Diário do Natal de Elias Souto
No Rio Grande do Norte, O Diário do Natal foi um dos poucos, e talvez mais importante, veículo de imprensa a ocupar o campo oposto das falas e dos projetos oficiais, cujo porta-voz era o jornal A República. Originado da folha semanal “O Nortista” (publicado entre 1892 e 1895), o Diário marcou a posição dos setores e intelectuais descontentes com a República. Já em seus primeiros números ironizava o pretenso democratismo do novo regime, afirmando: “Essa Republica não nega a origem de uma verdadeira fidalguia burgueza que tem e que disfarça”.
Este Diário do Natal a qual nos referimos circulou entre 1895 e 1913; existiram outros três com o mesmo nome (a única variação é a utilização da partícula “do” no lugar do “de”), mas sem relação de continuidade: um, o primeiro periódico diário que circulou em Natal, durou apenas dois meses de 1893 (Cf. Fernandes, 1908, p.95); outro, de orientação católica, circulou entre 1924 e 1932, quando foi transformado n’A Ordem, folha diária vespertina mantida pela igreja local; por fim, o Diário de Natal criado em 1939 e vinculado aos Diários Associados (Cf. Cascudo, 1947, p.335-336) encerrou suas atividades em 2012.
Nos arquivos públicos locais, o Diario só está completo, porém, apenas até 1911. Do ano de 1912, restaram apenas as edições do mês de junho e, do ano de 1913, somente as do mês de julho. Infelizmente, não encontramos nenhuma edição do ano de 1914.
O jornal de Elias Antônio Ferreira Souto dos Santos Lima (Diário do Natal) foi fundado em 1895 e funcionou até o ano de 1908. Souto, que já era responsável pela circulação do periódico O Nortista, fundou o Diário do Natal após a aquisição da empresa Libro Tipográfica Natalense. O mencionado periódico fazia oposição ao jornal A Republica. Os dois jornais protagonizaram inúmeras discussões que eram veiculadas nas páginas dos periódicos.
Os ecos de uma crítica nostálgica da monarquia, anti-moderna ou mesmo antiurbana, que marcara pelo menos a linha mestra inicial das formulações impressas no jornal, cederiam cada vez mais espaço, na primeira década do século XX, ao questionamento sobre a forma como se processavam as transformações urbanas. Possivelmente tributária das posições do seu proprietário e redator-chefe, Elias Souto; nascido em Assu-RN, em 1848, foi Coronel da Guarda Nacional, membro do Partido Conservador da Monarquia, participante do movimento abolicionista e um entusiasmado jornalista, fundador de inúmeros periódicos, dentre eles “O Nortista” e o “Diário do Natal”; quando faleceu, em 1906, já era considerado o principal opositor do chamado grupo “pedrovelhista” (Cf. Bueno, 2002, p. 247-255; Oliveira, G., 1999, p.114; Cascudo, L.C., 1947, p.334-335; Fernandes, L., 1908, p.94-95, 102-103); Tavares de Lyra, um dos seus principais adversários, incluiria Elias Souto, em seu “História do Rio Grande do Norte” (1921, p.743-744), como um dos “cincoenta rio-grandenses illustres, fallecidos antes de 1910”.
Deve-se observar, porém, que não foram poucos os descontentes com os caminhos tomados pelo novo regime republicano. Outros, ainda, amavam os tempos do Império, desejavam o seu retorno, a volta de Dom Pedro II, um imperador esclarecido. Associavam ao antigo regime os ideais de honestidade, moralidade, decência, que não viam nos tempos republicanos. Entre esses homens estava o coronel Elias Souto, proprietário do Diario do Natal, principal líder da oposição no período que estudamos. Elias Souto não deixaria de admitir, porém, que a cidade em que vivia passava por transformações importantes e que seu progresso material era visível. “Que esta capital tem progredido alguma coisa nestes ultimos annos ninguem o contesta; este progresso é muito natural e se teria verificado mesmo no antigo regimen”, é o que diz o coronel no Diario do Natal, Natal, 15 ago. 1907. Afirmava, porém, que esse progresso era já visto nos tempos de Império, acompanhado pela ordem e pela liberdade. Para a elite que dirigia Natal, contudo, o progresso era reflexo de um novo olhar sobre a capital potiguar.
Veremos, então, o jornal A República, ligado a oligarquia dos Albuquerque Maranhão, detentora do poder no estado, representante do grupo político republicano, confrontar o Diário do Natal, Folha Oposicionista, chefiada por Elias Souto, e ligado a grupos políticos simpatizantes da monarquia.
Além desses jornais, os principais de Natal, periódicos de menor expressão como O caixeiro, ligado ao líder do Partido Republicano e da Oligarquia dos Albuquerque Maranhão, Pedro Velho, e O Estado, criado por intelectuais como Manuel Dantas, simpatizantes da Monarquia, entrariam também nos debates a respeito da comissão.
Após o falecimento de Elias Souto, em 1906, a redação desse periódico ficou a cargo de Augusto Leopoldo Raposo da Câmara e continuou fazendo oposição ao Partido Republicano Federal do Rio Grande do Norte (Para mais informações sobre esse jornal, ver: FERNANDES, Luis. A imprensa periódica no Rio Grande do Norte de 1832 a 1908. Op. cit., p.102-103.).
O PROPRIETÁRIO
Elias Antônio Ferreira Souto dos Santos Lima nasceu em Açu-RN, a 25.01.1848. Aos 20 anos fez concurso em Natal para Professor do Ensino Primário, sendo nomeado sucessivamente para as cidades de Açu, Macau e São José de Mipibu.
Tornar-se-ia, no entanto, o primeiro jornalista profissional do Rio Grande do Norte. Fundou vários jornais, começando com “O vaga-lume” (1873). Seguiram-se “O Sertanejo” (1873-1876), “Jornal do Açu” (1876-1885), “A Abolição” (1883) e “O Açuense” (1885), estes em Açu; em Macau “O Macauense” (1886-1889) e em São José de Mipibu “O Nortista” (1892-1893) que, ao transferir-se para Natal (1895), passaria a denominar-se “Diário”, meses depois “Diário do Natal” (segundo Cascudo, este teria circulado de 1895 a 1913).
Apesar dessa intensa atividade, Elias Souto era paralítico desde jovem. Agressivo e inconformado com a situação política de sua época, tornou-se adversário do então Governador do Estado Pedro Velho. Foi abolicionista, inclusive um dos fundadores da organização “Libertadora Açuense”, mas mantendo-se fiel ao Partido Conservador.
A aversão de Elias Souto a Pedro Velho não se limitava à política: o Governador o designara para ensinar em Pau dos Ferros, extremo oeste do Estado, apesar de suas extremas dificuldades de locomoção, duplamente agravando-se o problema por tratar-se da disciplina “Calistenia” (correspondente à Educação Física), mesmo sabendo que vivia numa cadeira de rodas. Elias Souto faleceu no dia 17 de maio de 1906.
Registramos uma curiosidade, a respeito do ilustre jornalista. Vimos, acima, que fundou vários jornais, inclusive “O Nortista”, em São José de Mipibu. Mundando-se para esta capital, continuou a publicá-lo dando seqüência à numeração: em março de 1893 distribuiu o nº. 56, já em Natal.
Posteriormente, havendo Elias Souto adquirido a empresa Libro-Tipográfica Natalense, aumentoulhe o formato e mudou-lhe a denominação para “Diário do Natal”, mais uma vez prosseguindo a numeração iniciada com “O Nortista”, desta feita publicando o nº. 292 a 7 de setembro de 1895, “com o mesmo programa, os mesmos fins e intuitos e a mesma redação”. O redator-chefe também era o mesmo – Elias Souto –, cujo escritório situava-se na Rua da Conceição, nº. 33. A tipografia, porém, estava instalada na Rua Visconde do Rio Branco, nº. 28, mais tarde sendo transferida também para a Rua da Conceição “esquina do Beco da matriz”.
Consta que referida tipografia “(…) foi assaltada e em grande parte destruída na noite de 18 para 19 de fevereiro de 1905, causando esse ato sumamente lamentável a interrupção da publicação do jornal por algum tempo”.
No ano seguinte, com o falecimento de Elias Souto, assumiu a chefia de redação o Dr. Augusto Leopoldo Raposo da Câmara.
INTERVENÇÃO FEDERAL NA INTENDÊNCIA MUNCIPAL
No Conselho de Intendência da Capital federal, porém, a intervenção chegou a ocorrer no ano de 1911. Em janeiro desse ano, vemos os jornais locais A Republica e o Diario do Natal noticiarem a dissolução do Conselho Municipal do Rio de Janeiro, por meio de decreto federal. De acordo com telegrama publicado neste jornal, os intendentes protestaram e resolveram entrar com pedido de habeas corpus junto ao Supremo Tribunal Federal, no intuito de resguardarem o direito de exercerem o cargo para o qual haviam sido eleitos e poderem adentrar na sede do poder municipal.
Pelo que vemos no Diário Oficial da União de 26 de abril de 1911, o pedido foi aceito pelo STF. O relator do processo foi o Ministro Pedro Lessa, cujo parecer, favorável aos intendentes, foi seguido pelos seus pares, entre os quais estava o seridoense Amaro Cavalcanti.
O ocorrido na Capital Federal não se reproduziu em Natal. O governo do Estado e a cúpula do Partido Republicano Federal no Rio Grande do Norte não precisaram realizar intervenções dessa espécie no Conselho de Intendência da capital do estado. Quanto a este aspecto, frisamos que os nomes indicados pelo dito partido para a Intendência de Natal sempre se saíram vencedores; não havia espaço para a oposição no processo eleitoral local.
SOUZA (Ibid., p. 156) refere-se a práticas com o alistamento de defuntos, a criação de atas falsas, o impedimento do alistamento de oposicionistas, entre outras, para explicar a expressão “eleição a bico de pena”. Tais práticas eram feitas com tanta recorrência e nela se verificavam tantos absurdos, que, em 1905, o Supremo Tribunal Federal chegou a anular o alistamento eleitoral realizado na capital potiguar, dando provimento a recurso interposto pelo coronel Elias Souto, o qual foi, juntamente com um de seus filhos, Elino Souto, excluído do alistamento. Destaque-se que, sem sucesso, Elias Souto havia interposto o mesmo recurso à Junta de Alistamento da capital. Ver: DIARIO do Natal, 04 mar. 1906; A REPUBLICA, Natal, 19 jul. 1905.
Fica claro que, diante da conjuntura exposta, o ideal de autonomia municipal, expresso na primeira Constituição nacional republicana, era letra morta. O Diario do Natal, não poucas vezes, refere-se ao coronel Joaquim Manoel, homem que por mais tempo esteve à frente da Intendência, como um “bom discípulo” (Ver, por exemplo, o DIARIO DO NATAL, Natal, 08 jan. 1905), um fiel aliado de Pedro Velho, que governava, segundo o mesmo jornal, a seu talante a Intendência e o Governo do Estado.
O que distinguia Romualdo Galvão de outros personagens que chegaram à presidência da Intendência da capital era o seu passado na oposição. O dito coronel chegou a pertencer ao Partido Republicano Constitucionalista, chefiado à época por Elias Souto, como vemos em ata desse partido, publicada no jornal Diario do Natal (DIARIO DO NATAL, Natal, 16 fev. 1905).
Mas o que esperar de uma instituição, como já dito, com pouca autonomia? Lembremos que à frente do Partido Republicano Federal e dos negócios públicos do Estado, estava a centralizadora figura de Pedro Velho (Sobre o cenário político no Rio Grande do Norte durante a articulação do movimento republicano, os primeiros anos desse regime e o papel centralizador de Pedro Velho, ver: BUENO, Almir de Carvalho. Visões da República: idéias e práticas políticas no Rio Grande do Norte (1880-1895)), administrando por conta própria a capital, nada deixando ao coronel Joaquim Moura, segundo relata o ardiloso coronel Elias Souto, em análise ao que se havia passado em 1904 no campo da política:
O director supremo do Estado, o sr. Pedro Velho, superpondo-se a tudo e a todos – continuou a sua politica de absorpção cada vez mais accentuada. Annullou completamente o congresso legislativo do Estado, o governador e a Intendencia municipal da capital. Legislou e governou a seu talante o Estado e o municipio da capital, sendo surdo aos clamores do povo e ás censuras da imprensa livre e independente (DIA a dia. O anno que findou. DIARIO DO NATAL, 01 jan. 1905).
CONTRIBUIÇÃO LITERÁRIA
Em outros registros, a ligação entre modinhas, serenatas e vida literária aparece como parte da cultura literária desenvolvida em Natal. Os poetas desejavam penetrar no coração do povo com suas “modinhas decantadas ao som do violão, ou nas serenatas acadêmicas, ou nas noutadas familiares ou bailes’” (BRIAS. Mãe – Henrique Castriciano. Diário do Natal, Natal, 3 mar. 1900).
No que diz respeito às fases da cultura literária no Rio Grande do Norte, o artigo assinado pelo pseudônimo Brias, no jornal Diário do Natal, aponta que no ano de 1900 “ainda estamos na ‘Infância’ dos povos em materia de poesia. Todas as nações tem possuido um cyclo poetico proporcional a sua cultura litteraria. A litteratura indigena acaba de atravessar o periodo dos “cantadores” de pé de viola” (BRIAS. Diário do Natal. Natal, 3 mar. 1900.). Nesse caso, a “litteratura indígena” corresponde à literatura da terra, do Rio Grande do Norte.
Se, por um lado, a grande lista de sócios do Le Monde Marche pode ter possibilitado a longa existência do grêmio, por outro lado não o livrou de dificuldades financeiras. Em 1902, a associação apresentou dificuldades para publicar a edição especial de aniversário do grêmio no mês de setembro, tendo que pedir papel emprestado na tipografia do Diário do Natal, de Elias Souto (CASCUDO, Luis da Câmara. Musa canta os poetas, escritores… Op. Cit. p. 20.).
No entanto, o que queremos destacar aqui é que, embora essas pequenas associações fossem compostas por jovens alunos que estavam prestes a se lançarem à vida adulta, ainda assim representaram um foro de iniciação intelectual ao campo literário de Natal. Eva Barros chama atenção para a maturidade dos jovens escritores de O Íris (BARROS, Eva Cristini Arruda Câmara. Atheneu Norte Rio-grandense: lócus de desenvolvimento cultural da Natal republicana. Op. Cit. p. 8.). A autora reflete acerca de dois aspectos: a maturidade dos colaboradores de O Íris e a articulação mantida entre os estudantes e os “intelectuais veteranos”. Acreditamos que essas condições evidenciadas pela autora possam ter sido conduzidas pelo diálogo em que o periódico (e grêmio) estudantil manteve com os jornais de notoriedade no âmbito da imprensa natalense, a saber Diário do Natal, A Tribuna, A Republica, Oásis e O Século.
A revista literária Oásis foi fundada no ano de 1894, como periódico “litterário e noticioso” pertencente ao Le Monde Marche (associação literária). O periódico possuía as dimensões de 0,35cm de comprimento x 0,24cm de largura. Inicialmente, a Oásis foi impressa na Tipografia Central. Com o passar dos anos, a revista literária também foi impressa nas oficinas tipográficas de O Diário do Natal, da Gazeta do Comércio, de O Século, até que, finalmente, estabeleceu a sua própria tipografia, no ano de 1900, na Rua Voluntários da Pátria, número 1 (A IMPRENSA NORTE-RIO-GRANDENSE. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1908. V. 1. Parte 2. p. 344-345.).
DEBATES LITERÁRIOS
Na história da vida literária da cidade do Natal, identificamos, pelo menos, quatro polêmicas literárias travadas na imprensa, ou seja, situações em que os debates entre os homens de letras expressaram oposições, discordâncias, conflitos e, até mesmo, violências verbais. Assim como as formas de trocas intelectuais, os debates literários são indissociáveis dos periódicos. Além do mais, os jornais e as revistas foram veículos ideais para difundir tais disputas. Os jornais Diário do Natal e A Republica, debate travado entre Brias e B. Lins acerca da obra Mães, do escritor Henrique Castriciano foi uma delas.
A análise crítica de Antonio Marinho na vida literária da capital norte rio-grandense geraram polêmicas. EM 1899 o debate entre o crítico e o poeta Segundo Wanderley, os jornais de Natal foram tomados, durante alguns meses, pela calorosa discussão em torno da publicação de Mãe, de autoria de Henrique Castriciano. O jornal Diário do Natal (1895), dirigido por Elias Souto, veiculou logo nos primeiros meses do ano de 1900, algumas
colunas criticando a obra de Castriciano. A primeira coluna crítica deu início a um ciclo de polêmicas travadas entre o mencionado jornal e o periódico oficial do estado A Republica.
Em dezembro de 1899, o jornal Diário do Natal tinha tecido algumas pequenas considerações anunciando a publicação do conjunto de poesia Mãe. No entanto, foi apenas no mês de janeiro, iniciando o século XX, que as críticas assinadas pelo pseudônimo Brias, assumiram maior consistência. As colunas, pelo tempo de três meses, foram constantes no Diário do Natal, sendo ferrenhamente criticada a estética adotada pelo poeta Henrique Castriciano.
O caso nos leva a refletir se esses atritos estão relacionados apenas a ordem literária. Infelizmente, não nos foi possível a identificação do escritor por trás do pseudônimo Brias. Nossa hipótese é que o autor das críticas a Henrique Castriciano fosse Amorim Garcia, sucessor de Elias Souto, que na época participava do jornal Diário do Natal na função de redator. Sabendo que O Diário do Natal fazia oposição ferrenha ao A Republica e seus homens – como, por exemplo, Henrique Castriciano –, podemos conjecturar que a oposição utilizava-se da literatura para expressar as suas contendas políticas. Pensar a partir dessa lógica é relativizar mais ainda a suposta autonomia sustentada pela literatura na cidade do Natal, identificando as suas imbricações com o campo político.
Nas polêmicas literárias, as discussões críticas partiam, às vezes, para o xingamento e as difamações. Isso pode ser observado nos seguintes escritos de Brias: “essa especie de gente (tambem ha macacos poetas) sempre de genio irritavel se enfada e zanga por qualquer cousa” (DIARIO DO NATAL. Natal, 3 jan. 1900.). Henrique Castriciano foi alvo de xingamentos nos escritos de Brias. Essa não foi a única vez em que Henrique Castriciano foi estigmatizado na fala do crítico literário do jornal Diario do Natal.
Enfatizemos que, nos dois pronunciamentos impressos, Brias pouco se restringiu às críticas de estética literária. A cor negra do autor de Mãe também foi alvo de estigma do redator do Diário do Natal. O estigma de Castriciano parece-nos ter sido elaborado em conjunto e não exclusivamente por Brias, uma vez que, o crítico refere-se ao surgimento do apelido “Macaco D. Simon” no pavilhão Cosmopolita, ou seja, a livraria Cosmopolita de propriedade de Fortunato Aranha.
A primeira resposta à análise de Brias deu-se por meio da produção de uma análise própria do jornal A Republica sobre o livro de Castriciano. Desse modo, a análise do jornal oficial foi toda construída, e publicada nos meses seguintes, como forma de combater e de descaracterizar àquela feita por Brias. O tom da crítica de A Republica foi de alguém que se prestava ao esclarecimento, e não à retratação. Igualmente à análise publicada no jornal Diário do Natal, a análise do jornal fundado por Pedro Velho também era assinada por pseudônimo: B. Lins. Suspeitamos que o pseudônimo B. Lins esteja relacionado a Antônio José de Melo e Souza, que na época era redator de A Republica – ao lado de Manuel Dantas e Pedro Avelino. Nossa suspeita justifica-se na menção que Luis Fernandes, em Dicionário da Imprensa norte Rio-grandense (1832-1908), faz acerca da polêmica cujo redator de A Republica envolveu-se com “Brias”.
Entre xingamentos e esclarecimentos, as críticas de Brias e B. Lins publicavam-se nos dois jornais do estado as réplicas e as tréplicas relativas à polêmica literária. Além de Mãe, os periódicos inseriram no debate outra produção do autor anterior: Ruínas (1899). Até que A Republica, em três publicações posteriores, deu por encerrado o debate com o Diário do Natal. A última ocasião em que o jornal de Pedro Velho fez referência à polêmica foi na publicação de 15 de março de 1900.
Se por um lado as polêmicas literárias projetavam ou excluíam literatos, por outro, elas igualmente contribuíram para a projeção do enunciador do discurso crítico. Antônio Marinho, “Brias” e Nascimento Fernandes, possivelmente, passaram a ser mais “enxergados” pelo público leitor após a veiculação de suas análises na revista literária A Tribuna, no jornal Diário do Natal e em A Notícia. As críticas literárias também projetaram seus autores, sobretudo, o jovem Antônio Marinho, desconhecido na cena literária potiguar, tornou-se o primeiro a exercer a crítica literária, ficando conhecido como o primeiro a afrontar o escritor consagrado Manoel Segundo Wanderley.
DIÁRIO DO NATAL X A REPÚBLICA
Após a virada do século, a imprensa aos poucos foi adquirindo nova feição, apesar de ainda guardar relações com os assuntos políticos com A Republica, jornal criado por Pedro Velho, que se constituía como a imprensa oficial do Estado republicano e, seu opositor, o Diário do Natal, periódico que trazia como slogan o apoio ao verdadeiro sentimento republicano. Contudo, essa moderna imprensa, que passava a surgir estava cada vez mais voltada para os amplos aspectos da vida social, ao mesmo tempo em que diversificava seu público leitor. Questões ligadas às reformas na cidade e ao comportamento da população apareciam ao lado de outras que anunciavam a venda de produtos e serviços. Artigos de escritores, poetas, médicos, educadores, advogados, entre outros, emitindo alguma apreciação especializada se tornavam cada vez mais comum nesses jornais.
Quando nos debruçamos acerca da história da imprensa do Rio Grande do Norte, durante as duas primeiras décadas do regime republicano (mais precisamente de 1896 a 1908), nos deparamos com debates políticos travados, constantemente, entre o jornal A Republica e o Diário do Natal. Enquanto o primeiro jornal correspondia, a partir do ano de 1896, ao veículo midiático representante do governo estadual, o Diário do Natal constituía a voz da oposição ao governo da situação (liderado por Pedro Velho e seus filiados).
Do mesmo modo que os membros que dominavam o poder local representavam seus interesses de forma exagerada no jornal A Republica, sempre tentando exaltar a grandiosidade das reformas que imprimiam na cidade, reformas essas que, como está sendo observado, muitas vezes ficavam apenas na idealização, o jornal Diário do Natal também servia de espaço para os grupos oposicionistas. Grupos muitas vezes recalcados por não terem reconhecimento na política local, e que utilizavam o Diário para representarem-se, criarem também os seus discursos, tivessem ou não fundamento.
ANUNCIANTES
O esposo de Amélia Machado aparece constantemente nas páginas dos jornais nas primeiras décadas do século XX, sobretudo quando essas páginas trazem a variedade de produtos que a firma M. Machado e Cia trazia de navio para a Cidade, demonstrando que a Natal do inicio do século XX já estava experimentando as contribuições provindas de um processo de modernidade, como é o caso da maior utilização do porto com o crescimento das casas comerciais.
Como podemos perceber o comerciante investia na divulgação dos produtos na imprensa, quase que diariamente. Os artigos que chegavam para abastecer seu comércio eram anunciados e muitos desses anúncios recebiam destaque.
Apesar de a certidão de batismo constar que Amélia nasceu em 7 de dezembro de 1881, o 8 de dezembro era a data oficial de celebração do seu aniversário. Depois de casada era noticiada em toda a cidade. Nas colunas dos jornais A República e também no Diário do Natal, colunas destinadas à divulgação dos aniversários, encontramos em grande medida a notícia do natalício de Amélia Duarte Machado.
Na disputa pelo mercado de fotografias os irmãos e sócios Bougard resolveram estender suas atividades pelo interior e litoral. Para isso, buscaram vários estados do Norte e Nordeste. Em Natal, localizaram seu ateliê na Rua Treze de Maio, nº 38, atual Rua Princesa Isabel, no Bairro da Cidade Alta.
Em 1897, a sociedade dos irmãos foi desfeita e Bruno Bougard (1859-1930), (Provável data de nascimento/morte do fotógrafo. Em: The German Eye in America Photographers: List of German-born photographers. http://www.sallylarsen.com/SL_Web_GE_fotogs.html) passou a oferecer sozinho os seus serviços fotográficos ao público de Natal (Conforme nota colocada pelo fotógrafo no Jornal Diário do Natal, de 2 agosto de 1898, p.2.). O seu anúncio é repetido em 55 edições do jornal Diário de Natal. Só parando quando o fotógrafo informa um período de afastamento da capital, que duraria até o final do ano corrente. Nos últimos dias do mesmo ano Bruno já se encontrava de volta na cidade oferecendo seus serviços. O anúncio repete-se até o final de 1899, em 264 edições do periódico Diário do Natal.
Nos anúncios publicados no jornal A República, podemos visualizar esse esforço em estimular a adoção de mercadorias que permitiam as elites locais reproduzirem códigos e práticas tidos como modernas e civilizadas. No anúncio da Loja Oriente, em 1904, podemos visualizar mais desse esforço.
Toda senhora ou senhorita que desejar em breve percorrer garbosamente as avenidas d’este magnifico – park – procure para a toilette o pongi de seda transparente – a fasenda por excellencia do Grande Oriente (DIARIO DO NATAL, 6 nov. 1904.).
A CONCORRÊNCIA
Os periódicos da cidade apresentavam como proposta a “instrução e ilustração do espírito”. Era importante conduzir a capital norte-rio-grandense ao saber ler. Entretanto, cada jornal e revista apresentava diversas propostas para atingir a finalidade de instruir e de ilustrar. Isso explica os diversos jornais literários que circularam durante o período da Primeira República. Em suma, ainda que todos os jornais se nomeassem de caráter literário, cada qual apresentava propostas, ideias, opiniões diferentes. Logo, para cada jornal e revista em circulação na cidade existia uma redação.
O desenvolvimento da imprensa no estado do Rio Grande do Norte proporcionou um considerável aumento das redações pelos bairros da cidade do Natal. Reunimos as respectivas redações dos jornais de cunho literário da cidade do Natal, a saber:
Se notarmos os endereços desses escritórios descritos no quadro, podemos perceber acerca da proximidade existente entre essas redações. Ainda que, separadas por anos de surgimento, observando os nomes das ruas onde eram estabelecidas as redações, podemos identificar a concentração desses ambientes nos bairros da Ribeira e da Cidade Alta. É provável que a escolha do local de estabelecimento dessas redações fosse motivada por uma série de questões: proximidade das instalações tipográficas, que imprimiriam os periódicos; proximidade dos locais de moradias dos próprios redatores, bom preço para aluguel ou compra do imóvel, entre outros. No entanto, acreditamos que o impulso maior para o estabelecimento das redações fosse a grande movimentação que os bairros em apreço possuíam.
No final do século XIX, concentravam-se na rua da Conceição, os principais jornais natalenses. “Ali vibravam as grandes folhas que apaixonavam centenas de correligionários e enfureciam outras centenas adversas. Ali viveu A Situação, do Dr. Henrique Câmara, em 1877, O Correio de Natal, de João Carlos Wanderley, em 1878; A Liberdade, órgão do Partido Liberal, em 1885; O Nortista e o Diário do Natal, de Elias Souto, 1895; A Capital, em 1908, de Galdino Lima, Honório Carrilho e Juvenal Antunes e dezenas de jornaizinhos impressos nessas tipografias”. Existia ainda naquela rua, o Bilhar Americano, a Alfaiataria de Gabriel Narciso Aranha, o Armarinho de Manuel Joaquim da Costa Pinheiro e a Padaria Flor de Natal, além de várias casas residenciais.
Em alguns outros casos, os periódicos eram distribuídos por meio de visitas de redatores dos próprios jornais doados a distribuição da Revista do Rio Grande do Norte à redação do jornal Diário do Natal foi realizada pelo próprio redator da revista literária do Grêmio Polymathico. A visita de Policarpo Feitosa, pseudônimo de Antônio José de Melo e Souza, redator do jornal A Republica, redator da Revista do Rio Grande do Norte e fundador da associação literária Polymathico (REVISTA do Rio Grande do Norte. Diário do Natal. Natal, 23 mar. 1900.). Os envios e os recebimentos de periódicos de cunho literário entre as redações estabelecidas em Natal indicam a existência de uma dinâmica de troca. As palavras circulavam nos ambientes de produção dos jornais. Acreditamos que esses redatores, ao doarem e/ou ao serem presenteados com periódicos produzidos em outras redações, constituíam uma verdadeira rede de intelectualidade, enviando ideias e, concomitantemente, recebendo em troca, outras ideias.
OS ESTABELECIMENTOS TIPOGRÁFICOS
Os estabelecimentos tipográficos não imprimiam apenas periódicos. Contudo, foram as impressões dos jornais e das revistas que introduziram, progressivamente, novas formas de organizar o trabalho nas tipografias e possibilitaram meios de exploração comercial (BELO, André. Na era de Gutenberg: outras publicações. In: _. História & livro e leitura (Coleção História & ……. Reflexões, 3) Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 84).
Outras anunciavam suas novidades: “Dispondo de material todo novo faz qualquer trabalho de impressão – como cartas de convite, de participação de casamento, de enterro, annuncios avulsos, & &. Preços á vontade de quem fizer a encommenda” (NOSSA TYPOGRAPHIA. Diário do Natal. Natal, 08 out. 1900.). Nos anúncios destacados, podemos observar os sortimentos de impressos oferecidos pelas tipografias na cidade do Natal.
Entre os anos de 1889-1930, a cidade de Natal possuiu outros estabelecimentos tipográficos, como podemos observar no quadro abaixo:
Ainda que as tipografias fossem ambientes que propiciassem as tertúlias, a prática não era bem vista. O Mandamento da lei typographica advertia quanto a esses maus hábitos.
A tipografia, particularmente nesse caso a do jornal Diário do Natal, determina que um dos preceitos a ser seguido seja o de não confundir as oficinas com ambientes públicos, nem com tavernas e botequins. Aqui, certamente, estava uma reprovação dos “maus usos” realizados nas oficinas tipográficas. Tavernas e botequins eram lugares públicos, voltados para uso público, para entrada e saída de pessoas, para conversas, para passar tempo. A tipografia não. As oficinas deveriam ser vistas como os “templos de arte”: contemplativos, taciturnos, quietos.
CRÍTICAS À OLIGARQUIA ALBERTO MARANHÃO
As fontes selecionadas para uma abordagem e discussão adequada da problemática formulada e do tema proposto neste trabalho foram alguns periódicos que circulavam na cidade do Natal ou em outros municípios potiguares nos séculos XIX e XX, em especial, os jornais de grupos oposicionistas, já que estes estão carregados com duras críticas às práticas políticas dos Albuquerque Maranhão, evidenciando um forte desejo pelo domínio do poder no Rio Grande do Norte: os jornais Rio Grande do Norte (1890-1896), O Macauense (1886-1889) e o Diário do Natal, inicialmente chamado O Nortista, fundado em 1892 pelo professor Elias Souto – responsável por larga oposição à família Maranhão.
Longe de governar dentro de um consenso social e político, a primeira oligarquia republicana foi atacada por uma oposição formada em grande medida por republicanos históricos que haviam sido excluídos do poder. Entre os principais opositores estavam Elias Souto e seu jornal, o Diário do Natal, que durante anos se apresentou como uma voz de denúncia dos abusos e arbitrariedades cometidas pelos novos governantes. No entanto, apesar dessa oposição ruidosa, o período de governo dos Albuquerque Maranhão conseguiu instaurar um clima de relativa estabilidade, mesmo que para isso tenha feito uso da censura e da perseguição a
opositores.
Em fevereiro de 1892 o Congresso Legislativo elegeu indiretamente Pedro Velho como governador do Rio Grande do Norte, cargo de onde passou a estruturar toda sua dominação oligárquica. A imprensa oposicionista não deixou de noticiar o fato:
Tudo isso se realisou no domingo de carnaval, 28 do mês findo […] o que demonstra que ainda estamos em uma legalidade carnavalesca, da qual tem resultado tantos benefícios para o estado e para o Paiz! Saudemos, portanto, toda essa legalidade carnavalesca, e aguardamos a continuação da comédia que promete levar o Paiz ao abysmo, se mão segura o não arredar dele. Temos confiança que semelhante estado de cousas não poderá continuar por muito tempo, e que está próximo o triumpho da verdadeira legalidade (DIÁRIO DO NATAL, Natal, nº 108, 02, mar. 1892.).
Alberto Maranhão foi substituído por Tavares de Lyra, primo e genro de Pedro Velho. Este assumiu o Executivo estadual, enquanto Alberto Maranhão foi eleito deputado federal, preenchendo justamente o lugar de Tavares de Lyra na Câmara de Deputados. Permaneceu inalterado o quadro político no estado, a oposição continuava amordaçada e a imprensa era sistematicamente perseguida, persistindo também a política de nepotismo.O Diário do Natal, principal jornal oposicionista, crítico feroz de Pedro Velho e seus parentes e correligionários “que o sucederam no Governo do Estado, aos quais não dava tréguas, imputando-lhes violentas acusações” noticiou na forma de versos satíricos a chegada de Tavares de Lyra: “Sim, senhor, eis que chega o Lyra / Do Alberto sucessor / Terceiro da dinastia / Do oligarca Senador. / Vão assim os oligarcas / Uns nos outros se encanando / E os destinos da terra / De uma vez avassalando” (FERREIRA, 1992, p. 35).
Augusto Tavares de Lyra era genro de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão (figura central do processo de implantação do regime republicano no estado, sobre o qual falaremos nas páginas adiante) e foi governador do Rio grande do Norte de 1904 a 1906. Ocupou também os cargos de Deputado Estadual, Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Ministro Interino da Fazenda, Ministro de Viação e Obras Públicas, Ministro e Presidente do Tribunal de Contas da União, Senador da República e Deputado Federal. Segundo Carlos Tavares de Lyra, “Tavares de Lyra é um desses raros exemplos de feliz e fecunda aliança entre o exercício da atividade política e devotamento ao trabalho intelectual.” (SOUZA, Itamar de. A República Velha no Rio Grande do Norte. p. 235.).
Do ponto de vista político, o seu governo foi muito duro. Para silenciar a oposição, sua política destruiu, na mesma madrugada, as tipografias dos jornais Diário do Natal e Gazeta do Comércio. Além disso, a polícia surrou 16 adversários, entre os quais o então acadêmico Georgino Avelino, que depois chegou a ser Senador da República.
[…]
Ele era, além de político, um grande intelectual. Escreveu vários livros deixando uma bibliografia em torno de cinquenta trabalhos publicados, entre os quais se destacam importantes obras de História, como a História do Rio Grande do Norte, considerada seu carro-chefe. MINISTROS de Estado da Fazenda. Disponível em: http://www.fazenda.gov.br/portugues/institucional/ministros/rep017.asp. Acesso em: 07/07/>.
O nepotismo e a truculência caracterizaram as administrações estaduais durante a República Velha. O governo de Tavares de Lyra não foi diferente, tendo em vista a pressão exercida sobre a oposição, com o empastelamento de dois jornais (Diário do Natal e Gazeta do Comércio) e as agressões físicas distribuídas pela polícia (nada menos que dezesseis oposicionistas foram espancados). Mas, sem dúvida, o seu governo foi rico em realizações: iniciou o processo de urbanização de Natal, com a construção da praça Augusto Severo e a pavimentação de várias ruas da cidade, além de ter investido na iluminação a gás acetileno.
A expressão Maranhão-ismo aparece no jornal oposicionista Diário do Natal ao noticiar sobre empréstimo feito por Alberto Maranhão em 1909. A pequena nota no jornal sugere que a verba solicitada por Alberto Maranhão seria distribuída de maneira a beneficiar seus parentes (DIÁRIO DO NATAL, Natal, n. 3821, 11 nov., 1909.).
O jornal Diário do Natal atestou, em diversos momentos, de maneira crítica e sarcástica, a amplitude do poder e influência de Pedro Velho no Rio Grande do Norte afirmando que estavam conquistadas “todas as forças produtoras do Estado, […] o pedrovelhismo […] fez do Rio Grande do Norte uma carniça de que é urubú-rei o dr. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão.” (DIÁRIO DO NATAL, Natal, n. 2901, 02 mar., 1906). Segundo o Diário, era “imoral [a] influencia política do dr. Pedro Velho, o maior dos régulos entre os oligarcas que surgiram n’esta Republica de abutres.” (DIÁRIO DO NATAL, Natal, n. 2861, 02 jan., 1906.).
As alterações na toponímia não deixaram de ser vistas como estratégia política de legitimação dos Albuquerque Maranhão no poder. Em 1909, o jornal oposicionista Diário do Natal denunciou os usos políticos subjacentes a tais práticas. Apesar das críticas, essas práticas de nomeação e renomeação tornaram-se
cada vez mais presentes no ambiente urbano. Além das ruas e avenidas, uma série de edifícios públicos construídos no período recebeu nomes de figuras importantes das oligarquias e do republicanismo local.
Essa busca incessante de Alberto Maranhão em dar visibilidade a seus parentes e partidários e a ele mesmo – como podemos percebe no ato da criação do Grupo Escolar Alberto Maranhão na Vila de Nova Cruz ou das medalhas de mérito Alberto Maranhão – não passava despercebida dos seus rivais, que não deixavam escapar a oportunidade de censurar suas praticas políticas. Na inauguração do “Hospital da Caridade Jovino Barreto”, por exemplo, o jornal, Diário do Natal, falou sobre a escolha do nome do novo estabelecimento:
A denominação do Hospital de Caridade […] foi substituído, agora, pelo de Hospital Juvino Barreto, em homenagem ao falecido sogro do Dr. Alberto Maranhão. […]
João Maria, sim, devia denominar-se o hospital de caridade de Natal. Juvino Barreto, não. É uma engrossa aos vivos, como engrossa são também aquelas inscrições que se lêem sobre as portas das enfermarias do novo hospital — Enfermaria Santo Alberto, Enfermaria Santa INEZ. […]
Já temos praça Pedro Velho, monumento Pedro Velho, Vila Pedro Velho, Praça Augusto Severo, Vila Augusto Severo, Avenida Augusto Lira, Avenida Alberto Maranhão, Avenida Amaro Barreto, Avenida Juvino Barreto, e agora, mais Hospital Juvino Barreto e Enfermaria Santo Alberto e Santa Inez. Oh! gente vaidosa! (DIÁRIO DO NATAL, Natal, n. 3780, 14, set., 1909.).
A praça, em frente ao cais, foi toda arborizada, sendo desejo do governador Tavares de Lyra, para que, no futuro, o cais pudesse ser “um ponto agradável de reunião e recreio” (PARTE oficial: Governo do Estado. A República, Natal, 13 de jan. de 1905.). O cais, inaugurado em 1905, ganhou o nome do governador do Estado desse ano, Augusto Tavares de Lyra, fato que gerou grandes reclamações por parte do jornal Diário do Natal, periódico da oposição. Segundo o Diário, a substituição do nome do cais e da praça, que honravam a memória de uma das principais figuras políticas do país na proclamação da República, o Marechal Deodoro da Fonseca, era uma ingratidão dos atuais administradores do Estado, que mostravam “do que eram capazes.” (DIARIO do Natal, Natal, 08 jan. 1905)
As obras de urbanização da cidade foram muitas vezes utilizadas como meios de denúncia da falta de fiscalização dos trabalhos e do mau uso do dinheiro público, que se demonstrava, por exemplo, por meio da baixa qualidade do material empregado nas reformas, além da política de favorecimentos largamente empregada pelos Albuquerque Maranhão. Em 1906, o jornal Diário do Natal continuava questionando os problemas das obras na capital potiguar, a qualidade e durabilidade dos trabalhos e as verbas gastas com inúmeras reformas.
Se, de um lado, os Albuquerque Maranhão valorizavam seus feitos, do outro, as oposições expunham as práticas políticas dessa família, que em nada correspondiam às palavras de Pedro Velho em seu manifesto pronunciado em 21 de novembro de 1889, que descrevia o programa do regime republicano, pautado no lema revolucionário francês de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Seguindo a linha de raciocínio exposta por Almir Bueno em Visões de República, tratando-se da Liberdade – neste caso, liberdade política – ou seja, o direito de escolher, através de voto, seus representantes políticos, era comum denúncias de fraudes e coerções. O jornal Diário do Natal ainda expôs casos de coerção, como pode ser visto na comunicação entre Elias Souto (proprietário do jornal) e o major José Clymaco de Medeiros Paiva, que administrava o partido oposicionista no município de Santa Cruz. A Igualdade era uma ficção, uma vez que as disputas políticas democráticas não eram bem vindas, os partidos opostos não eram considerados legítimos e seus eleitores encontravam dificuldades para escolher livremente seus candidatos. Sobre isso, o Diário do Natal mais uma vez expôs: O terceiro ideal – a Fraternidade – não vigorava, já que um dos sentidos de “fraternidade” quer dizer harmonia e união entre aqueles que lutam pela mesma causa.
DINHEIRO PUBLICO, BENEFÍCIO PRIVADO
O financiamento de boa parte dos projetos executados na capital potiguar nesse período veio do empréstimo feito em 1910 pelo governo do Estado aos banqueiros franceses Perles Fréres, Engene Vasseur e o Banco Sindical Francês, no valor de 350.000 libras (Para obter mais informações sobre o empréstimo, ver: RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo pelo governador Alberto Maranhão (1910), p. 34.)) (aproximadamente 5.000 contos de réis). Em pouco tempo, porém, os custos que o Governo do Estado teve para amortizar a dívida se tornaram um pesado fardo para as finanças estaduais (O DIARIO DO NATAL já alertava, logo após a concretização do empréstimo, que o seu pagamento seria por demais oneroso para os cofres públicos (ver O EMPRESTIMO. DIARIO DO NATAL, Natal, 17 mar. 1910). Várias matérias também foram publicadas com críticas às obras financiadas pelo governo do Estado com os novos recursos. Destacam-se aquelas que tratam do contrato estabelecido entre esse governo e a firma de Domingos Barros e Valle Miranda, aos quais o estado emprestou novecentos contos para execução dos serviços de abastecimento de água, de esgotos e energia elétrica (ver OS CONTRACTOS – I. DIARIO DO NATAL, Natal, 12 maio 1910.)).
Antes do empréstimo, a vinda do presidente eleito da República, o sr. Affonso Pena, ao Estado do Rio Grande do Norte já havia causado embaço. Não seria bom que o eminente estadista mineiro, ao percorrer as ruas da capital potiguar, tivesse alguma dificuldade de enxergar os melhoramentos materiais realizados pelo governo do Estado e pela Intendência Municipal. Pensando nisso, o senhor Valle Miranda, gerente da empresa de iluminação pública, tratou de mandar substituir, sob ordens do governo do Estado, os bicos de todos os lampiões por outros de maior intensidade (A REPUBLICA, Natal, 11 jun. 1906).
Outras mudanças realizadas por conta da visita do estadista – que foi acompanhada por Manoel Dantas, representando a imprensa local, Theodosio Paiva, administrador das obras públicas, e o presidente coronel Joaquim Manoel – não foram sentidas pelo restante da população. Falamos daquelas que foram realizadas no casarão de Pedro Velho, que recebeu nova pintura e móveis de luxo trazidos da capital federal. Ao todo se gastou, segundo A Republica, 30 contos de réis na recepção e hospedagem do presidente eleito da República (Id., Natal, 28 jun. 1906), desmentindo informação do Diario do que a quantia gasta teria sido o dobro do expresso no jornal do Partido Republicano Federal no Rio Grande do Norte (DIARIO DO NATAL, Natal, 28 jun. 1906).
Alberto Maranhão buscou imortalizar a memória de um grupo social que teve grande notoriedade em momentos significativos da política potiguar. Para alcançar tal objetivo, utilizou-se de práticas modernizantes inserindo “Natal num conjunto de ideias, valores e sentimentos que se espalhavam por todo o Globo, entre o final do século XIX e o início do século XX” (ARRAIS, Raimundo e outros. O Corpo e a Alma da Cidade: Natal entre 1900 e 1930. p. 23). Alberto Maranhão tinha a intenção de acelerar a transformação de Natal e para isso, priorizou a execução de melhoramentos urbanos tanto por contratar ou criar empesas para realizar os serviços urbanos a cargo do estado (Foi o caso da criação da criação, em 1908 da empresa Companhia de Ferro Carril de Natal para transporte com bondes de carga e passageiros, a Empresa de Melhoramentos de Natal e a criação da usina elétrica em 1911.), como por captar recursos estrangeiros, solicitando empréstimo à França (SOUZA, Itamar de. A República Velha no Rio Grande do Norte. p. 231.) – autorizado pelo Congresso Legislativo, mediante a lei nº 270, de 18 de novembro de 1909 – no valor de 350.00 libras esterlinas – para promover melhoramento e embelezamento da cidade (O empréstimo solicitado por Alberto Maranhão em 1909 só fora quitado em 1954).
O governo do estado também assinou um contrato com a empresa F. Sólon & Cia, pertencente ao “Cel. Francisco Sólon, sócio-gerente da Fábrica de Tecidos
da viúva Da Ignês Barreto, irmã e sogra do Dr. Alberto Maranhão”, no mesmo valor de 900:000$000 para estabelecer uma Colônia Agrícola e um Campo de Demonstração Agrícola no vale do rio Potengi (SOUZA, 1989, p. 237-238). Segundo Itamar de Souza (1989, p. 238), a Fábrica de Tecidos estava em situação difícil, hipotecada à firma Pereira Carneiro & Cia. E para liberá-la da hipoteca, era preciso uma injeção de dinheiro fácil”, conseguida, de acordo com o Diário do Natal, jornal de oposição ao governo de Alberto Maranhão, ‘o Dr. Alberto facilitou o empréstimo de 900 contos para os Srs. Solon & Cia. pagarem a Pereira Carneiro duzentos e tantos contos…”
Outras matérias destacavam que Pedro Velho e sua família não pagavam os impostos cobrados pelo governo municipal e estadual, não existindo na repartição pública quem tivesse coragem de cobrar essa que se constituía em uma verdadeira “família real” (DIÁRIO do Natal, Natal, 15 maio 1904. p.1.). Família que utilizava o dinheiro público para custear propagandas de seu governo no “RePorca”, como Zebrazão fazia alusão ao jornal do Partido Republicano Federal do Rio Grande do Norte, o A Republica (CARTAS do Acre. Diário do Natal, Natal, 02 jul. 1904. p.1).
Em julho de 1904 o Diário divulgou o falecimento do autor das cartas e telegramas acreanos, sem revelar seu nome oficial, mas no mesmo mês outro autor assumiu o pseudônimo Zebrazão e continuou a tecer críticas ao governo local como se estivesse construindo análises do governo do Acre. Segundo Itamar de Souza, Elias Souto utilizava o pseudônimo Zebrazão para publicar matérias no jornal Diário do Natal. Entretanto, Elias Souto não faleceu em julho de 1904 como o primeiro autor das crônicas acreanas, e sim em maio de 1906. Assim, Souto pode ter sido o autor que assumiu o pseudônimo após o falecimento do primeiro Zebrazão. Todavia, não foram encontradas outras fontes que confirmassem essa relação entre Elias Souto e esse pseudônimo. Itamar de Souza apenas citou essa informação, não apresentando fontes que confirmassem a ligação entre Souto e pseudônimo em questão. Ver: SOUZA, Itamar de. A República Velha no Rio Grande do Norte. Op. cit., p.246. Sobre Elias Souto, ver: CARDOSO, Rejane. 400 nomes de Natal. Op. cit., p.217.
A antiga coluna Carta Acreana foi substituída pela coluna Cartas do Acre e pela Chronica Acreana (A morte de Zebrazão foi anunciada pelo novo autor das “matérias acreanas”, que passou a assumir o mesmo pseudônimo: CHRONICA Acreana. Diário do Natal, Natal, 12 jul. 1904. p.2.).
CIDADE DAS LÁGRIMAS
Para a elite natalense do início do século XX, nada era mais importante do que procurar copiar em Natal um espaço que, mesmo de forma diminuta, se assemelhasse ao “mundo civilizado europeu”. No caso particular de Natal, esse espaço era o bairro da Cidade Nova, que, como já vimos, o seu Plano previa a construção de duas praças, a Praça Municipal, depois chamada de Praça Pio X, e a Praça Pedro Velho, também conhecida como Praça Cívica. Para tanto foram derrubados casebres para dar lugar a estes espaços públicos.
O Diário do Natal também demonstrava sua opinião nas reportagens da folha, no que diz respeito ao processo, encabeçado pelo governo, de desapropriação das moradias instaladas no futuro bairro da Cidade Nova. As reportagens, sempre em tom dramático, mostravam a violenta ação de tomada dos espaços ocupados pelos barracões, que aconteciam, segundo o jornal, sem que os moradores recebessem qualquer tipo de indenização. Em virtude de tal drama os redatores do Diário do Natal apelidaram o novo bairro de Cidade das Lágrimas, pois o novo bairro teria nascido das lágrimas dos desabrigados (SERVIÇO de cabra cega. Diário do Natal, Natal, 10 abr.1904.).
Fatos como esses favoreciam e davam fôlego às inúmeras críticas proferidas pelo jornalista Elias Souto, proprietário do Jornal de oposição “O Diário do Natal”, que chamava o bairro da Cidade Nova de “Cidade das Lagrimas” (Dia a dia – Ridiculos em tudo. O Diário do Natal, 06 de agosto de 1904.). Continuadamente o jornal de solto relatava algum episódio acontecido na Cidade Nova que reafirmava a sua crítica sobre a construção do novo bairro da cidade.
Em relatório da Intendência Municipal, o coronel Joaquim Manoel, presidente da Intendência, ao tratar da planta do novo bairro, afirmou que “[Nela] figura minuciosamente delineado um novo bairro, a “Cidade Nova”, onde um matagal semeado de cabanas em desordem acha-se substituído por uma série de largas avenidas e ruas, cujo aspecto já é bastante agradável. Perto de trezentas casinholas e ranchos foram indenizados e removidos do trajeto das ruas do referido bairro” (“Governo Municipal”. A Republica, 14 jan. 1905). De acordo com o oposicionista Diario do Natal, contudo, as indenizações não foram pagas, uma das razões pela qual o coronel Elias Souto, dono e diretor geral desse periódico, apelidou a Cidade Nova de Cidade das Lágrimas (“Dia a dia”. Diario do Natal, Natal, 24 jan. 1905).
A requisição dos terrenos não edificados por parte da Municipalidade gera, nesse contexto, discussões acaloradas entre os dois principais jornais em circulação na cidade no período. O “Diario do Natal” – em artigo sob o pseudônimo de Ascânio – critica a reportagem publicada por “A República” sobre o encarecimento dos terrenos, afirmando que nem todos os terrenos do município são destinados à edificação e que os arrendatários teriam o direito de não edifica-los, além do fato de terem investido – pelo pagamento de impostos – na melhoria da infraestrutura viária.
Cerca de trezentas casas, casinholas e ranchos, para usar as palavras do gestor, foram removidos dos trajetos das ruas planejadas para o novo bairro da capital, sendo devidamente indenizados os seus moradores, de acordo com a fala do presidente. Elias Souto, como de costume, discordará, dando ao novo bairro da cidade um nome distinto do escolhido pelas autoridades locais: Cidade das Lágrimas (CIDADE das lagrimas. DIARIO DO NATAL, Natal, 28 jan. 1904).
O bairro da Cidade Nova encarnava, então, o modelo que deveria ser seguido. Privilegiado também na sua localização, ao invés de receber os ventos estagnados dos mangues e alagados que margeavam o Potengi, nele circulava o ar marinho, que percorria sem obstáculos suas largas e arborizadas ruas. Referindo-se a essas preocupações médicas do início do século XX, o jornalista do Diário do Natal aponta, sem deixar de fazer uso do sarcasmo, os benefícios que os ventos do mar traziam ao novo bairro em oposição aos problemas de salubridade dos antigos bairros da cidade:
Na arte de arranjar benemerência, ninguém melhor maneja a política que o senador Pedro Velho, e nessa especialidade fazem-lhe bôa justiça todos, inclusive os seus mais intimo engossadores. Promovem o bem publico e… inventam uma cidade nova. A idéia è bella e se lhe reconhece o que seja de genial. A nossa cidade, além de velha e feia, comprimia já a população em bairros apertados e mal servidos da hygiene da natureza. Precisava a população natalense de respirar o ar saturado dos alcalóides marinhos de que é portadora a viação que vem das praias do Morcego e Areia Preta. Funda-se a cidade nova, e viu o povo, meio bestializado[…] (DIA a dia: Pobre Rio Grande do Norte IV. Diario do Natal, Natal, 14 out. 1905).
Várias matérias do jornal Diário do Natal, sobretudo as intituladas Chronica Acreana, Cartas do Acre e Telegramas do Acre, publicadas a partir de fevereiro de 1904 e assinadas por Zebrazão, criticavam esse processo de abertura de avenidas e de construção de grandes palacetes na região outrora habitada pelos retirantes e, sobretudo, denunciavam a participação desses retirantes nesse trabalho. Os flagelados da seca eram expulsos da região em que tinham construído seus casebres e ainda obrigados a participar da construção do bairro que foi a razão da derrubada de suas residências. Motivo não faltava para regar aquele solo com lágrimas, como destacavam os redatores do Diário. Como visto, essas matérias do jornal oposicionista parecem indicar que os ideais de democracia, igualdade e cidadania, bandeiras do republicanismo, não atingiam toda a sociedade.
Várias matérias publicadas no jornal oposicionista destacaram a utilização dos retirantes da seca em trabalhos particulares, sobretudo na chácara do líder do grupo familiar Albuquerque Maranhão, Pedro Velho: TELEGRAMAS do Acre. Diário do Natal, Natal, 19 maio 1904. p.1; DIÁRIO do Natal, Natal, 21 maio 1904. p.1; DIÁRIO do Natal, Natal, 22 maio 1904. p.1; NEMO. De meu canto. Diário do Natal, Natal, 24 maio p.1; DIA a dia. Diário do Natal, Natal, 26 maio 1904. p.1; TELEGRAMAS do Acre. Diário do Natal, Natal, 26 maio 1904. p.2; entre várias outras.
PRAÇA AUGUSTO SEVERO
O ajardinamento da Praça Augusto severo foi alvo de inúmeros elogios por parte de muitos natalenses. À época da construção do jardim, uma casa comercial da cidade, o Armazém Progresso, instalado no bairro da Cidade Alta, ao fazer a propaganda do sortimento de mercadorias da casa inicia o texto propagandista, apesar de tal texto ser exposto no jornal da oposição, com um forte louvor à obra.
Mas também era alvo de muitas críticas durante muito tempo, quando o jornalista Elias Souto notificava que, o Jardim da Praça Augusto Severo era uma obra que poderia esperar por um tempo de menores dificuldades. 1904 foi um ano de estiagem no interior do estado, houve grandes perdas nas lavouras, os agricultores tiveram muitos prejuízos e uma quantidade considerável de pessoas teve que migrar para as cidades com a única finalidade de poder sobreviver.
Este era o principal argumento dos articulistas do jornal da oposição. foram muitos os artigos escritos no “O Diario do Natal” que, ferrenhamente, criticavam o governador pela sua opção de fazer uma obra muito onerosa aos cofres públicos ao invés de se ocupar em amenizar os problemas ocasionados pela estiagem.
No dia 16 de julho do mesmo ano, o editorial do “O Diário do Natal” divulgou que a contratação da obra do jardim público ao arquiteto Herculano Ramos foi feita com verba da união destinada ao socorro das vitimas da seca. Sob o título “Não justifica”, o editorial do “Diario” expõe: “não condemnamos em absoluto a obra do jardim da praça Augusto Severo, achamos mesmo que é um serviço necessario para o aformoseamento e salubridade desta cidade” (Dia a dia – Não justifica. O Diário do Natal, 24 de julho de 1904), mas ratifica que não é o momento e que a verba usada para a obra deveria ser aplicada no socorro aos flagelados.
A manutenção dos jardins e a preservação das árvores existentes nas praças e ruas da cidade era, por vezes, uma preocupação expressa por muitas pessoas. Em agosto de 1904, foi reclamado pelos articulistas do Jornal “A República” a presença de animais soltos pela cidade, ocupando os mais variados espaços em todos os recantos da cidade. Segundo os jornalistas, “a Praça André de Albuquerque, a mais frequentada desta cidade, também é honrada com a presença de gados de toda a espécie”. Dia a dia – Um jornal indecente. O Diário do Natal, 11 de agosto de 1904 (O texto foi transcrito do jornal A República dos dias 8 e 9 de agosto do mesmo anos. A intenção do jornalista Elias Souto era atingir a oligarquia Maranhão a quem atribuía a propriedade do gado e que por se portar como órgão oficial da dita oligarquia o jornal A República agia indecentemente ao apontar o gado e deixar de apontar os proprietários dos animais).
A conclusão do jardim público se arrastaria por mais de um ano ainda. O atraso das obras públicas foi a deixa procurada pelo jornal oposicionista, que não perdia tempo ao relatar, com minúcia, o que eles chamavam de “a crise das obras públicas” (AS CRISES nas obras públicas. Diário do Natal, Natal, 4 jun. 1905). Apesar de todos os entraves financeiros, a construção do jardim público foi concluída no mês de novembro de 1905.
No dia 15 de junho de 1907, H. Ramos publica uma notícia no jornal, em forma de justificativa, sobre os melhoramentos na praça André de Albuquerque, na qual seu nome foi envolvido numa edição do diário de Natal com relação aos serviços do governo do Estado. Como forma de responder ao questionamento feito no outro jornal sobre os serviços inacabados da praça, Ramos escreve esclarecendo a toda população, respaldando a competência do seu serviço e ainda exemplificando algumas obras que realizou simultaneamente no Recife, sem trazer prejuízo no andamento de nenhuma delas.
Como os retirantes eram vistos como elemento de desordem, o seu emprego nas obras também consistia um meio de concretizar o ideal elitista de urbe civilizada (FERREIRA, 2006). Apesar dessa justificativa, o emprego desses recursos – inicialmente destinados à solução do problema no interior – e da mão-de-obra flagelada gerou diversas críticas dos jornais da oposição, como o “Diario do Natal” e o “Commercio de Mossoró” (RODRIGUES, 2006).
Depois de reescrever o texto e fazer uma severa crítica ao jornal “A República”, crítica essa feita a partir do título da matéria, o jornalista Elias Souto escreveu mais uma vez sobre a obra do jardim público da Praça Augusto Severo, dessa vez não mais criticou em relação a verba utilizada, mas à própria estrutura arquitetônica do futuro jardim. Nas palavras de Souto, tirando proveito do que havia escrito os articulistas do jornal “A República”, “apezar de vagarem pelas ruas centenas de rezes, como affirma a ‘Republica’, diz-se que o sr. Herculano Ramos não collocará gradis no jardim que está fazendo, porque não se usa mais nas praças” (idem).
Em agosto de 1910, uma outra reclamação denunciava a presença de animais soltos na cidade, o articulista chamava “atenção do fiscal da Ribeira para dois cavalos que pastam soltos, à noite, na praça Leão XIII, os quais muito damnificam a arborização da mesma praça” (Várias. A República, 06 de outubro de 1910).
Era justamente através do Diário do Natal que se exteriorizavam as críticas mais ferrenhas ao governo do Estado. Entre as principais imputações feitas a Pedro Velho e seus apadrinhados estavam as acusações de nepotismo, tanto em relação a contratação dos funcionários quanto na contratação das empresas prestadoras de serviços ao Estado. Exemplo disso está na nota do Diário do Natal de 1904, ao comentar que os recursos federais de combate à seca estavam sendo desviados pelo governo para a execução de obras públicas na capital. Para o redator do Diário do Natal, “as obras públicas do estado foram feitas com o mesmo dinheiro, não se empregando nellas nenhum dos flagellados pela fome, mas somente pessoas apariguadas ao governo” (SECCA do norte. Diário do Natal, Natal, 13 set. 1904.).
Nos anos de 1904 e 1905 o jornal “O Diário do Natal” acusava constantemente o governador Tavares de Lyra de desviar as verbas destinadas ao combate à seca para usá-las em obras de aformoseamento da capital e, em especial, nas obras de calçamento das ruas que ligavam a Ribeira e a Cidade Alta ao novo bairro da cidade que, segundo o jornal da oposição, era o lugar de morada da oligarquia Maranhão e seus correligionários.
Em novembro de 1904, Eduardo dos Anjos será contratado por esse Governo para realizar o calçamento de ruas na Ribeira e Cidade Alta. O despacho oficial do Estado não informa que ruas seriam calçadas, mas sabemos que no início do ano seguinte elas foram concluídas, tendo recebido o dito “empreiteiro” 170$000 de saldo pelo serviço em fevereiro de 1905 (A REPUBLICA, Natal, 04 fev. 1906.). O calçamento feito parece não ter resistido muito às chuvas, tendo se deteriorado parte dele, em frente à fábrica de tecidos, em poucos meses de uso, o que gerou reclamações do órgão opositor, o Diario do Natal. Eduardo dos Anjos, por meio d’A Republica, responderá que não foi por deficiência técnica que a obra se deteriorou, mas por conta do alicerce em que ela estava assentada, construído antes de seu serviço, e pela força da chuva, que deteriorou também calçamentos mais antigos (Id., Natal, 19 ago. 1905).
O Diário do Natal, opositor do governo, não economizou tinta, acusando o governo de desviar recursos para a capital, quando esse dinheiro deveria estar sendo empregado no interior do Estado. Na nota que segue, o humor foi usado pelo jornalista do Diário do Natal para mostrar a indignação da oposição frente atitude tomada pelo governo em relação ao uso das verbas de combate à seca, providas pelo governo federal.
Enquanto o oposicionista Diário do Natal criticava os feitos do governo, o jornal A Republica, pertencente à família Maranhão, ignorava qualquer problema social ocasionado pela reorganização dos espaços urbanos de Natal. Enquanto o Diário do Natal denunciava desvios de verba e ostentação do governo com a construção do teatro, 1904, A República comenta as estreias e elogiava as atuações dos artistas.
A língua sempre afiada do Diário do Natal não deixou de criticar nem a localização do prédio, argumentando que a edificação do teatro não poderia ser sólida, por ter sido construída em área aterrada:
O desastre do Theatro começou desde a escolha do terreno em que está edificado, – deixando-se tantos lugares adaptados, próprios, magníficos mesmo, para collocação de um prédio desta natureza para vir-se planta-lo no meio do pântano, abaixo do nível da face do solo em que está. (…) Ainda agora só um gazometro de acetylene feito pelo genro do irmão do governador do Estado, custou aos cofres públicos vinte contos de reis! (O THEATRO. Diário do Natal, Natal, 20 mar. 1904.).
Para onde teria ido o dinheiro oferecido pelo governo federal ao governo do Estado? O coronel Elias Souto, sempre com a língua afiada, apresenta uma sugestão na coluna DIA A DIA, do seu Diario do Natal:
Tem causado, de certo, verdadeiro pasmo o procedimento, governador Augusto Lyra, com relação as obras publicas que tem feito e continua, a fazer s. excia., quer por grandes contractos com diversos, quer administrativamente, sob o martello do mandai pagar ao major Theodosio Paiva [presidente da Intendência entre 1917 e 1922; à época era administrador das obras públicas] encarregado, ou “engenheiro” constructor do Estado![…]
(…) Ahi estão as obras publicas mandadas faser por s. excia. á custa dos dinheiros destinados para os flagellados da secca, e á custa dos proprios dinheiros do Estado[…]
E uma cousa singular: todos os calçamentos de praças e ruas feitos são em torno, ou derredor das casas do dr. Pedro Velho, genros, irmãos e sobrinhos; as estradas calçadas dão para as chacaras desses mesmos felizardos, e até uma casa se construiu, com os dinheiros publicos, no muro da casa dos filhos do Augusto Severo, disendo-se que servirá para alojar a guarda de pessoa do dr. Augusto Lyra. […] (DIA a dia. As Obras Publicas. DIARIO DO NATAL, Natal, 09 fev. 1905).
Em 1908, um jornalista do Diário do Natal já aponta elementos da vida moderna que eram desfrutados pela população da capital do Estado. O bonde, a iluminação pública, a maior freqüência feminina nas ruas da cidade e o cinematógrafo são elementos exaltados pelo jornalista. Para essas elites, a inclusão desses elementos no cotidiano da cidade representava a entrada de Natal em um patamar de superioridade frente a outros núcleos urbanos, aproximando-a de cidades modelos de civilidade, como o Rio de Janeiro, e de metrópoles como Paris e Londres (GRANDE século. Diário do Natal, Natal, 12 set. 1908).
BONDES
No Diário do Natal, principal jornal de oposição ao governo, foram escritas muitas críticas e reivindicações com relações a qualidade dos serviços e das obras inseridas no projeto de modernização das elites governantes.
O contrato firmado com a Empresa de melhoramentos de Natal de Francisco Gomes Valle Miranda e Domingos Barros é direcionado para as mesmas ruas citadas no contrato sancionado entre o Governo e a Intendência do Município. A atuação da empresa não demorou a suscitar queixas, principalmente no Diário do Natal, jornal opositor ao governo. Se antes os lampiões não eram acesos, de 1905 em diante eram os combustores que por vezes permaneciam apagados em várias ruas e praças da cidade (ILUMINAÇÃO pública, Diário do Natal, 15 de outubro de 1908, p. 1.). Os problemas continuavam os mesmos, a escuridão e a empresa prestadora do serviço acusada de desleixo.
Entre os melhoramentos que a cidade ganhara em poucos anos, o autor da matéria citava a iluminação a gás acetileno, o “magnifico jardim” da praça 15 de Novembro, o calçamento da Rio Branco, da Junqueira Ayres, o Teatro Carlos Gomes, o prédio do Congresso (cujos gastos para reforma foram questionados pelo Diario) (Ver, por exemplo, DIARIO DO NATAL, Natal, 09 fev. 1905), as reformas no Palácio do Governo – sob comando do futuro intendente Eduardo dos Anjos, como dissemos no capítulo anterior –, o jardim da praça Augusto Severo, entre outros.
O desempenho da empresa logo passou por críticas, em especial pelos opositores do governo. Se os velhos lampiões a querosene não eram acesos, a partir de 1905 os modernos combustores permaneciam apagados durante longos períodos de tempo (Andrade, 2009.). A mudança de sistema não diminuiu os problemas enfrentados em decorrência da intermitência da iluminação, como se pode observar na notícia veiculada no jornal O Diário do Natal, em outubro de 1908: “O serviço de iluminação pública precisa ser fiscalizado, pois raro é a rua em que durante a noite não se encontram combustores apagados. Na praça André de Albuquerque isto se nota constantemente. […]” (Diário do Natal, 1908, p.01.)
Apesar das acusações do Diário do Natal contra os serviços da empresa de Francisco Gomes Valle Miranda, a mesma foi contratada em 1910 no governo de Alberto Maranhão para se manter à frente dos serviços de iluminação e transporte urbano, quando incorporou a suas responsabilidades outros serviços urbanos, como consta no Decreto de Lei n° 289 de 23 de novembro de 1910.
A “crise” era expressa também nas críticas acerbas que punham em xeque a forma como se dava – ou às vezes mesmo a necessidade de – o processo de modernização. Para quê o bonde e a energia elétrica, se a cidade não tinha condições de mantê-los, questionavam alguns editoriais do Diário do Natal em 1910 (“Triste situação”, Diário do Natal, Natal, n.1250, p.01, 10 ago. 1911.)
Na inauguração dos bondes elétricos também foi registrado. Quatro bondes ficaram à disposição dos convidados, conduzindo-os até o Palácio do Governo. O serviço de bonde e de iluminação pública celebrados atingiam um pequeno trecho da cidade. De acordo com nota em jornal publicada pela empresa, correspondia “somente da avenida Rio Branco à Ribeira” (EMPREZA de Melhoramentos. Diário do Natal, 3 de outubro de 1911, p. 1.).
Em 1912, as matérias referentes ao assunto traduzem uma grande insatisfação acerca da precariedade dos serviços prestados por essa empresa. As reclamações se deram em relação às irregularidades nos horários dos Tramways ou Elétricos (denominações que também recebiam os bondes), por estes apresentarem defeitos, ou ainda em relação aos pontos de parada, ao valor das passagens e pelo número de acidentes causados pelos Bondes (Ver, por exemplo, o Jornal A Republica do ano de 1912 e Diario do Natal de 1912.).
Esse “ambiente de risco” aparece nos eventos narrados por jornais da oposição ao governo, por exemplo, o Diário do Natal, que noticiou vários acidentes com os bondes, sobretudo choques e atropelamentos desses equipamentos que se movimentavam pelas ruas da cidade “em vertiginosa disparada sem dar pelo break”. Desde a inauguração dos serviços de transporte que a ocorrência de acidentes ganhou espaço na imprensa local. Por exemplo, uma notícia de março de 1912 sobre um choque entre dois bondes na Avenida Sachet atribuía tal fato “à imperícia do motorista Severiano”. Por isso, afirmava o jornal, não era prudente confiar esta função a “empregados que não têm a precisa prática e que, em ocasiões tais, não sabem fazer uso do guarda freio automático que têm os veículos” (O BONDE. Diário do Natal, n. 4.209, 13 de junho de 1911, p. 1.).
PORTO
No começo do ano de 1899, Nunes Ribeiro, veria mais uma vez seu nome envolvido em acusações, e esta não seria a última vez que se envolveria. No dia 1 de janeiro desse ano, o jornal A República, publicou uma matéria respondendo as acusações do Diário do Natal, que denunciaria os desvios da verba do porto, feito pelo engenheiro Nunes Ribeiro, afirmando que o delegado fiscal do Estado, Silva Porto, havia pedido a prestação de contas do engenheiro, em relação aos serviços realizados até o momento, algo que este não havia ainda feito.
O periódico “Diário do Natal”, editado e publicado por membros da oposição da oligarquia Albuquerque Maranhão, critica o uso do montante adquirido por empréstimo estrangeiro por parte do Estado para custear as obras, e também o fato de que os empreiteiros Domingos Barros e Vale Miranda não pagaram a devida caução ao governo pelo empréstimo realizado. Parte desse material que chega ao porto é transportado por desvio da linha da Great Western. Nesse período, as obras da Usina Elétrica do Oitizeiro também se encontravam a todo vapor.
A comissão organizada por Sampaio Correia, composta igualmente por jovens recém-formados, como Luiz Batista, Henrique de Novaes, Barrozo, entre outros, chegaria a Natal no dia 12 de março de 1904, reiniciando prontamente os trabalhos de construção da Estrada de Ferro do Ceará-Mirim e de estudos de uma nova estrada de ferro, a Central do Rio Grande do Norte (EFCRGN), que deveria cruzar o interior do estado, atravessando as áreas mais assoladas pela seca, mas ainda não tinha ponto de partida determinado. Dezessete dias após a chegada da comissão em Natal, o Diário do Natal publica uma matéria intitulada “Estrada de Ferro de Penetração” na qual se esboçava um trajeto em que a EFCRGN se apresentava como um prolongamento da estrada do Ceará-Mirim até rio São Francisco.
Além do mais o jornal A República O jornal admitia a influência de Pedro Velho na comissão em tempos anteriores, algo criticado pelo O Estado e também pelo Diário do Natal e que havia sido negado na época. No entanto, considerava a intervenção legítima, pois seria em benefício das obras do porto.
A necessidade de dragagem dos depósitos de areia da barra do rio Potengi, cuja finalidade era a de alargar e aprofundar cada vez mais o canal de navegação em direção ao porto de Natal, exigiu da Comissão de Melhoramentos do Porto mais um batelão para o trabalho de transporte da areia retirada do leito do canal pela draga, a embarcação foi contratada pela comissão e lançada nas águas do Potengi no dia 11 de agosto de 1904 (Novo Batelão. O Diário do Natal, 11 de agosto de 1904).
Algumas casas foram desapropriadas para que a avenida do porto fosse construída, fato que geraria fortes críticas veiculadas pelo Diário do Natal. Segundo o periódico, se o munícipio pretendia retirar os pobres de suas casas, que fosse diante do fornecimento de condições para que esses pudessem adquirir um local digno para moradia, o que não estava acontecendo, segundo o jornal (NOVAS AVENIDAS-desapropriações. Diário do Natal, Natal, 01 de out. de 1907.). Os novos edifícios construídos, deveriam, então, atender a uma série de exigências para se enquadrarem nos padrões do urbanismo da época. Entre elas, estariam a altura e largura dos prédios, definida pela intendência em seus editais, e a fachada no estilo Art Noveau.
As acusações dirigidas ao governador referentes às suas ações perante os flagelados não pararam por aí. O Diário do Natal denunciou o êxodo forçado ao qual os retirantes eram obrigados a aceitar. Segundo a Folha Oposicionista, Alberto Maranhão estaria enviando os pobres flagelados aos montes em navios para o norte, a fim de diminuir a massa de desordeiros que habitava a capital e as principais cidades do estado.
Nesse sentido, em novembro do mesmo ano, o governador anunciou o projeto para desapropriar “amigavelmente” os moradores da região próxima ao cais da Tavares de Lyra, para a abertura da avenida do porto. Essas desapropriações renderam fortes críticas da Folha Oposicionista, o Diário do Natal, que criticava o governo do estado por querer expulsar os moradores das suas antigas residências sem ao menos propiciar a estes, novas moradias em condições apropriadas.
Inúmeras matérias publicadas no ano de 1904, tanto n’A Republica, quanto no Diario de Elias Souto, apresentam o drama dos sertanejos que fugiam de sua terra e vinham para a capital, quando não tomavam rumos ainda mais distantes, indo normalmente parar no extremo norte da nação. Para uma análise das imagens que se formaram acerca desse retirante da seca na capital potiguar, ver: FERREIRA, Ângela Lucia; DANTAS, George. Os “indesejáveis” na cidade. As representações sobre o retirante da seca (Natal, 1890-1930). In: __ (Org.). Surge et Ambula: a construção de uma cidade moderna (Natal, 1890-1940). Segundo matéria d’A Republica, mais de 6.500 sertanejos já haviam deixado o estado, indo a maioria deles para o extremo Norte (4.939). A REPUBLICA, Natal, 28 abr. 1904. Este número ainda cresceu de modo considerável, pois ao menos até o dia 14 de junho (data do último aviso publicado n’A Republica sobre o embarque de emigrantes), centenas de retirantes continuaram a deixar o estado. Em ARRAIS, R.; ANDRADE, A.; MARINHO, M. O corpo e a alma da cidade: Natal entre 1900 e 1930, p. 33, há uma tabela que aponta nomes de alguns dos navios que levaram esses imigrantes para o Norte e o respectivo número de passageiros em cada embarcação.
Apesar da postura crítica, os jornalistas do Diario do Natal não eram contrários aos ‘melhoramentos’ implementados em Natal. Afinal, a chegada do progresso à capital do Estado era clamada por toda a elite letrada do período. O que o jornal questionava era o modo como os melhoramentos estavam sendo conduzidos pelo governo. Esta posição aparece claramente em uma nota do Diário do Natal sobre a construção de duas novas avenidas em 1907. A primeira deveria seguir desde o Cais Augusto de Lyra até a rua Bom Jesus, e a segunda da praça Augusto Severo até a rua Silva Jardim. A nota do jornal diz respeito às desapropriações das residências que atrapalhariam as obras. Deste modo, o jornalista se põe na seguinte posição: “Não somos contrários aos melhoramentos da cidade, mas [que sejam] sem prejuízo dos seus actuais proprietários, na sua maioria pobres” (NOVAS avenidas. Diário do Natal, Natal, 1 out. 1907).
No dia 16 de março de 1906, o Diário do Natal, Folha Oposicionista do A República, publicou a matéria intitulada Le Mond Marche, uma alusão a máxima francesa do jornalista Eugene Pelletan, que “o mundo avança,” que tanto inspirava as elites de diversas capitais mundiais nos processos de remodelação dos seus respectivos centros urbanos (LE MOND MARCHE. Diário do Natal, 16 de mar. 1906).
Enquanto os grupos políticos ligados a Pedro Velho e sua Oligarquia insistiram em destacar a importância do porto para o progresso de Natal, O diário criticou fortemente as obras do porto, denunciando os atrasos e as relações de poder que envolviam os membros da comissão. Descontados os interesses do redator da Folha, simpatizante da Monarquia, e ferrenho opositor a oligarquia dos Albuquerque Maranhão, é interessante notar no discurso do diário um aspecto importante referente às obras do porto: como elas serviram para projetar os membros da oligarquia (IA A DIA: Fructos do tempo. Diário do Natal, 3 de jan. de 1906.).
Essa outra visão sobre os melhoramentos do porto e sua importância para a cidade no começo do século XX, fornecida pelo Diário do Natal, nos ajuda a entender a persistência e insistência de um discurso extremamente entusiástico sobre os melhoramentos do porto, mesmo diante de um cenário que parecia ao final de 1913, desolador. Nesse ano, as obras do porto foram suspensas temporariamente pelo Governo Federal, sendo retomadas apenas em 1918, cinco anos depois, sendo a comissão de melhoramentos do porto mais uma vez reorganizada e sendo exigido um novo projeto de melhoramentos para esse espaço.
Para o porto de Natal, de “admiraveis condições naturaes”, os planos eram também audaciosos. O cais de desembarque deveria ser uma “bella praça, de traçado moderno”, a qual serviria de cartão de visitas da capital potiguar para os que vinham de fora. Dando prosseguimento à explicação de seus planos, Palumbo afirmava que a praça devia “continuar por uma larga avenida, que finalisará por um monumento ou edificio publico de silhueta monumental, que lhe dará o nome,
segundo o modelo classico, em urbanismo, da Avenida da Opera ou dos Campos Elysios, de Paris (PALUMBO, Giacomo. A remodelação de Natal: o engenheiro Giacomo Palumbo dá para A REPUBLICA as suas impressões sobre a nossa capital – perspectivas sobre a cidade futura. A Republica, Natal, 24 fev. 1929.).
Quem sabe a comparação com Paris, antes mote de chacota feita pelo Diario do Natal (DIARIO DO NATAL, Natal, 24 mar. 1908), não se tornava, com o plano de remodelação, plausível? As opiniões e críticas expressas no jornal A Republica e na revista Cigarra enalteciam a ação dos governos municipal e estadual e revelavam profundo otimismo em relação às mudanças que o Plano traria para a cidade.
RELÓGIO
O edifício situado em frente ao relógio, projetado pelo arquiteto Herculano Ramos para ser o Palácio do Congresso, foi construído em 1907; ao lado esquerdo do edifício, foi construído o Square Pedro Velho. No lugar havia uma fonte de água com repuxo, um gramado, estátua de Pedro Velho, oitos bancos duplos e uma arborização feita com aglaias, árvores nativas da Ásia e da Oceania, aclimatadas no Brasil. O local foi considerado pela impressa como “deslumbrante” após a chegada do “relógio e o gradil tão justamente famoso pelos seus 103 metros de cumprimento”, um “recanto aprazibilíssimo” capaz de provocar a “sensação que os grandes artistas experimentam ao contemplar as suas obras primas” (AINDA OS MELHORAMENTOS. Diário do Natal, 6 out. 1911.).
O cronista Neto, autor da série de crônicas intituladas “De meu canto”, publicadas no Diário do Natal, aproveitou o problema de funcionamento do relógio da balaustrada da Avenida Junqueira Aires para criticar o melhoramento com um pequeno verso ironizando a situação:
Dizem que o relógio está
Como muito gente agora,
Emperrado e Caipora
Sem saber p’ra onde vá
(Neto. De meu canto. Diário do Natal, 12 de dezembro de 1911, p. 1.).
O relógio, como muita gente, estava sem direção. As transformações na cidade produziram perdas das referências, a consciência perturbadora da descontinuidade, da perda da tradição. As reportagens de jornais, na medida em que representam os fatos, tendem a acelerar mudanças sociais ou a estabilizar um movimento dessas transformações.
LIXO
Respondendo a uma matéria publicada no jornal de oposição, o “Diário do Natal”, em que era afirmado estar sendo o lixo incinerado em terrenos devolutos, em qualquer lugar da cidade, o jornal “A República” deu voz a Raymundo Filgueira, fiscal da Cidade Alta, que disse não ser exato o texto publicado na folha oposicionista, pois, segundo ele, o lixo era “todo transportado para o local designado pela Hygiene” (Idem.) e lá era feita a incineração. Ainda segundo Filgueira, “nos terrenos devolutos o fiscal manda queimar somente algumas folhas seccas e papeis velhos e isto mesmo depois de convenientemente misturados com pixe” (A República, 19 de abril de 1902).
O jornal Diário do Natal noticiava, no início do século XX, sobre a coleta de lixo e organização da cidade do Natal, revelando insatisfação da população:
Continuam as justas reclamações dos municipes desta capital, dirigiddas ao contratante da limpeza pública, que é um sobrinho do presidente da intendência. Na rua São Thomé, dizem os moradores, que a carroça do lixo nunca mais por lá passou […] E assim a limpeza se vae fazendo maravilhosamente bem… […]. (DIÁRIO DO NATAL, Natal, n. 3371, 19 jan., 1908.).
Natal é um Pariz, cheio porem de lama, de lixo, de matto, sem esgoto, sem hygiene, sem hospital, cheio de mendicantes e de miséria. […] O lixo em toda a cidade é franco e tem com a lama eterna e estreita amisade de que de facto tem fama. (DIÁRIO DO NATAL, Natal, n. 3416, 24 mar., 1908.).
Diante do que expunham, os líderes do Diario davam o diagnóstico dos que exaltavam desmedidamente as mudanças vividas por Natal, em especial Braz Contente: sofriam de progressomania (DIARIO DO NATAL, Natal, 12 ago. 1908. Os redatores do Diario respondem à crônica de Braz Contente, publicada n’A REPUBLICA havia dois dias); viam, em tudo, a chegada do progresso.
REVOLTA DA VACINA
O ano de 1904 foi marcado nacionalmente, nessa questão relacionada à saúde pública, por um acontecimento que ficou conhecido como Revolta da Vacina. Nesse ano, o governo republicano, no intuito de estabelecer uma política pública de erradicação de algumas doenças, dentre elas a varíola, decidiu tornar a vacinação uma obrigação. Essa medida compreendida por alguns setores como sendo uma atitude arbitrária foi alvo de inúmeros protestos, tendo como centro irradiador a capital federal.
No Rio de Janeiro, onde de fato ocorreu a Revolta de Vacina, os historiadores apontam como um dos mais importantes motivos que provocaram o estopim da revolta a política de remodelação da cidade, o famoso “Bota abaixo” do prefeito Pereira Passos, que, no intuito de reformar a cidade, promoveu a expulsão de grande parte da população pobre que vivia no centro antigo do Rio.
Em Natal, a imprensa de oposição liderada pelo jornal “O Diário do Natal”, procurou relatar cotidianamente os acontecimentos tidos no Rio de Janeiro, defendendo
o pensamento dos senadores Lauro Sodré e Barbosa Lima de que a obrigatoriedade da vacina era uma violação dos direitos individuais e uma imposição de um governo arbitrário e ditador.
Em agosto daquele ano, foi publicado pelo jornal “O Diário do Natal” um manifesto que circulava no Rio de Janeiro, incitando o povo a se concitar contra as arbitrariedades do governo e contra as medidas tomadas pelas autoridades responsáveis pela higiene pública. Segundo o manifesto, essas medidas iam de encontro inclusive às leis naturais, pois, “estabelecer a obrigatoriedade de um processo já reconhecido como anti-scientifico e repelido pelo bom senso popular que vê empyricamente os inconvenientes de se metter pus em corpo são (…) é realmente uma calamidade social.” (Pelo Rio – Revolta contra a vaccina obrigratoria. O Diário do Natal, 20 de agosto de 1904.). Apesar da discussão em torno do processo profilático da varíola ser, àquela época, uma questão já bastante resolvida e a vacina ser reconhecidamente a medida profilática mais eficiente, a propagação de uma antiga concepção sobre o tratamento preventivo da doença tomava, nesses termos, uma conotação mais política do que científica, o que para o “Diário” soava de bom grado.
Em um artigo intitulado “Pela mocidade”, o mesmo jornal narrava um episódio no qual um grupo de estudantes houvera realizado uma manifestação em favor das causas defendidas pelo senador Lauro Sodré e por Barbosa Lima, essa manifestação ocorrida na Praça André de Albuquerque, em um dia de festa da padroeira da cidade, onde a banda do batalhão estava tocando, foi, segundo o jornal, reprimida pelo governador Tavares de Lyra, gerando posteriormente retaliações por parte do governo aos estudantes que promoveram a tal manifestação (Pela mocidade. O Diário do Natal, 17 de novembro de 1904.).
Não é possível atestar que em Natal houve alguma repercussão em torno da Revolta da Vacina ou das manifestações públicas ocorridas na capital federal em detrimento da obrigatoriedade da vacinação. Ao que aparenta, esse fato tomou aqui muito mais uma discussão política em torno do poder da oligarquia Albuquerque Maranhão.
A epidemia de varíola que assolava a cidade fez com que a Inspetoria de Higiene promovesse uma campanha de vacinação em Natal por todo o ano de 1905. Em março daquele ano, uma pequena nota daquela inspetoria declarava que o médico Antonio China estava vacinando gratuitamente a população no seu escritório na Rua Dr. Barata na Ribeira.
O surto epidêmico que houvera grassado na cidade durante aqueles dois anos foi anunciado como em forte declínio no mês de novembro de 1905. Em uma matéria cheia de elogios ao governador, à Inspetoria de Higiene e ao Padre João Maria, o articulista “d’A República” dizia que, “após uma lenta agonia, succumbiu, em seu repasto vil de podridões e lagrimas, o monstruoso flagello, que por longos meses, trouxe a nossa população em torturas e sobressaltos” (A variola. A República, 22 de novembro de 1905).
CRÍTICAS A QUESTÃO SANITÁRIA DE NATAL
A obediência às normas de conduta nos espaços públicos era um preceito básico da cidade civilizada. A construção dos banheiros e casas de banho deveria, então, evitar cenas como a que se sucedeu em 1895, nas imediações do baldo:
Parece pilheria mas não é. Quem quizer ver vá ao baldo da 6 as 8 da manhã, principalmente nos domingos que verão scenas reprováveis. Homens, que se dizem de gravata limpa sem o menor escrúpulo, se despem em prezença de crianças; não se falando em vista de mulheres que transitão algures. Em nome da physica, já que não se pode contar com a hygiene moral, pede providencias quem tem vergonha (BALDO. Diário do Natal. Natal, 15 nov 1895.).
A cidade ideal, contudo, tinha que conviver com a cidade real. Na Natal de “pedra”, diferentemente da Natal de “papel”, o grupo dirigente teria que lidar com os indesejados, aqueles que eram doentes, morféticos, transgressores das normas, vadios, criminosos e “desfavorecidos de fortuna”. A cidade que se queria sã e bela precisava produzir, para tanto, espaços que acomodassem essas classes diversas de indesejados. O afã pela construção desses espaços foi, inclusive, ironizado pelo jornal Diario de Natal. Segundo o periódico oposicionista, “Si a medicina de narinas abertas, cautelosa e hábil farejava bons ares, logo a engenharia traçava as plantas de soberbas edificações…”. Prosseguindo em sua explanação, o jornal afirmava que os representantes do governo do estado “vagando e sempre vagando por campinas e morros, em planos tinham concebido um mundo de progresso. Falava-se de sanatórios, de asilos, de hospitais, lazaretos, isolamentos, cemitérios, matadouros, banheiros, lavanderias e outras palavras sugestivas (PIADAS… Diario de Natal, Natal, 08 fev. 1908, p.1).”
A mensagem de governo, em 1904, enviada pelo governador Tavares de Lyra, era categórica na afirmação de que o estado sanitário de Natal houvera se alterado devido a aglomeração de retirantes vítimas do flagelo da seca, que naquele ano castigara o interior do Rio Grande do Norte. Os recursos primitivamente destinados para obras no interior, foram utilizados para empregar os flagelados em reformas na capital, atitude que veio a receber críticas ferrenhas dos jornais da oposição, como o Diario do Natal e o Commercio de Mossoró.
Reunir-se em nome de ações caridosas também não parecia ser algo tão raro entre os atores sobre os quais aqui nos debruçamos. Chamou-nos a atenção, entre tais ações, a festa realizada em prol dos variolosos indigentes de Natal, realizada no ano de 1905. Organizada pela senhora Maria Barcellos, uma das dirigentes da Associação Damas da Caridade, a festa contou com a importante participação de Francisco Cascudo, Angelo Roselli, Alberto Roselli, Romualdo Galvão, Avelino Alves Freire, Francisco Rodrigues Vianna, José Mariano Pinto, Theodosio Paiva, Paschoal Romano Sobrinho (fiscal da Intendência), Coronel Elias Souto, líder da oposição, e capitão Elino Souto, seu filho (A REPUBLICA, Natal, 01 ago. 1905). Por matéria do Diario do referido ano, vemos que também faziam parte do partido de oposição Angelo Roselli e Romualdo Galvão (DIARIO DO NATAL, Natal, 16 fev. 1905. Segundo Cascudo, Roselli imprimiu os 53 primeiros números do Diario de Elias Souto em sua tipografia (A REPUBLICA, Natal, 12 abr. 1929)), dirigentes da Associação Comercial.
O jornal de oposição “O Diário do Natal” avaliando a mensagem governamental criticou o fato de ter sido encarregado, pelo governo, dois homeopatas para visitar e fornecer remédio aos doentes, o que segundo o articulista era muito tarde e somente aconteceu essa ação. A resposta para a pergunta do jornalista do Diário estava no relatório assinado pelo inspetor de higiene e contido em anexo à mensagem do governo. Nele o inspetor de higiene dizia que obter uma higiene pública satisfatória era um dos problemas de mais difícil solução entre nós.
Indiscutivelmente o que se pode compreender da fala do inspetor de higiene é o fato de que realmente, até então, não existia, efetivamente, uma política pública estatal no que se refere ao quesito saúde, ou higiene como era comum nomear. Na fala do inspetor o que se percebe é uma quase total negligência dos poderes públicos em relação ao assunto. E nesse caso cabe aqui a crítica formulada por Elias Souto através das letras do seu “O Diário do Natal” que, por inúmeras vezes, denunciava a falta de zelo administrativo que tinha a oligarquia Albuquerque Maranhão: “não esbanjassem os nossos governos, como o teem feito, as rendas publicas – que o Estado se acharia hoje em condições de fazer não só um jardim, como muitos outros melhoramentos de que carecemos” (Dia a dia – Não justifica. O Diário do Natal, 24 de julho de 1904).
O Hospital de Caridade (antiga Casado Estudente) foi também alvo de ferrenhas críticas por parte dos oposicionistas que acreditavam ser possível prestar um serviço de melhor qualidade em um espaço mais adequado. Dizia o articulista do “O Diário do Natal” que “Somente por um escarneo pungente pode ter o nome acima o cazarão que, nesta cidade, recebe os enfermos pobres desvalidos. Imundo, sem utensis, sem os mais insignificantes confortos para os miseros alli recolhidos, gasta-se naquelle Hospital somas avultadas e os infelizes doentes são alli vistos estendidos no ladrilho das salas, nús, como se fossem animaes dos campos” (O Diário do Natal, 03 de julho de 1904).
Em 1906 o Hospital de Caridade foi fechado sob a alegação de que o mesmo não preenchia os fins a que se destinava, e sob a promessa de que se iria reformular o serviço de assistência, tornando-o mais eficiente.
Nesse ponto, é interessante perceber também como a higiene aos poucos vai sendo disseminada e vulgarizada entre os indivíduos da cidade; alguns comerciantes
a traziam como sendo mesmo uma qualidade de seu produto, característica percebida não só em relação aos medicamentos, mas também em relação ao vestuário, aos calçados e até ao mobiliário. O “Armazém de fazendas e miudezas Angelo Roselli”, por exemplo, anunciava no Diário do Natal que dispunha de camas e berços de qualquer tamanho e qualidade com lastros higiênicos e de extraordinária duração [grifo nosso].(Diario do Natal. Natal, terça-feira, 1 novembro 1904. Anno XII. Num. 2,629. p. 4.).
Além disso, a Folha Oposicionista já havia criticado fortemente, em 1906, os impostos aprovados pelo município para alguns prédios urbanos, denominada de taxa sanitária (LEI Iniqua. Diário do Natal, 8 de dez. de 1906.).
Nenhum outro tema é tão recorrente no primeiro semestre de 1911 quanto o da falta de carnes verdes no mercado da cidade. São diversas as matérias nesse período reclamando sobre o não cumprimento do contrato estabelecido entre a Intendência e os fornecedores do produto e pedindo maior fiscalização dessa instituição no mercado e nas feiras da cidade. Em uma dessas matérias, A Republica, com algum tom de indignação, cobra medidas mais enérgicas do coronel Joaquim Manoel (A REPUBLICA, Natal, 31 mar. 1911.).
O tom da reclamação parece até ter espantado o Diario, que se refere à matéria d’A Republica como uma “acusação solene” ao presidente da Intendência (DIARIO DO NATAL, Natal, 01 abr. 1911). O fato é que a cobrança realizada por este periódico surtiu algum efeito, tendo em vista que, no dia seguinte ao de sua publicação, o coronel Joaquim Manoel, acompanhado de seu secretário, Arthur D. Mangabeira, e do fiscal geral, compareceu ao mercado público para verificar se a quantidade de carne com a qual o estabelecimento vinha sendo abastecido estava em acordo com o previsto no contrato, bem como tomar as devidas providências para que os consumidores fossem atendidos com a máxima presteza pelos talhadores.
Notas oficiais eram diariamente publicadas no jornal oficial, com o intuito de conscientizar a população da necessidade de “manter a pureza do ar dentro das habitações” (DIÁRIO DO NATAL, 22/10/1912, p.01), assim como, o asseio delas para que “impossibilitasse a entrada de moléstias nas residências”, por meio de animais “daninhos e perigosos”, como os ratos, atraídos pelo lixo ou partículas de alimentos esquecidas nos ladrilhos e assoalhos das moradias (DIÁRIO DO NATAL, 23/10/1912, p.01). Eram comuns os apelos, em paralelo com a publicação das resoluções, que primavam pela concepção de moradias isoladas com oitões livres, em contrapartida àquelas “contíguas”, e pela construção de habitações construídas com grandes aberturas para o exterior.
HOSPITAL DE CARIDADE JUVINO BARRETO
A localização espacial do Hospital de Caridade Juvino Barreto era singular: repousava sobre um Monte, região altaneira da cidade, e situado nas proximidades da Praia de Areia Preta, beira-mar bastante conhecida pela elite natalense da época: Acompanhou [Januário Cicco] todas as etapas da reforma da casa de veraneio de Petrópolis, caminhando pelas dunas, para observar os serviços e modificar o que achasse conveniente (ARAÚJO, Iaperí. Januário Cicco: um homem além de seu tempo, p.14.).
Era uma região de dunas! A casa de campo de Alberto Maranhão era de “veraneio”, isto é, o governador e a sua família iam passar o verão lá, descansando, respirando “ar puro”, longe do mefítico ambiente urbano da Ribeira, local de trabalho e comércio. Em 14 de outubro de 1905, o Diário do Natal publica, sob o título de Dia a dia: Pobre Rio Grande do Norte IV, um artigo que comenta sobre as vantagens do vento marinho para a saúde da população:
Na arte de arranjar benemerência, ninguém melhor maneja a política que o senador Pedro Velho, e nessa especialidade fazem justiça todos, inclusive os seus mais intimo engossadores. Promovem o bem público e… inventam uma cidade nova. A idéia é bella e se lhe reconhece o que seja de genial. A nossa cidade, além de velha feia, comprimia já a população em bairros apertados e mal servidos da higyene da natureza. Precisava a população natalense de respirar o ar saturado dos alcalóides marinhos de que é portadora a viação que vem das praias do Morcego e Areia Preta (Dia a dia: Pobre Rio Grande do Norte IV. Diário do Natal, Natal, 14 de out.1905.).
É fato que nem todos concordavam com a sua localização, como ficou patente na matéria d’O Diário do Natal:
[…] Continuamos a pensar que a casa do Monte não se presta para o hospital e que a sua instalação ali deve ser provisória. O melhor local, debaixo de todos os pontos de vista, é o antigo hospital… (Apud MEDEIROS, Tarcísio de. Ontem, Hospital do Monte, Hoje Hospital “Miguel Couto”, p.44.) A querela aqui, todavia, é muito mais política que científica, pois o jornal citado, opositor à família Albuquerque Maranhão e capitaneado pelo empedernido Elias Souto, não apresentou nenhum argumento médico a respeito, embora tenha insistido que a localização adequada seria o velho Hospital de Caridade “[…] debaixo de todos os pontos de vista…”
Dirigido pelo doutor Augusto Leopoldo Raposo da Câmara, O Diário do Natal era o periódico de oposição à família dos Albuquerque Maranhão, donos do jornal A República, o que explica em parte as discordâncias presentes nas matérias jornalísticas acerca da inauguração do HCJB.
A temática da “viagem”, própria de um período de efervescência dos meios de transporte e das comunicações, com a presença constante de vapores na zona portuária, e da “hospitalidade”, com seu sentido etimológico de acolhimento, recepção, se entrelaçam naturalmente na matéria do jornal, que apresenta o espaço hospitalar como uma “casa” (Aliás, como veremos, o estabelecimento surgiu exatamente de uma casa de campo…). É assim que O Diário do Natal (14 de setembro) também o denomina: “A casa é pequena […]”.
Em 17 de julho de 1909, conforme noticiou O Diário do Natal, as irmãs de Santana desembarcaram do vapor ‘Acre”, instalando-se no próprio prédio em remodelação. Eram cinco ao todo- Cosma Campani, Rosa Sampaio, Helena Maria de Menezes, Renoleta Mesati e Olindina Garavachia-, que vinham desempenhar inicialmente funções de enfermagem, pelo menos até que o governo contratasse os serviços de cuidados com os pacientes, e tendo a remuneração de 200$000 réis (MEDEIROS, T. de. Ontem, Hospital do Monte, hoje, Hospital “Miguel Couto”, p.34 -35.).
De fato, a construção do Hospital de Caridade Juvino Barreto teve sua gênese na adaptação da casa de campo de Alberto Maranhão, reforma iniciada em princípios de 1905. Porém, não conhecemos, além dos nomes de alguns trabalhadores, todas as mudanças que foram implementadas na casa. Os jornais com que pesquisamos, A República e O Diário do Natal, se calam a esse respeito.
Enfermarias! Este era o espaço para o qual eram conduzidos os doentes que adentravam ao HCJB, sendo aí internados. Tratava-se de amplos espaços fechados e contínuos. O nosso articulista descreve duas enfermarias e dependências para pensionistas (pessoas que podiam pagar). Cada uma dessas “enfermarias” destinava-se ao acolhimento de doentes de um mesmo sexo, homens para uma, mulheres para outra, e dividiam-se em unidades menores chamadas de “salas”, compostas de “leitos” (camas de ferro) que abrigavam um grupo pequeno de pacientes, como informava o jornal O Diário do Natal de 14 de setembro:
Há uma enfermaria para homens, com 15 leitos, e outra com 12 para mulheres. Além dessas enfermarias, existem mais quatro quartos com leitos cada um (O DIÁRIO DO NATAL. 14 set. 1909.).
No jornal O Diário do Natal, de 14 de setembro de 1909, discutia-se até a propriedade do patronímico “Juvino Barreto”: em seu lugar, o nome mais indicado seria o do “Padre João Maria”, falecido em 1905.
FONTES SECUNDÁRIAS:
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BARROS, Eva Cristini Arruda Câmara. Atheneu norteriograndense: lócus de desenvolvimento cultural da Natal republicana. Disponível em: www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe1/anais/053_eva.pdf . Acesso em: 13 de dezembro de 2013.
BELO, André. Na era de Gutenberg: outras publicações. História & livro e leitura (Coleção História & ……. Reflexões, 3) Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
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DANTAS, George. L. Natal “caes da Europa”: o Plano Geral de Sistematização no contexto da modernização da cidade (1929-30). Monografia (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) – DARQ, CT, UFRN, 1998.
FERREIRA, José de Anchieta. Histórias que não estão na História. Natal: Clima, 1992.
FERREIRA, Alexsandro. Uma Cidade Para o Futuro: O discurso do progresso na estruturação urbana de Natal, In: FEREIRA, Ângela Lúcia & DANTAS, George (orgs). Surge ET ambula: a construção de uma cidade moderna. Natal, RN: EDUFRN, 2006, p. 283-301.
MEDEIROS, Tarcísio de. Ontem, Hospital do “Monte”, Hoje “Miguel Couto”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte . Natal, vol.53, 1959, p.33-46.
MELO, Veríssimo de. Calendário Cultural e Histórico do Rio Grande do Norte. Natal: Conselho Estadual do Rio Grande do Norte, 1976.
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