, a escola era considerada modelo no estado. “Mesmo sendo pública, o Atheneu tinha grande prestígio e era muito respeitado como instituição de ensino”, recorda.
Busto do Prof. João Tibúrcio
O busto de bronze que se encontra na entrada da sede do Atheneu, é uma homenagem ao Professor João Tibúrcio, que entre outras atividades que exerceu, dirigiu interinamente o Atheneu em 1892 e 1893. Foi também professor de Latim, Francês e Português nessa instituição de ensino. Devido a sua compostura, assiduidade e competência, foi tido como professor modelo, e como tal, teve seu busto em bronze inaugurado na pracinha vizinha ao antigo prédio do Atheneu, na avenida Junqueira Ayres, seu local de trabalho por onze anos. A homenagem se deu no dia do professor em 1928.
Inaugurado em 15 de outubro de 1928, obra de Hostílio Dantas, toda em bronze, é uma justa homenagem aquém dedicou mais de 50 anos ao magistério. Professor de Latim e Português, João Tibúrcio foi lembrado por Cascudo (1974), em suas acta diurnas:
Foi meu professor de latim, dois anos. Era na casinha da Praça das Laranjeiras, hoje Dom Pedro Segundo, última a direita ao descer para o Passo da Pátria. Aí, às quatro horas, encontravao com a camisa de peitilho espelhante, chinelão de couro vermelho, o charuto e a pachorra imperturbável. Fora mestre meio século e para ele, a mocidade continuava inarredável nos alunos que a vida envelhecia, destroçava ou erguia para o governo do Estado, senatória ou ministérios. “Aquele menino Alberto Maranhão… aquele menino Tavares de Lira”. […]
O Busto do Prof. João Tibúrcio, após fazer uma verdadeira peregrinação por diversos logradouros da cidade, foi colocado no pátio do Colégio Atheneu, lugar de memória da educação natalense.
Esportes
Atheneu esquerdista
Desde sua criação, o Atheneu Norte-rio-grandense sempre teve a tradição de ser a vanguarda intelectual da juventude natalense. No final dos anos 1960, naturalmente o colégio foi um ponto de preocupação do regime militar.
Aníbal Barbalho, Paulo Luz e Marcos “Lua” Medeiros eram estudantes do Atheneu em diferentes turmas entre os anos de 1966 e 1968, e recordam da intensa atuação dos líderes estudantis de tendência comunista como Juliano Siqueira, Sezildo Câmara e José Bezerra Marinho.
Paulo Luz era ainda um garoto de 15 anos e lembra que muitos alunos tinham orgulho de dizer que eram comunistas. Muitos procuravam estudar sobre o assunto, mas ele, particularmente, ainda não sabia direito o que isso significava. Como representante de turma mais jovem no Diretório Estudantil, também assumia essa postura dos líderes. Como consequência, passou a ser intensificada a procura de livros de autores russos e brasileiros “esquerdistas” da biblioteca do colégio, pelos alunos.
Aníbal recorda que, mesmo procurando estudar sobre o comunismo, chegou a ler alguns livros escritos antes da revolução comunista russa e que nada tinham a ver com a linha Marxista. Entre os livros lidos estavam: “Almas Mortas” (Gogol), “Os Irmãos Karamazov”, “Crime e Castigo” e “O Jogador” (Dostoevsky), “Pequenos Burgueses”.
Marcelo Rebouças, Everton Maciel, Fernando Damasceno e Lourival Pinheiro Borges eram outros leitores assíduos dos livros russos e dos “esquerdistas” Jorge Amado, Sartre etc.
Em 1968 Aníbal foi retirar o livro “Revolução e Contra Revolução no Brasil” de Franklin de Oliveira. Esse livro era disputadíssimo pelos estudantes e considerado como de alto poder para derrubar a ditadura. Rejane Lopes Cardoso era funcionária que atuava na Biblioteca do Atheneu. Quando ela foi anotar a saída desse livro, alertou a Aníbal, que o mesmo sempre era retirado com o nome “Pequeno Príncipe”, para evitar qualquer problema posterior. Muito atrevido, Aníbal disse para que fosse colocado na fi cha o nome correto do livro e ela assim o fez.
Três dias depois a Ditadura baixa o Ato Institucional Nº 5 e prisões aconteceram em todo o Brasil e também aqui em Natal. Aníbal ficou desesperado, olhava para o livro e não sabia o que fazer: queimava? Rasgava? Enterrava? Resolveu deixá-lo em cima da mesa da casa do pai e “esperar a chegada do Exército”. Esperou angustiadíssimo, durante dias e dias e o Exército nunca chegou para prendê-lo. O resultado deste episódio, é que o ex-estudante do Atheneu ainda hoje tem pesadelos em que o Exército vem detê-lo.
Trauma da juventude. Aníbal ainda tem esse livro guardado. Ao ler o mesmo recentemente verificou como “os órgãos de repressão e censura eram incompetentes por ter medo de um livro tão besta”.
Ocorreram diversas inserções dos órgãos de repressão no Atheneu. Aníbal Barbalho lembra que em 1968 a Polícia Militar cercou o Atheneu.
O então comandante da Rádio Patrulha coordenava a operação. Com farda engomadíssima, elegante, peito estufado, ele se comunicava através de um rádio ou megafone dando orientações para a movimentação da sua equipe. De repente, alguns alunos tiveram uma idéia inusitada.
Eles conseguiram sacos plásticos e passaram a urinar dentro dos mesmos. Com os sacos cheios, se posicionaram estrategicamente para não serem visualizados e passaram a atirá-los na direção dos soldados. Um desses, atirado pelo estudante Hélio, atingiu em cheio o comandante da Rádio Patrulha. Desnorteado, surpreso e incomodado pelo odor, o comandante entrou na viatura e disparou em retirada forçada.
Marcos Roberto Oliveira de Medeiros, o “Marcos Lua”, recorda o episódio da invasão da casa do sr. Albimar Borges, professor de Matemática do Atheneu. Marcos costumava frequentar a casa dele em Petrópolis, pois era muito amigo do seu filho Albino, com quem saía para a prática de esportes. Numa manhã, soldados do Exército invadiram a residência do professor, abrindo gavetas, derrubando móveis à procura de algo que o associasse ao comunismo. Nada foi encontrado, porém, Borges foi levado para prestar depoimento assim mesmo.
Atheneu – Celeiro de intelectuais e personagens ilustres
Para muitos, o Atheneu foi durante muito tempo a grande Universidade do Rio Grande do Norte. Era no Atheneu que se formava a elite intelectual do estado. Ingressar no Atheneu não era tarefa fácil, os exames de “Humanidades” no início e, posteriormente, o exame de “Admissão” requeriam preparo dos candidatos. No corpo docente figurava nomes que eram referências intelectuais do estado. E muitos dos alunos ilustres se tornaram professores da instituição.
A relação dos personagens que passaram pelo Atheneu, seja como diretores, professores ou alunos é muito grande, não caberia numa simples postagem. Os nomes que aqui constam, foram selecionados aleatoriamente.
Eis alguns dos nomes que fizeram do Atheneu Norte-Riograndense:
Diretores
- Basílio Quaresma Torreão (fundador)
- Francisco Pinto de Abreu
- José Augusto Bezerra de Medeiros
- Dr. Joaquim Inácio Torres
- Dr. Luís da Câmara Cascudo
- Prof. Celestino Pimentel
- Profª. Olindina Lima Gomes da Costa (a 1ª mulher a administrá-lo)
- Crisan Siminéia
- João Batista de Sousa Varela
- Danúsia de Azevedo Loureiro
- José Nilton Cassimiro
- Maria de Fátima Barreto de Medeiros
- Jaime Vital da Silva
- Guilherme Vasconcelos Varela
- Francisco Dantas de Freitas
- Jaime Vital da Silva (novamente)
- Tânia Maria de Lima da Silva
Docente
No início do século XX, dos filhos da terra que se dedicaram a fotografia temos os registros de Manoel Gomes de Medeiros Dantas (1867-1924). Um dos homens mais influentes do seu período, considerado um grande intelectual. Bacharelou-se em direito pela Universidade de Recife, tendo antes, desenvolvido estudos em latim, francês, inglês, retórica, aritmética, geometria, história e filosofia. Ocupou importantes e estratégicos cargos públicos: foi juiz e procurador geral do estado. Dedicou-se à remodelação do sistema educacional local, deu aulas de História Natural e de Geografia no no colégio Atheneu Norteriograndense, escreveu contos, participou com assiduidade do jornalismo, foi redator d’A Republica. Ainda participou da fundação do grupo de escoteiros do Rio Grande do Norte, juntamente com o professor Luis Soares e Henrique Castriciano, ex-secretário do governo no primeiro mandato de Alberto Maranhão e idealizador da Escola Doméstica de Natal.
Joaquim Torres: Entre janeiro e maio de 1924, a cidade de Natal será administrada pelo vice-presidente Joaquim Torres, farmacêutico formado na Bahia, professor do Atheneu, proprietário da Farmácia Torres (A REPUBLICA, Natal, 15 fev. 1909.).
Joaquim Manoel: Temos apenas a informação de que o coronel Joaquim Manoel era professor de Geografia do Atheneu (ver A REPUBLICA, Natal, 06 jun. 1921). Mas em nenhum momento do recorte trabalhado neste livro exerceu a função. Em 1905, estando em disponibilidade, ofereceu 5% dos seus vencimentos ao governo do Estado, como auxílio para o pagamento dos juros do empréstimo feito ao Banco da República (A REPUBLICA, Natal, 11 ago. 1905).
Manoel Segundo Wanderley: Entre os expoentes da literatura na província do Rio Grande do Norte não poderíamos deixar de fazer menção a Segundo Wanderley. Manoel Segundo Wanderley nasceu em 1860 em Natal, tendo que partir ainda jovem para a província da Bahia com o objetivo de cursar a Escola de Medicina. A partir do ano de 1883, Segundo Wanderley já atuava como literato na província Bahia, onde, no mesmo ano, publicou o livro Estrelas Cadentes. O jovem escritor concluiu o curso no ano de 1889, retornando à cidade do Natal onde passou a desempenhar algumas funções, tais como: professor do colégio secundarista Atheneu Norte riograndense – ocupando as cadeiras de Filosofia, Francês, Física, Química e História Natural, ocupou o cargo de inspetor de saúde, de inspetor de higiene no porto de Natal e de diretor do Hospital da Caridade. Segundo Wanderley também ocupou cargos políticos, elegeu-se deputado estadual no ano de 1906 (GURGEL, Tarcísio. Op. Cit. p. 39.).
Luiz Carlos Wanderley: foi o primeiro norte-rio-grandense a se formar em Medicina, diplomando-se pela Faculdade de Medicina na Bahia, em 1857. Além dos serviços médicos, Luiz Carlos Wanderley também atuou nas instituições públicas, no qual foi professor do colégio secundarista Atheneu e diretor da Instrução Pública (CARDOSO, Rejane (Org.). 400 nomes de Natal. Op. Cit. p. 489.). Luiz Carlos Wanderley atuou nos campos políticos e literários. Na esfera política, o médico ocupou os cargos de deputado provincial de várias legislaturas e foi vicepresidente de província (1886). No que diz respeito à esfera intelectual, Luiz Carlos escreveu em jornais da Bahia, de Assu, e de Natal (Correio do Natal e A Republica) publicou o romance Mistérios de um homem rico (1883) e o livro Impressões de uma viagem, por fim, escreveu peças dramáticas e comédias.
Ferreira Itajubá foi homem de múltiplas atividades. Dono de circo, balconista de lojas de tecidos, escrevente, bedel do Atheneu e pintor letrista em várias lojas comerciais. Apesar da vida difícil, perdeu o pai ainda criança, era um dos mais conhecidos boêmios de Natal, nas noites enluaradas Itajubá estava sempre acompanhado do seu violão. Teve presença marcante nas serestas da antiga Natal. O poeta Ferreira Itajubá, deixou uma vasta produção poética. Poeta de um tempo de saudades.
Djalma Maranhão: Dizem que “quem não conheceu Natal na época de Djalma Maranhão, não conheceu Natal”. Exageros à parte, tantas foram as realizações telúricas da administração DM que a cidade se transformou numa festa permanente. Esses eventos eram bem mais simples e mais baratos do que os shows atuais de fim de ano organizados pela prefeitura e absurdamente realizados no gramado do Machadão. Mas eram muito mais autênticos. Djalma Maranhão foi esportista, professor de educação física do Colégio Atheneu, praticou boxe, futebol e basquete, gostava de papear no Grande Ponto e na Ribeira. Também participava de serestas junto com violeiros da cidade. Djalma foi prefeito de Natal duas vezes. Restaurou todos os autos populares, numa autêntica revalidação do folclore natalense. Promoveu vários congressos brasileiros de folclore, praças de cultura, feiras de livros, edifi cou a Galeria de Arte e bibliotecas públicas.
Câmara Cascudo: no dia 26 de abril de 1934, Luís da Câmara Cascudo foi nomeado professor de História da Civilização do tradicional Colégio Atheneu Norte-Riograndense, tendo defendido com brilhantismo a tese do concurso público para o corpo docente desta instituição de ensino, com o tema “Intencionalidade do Descobrimento do Brasil”.
Figuras ilustres como:
- Padre Luiz Gonzaga do Monte
- Antônio dos Santos Lima (professor, farmacêutico e médico)
- Celestino Pimentel (professor)
- Antonio Pinto de Medeiros (jornalista, cronista, poeta, conferencista, professor)
- Josino Macedo (Professor)
- Padre Luís Gonzaga do Monte
- Cipriano José Barata de Almeida (cirurgião, filósofo e político)
- Claudionor de Andrade
- Severino Bezerra de Melo (professor)
- José Saturnino de Paiva (professor)
- Luís Inácio Maranhão Filho (advogado, jornalista e professor)
- Pedro Velho D’Albuquerque Maranhão (Professor/Governador)
- Augusto Severo de Albuquerque Maranhão (político e inventor)
- Joaquim Inácio Torres (farmacêutico e professor)
Luís da Câmara Cascudo ( Professor/Historiador/Folclorista) - Protásio de Melo ( Professor/Diretor )
- Rômulo Wanderley
- Luís Wanderley
- Floriano Cavalcante de Barros
- Francisco Rodrigues Alves
- Augusto Severo Neto (Professor/Deputado/Aeronauta)
- José Augusto (Professor/Governador)
- Monsenhor José da Mata ( Diretor )
- Djalma Maranhão ( Prefeito/Professor)
- Olindina Lima Gomes da Costa (Diretora)
- Crisan Siminéia (Diretora)
- Angélica Moura (Diretora)
- Marcondes (Diretor)
- Diógenes de Cunha Lima (Professor/Poeta/Escritor)
Discente
Omar O’Grady: Filho do canadense, de ascendência irlandesa, Alexander James O’Grady e da potiguar Estefânia Alzira Moreira O’Grady, o prefeito Omar O’Grady nasceu em Natal, a 18 de fevereiro de 1894. Após fazer o primário e terminar os seus preparatórios no Atheneu Norte-rio-grandense, embarcou para Chigaco, EUA, no início da década de 1910, para cursar Engenharia pelo Illinois Institute of Technology. Formou-se em 1917 e, apenas em 1920, retornou ao Brasil para trabalhar nas Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, IFOCS. Em 1923, foi contratado pela firma inglesa Norton Griffth and Company para o cargo de superintendente na construção da barragem do Acarape, Ceará. Casado com Isabel Dantas, primogênita de Manuel Dantas – que havia sido recém-nomeado pelo presidente do Estado José Augusto (1924-1927) à Intendência Municipal de Natal, Omar O’Grady retornou a cidade para ocupar um dos cargos de intendente. Com o falecimento prematuro do seu sogro, O’Grady assumiu a presidência da Intendência em junho de 1924, cargo que ocupou até outubro de 1930.
O Atheneu Rio Grandense, principal instituição de ensino do Rio Grande do Norte no início do século XX, formou e reuniu alguns dos personagens tratados aqui. Vimos, por meio de diversas notas publicadas n’A Republica nesse período, que o Dr. Omar O’Grady, como já expusemos, o major Enéas Reis, Mario Eugenio Lyra, Francisco Ivo Cavalcanti e João Galvão Filho, todos ligados à Intendência de Natal, foram colegas e, quem sabe, amigos de escola (Esses nomes aparecem vinculados ao Atheneu em notas dos anos de 1905 e 1906. Ver, entre outras edições: A REPUBLICA, Natal, 13 fev. 1905; 15 fev. 1905; 17 fev. 1905; 20 fev. 1905; 17 nov. 1905; 02 abr. 1906; 17 dez. 1906.). Foram seus professores, entre outros, o padre José de Calazans Pinheiro, Manoel Dantas e Joaquim Torres, nomes também ligados ao Conselho de Intendência, além de Tavares de Lyra e José Augusto, eminentes figuras do cenário político local (A REPUBLICA, Natal, 11 jan. 1911.).
Lourival Açucena: Segundo Castriciano, Lourival Açucena, aos doze anos, como aluno do colégio secundarista Atheneu Norte-rio-grandense, já cantava modinhas e lundus ao violão. No ano de 1849, o poeta trabalhou como porteiro do Correio e, posteriormente, escriturário da Tesouraria, 1º oficial da Secretaria do Governo, aposentando-se como chefe da mesma seção. Além dos cargos burocráticos, Lourival Açucena ainda “alimentou pretensões políticas” (CASTRICIANO, Henrique. Lourival e seu tempo V. A Republica. Natal, 16 de julho de 1907.). Na administração de Amaro Bezerra, o presidente da província prometeu a Lourival o cargo de deputado provincial. A promessa não foi cumprida.
Jaeci Emerenciano Galvão: nasceu em Natal, no dia 05 de julho de 1929, filho de Jaime e Cecília. Seu pai, Jaime Coelho Galvão, trabalhou na coletoria pública do município da Penha, hoje Canguaretama. Residiram, nesse município, por 10 anos e depois retornaram a Natal, para o ai de Jaeci exercer o cargo de fiscal aduaneiro da alfândega. E, Cecília Emerenciano Galvão, sua mãe, foi uma mulher à frente de sua época. Nasceu em Natal, na Rua Ulisses Caldas, perdeu os pais no início da adolescência e organizou sua sobrevivência com o trabalho artesanal de bordados, após o casamento, tomou a frente da criação de gados da família e organizou um comércio de farinhas. No comércio de farinhas era responsável desde o cultivo até a venda da mandioca, possuiu ainda um armarinho no centro da cidade de Natal. Jaeci herdou da mãe o gosto pelos negócios. Ainda no ano de 1943, foi aprovado por meio de um exame de admissão para cursar o ginásio no Colégio Atheneu: a melhor instituição de ensino do estado nesse período. O desinteresse do jovem fotógrafo estava em seguir as carreiras tradicionais, como a medicina e o direito que eram incentivadas por seus pais, como pela maioria das famílias que possuíam a oportunidade de manter seus filhos estudando. Como a maioria dos fotógrafos da cidade, iniciou sua carreira percorrendo o colégio Atheneu e a Praça Pedro Velho, atual Praça Cívica.
Mulheres: Até 1902, o seu corpo discente era formado somente por alunos do sexo masculino, mas a partir de 1903, ocorreram as primeiras matrículas de alunas mulheres, mostrando sua grande abertura às mudanças culturais e sociais da época. A primeira mulher a administrar a instituição foi a professora Olindina Lima Gomes da Costa, que dirigiu o colégio de 1955 a 1961.
- Câmara Cascudo ( Professor/Historiador/Folclorista)
- Augusto Tavares De Lira ( Presidente do RN/Ministro)
- João Café Filho (Presidente de República)
- Ferreira Itajubá (poeta potiguar)
- Geraldo Melo (governador)
- Amaro Barreto (comerciante, senhor de engenho e líder político)
- Diógenes da Cunha Lima (advogado, professor, poeta, ensaísta brasileiro)
- Juvenal Lamartine de Faria ( Governador)
- Joaquim Ferreira Chaves Filho (1º Governador eleito)
- Deífilo Gurgel (Escritor/folclorista)
- Pedro Velho (governador)
- Aluísio Alves (Governador)
- Garibaldi Alves Filho (Governador/Ministro)
- Geraldo Melo (Governador)
- Wilma Maia (Governadora)
- Henrique Eduardo Alves (Deputado)
- José Seabra ( Fotógrafo)
- Newton Navarro (dramaturgo, poeta, desenhista e pintor brasileiro)
- Dorian Gray ( Artista Plástico)
- Ferdinando Teixeira (Técnico de Futebol)
- Juarez Chagas (Escritor)
- Naldemir Saraiva ( Bibliotecária/ Idealizadora e Fundadora do Memorial do Atheneu)
- Esdras Rebouças Nobre (fotógrafo)
“Salve o Atheneu”
Em 2012, diante do descaso do poder público e da falta de investimento para melhorias na escola, alunos, ex-alunos, professores e funcionários da instituição criaram o movimento “Salve o Atheneu” em defesa da revitalização e valorização do patrimônio histórico do Rio Grande do Norte. A iniciativa, sem caráter político ou partidário, conquistou importantes apoios e, inclusive, motivou a reativação da Associação dos Ex-Alunos do Atheneu, após 21 anos sem atividades, como forma de divulgar a real situação da escola e cobrar melhorias dos órgãos competentes.
Após quase 30 anos sem restauração, o prédio atual, inaugurado na década de 50, passou pela maior reforma de sua história. A obra foi entregue em dezembro de 2014 e contou com a recuperação da redes elétrica e hidros sanitária, reforma dos banheiros, novo centro de convivência, refeitório, sala do Grêmio, sala de ex-alunos, lanchonete e laboratórios de Química, Física e Biologia.
Ao longo de sua história vem evoluindo e atualizando-se para acompanhar as exigências da modernidade. Conta hoje com dois laboratórios de informática com um total de 50 computadores para uso dos alunos, um núcleo de informática com outros 22 computadores para treinamento de professores, laboratório de Física, Química e Biologia. Sala de vídeo com TV Escola e biblioteca virtual.
Curiosidades
Livros: Em nota de 1913, o jornal A República fez referência que a Livraria Cosmopolita oferecia aos seus clientes, o major Aranha, todos os livros indicados pelos professores do Atheneu, do grupo Escolar Augusto Severo e da Escola Normal. (Id., Natal, 15 fev. 1909.).
Sem pavimento: A falta da pavimentação da Avenida Junqueira Aires era também apontada como um transtorno tanto para a comunicação entre os dois bairros, com também em relação ao depósito de materiais na Praça da República. Precisa de indispensável reforma o desta cidade que liga os dous bairros, principalmente a começar do Atheneu até a casa da typographia da “Republica”. Alem de todo desbaratado este calçamento, – entre o escriptorio da fabrica de tecidos e a estação da estrada de ferro, – quando chove é inundado pelas águas que descem arrastando grande areal que derrama sobre o calçamento, difficultando muito a passagem dos tranzeuntes na quadra invernosa. O calçamento fica alli coberto de águas e áreas que sobre elle se derraman em parte de sua extenção, e assim parece ser de grande necessidade, eleval-o mais um pouco em ordem a poder conduzir as águas para a Praça da Republica, em frente a estação, para dalli encaminharem-se ellas para o esgoto que conduz a maré, que fica entre a casa da morada do sr. governador e a dita estação. Esse serviço é de muita necessidade publica e interessa a todos (CALÇAMENTO, 1895, p. 01).
Muro e via: Entre os pedidos de realização de novas obras feitas pelo governo do Estado ao senhor Eduardo dos Anjos, “empreiteiro” e intendente municipal entre os anos de 1923 e 1925, está o reboco do muro de sustentação que ia da casa do Coronel Aureliano de Medeiros até o canto da ladeira do colégio Atheneu, na Ribeira, e a construção do passeio que o acompanhava. (A REPUBLICA, Natal, 10 nov. 1906.). A empreitada foi realizada em outubro de 1906 pela importância de quase três contos de réis (2:794$800). Em outro ofício, vemos que o Governo contrata-o também para a continuação do rebaixamento da Avenida Junqueira Ayres (calhe central e lado do Atheneu) até a Rua Ulysses Caldas, pela quantia de 4:776$900 (quatro contos, setecentos e setenta e sete mil e novecentos réis) (A REPUBLICA, Natal, 31 out. 1906.).
Ampliação do Atheneu: Em março de 1906, esse personagem anuncia que o governo planejava mais um “hospital, penitenciaria, dous grupos escolares, forum, notariado e archivo publico, ampliação do Atheneu, residencia official para o chefe do Estado e, talvez, o Lyceu de artes e officios, tendo jà de tudo as plantas com o custo de execução”, obras que, provavelmente, contavam com o aporte financeiro do Banco do Natal. E ainda havia mais: a Intendência estava muito perto de preparar um novo paço municipal na Avenida Junqueira Ayres. Algumas dessas obras foram realizadas naquele mesmo ano de 1906, como a ampliação do Atheneu e a residência oficial do governo do Estado
Clube de tiro: o envolvimento do Brasil na Primeira Guerra Mundial causou alvoroço na imprensa local, multiplicando-se os apelos pela educação moral e física dos jovens natalenses. Em 1917, quando o país entrou oficialmente no conflito, um grupo de jovens natalenses reuniu-se no Atheneu no intuito de montar um clube de tiro. O Tiro de Guerra foi bem recebido pela sociedade, que considerava a fundação do clube uma “patrictica idéa [que] tem encontrado a solidariedade dos nossos jovens conterraneos que, comprehendendo a gravidade do momento que atravessa paiz, irão alistar se no batalhão de atiradores dispostos a um cuidadoso preparo no manejo das armas.” (A REPUBLICA, Natal, 10 nov. 1917).
Centenário da Revolução de 1917: o Atheneu Norte-Rio-Grandense expressou sua intenção em aderir às festas, comparecendo a todas as manifestações (A República 05 de junho de 1917. Ano, XXIX N° 125, p.1). No jornal do dia 8 de junho é noticiada a conferência do padre dr. Ignacio de Almeida, intitulada “Sublime trisagio de 1817”, a ser proferida no 11 de junho, a convite do Centro Cívico Literário Frei Miguelinho. O mesmo Centro noticia que festejaria no dia do centenário do seu patrono uma sessão extraordinária, a ser realizada no Atheneu Norte rio grandense para dar posse à nova diretoria e comemorar o terceiro aniversário de fundação dessa agremiação. Na larga Avenida Jungueira Aires, principal via de acesso entre a Ribeira e a Cidade Alta (calçada e cortada pelos trilhos do bonde), o cortejo se encontra num momento singular para uma foto. O fotógrafo (não identificado) se posiciona num lugar privilegiado, numa das janelas do então prédio do Atheneu, e consegue enquadrar o rio Potengi (ao fundo e à esquerda), o prédio da Capitania dos Portos (ao fundo e ao centro), o relógio (em primeiro plano à direita) e um panorama da larga Avenida que vai sendo tomada pelo préstito que se aproxima, guiado pelo carro triunfal (ao centro e a esquerda).
Futebol: Os primeiros campos de peladas na cidade eram: na Praça André de Albuquerque e a “Campina” na Praça Pedro Velho cortado por diversos caminhos de pedestres. Posteriormente, surgiu de forma mais organizada o primeiro campo com arquibancadas na Rua Potengi, localizado onde hoje funciona a Biblioteca Pública Câmara Cascudo, ao lado do Atheneu. A prática, com alguma organização, do futebol em Natal começou em 1910. Os campos eram chamados grounds e se localizavam nas principais praças da cidade: André de Albuquerque, Pio X e Pedro Velho. Os campos não eram gramados contínuos, a denominação “futebol de poeira” caracterizava bem as condições da prática desse esporte na época. Em 1910 foram fundados os primeiros times: Natal Football, Potiguar Football e Atheneu Football Club. Todos eram times de elite. Só em 1915 seriam fundados o ABC e América.
Pecado: era o apelido do líder estudantil bagunceiro que surgia no Atheneu, nessa época ainda sem conotação política, que só viria a ocorrer após a Revolução de 1964.
Lagoa: Em 1961 não havia calçamento na avenida, quando chovia se formava uma imensa lagoa que chegava a receber um “aflente” vindo da Rua Seridó entre a atual Praça das Flores e o Colégio Atheneu. Era uma festa para as crianças. No início da Rua Seridó, entre o Atheneu e o ABC, era a casa de seu Antônio Fernandes/Dona Marina e seus filhos: Breno, Gílson, Beto (Roberto Big Ben), Nélson, Ivan Piaba “Onassis”, Glícia, Maria Lúcia, Fátima, Ana Luíza e Sandra. A seguir moravam: Vivi, Luciano Fontes, Maria Tereza Barreto, Almir, Geruza e Magnólia.
Concorrência: “Meu sonho de garoto nos anos 1960 em Natal era estudar no Atheneu. Colégio de tradição no estado, por onde passaram grandes nomes da cultura potiguar. Entretanto, o acesso às vagas era bastante difícil. A concorrência era enorme e o critério de seleção não era dos mais republicanos, como dizem os jornalistas moderninhos de hoje. O fato é que, eu e Carlos passamos no “Exame de Admissão” para estudar em colégio estadual, mas, sem “pistolão”, terminamos ganhando “bolsa de estudo” e fomos parar no Colégio 7 de Setembro (Rua Seridó, onde atualmente é a UnP) a partir de 1964”. Fred Sizenando Rossiter Pinheiro.
Gazear: Antes dos Beatles, a novidade por aqui já era Elvis Presley e as sessões do Cinema Rio Grande eram concorridíssimas, especialmente as meninas eram fanáticas pelo Rei do Rock. A diretora do Atheneu professora Angélica Moura colocava inspetoras de plantão na bilheteria do Rio Grande para barrar e levar de volta ao Colégio as alunas fardadas que gazeavam aulas.
Festival: Uma apresentação marcante do THE FUNTOS foi no ginásio Sílvio Pedroza, que recebeu grande número de pessoas principalmente de alunos do Atheneu. Depois de ouvirem a execução da música A Day in the Life, ( Lennon e McCartney) as estudantes partiram para a tietagem, com garotas, agarrando e beijando os componentes do grupo. No I Festival de Conjuntos em 1967, a participação da juventude nas arquibancadas lembrava as grandes finais dos jogos estudantis.
Batismo: Eduardo Gaag, Maurício e Eduardo Cariello, Babau, Miro, Sérgio, Tainso e Cláudio moravam nas imediações do Colégio Atheneu. Em tempos de poucas opções requintadas de lazer, quando só existia um canal de televisão e com captação bastante sofrível, a rotina dessa turma era praticar esportes, principalmente vôlei e basquete nas quadras descobertas do Colégio e bater papo. O ponto de encontro era o muro do Atheneu. Lá, diariamente a turma se reunia para contar piadas, comentar sobre jogos de futebol, discutir política, falar da vida alheia e planejar alguma pegadinha. O detalhe interessante é que sempre que surgia um novo integrante para o grupo, ele precisava ser “batizado”, e o batizado era muito especial: primeiro havia um “sarrafo através do corredor polonês”, depois o calouro era conduzido até o ponto mais alto da Rua Joaquim Manoel, colocado dentro de um tonel o qual era rolado ladeira abaixo…
Discriminação: No Sete de Setembro, para José Normando Bezerra, também morador do Alecrim, havia a demonstração de certa discriminação contra o bairro e suas instituições de ensino em relação a outros, como Tirol e Petrópolis: Pra vocês terem uma ideia, em 1975-76, minha irmã estudava no Padre Miguelinho, a escola estadual do bairro, e uma diretora do Padre Miguelinho (…) fez um desfile tipo “beija-flor”, fez um desfile pra ganhar primeiro lugar e não teve nenhuma dúvida. Todos os alunos se envolveram, todo mundo trabalhou, juntou dinheiro, e o Padre Miguelinho entrou na avenida pra ser campeão do desfile de sete de setembro. E os jurados, aí eu atribuo uma discriminação, o Padre Miguelinho é do bairro do Alecrim, perdeu para o Atheneu, porque o Atheneu era um colégio tradicional de Natal, mas o Atheneu não merecia ter ganho, o Padre Miguelinho fez um desfile mais bonito que eu já vi em termos de escola, que foi um desfile belíssimo. (BEZERRA, 2010).
Referências:
A atuação de Manoel Dantas na instrução pública Norte-riograndense (1897-1924) / Isabela Cristina Santos de Morais. – Natal, 2018.
A Construção da natureza saudável: Natal 1900-1930. Enoque Gonçalves Vieira. Natal / 2008.
Anuário Natal 2007 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2008.
Anuário Natal 2009 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN):
Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009.
Cantos de bar: sociabilidades e boemia na cidade de Natal (1946-1960) /Viltany Oliveira Freitas. – 2013.
Centelhas de uma cidade turística nos cartões-postais de Jaeci Galvão (1940-1980) / Sylvana Kelly Marques da Silva. – Natal, RN, 2013.
Dos bondes ao Hippie Drive-in [recurso eletrônico]: fragmentos do cotidiano da cidade do Natal/ Carlos e Fred Sizenando Rossiter Pinheiro. – Natal, RN: EDUFRN, 2017.
“Em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal”: a vida intelectual natalense (1889-1930) / Maiara Juliana Gonçalves da Silva. – Natal, RN, 2014.
Natal: história, cultura e turismo / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. – Natal: DIPE – SEMURB, 2008.
Natal Não-Há-Tal: Aspectos da História da Cidade do Natal/Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo; organização de João.
Gothardo Dantas Emerenciano. _ Natal: Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2007.
Natal, outra cidade! [recurso eletrônico] : o papel da Intendência Municipal no desenvolvimento de uma nova ordem urbana na cidade de Natal (1904-1929) / Renato Marinho Brandão Santos. – Natal, RN : EDUFRN, 2018.
Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na Belle Époque Natalense (1900-1930) / Márcia Maria Fonseca Marinho. – Natal, RN, 2008
O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos. Rubenilson B. Teixeira. Revista franco-brasilera de geografia. 23 | 2015 Número 23. Dossiê São Francisco.
O nosso maestro: biografia de Waltemar de Almeida/ Claudio Galvão- Natal: EDURRN, 2019.
ONOFRE Jr. Manoel. Guia da cidade do Natal. Natal: EDFURN, 1998.
(POR)ENTRE PEDRA E TELA: a construção de uma memória republicana (Natal – 1906-1919). Diego Souza de Paiva. Diego Souza de Paiva. Natal/2011
Fontes:
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CALÇAMENTO. O Nortista, Natal, n.176, ano 4, 30 mar. 1895.
Caminhos que estruturam cidades: redes técnicas de transporte sobre trilhos e a conformação intra-urbana de Natal / Gabriel Leopoldino Paulo de Medeiros. – Natal, RN, 2011.
CASCUDO, Luís da Câmara. Ateneu norte riograndense – pesquisas e notas para sua história. Natal, 1971. (Coleção Juvenal Lamartine).
CASCUDO, Luís da Câmara. O livro das velhas figuras. Natal: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1974 (v. 1).
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MIRANDA, João Maurício Fernandes. Evolução urbana de Natal em 400 Anos. 1599-1999. Coleção Natal 400 anos. Volume VII. Natal : Governo do Estado do Rio Grande do Norte, Prefeitura de Natal, 1999.
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NOBRE, Manoel Ferreira. Breve notícia sobre a Província do Rio Grande do Norte – baseada nas leis, informações e fatos consignados na história antiga e moderna. Rio de Janeiro: Pongetti, 1971.
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Um artífice mineiro pelo país: formação, trajetória e produção do arquiteto Herculano Ramos em Natal. Débora Youchobel Pereira de Araújo Luna. Natal/RN. 2016.
WANDERLEY, Ezequiel. Poetas do Rio Grande do Norte. Natal: Typographia d’ A Republica, 1922.