Empresa de Melhoramentos de Natal

Não bastava uma empresa ter a missão. Também era necessário ter a plena identidade do que se propunha a fazer. Foi assim que surgiu a Empresa de Melhoramentos de Natal para a difícil tarefa de, no início do século XX, fazer com que os serviços públicos, principalmente de energia e iluminação pública, atendessem as expectativas do Natalense.

Início tardio

O contrato firmado com a empresa de Francisco Gomes Valle Miranda e Domingos Barros é direcionado para as  ruas do trecho do bairro Cidade Alta, compreendido entre o Quartel do Batalhão de Segurança e a Praça André de Albuquerque. O Sr. Valle Miranda era genro de Fabrício Maranhão, usufruindo dos privilégios de possuir ligações familiares com a oligarquia dominante. Cf. SOUZA, Itamar de. A República Velha no Rio Grande do Norte: 1889-1930. Brasília: Centro Gráfico do Senado. 1989.

Desse modo, esses locais receberiam os serviços de iluminação a gás acetileno, com bicos  de força de quinze velas, em substituição aos lampiões de querosene; os postes seriam assentados com a distância de 30 metros, sendo pontos obrigatórios as entradas das ruas, travessas e becos. O fornecimento de luz se daria todas as noites durante dez horas, das seis horas da tarde às quatro da manhã, “exceptuando-se trez noites antes e trez depois da luz cheia”, ficando o contratante sujeito à cobrança de multa por cada combustor que deixasse. RELATORIO de governo, proferido na Assembléia Legislativa pelo Sr. Dr. Augusto Tavares de Lyra 1905.

A previsão de inauguração em abril, do primeiro trecho iluminado a acetileno,
da Rua Silva Jardim à Praça André de Albuquerque, conforme fora anunciado, não se cumpriu. A inauguração desse sistema de iluminação pública a gás acetileno em Natal realizou-se em 29 de junho de 1905. Nessa data a empresa de Francisco Gomes Valle Miranda deu início a sua trajetória a frente dos serviços urbanos da capital. RELATORIO de governo, proferido na Assembléia Legislativa pelo Sr. Dr. Augusto Tavares de Lyra, 1905.

Queixas

A atuação da empresa não demorou a suscitar queixas, principalmente no Diário de Natal, jornal opositor ao governo. Se antes os lampiões não eram acesos, de 1905 em diante eram os combustores que por vezes permaneciam apagados em várias ruas e praças da cidade. ILUMINAÇÃO pública, Diário de Natal, 15 de outubro de 1908, p. 1.

Os problemas continuavam os mesmos, a escuridão e a empresa prestadora do serviço acusada de desleixo. Apesar das acusações do Diário de Natal contra os serviços da empresa de Francisco Gomes Valle Miranda, a mesma foi contratada em 1910 no governo de Alberto Maranhão para se manter à frente dos serviços de iluminação e transporte urbano, quando incorporou a suas responsabilidades outros serviços urbanos, como consta no Decreto de Lei n° 289 de 23 de novembro de 1910: “E’ approvado o contracto celebrado em 6 de outubro deste anno, entre o Governo do Estado e a firma Valle Miranda & Domingos Barros, para a construcção e exploração das obras de saneamento e melhoramentos da capital”. Decreto de Lei n. 289, 1910. Natal: Typographia da Impressa Oficial, 1910.

Bondes

Na lista de compromissos da empresa estava a transformação do bonde puxado à tração animal em bonde elétrico. Os bondes a burro marcavam presença na cidade desde 1908, ano do assentamento dos trilhos da primeira linha de bondes da cidade.  Ferro Carril do Natal. A Republica, 17 de junho de 1908.

De fato, os bondes à tração animal iniciaram seu movimento em setembro de 1908. A primeira linha veio para unir os dois bairros da cidade, percorrendo o trecho da Rua Doutor Barata, na Ribeira, à Praça João Maria, na Cidade Alta. Os animais passaram poucos anos servindo de tração aos bondes em Natal: dois anos após a inauguração dos carris urbanos, publicou-se em Mensagem de governo a intenção de promover a substituição da linha existente por outra movida à eletricidade e que servisse a todos os bairros; do mesmo modo a substituição da iluminação a acetileno por iluminação elétrica, sob a alegação de que aumentaria a intensidade da luz. Tais propósitos foram destacados no item do relatório intitulado “Obras publicas na capital: melhorando a qualidade de vida da população”. Mensagens de governo. 1910, p. 17.

Manoel (Nezinho) Borges (paletó escuro) no bande puxado por burro em Natal. 1918.
Bonde puxado por burros na avenida Hermes da Fonseca, entre os sítios Senegal (Joaquim Manoel Texeira de Moura) e Covadonga (Alberto Maranhão). Foto Manoel Nazareno de Moura.

Entusiasmo

Os intentos publicados em 1910 tornaram-se realidade no ano seguinte. Tais melhoramentos foram citados em matérias dos jornais locais como impulsionadores do progresso, caso d’A Republica, jornal em que se publicou – no início de 1911 – que a capital norte-riograndense estava conhecendo uma “poderosa teia do progresso, sempre forte, sempre veloz”, tecida pelos melhoramentos no espaço urbano natalense. A Republica, 19 jan. 1911. Citado por COSTA, Madsleine Leandro da. Op. Cit., p. 113.

O  entusiasmo dos repórteres com as perspectivas futuras da cidade que recebia a eletricidade deram contornos ao clima festivo que marcou a chegada dessa inovação. A inauguração foi programada para o dia do aniversário do governador Alberto Maranhão e festejada em um baile no Natal Club, com presença do governador e demais autoridades. E pelas mãos de Alberto Maranhão o “comutador lançou a corrente elétrica nos circuitos da Força e Luz”, marcando a inauguração dos serviços de bonde e luz elétrica, pelas suas mãos foi acionado o foco de modernidade que irradiaria Natal. A Republica, n. 214, 1911. 73 EMPREZA de Melhoramento.

Em matéria d’A Republica sobre a inauguração do primeiro trecho de iluminação e bonde elétrico, foi lembrado que a empresa tinha a incumbência de melhorar o serviço de iluminação e de substituir o gás acetileno pela energia elétrica. Porém, a iluminação da cidade foi apenas uma das obrigações prescrita no contrato da Empresa de Melhoramentos de Natal com o governo do Estado do Rio Grande do Norte. Entre as prescrições contratuais encontravam-se a construção de um forno de incineração de lixo, a administração, manutenção do serviço de transporte urbano, como ainda, do serviço de abastecimento de água da capital.

O Natal-Club . Fonte: Foto de Manoel Dantas. MIRANDA, João Maurício Fernandes de. 380 Anos de História Foto-Gráfica da cidade de Natal – 1599/1979, Editora Universitária, UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. p. 37.
Foto do site Web: Natal – 400 Anos de História/jornal Diário de Natal. A foto mostra a chegada de um bonde ao monte Petrópolis, em Natal, capital do Rio Grande do Norte, seguindo a tu linha inaugurada em agosto de 1912. Abaixo, imagem do bonde elétrico trafegando pela cidade. O sistema de bondes da capital do Rio Grande do Norte foi extinto em maio de 1955.
Foto do pesquisador norte-americano Allen Morrison, de New York/EUA

Obrigações

Numa outra matéria d’A Republica, publicada a pedido da empresa, as obrigações do contrato acordado com o governo são divulgadas, junto ao relato das ações realizadas até o momento e do andamento dos melhoramentos. Segundo esse texto, a empresa tinha o compromisso de inaugurar, em 06 de outubro de 1911, os serviços elétricos de Natal, enquanto para as restantes das obrigações tinham um prazo de cinco anos a contar da data de assinatura do contrato, o que dava como limite a data de 06 de outubro de 1913.

Para o serviço de transporte urbano, o número de carros foi fixado em oito, dos quais cinco já se encontravam em tráfego. Em 1912, havia cinco bondes elétricos em tráfego, descritos pela empresa responsável pelo serviço como “sólidos, confortáveis e possantes, providos de aparelhos elétricos os mais modernos, e profusamente 
iluminados”. A Republica, n. 12, 1912.

A iluminação, quando realizada com a utilização do acetileno, contava com 220  combustores de 15 velas. O contrato previa a obrigação de fornecer 25 focos de 25 velas, iluminando a cidade três vezes mais pela mesma quantia paga anteriormente.

Deste modo, a Empresa responsabilizou o Estado pelas insuficientes condições da iluminação pública, afirmando a sua capacidade de fornecer uma iluminação mais eficaz, o que não estava sendo feito por falta de interesse do Estado em resolver os problemas orçamentários e destinar verbas para o fornecimento de uma iluminação mais poderosa para os edifícios públicos.

A empresa encarregava-se também da construção de um forno de incineração de lixo e do abastecimento dos serviços de água. O forno encontrava-se pronto para entrar em funcionamento em fevereiro de 1912.

Segundo os proprietários, as condições em que foi firmado o contrato eram ruins, tanto que nenhuma outra prestadora de serviço tentou fazer concorrência. Mesmo assim, afirmavam eles, que os melhoramentos estavam sendo realizado e “dentro do prazo serão todos uma feliz realidade que a colocará entre as cidades mais progressistas e florescentes do país”. A Republica, n. 12, 1912 .

Os melhoramentos dos serviços urbanos só foram possíveis em função de um empréstimo solicitado pelo governador Alberto Maranhão à França, em 1909, no intuito de promover os melhoramentos e embelezamento da cidade. O empréstimo foi autorizado pelo governo estadual até a “quantia de cinco mil contos de réis, ou trezentas e cincoenta mil libras esterlinas”. Decreto de Lei n. 270, 1909.

Poste elétrico na Avenida Junqueira Aires em 1914

Usina do Oitizeiro

A construção da Usina do Oitizeiro pela Empresa de Melhoramentos de Natal realizou-se com ajuda do governo do Estado e do referido empréstimo francês. Ela foi construída nas proximidades do Baldo, o antigo sítio do Oitizeiro, em seis meses. A usina dispunha de “uma grande bateria de acumulladores com capacidade suficiente para alimentarem toda a cidade durante a noite inteira”. A Republica, n. 209.p.02, 1911.

O repórter Accacio falou de sua admiração com o progresso e a grandeza da usina elétrica, situado no antigo sítio do cidadão Luiz de Barros. Em ocasião de sua visita à usina a impressão foi de terem sido transplantandos para uma cidade yankee, (…), impressão de grandesa, 
impressão de justo orgulho, por vermo que a nossa terra, pequena e pobre, possue homens que teem sabido guial-a para um futuro grandioso, um futuro que jamais nos passou pela imaginação! ACCACIO. Fitas. A Republica, 23 de maio de 1911, p. 1.

Em 1912, a Empresa de Melhoramentos de Natal aumenta a capacidade da Usina, que passa a operar com dois motores de 60 kW e outros dois, de 75 kW cada, totalizando 270 kW. Os registros nos periódicos não permitem saber ao certo se essa capacidade de carga operou funcionalmente. Sabe-se que a demanda e a cobrança, tanto por parte do Estado quanto por várias camadas sociais da população, aumentaram.

Quando a Empresa de Melhoramentos de Natal – responsável pelos serviços urbanos desde 1905 e vencedora do Edital para implantação do sistema elétrico, em 1910 –, passa por mudança societária, em 1912, e renova o contrato com o Governo do Rio Grande do Norte, vê-se obrigada a compensar, via redução das taxas dos serviços, a demora para ampliar e melhorar o sistema dos serviços públicos como um todo.

Foto de João  Galvão dos anos 20 do século XX da Antiga usina de energia do Oitizeiro e matadauro municipal. Hoje no local está edificada a sede da Cosern. O registro foi publicado no livro do médico  Januário  Cicco.
Maquinário da Empresa Força e Luz. Entre as engrenagens o operário aparece pequeno
entre as engrenagens da usina. Fonte: Solar João Galvão de Medeiros.
Usina do Oitizeiro inaugurada em 1911, nas proximidades da fonte do Baldo. A sucessão de empresas na administração dos serviços não trouxe mudanças à localização da usina.Na mesma localização encontra-se atualmente a COSERN. Fonte: LYRA, 2001.

Fim

Os intelectuais potiguares como Henrique Castriciano, se entusiasmaram, em menor ou maior grau, com a atmosfera da vida moderna. Possuíam bibliotecas, recebiam livros, jornais e revistas do Brasil e do exterior, viajavam para o Rio de Janeiro, foram estudar em outras capitais, ou mesmo no exterior e, muitos deles, quando retornavam a Natal, desempenhavam funções na política e na administração pública. Sobre esse assunto conferir: ARRAIS, Raimundo; ANDRADE, Alenuska, MARINHO, Márcia. Op. cit..

Eram eles membros do grupo social que aqui chamamos de elite, grupo de pessoas que tinha acesso aos meios de comunicação, que escreviam para os jornais locais exaltando os melhoramentos da cidade, e, por vezes, queixando-se contra os aspectos não condizentes com os ideais de modernização almejados, como por exemplo, a falta de serviços satisfatórios de iluminação e transporte.

Essas críticas foram valorosas fontes para nosso conhecimento dos fatos e motivações que moveram as atuações das empresas responsáveis pelos serviços de eletricidade em Natal. Dentre eles, o rompimento da sociedade entre Francisco Valle 
Miranda e Domingos Barros, ocorrida no ano seguinte à inauguração dos serviços de iluminação e bondes elétricos, tendo permanecido a Empresa sob a propriedade de Valle 
Miranda. A REPUBLICA, n. 99, 1912.

Sem o sócio, o proprietário da Empresa de Melhoramentos de Natal não conseguiu levar à frente os negócios. 
Em 1912, as matérias referentes ao assunto traduzem uma grande insatisfação acerca da precariedade dos serviços prestados por essa empresa. As reclamações se deram em relação às irregularidades nos horários dos Tramways ou Elétricos (denominações que também recebiam os bondes), por estes apresentarem defeitos, ou ainda em relação aos pontos de parada, ao valor das passagens e pelo número de acidentes causados pelos Bondes. Ver, por exemplo, o Jornal A Republica do ano de 1912 e Diario do Natal de 1912.

Em 1913, a Empresa de Melhoramentos de Natal foi substituída pela Empresa Tração Força e Luz Elétrica de Natal – E. F. e Luz de Natal, de propriedade do coronel Alfredo Solon, que adquiriu, igualmente, a concessão para exploração de outros serviços urbanos em Natal, como abastecimento de água, coleta e incineração de lixo, serviços de telefonia e fábrica de gelo. De acordo com Cascudo, a primeira vez que viram gelo em Natal foi em 1868, por ocasião de um baile organizado para comemorar a volta do Partido Conservador ao Poder e a chegada do novo Presidente da Província, o Dr. Manuel José Marinho da Cunha. Em uma barcaça vinda de Recife trouxeram para o evento.

Fontes:

A eletricidade chega à cidade: inovação técnica e a vida urbana em Natal (1911-1940) / Alenuska Kelly Guimarães Andrade. – 2009.

ILUMINA-SE A CIDADE: NOTAS SOBRE A FORMAÇÃO DO SISTEMA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA EM NATAL (1911-1930) George Alexandre Ferreira Dantas, Barbara Gondim Lambert Moreira e Ítalo Dantas de Araújo Maia.
Grupo de Pesquisa História da Cidade, do Território e do Urbanismo Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil.

Loja Virtual do Fatos e Fotos de Natal Antiga

administrador

O Fatos e Fotos de Natal Antiga é uma empresa de direito privado dedicada ao desenvolvimento da pesquisa e a divulgação histórica da Cidade de Natal. Para tanto é mantida através de seus sócios apoiadores/assinantes seja pelo pagamento de anuidades, pela compra de seus produtos vendidos em sua loja virtual ou serviços na realização de eventos. Temos como diferencial o contato e a utilização das mais diversas referências como fontes de pesquisa, sejam elas historiadores, escritores e professores, bem como pessoas comuns com suas histórias de vida, com as suas respectivas publicações e registros orais. Diante da diversidade de assuntos no mais restrito compromisso com os fatos históricos conforme se apresentam em pouco mais de um ano conquistamos mais de 26 mil seguidores em nossas redes sociais o que atesta nossa seriedade, compromisso e zelo com o conteúdo divulgado e com o nosso público.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *