A Empresa de Melhoramentos de Natal

A Empresa de melhoramentos de Natal escreveu e construiu uma importante fase da história da Cidade do Natal. Fruto da sociedade Francisco Gomes Valle Miranda e Domingos Barros, a Empresa efetuou os serviços acordados entre o Governo do Estado com a Intendência do Município de Natal no que seriam os primeiros investimentos públicos nas áreas do saneamento, coleta de lixo, iluminação pública na fase do acetileno para a energia elétrica, introdução, manutenção e expansão do transporte urbano feito por bondes e a construção e ampliação da usina do Oitizeiro, rede telefônica, fábrica de gelo e de cerâmica, dentre outros serviços.

Para tanto contou com forte investimento estatal através do empréstimo externo realizado no segundo governo de Alberto Maranhão (1908-1913) junto aos banqueiros franceses Perles Frères, Eugène Vasseur e o Banco Sindical Francês no valor de 350.000 libras esterlinas, equivalente a 5 mil contos de réis, amortizáveis em 37 anos. A relação público-privada não passou desapercebida e foi alvo de críticas. Antes pelos vícios característicos do predomínio oligárquico, administrando as finanças do estado em benefício de familiares e amigos traduzido pelas relações familiares envolvidas nestes empreendimentos em que Domingos Barros era genro de Fabrício Maranhão, irmão do governador. Depois pelas consequências com o governo do estado com as contas em desordem: excesso de funcionários e atraso no pagamento dos mesmos (cinco meses de atraso).

Em Natal eram muitas as críticas sobre as atuações das empresas responsáveis pelos serviços de eletricidade. Dentre eles, o rompimento da sociedade entre Francisco Valle Miranda e Domingos Barros, ocorrida em maio de 1912 à inauguração dos serviços de iluminação e bondes elétricos de Natal (1911), tendo permanecido Empresa de melhoramentos de Natal que era responsável por estes serviços sob a propriedade de Valle Miranda. Segundo a nota, todo o ativo e o passivo passam a ser de responsabilidade única do senhor Francisco Gomes Valle Miranda.

Quando a Empresa de Melhoramentos de Natal – responsável pelos serviços urbanos desde 1905 e vencedora do Edital para implantação do sistema elétrico, em 1910 –, passa por mudança societária, em 1912, e renova o contrato com o Governo do Rio Grande do Norte, vê-se obrigada a compensar, via redução das taxas dos serviços, a demora para ampliar e melhorar o sistema dos serviços públicos como um todo.

Em 1913, a Empresa de Melhoramentos de Natal foi substituída pela Empresa Tração Força e Luz Elétrica de Natal – E. F. e Luz de Natal, de propriedade do coronel Alfredo Solon que, junto com investidores do Estado de São Paulo, adquiriu, igualmente, a concessão para exploração de outros serviços urbanos em Natal. Era o fim de mais de 8 anos de serviços prestados os quais não deixam saudades aos natalenses.

A FALTA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA

Desde o ano 1900 se acumularam reivindicações para a introdução de um novo sistema de iluminação na Cidade do Natal que atendesse também aos domicílios. A afirmação dos desejos em se fazer uso de novas tecnologias expressavam ações e ideias, revelavam propósitos e possíveis formas de uso dos inventos técnicos, ligados naquele momento ao processo de modernização da cidade e à adoção novos de comportamentos, engendrando novas relações sociais.

De acordo com Cascudo, a primeira vez que viram gelo em Natal foi em 1868, por ocasião de um baile organizado para comemorar a volta do Partido Conservador ao Poder e a chegada do novo Presidente da Província, o Dr. Manuel José Marinho da Cunha. Em uma barcaça vinda de Recife trouxeram para o evento “frutas, melões, melancias, abacaxis, laranjas da Bahia, limão de cheiro. E, pela primeira vez na história, gelo Foram desembarcadas em Natal dez arrobas de gelo. Nunca se tinha visto gelo. Quem podia andar, foi ver, com os olhos que a terra há de comer”. O gelo, que foi a novidade admirada por curiosos dos preparativos daquele baile de 1868, foi um dos objetivos dos investimentos realizados no setor elétrico em Natal. In. CASCUDO, Câmara. Acta Diurna – O Baile de 1868. A Republica. 01 Out.1939.

Tais reivindicações foram transformadas em esforços, a começar pela proposta da intendência municipal da capital ao governo do Estado, à época presidido por Augusto Tavares de Lyra, para contratação de um novo sistema de iluminação pública no trecho compreendido entre o Quartel do Batalhão de Segurança e a Praça André de Albuquerque. Para tanto, de acordo com os termos do contrato, assinado em 1904:

I – A Intendencia entregará ao Governo do Estado os postes, lampeões e os combustores actualmente utilisados nas ruas treze de maio, Praça da Republica, Travessa Quintino Bocayuva, Rua Dr. Barata, Praça Augusto Severo, Avenida Junqueira Ayres, Praça Municipal, rua da Conceição, Travessa do Congresso e da Matriz e Praça André de Albuquerque, em numero de quarenta e seis para serem aproveitados na nova illuminação; (…). (RELATORIO de governo, proferido na Assembléia Legislativa pelo Sr. Dr. Augusto Tavares de Lyra).

O Governo contratou uma empresa privada para efetuar os serviços acordados com a Intendência do Município de Natal. No mesmo Relatório de governo, seguiram em anexo os dois contratos, o do Governo do Estado com a Intendência do Município e na sequência o contrato do Governo com os senhores Valle Miranda e Domingos Barros, proprietários da empresa de Melhoramentos de Natal.

Para as festividades organizadas por Alberto Maranhão, na inauguração da Teatro Carlos Gomes, atual Alberto Maranhão, ocorrida na noite da Quinta-feira, 24 de março de 1904, Herculano Ramos (1854-1928), mineiro, pintor, desenhista, cenógrafo, arquiteto, chegando em Natal no ano de 1904, foi encarregado da decoração do Teatro, sendo as pinturas, a cenografia e as decorações executadas pelo artista Sam Jey, tendo como auxiliares Teixeira da Cunha e Lustosa. A iluminação, de gás acetileno, foi feita pelos operários da Usina Ilha do Maranhão, sob a inteligente direção do Domingos de Barros.

Em 1905, a iluminação pública de Natal se dava por meio de lampiões abastecidos com querosene, responsabilidade da Empresa de Iluminação a Gás Acetileno, de propriedade de Francisco Valle de Miranda e Domingos Barros (CASCUDO, Câmara. História da Cidade do Natal. Op. cit., p.283.). Somente nesse ano iniciou-se o processo de iluminação a gás acetileno.

O contrato firmado com a empresa de Francisco Gomes Valle Miranda e Domingos Barros é direcionado para as mesmas ruas citadas no contrato sancionado entre o Governo e a Intendência do Município. No caso, o trecho do bairro Cidade Alta, compreendido entre o Quartel do Batalhão de Segurança e a Praça André de Albuquerque. Desse modo, esses locais receberiam os serviços de iluminação a gás acetileno, com bicos de força de quinze velas, em substituição aos lampiões de querosene; os postes seriam assentados com a distância de 30 metros, sendo pontos obrigatórios as entradas das ruas, travessas e becos. O fornecimento de luz se daria todas as noites durante dez horas, das seis horas da tarde às quatro da manhã, “exceptuando-se trez noites antes e trez depois da luz cheia”, ficando o contratante sujeito à cobrança de multa por cada combustor que deixasse de ser aceso e disponibilizando, atendendo às reivindicações, os serviços de gás a repartições públicas e aos domicílios mediante acordo e pagamento de taxas (RELATORIO de governo, proferido na Assembléia Legislativa pelo Sr. Dr. Augusto Tavares de Lyra, 1905.).

é má e extremamente escassa (…). Não sendo, pois, praticavel uma reforma rapida e completa, procurei fazel-a paulatinamente e por trechos. É assim que, em acordo que firmei com o exmo. Governador, ficou combinado que no percurso da rua Silva Jardim à praça André de Albuquerque, as lâmpadas de kerosene, actualmente utilisadas na iluminação pública, seriam substituídas por outros tantos bicos de gaz acetyleno, (…) já muito adiantados, os trabalhos desta instalação devem achar-se concluídos até abril próximo. (A Republica, n. 12, 1905, p. 01.)

A previsão de inauguração em abril, do primeiro trecho iluminado a acetileno, da Rua Silva Jardim à Praça André de Albuquerque, conforme fora anunciado, não se cumpriu. A inauguração desse sistema de iluminação pública a gás acetileno em Natal realizou-se em 29 de junho de 1905. Nessa data a empresa de Francisco Gomes Valle Miranda deu início a sua trajetória a frente dos serviços urbanos da capital. A primeira exposição pública mundial do gás luminoso deu-se em Londres em 1802. No Brasil, a primeira cidade a utilizar o gás acetileno na iluminação foi o Rio de Janeiro, Corte à época, sob encomenda de Dom Pedro I em 1828. In: MEMÓRIA da eletricidade. Reflexos da Cidade. Rio de janeiro, 1999. p. 21.

Inaugurada em 1905, a rede da iluminação baseada no gás acetileno foi praticamente aproveitada em sua totalidade para a implantação do sistema de iluminação elétrica, inaugurado em 1911. A lógica dos caminhos do bonde à tração animal serviu também para as linhas eletrificadas. Antes ainda, há registros do uso da eletricidade em empreendimentos isolados. A Casa de Detenção, conforme relata Mensagem de Governo de 1905, era iluminada com eletricidade. Antes ainda, como registra Câmara Cascudo, o empreendedor Juvino Barreto iluminara sua fábrica de tecidos com luz elétrica – em 1882.

Em maio de 1905, tem-se denúncias a respeito da qualidade do serviço de iluminação a gás acetileno, pois a fumaça estava escapando dos bicos, produzindo enxaquecas, tosses e indigestões. Tem-se ainda mais reclamações sobre lampiões que permaneciam apagados.

Outro problema que parecia ganhar nova resolução era o da iluminação pública. Não que as autoridades competentes tivessem, finalmente, resolvido atender aos apelos veiculados nos jornais. A questão era outra: a vinda do presidente eleito da República, o sr. Affonso Pena, ao Estado do Rio Grande do Norte. Não seria bom que o eminente estadista mineiro, ao percorrer as ruas da capital potiguar, tivesse alguma dificuldade de enxergar os melhoramentos materiais realizados pelo governo do Estado e pela Intendência Municipal. Pensando nisso, o senhor Valle Miranda, gerente da empresa de iluminação pública, tratou de mandar substituir, sob ordens do governo do Estado, os bicos de todos os lampiões por outros de maior intensidade (A REPUBLICA, Natal, 11 jun. 1906). O mesmo Juvino Barreto seria o responsável por levar a fiação elétrica de sua fábrica até a residência do Senador Pedro Velho, em junho de 1906, por ocasião da recepção ao então Presidente da República, Afonso Pena.

Ampliação do sistema de iluminação a gás acetileno em 1907.
Vias atendidas pelo serviço de iluminação pública a acetileno nos bairros da Cidade Alta (direita) e Ribeira (esquerda), em 1905. Fonte: base cartográfica de 1924, editado pelos autores (baseado em Araújo, 2010)
coexistência de dois sistemas de iluminação: em primeiro plano os postes da iluminação elétrica; em segundo, os postes de iluminação à gás.

A atuação da empresa não demorou a suscitar queixas, principalmente no Diário de Natal, jornal opositor ao governo. Se antes os lampiões não eram acesos, de 1905 em diante eram os combustores que por vezes permaneciam apagados em várias ruas e praças da cidade (ILUMINAÇÃO pública, Diário de Natal, 15 de outubro de 1908, p. 1.). Os problemas continuavam os mesmos, a escuridão e a empresa prestadora do serviço acusada de desleixo.

Em 1908, a Empresa de Iluminação a Gás Acetileno mudou de denominação, passando a chamar-se Empresa de Melhoramentos de Natal, uma vez que começou a cuidar não apenas dos serviços de iluminação, mas também do transporte urbano, com a introdução dos bondes a tração animal (ARRAIS, Raimundo; ANDRADE, Alenuska; MARINHO, Márcia. O corpo e a alma da cidade. Op. cit., p.98.).

BONDE

O bonde foi o primeiro serviço de transporte urbano e sua chegada foi narrada como a materialização dos valores da modernidade da época, provocando mudanças na sensibilidade da população, enredada que estava pelo fascínio exercido por uma das vedetes da técnica, a velocidade. Eles começaram a fazer barulho pela cidade de Natal no início do século XX. Foram, em sua maioria, ruas sem calçamento e iluminadas à noite parcamente pelo gás acetileno (em funcionamento desde 1905) que acolheram, em setembro de 1908, os bondes puxados à tração animal. Os burros foram trazidos de Belém do Pará pelo engenheiro Sá Barreto, da firma Valle Miranda & Domingos Barros, a mesma responsável pelos serviços urbanos de iluminação. Esse transporte favoreceu como primeira linha o percurso entre os bairros Cidade Alta e Ribeira, percorrendo o trecho da Rua Doutor Barata, na Ribeira, à Praça João Maria, na Cidade Alta (FERRO Carril do Natal. A República, 17 de junho de 1908.).

Trilhos e bondes fizeram parte da paisagem da cidade e do cotidiano de seus habitantes por mais de três décadas. Porém o tempo dos burros puxando os bondes sobre os trilhos foi curto em Natal: a força animal foi dispensada em 1911, quando o bonde passou a ser impulsionado por energia inanimada, tornando-se, assim, elétrico. Nesse ano, antes da inauguração dos bondes elétricos, o repórter Til relatou uma conversa com um dos chefes da Empresa Melhoramentos de Natal, o Sr. Domingos Barros, durante um passeio no bonde puxado a tração animal. Na ocasião lhe foi perguntado “quando viriam os bonds elétricos, tão anciosamente esperados pela população progressista d’esta sympathica Natal?”.

Satisfeito ficou o repórter em saber que os prazos previstos para a inauguração dos desejados elétricos estavam confirmados. O Sr. Barros informou na ocasião que esperava a chegada dos equipamentos para a construção da linha de bondes, elétricos que haviam sido importados da Europa, para que em seguida viessem os profissionais contratados para executar a obra. Terminado o diálogo, Til e Barros seguiram no bonde, “embalados por essas formosas perspectivas” até a Avenida Rio Branco (no bairro Cidade Alta), de onde continuaram o passeio admirando a cidade:

O bond voltou. Mas a tarde estava tão bella, que não pude fugir ao desejo de vê a Cidade nova, esse novo bairro de nossa terra que será, com os bonds, um dos pontos predilectos da sociedade chic da nossa pequena urbs. Como vai ser linda a nossa Natal! (TIL. Notas de um reporter. A Republica, 12 de janeiro de 1911, p. 1).

Para o cronista, o passeio pelo bonde proporcionava o espetáculo da cidade que se modernizava. Ele parecia confiante nas inovações técnicas esperadas, que transformariam o bonde puxado à tração animal em bonde elétrico, uma tecnologia que ajudaria a confirmar o panorama de transformação material e simbólica da cidade. Para ele, os bondes e o bairro Cidade Nova, fruto da primeira grande intervenção no espaço urbano de Natal realizada nos primeiros anos do século XX, planejado com largas avenidas em retícula direcionadas aos ventos dominantes, fariam de Natal uma linda cidade, fariam de Natal uma urbe “chic” (Conferir: ARRAIS, R.; ANDRADE, A.; MARINHO, M. Op cit. 2008).

A exaltação da técnica, a racionalização do espaço da cidade e o deslocamento do tempo, tendo como foco de interesse o futuro, são valores da modernidade incutidos na escrita do jornalista. Ele escreve ansioso com a espera da nova tecnologia e entusiasmado com as transformações da cidade, relatando suas sensações na tarde em que fez a entrevista, para ele uma “tarde tão bella”. As sensações descritas vinculam-se a uma dinâmica de valores da modernidade natalense, tendo em vista as estruturas materiais e mentais, do qual bonde e cronista faziam parte.

SANEAMENTO DO BALDO

Dentre as obras de melhoramentos que a cidade do Natal tornou-se alvo durante as primeiras décadas do século XX, muitas estavam ligadas à criação de uma estrutura física relacionada à ciência médica, dentre algumas dessas obras podemos citar a construção de hospitais, de galerias para escoamento de águas pluviais com a finalidade de evitar os acúmulos de água e galerias para escoamento de dejetos.

Uma das primeiras obras a ser realizada logo em 1905 foi o saneamento e a urbanização do balneário do Baldo, que, como vimos, era uma antiga reivindicação da classe médica da cidade. Único balneário de Natal e também a fonte de abastecimento de água potável para a população, o Baldo, localizado entre os bairros da Cidade Alta e do Alecrim, era como já foi citado anteriormente, um dos recantos naturais mais aprazíveis da cidade, mas também era considerado, devido a importância do papel que desempenhava como reservatório de água, um dos espaços mais insalubres, devido a sua má localização e um uso pouco salutar por parte da população, causando, segundo os médicos, muitos problemas de saúde.

O projeto de saneamento do Baldo em 1905 constou da diminuição do lago que se formava devido a recepção das águas vindas das lagoas de Manoel Felipe e Seca, da retirada da lama depositada no fundo do lago e consequente assepsia realizada com areia trazida das dunas, construção de paredões para represar as águas de forma que estas ficassem contidas em uma área menor que a existente anteriormente, construção de banheiros e de lugar para troca de roupa, e por fim uma casinhola para a guarda do espaço.

O balneário do Baldo continuou servindo à população como antes, sendo que com a reforma, com o lago menor e as proibições impostas para o banho e a lavagem de roupas, a sua importância foi pouco a pouco diminuindo, tendo ainda dois outros melhoramentos que provocaram, mais e mais, o desprestígio do famoso balneário do Baldo: a ampliação da rede de distribuição de água encanada e a construção de um balneário na praia da Ponta do Morcego, contratados pelo governador Alberto Maranhão junto à empresa Valle Miranda & Domingos Barros em 1910.

A maioria dessas obras teve um maior impulso a partir do segundo governo de Alberto Maranhão, entre 1908 e 1913.

As primeiras grandes obras de saneamento da cidade, que iam além do melhoramento do balneário do Baldo, são desse período. O contrato com a empresa de melhoramentos Valle Miranda & Domingos Barros previa uma rede de esgoto para a cidade “com a depuração biologica, aerobia e anaerobia das aguas, antes de serem lançadas ao rio ou aproveitadas para a cultura dos campos”. (Mensagem governamental apresentada pelo presidente do estado do Rio Grande do Norte Alberto Maranhão em 01 de novembro de 1910). A implantação desse rigoroso sistema de esgoto pensado em 1910 não se efetivou naquela época, mas favoreceu a que os profissionais médicos reforçassem ainda mais a importância do saneamento para a cidade.

Baldo na região próxima da Usina do Oitizeiro.

COLETA DO LIXO

A coleta do lixo e o asseio das ruas da cidade, pelas críticas que eram feitas na imprensa, eram atividades que deixavam sempre a desejar, sendo, vez por outra, tecidas pesadas críticas à empresa contratada para tais serviços.

O lugar do lixo, tal qual seria o lugar do matadouro público, deveria ser fora da cidade como determinavam as regras da higiene. Em Natal, o depósito de lixo foi efetivamente posto nos limites considerados como externo ao limite urbano, no entanto, como vimos, seguindo essa mesma idéia de que esses equipamentos deveriam ser postos na periferia da cidade, o depósito de lixo foi colocado ao lado do matadouro público, próximos ao cemitério que era nas vizinhanças do reservatório de água da cidade.

A preocupação com a produção de lixo na cidade tomou, em determinados momentos, um vulto de extrema importância, tornando-se um dos temas preferidos nas crônicas jornalísticas e nas colunas de opinião e de pedidos veiculados pelos principais órgãos de imprensa de Natal.

No ano de 1910, o governo do estado apontava para uma solução que, segundo se entendia, seria definitiva, pois havia uma determinação do governador Alberto Maranhão de que, a partir do dia primeiro de outubro, a limpeza pública seria de responsabilidade da Inspetoria de Higiene Pública, sendo o responsável direto pelo serviço o inspetor de higiene Calistrato Carrilho, que Superintenderá pessoalmente todo o serviço em quanto não começar a funccionar a empresa de melhoramentos dos srs. Velle Miranda & Domingos Barros na seção referente à remoção e destruição do lixo da cidade (Varias. A República 30 de setembro de 1910.).

A CRIAÇÃO DA EMPRESA

O governador Alberto Maranhão buscou imortalizar a memória de um grupo social que teve grande notoriedade em momentos significativos da política potiguar. Para alcançar tal objetivo, utilizou-se de práticas modernizantes inserindo “Natal num conjunto de ideias, valores e sentimentos que se espalhavam por todo o Globo, entre o final do século XIX e o início do século XX”. (ARRAIS, Raimundo e outros. O Corpo e a Alma da Cidade: Natal entre 1900 e 1930. p. 23.) Alberto Maranhão tinha a intenção de acelerar a transformação de Natal e para isso, priorizou a execução de melhoramentos urbanos. Para tanto contratou ou criou empesas para realizar os serviços urbanos a cargo do estado.

Foi o caso da criação da criação, em 1908 da empresa Companhia de Ferro Carril de Natal para transporte com bondes de carga e passageiros, a Empresa de Melhoramentos de Natal e a criação da usina elétrica em 1911. Ainda captou recursos estrangeiros, solicitando empréstimo à França (SOUZA, Itamar de. A República Velha no Rio Grande do Norte. p. 231.) – autorizado pelo Congresso Legislativo, mediante a lei nº 270, de 18 de novembro de 1909 – no valor de 350.00 libras esterlinas – para promover melhoramento e embelezamento da cidade. O empréstimo solicitado por Alberto Maranhão em 1909 só fora quitado em 1954.

No lado oposto ao prédio das oficinas do jornal, na esquina da Tavares de Lira com a Dr. Barata, havia um prédio, onde em 1911 instalou-se a Seção Bondes da Companhia Melhoramentos de Natal, a empresa encarregada dos bondes elétricos que serviam à
Cidade. Era um belo sobrado de planta retangular, com cobertura de quatro águas arrematada por platibanda, e um elegante frontão central.
A Avenida Tavares de Lira em duas perspectivas. Pode-se ver os postes de alimentação da viação elétrica e as linhas dos bondes. Na imagem da abaixo, vê-se o obelisco comemorativo ao fundo, demarcando o Cais Tavares de Lira.
A avenida Tavares de Lira foi o grande polo de comércio se Natal.
Em primeiro plano a sede da Empresa de Melhoramentos de Natal na avenida Tavares de Lira esquina com a rua Dr. Barata. Na foto: o mesmo prédio também sediou a Repartição de Serviços ao lado estava a torre de fios da rede telefônica.

OS SÓCIOS

Relato do dr. Domingos Barros (Recife, 1865- Rio, 1938) Quimico e Farmaceutico trabalhou em Macau, Canguaretama onde casou com uma sobrinha do dr. Pedro Velho. Sócio da empresa que iluminou Natal primeiro a gás e depois a energia elétrica. Publicou Aspectos Norte-riograndenses (1908) e Aeronautica Brasileira (1940) dois anos após sua morte. Acompanhou Pedro Velho ao Recife em busca de tratamento para o líder politico republicano do RN e testemunhou sua morte.

A natureza era palco de festas com data marcada, mas também de atividades festivas improvisadas. Muitas festas eram realizadas sem o interesse de uma data especial, mas com o intuito de juntar as pessoas em torno de determinados interesses ou gostos. No domingo, 03 de maio de 1903, um grupo de amigos, pessoas da elite intelectual da cidade, resolveu “passar o dia convivendo espiritualmente numa agradavel sessão litteraria, em plena natureza, à sombra das arvores” (Convescote. A República, 04 de maio de 1903). Nas primeiras horas da manhã, o tal grupo de amigos, formado por Alberto Maranhão, Manoel Dantas, Segundo Wanderley, Antonio de Souza, Augusto Bezerra, Pedro Avelino, Luis Emygdio, Manoel Coelho, Francisco Cascudo, Joaquim Anselmo, Adelino Maranhão, José da Penha, Henrique Castriciano, Domingos de Barros, Valle de Miranda e o tenente Helio, tomou um trem especial na estação central em direção ao sul, saltando “na aprasivel e pittoresca propriedade do coronel João Duarte, em Pitimbú, que com suas aguas correntes e cristallinas, com seus mangueirais copados e imponentes, offerecia encanto e repouso” (Idem). O dia se desenrolou com banhos de rio, almoço, torneio de tiro ao alvo e muita leitura, desde a leitura do novo livro de versos de Henrique Castriciano do qual se “leu varias paginas vibrantes e impressionadoras”, até às leituras de autores clássicos como Goethe e Herculano. Ao findar a tarde, todos voltaram para Natal “com a satisfação intima e a saudade vaga de um dia bem passado”. (Idem).

Domingo Barros tinha uma certa notoriedade entre as personalidades na cidade. Domingo Barros, ao lado de Valle Miranda, era um dos contratantes da iluminação pública de gás acetileno na cidade no ano de 1905.

Outro club que também foi prestigiado pela elite local foi o Sport Club Natalense, fundado na capital potiguar no ano de 1906. Três anos depois, o Sport Club seria a importante sede dos dois primeiros eventos realizados em homenagem ao distinto poeta potiguar, Segundo Wanderley. No último dia de janeiro do ano de 1909, Alberto Maranhão e outros ilustres membros da elite potiguar se reuniram no Teatro Carlos Gomes, com o intuito de buscar meios para comprar uma casa para os órfãos do pranteado vate rio-grandense. A primeira medida proposta pela comissão encarregada de alcançar o dito propósito, e acatada pelos que participaram da reunião, foi a realização de uma série de conferências, espetáculos e corridas no Sport-Club. Para as conferências foram inscritos Manuel Dantas, Eloy de Souza, Domingos Barros, Honório Carrilho e Henrique Castriciano. Id., Natal, 01 fev. 1909. A comissão encarregada da organização dos eventos, bem como da edição de obras de Segundo Wanderley foi composta por Manoel Dantas, José M. Pinto, Henrique Castriciano, entre outros.

Além da prestação de serviço de iluminação, Domingo Barros era vice-presidente da Sociedade Agrícola (1909) e chefe da Empresa de Melhoramentos do Rio Grande do Norte, sendo responsável pela instalação dos bondes elétricos na cidade em 1911. Domingo Barros, ainda, contraiu matrimônio com Maria Leonor de Barros, filha do coronel Fabrício Maranhão. Concluímos, portanto, que o orador tinha importância social e política na administração do estado (No mais, temos conhecimento a respeito dos cargos que o orador ocupou em Natal. Essas informações foram extraídas do jornal A REPUBLICA, nas respectivas publicações: 04 fev. 1905; 05 jun. 1905; 11 jan. 1909; e 12 jan. 1911.)

Na fundação da Liga de Ensino, em 23 de julho 1911, dias depois dos artigos no jornal oficial do estado, Castriciano declarou em seu discurso a importância da mulher no papel decisivo da educação humana, uma vez que o homem deve sair do âmbito familiar para a sociedade. O bacharel discursou em defesa da necessidade de uma formação cultural adequada à mulher, para que a mesma desempenhe essa tarefa (CASTRICIANO, Henrique. A Liga de Ensino do Rio Grande do Norte. In: ALBUQUERQUE, José Geraldo de. (Org.). Henrique Castriciano – Seleta de textos e Poesias. Op. Cit.p. 499.).

A conferência de Alfredo Campos também foi realizada no salão do Natal-Club. “O Sr. Alfredo Campos leu por espaço de 40 minutos a sua conferencia que versou sobre o thema – A mulher e o lar – sendo ao terminar bastante applaudido” (A REPUBLICA, Natal, 21 jul. 1915.). Três anos depois da fundação da Liga do Ensino e um ano depois da fundação da Escola Doméstica (1914), acreditamos que o conteúdo da conferência de Alfredo Campos tenha enveredado pelas questões discursadas na oratória de Castriciano.

Do ponto de vista literário, nenhum dos conferencistas pertenciam a um universo literário desconhecido. Henrique Castriciano, Eloy de Souza, Honório Carrilho, Alfredo Campos, Nestor dos Santos Lima, Moysés Soares, Meira e Sá e Galdino Lima – com a exceção de Domingo Barros – eram nomes conhecidos no campo literário da cidade do Natal.

Infelizmente não conseguimos informações quanto à formação de Domingo Barros.

OS SÓCIOS

O Sr. Valle Miranda era genro de Fabrício Maranhão, usufruindo dos privilégios de possuir ligações familiares com a oligarquia dominante. Cf. SOUZA, Itamar de. A República Velha no Rio Grande do Norte: 1889-1930. Brasília: Centro Gráfico do Senado. 1989.

A quarta versão da Escola Normal foi criada em 1908 que funcionou até a década de 1970. Desde a sua organização em 13 de maio de 1908, até a formação de sua primeira turma em 1910, segundo Lima (1921),

Serviram no corpo docente João Tiburcio da Cunha Pinheiro, Theodulo Soares Raposo da Camara, Manoel Garcia, Padre José de Calazans Pinheiro, Dr. José Garcia Junior, Ezequiel Benigno de Vasconcellos Junior, dr. Francisco Gomes Valle Miranda, Dr. Tertuliano Pinheiro Filho, Dr. Mario Lyra, Abel Barreto, Theophilo Russel, D. Clotilde Fernandes de Oliveira e o humilde cathedratico actual de Pedagogia. Esses professores dirigidos sucessivamente por Pinto de Abreu, Alfredo de Barros, Calazans Pinheiro, Theodulo Camara e Pinto de Abreu, prepararam a vigorosa plêiade de mestres que hoje celebra as suas venturosas bodas decennaes.

A quarta Escola Normal é a nossa, que já conta doze annos de existência e inscreve no seu activo a apreciabilissima verba de uma centúria de professores diplomados que tantos formam as onze turmas agora mesmo integradas, entre a memorável data de 4 de Dezembro de 1910 e a de 20 de novembro proximo findo.

Desde a sua organização, a 13 de maio de 1903, até a formação da sua primeira turma, serviram no corpo docente João Tiburcio da Cunha Pinheiro, Theodulo Soares Raposo da Camara, Manoel uarcia, Padrè Josè de Calazans Pinheiro, Dr. Josè Garcia Junior, Ezequiel Benigno de Vasconcellos Junior, dr. Francisco Gomes Valle Miranda, Dr. Teríuliano Pinheiro Filho, Dr. Mario Lyra, Abel Barreíto, Theophilo Russel, D. Cloíilde Fernandes de Oliveira e o humilde cathedratico actual de Pedagogia.

Estes professores, dirigidos successivamenie por Pinto de Abreu, Alfredo de Barros, Calazans Pinheiro, Theodulo Camara e Pinto de Abreu, prepararam a vigorosa pleiade de mestres que hoje celebra as suas venturosas bodas decennaes.

RECLAMAÇÕES E ATRIBUIÇÕES

Na lista de compromissos da empresa estava a transformação do bonde puxado à tração animal em bonde elétrico. Os bondes a burro marcavam presença na cidade desde 1908, ano do assentamento dos trilhos da primeira linha de bondes da cidade, como informa A Republica em junho de 1908:

Prosseguem com toda actividade os serviços para o assentamento de trilhos da primeira linha de bondes, que, ao que ouvimos, será inaugurada por todo o mez de setembro vindouro. (…) O engenheiro Sá Barreto, commissionado para effectuar em Belém do Pará a compra do material rodante, (…), communicando já haver começado a embalagem do material, devendo embarcar brevemente para esta cidade. (…) Ouvimos que a companhia teve egualmente communicação do engenheiro Sá Barreto de haver-se contrado ali burros do Prata a 250$ cada um. (Ferro Carril do Natal. A Republica, 17 de junho de 1908.).

De fato, os bondes à tração animal iniciaram seu movimento em setembro de 1908. A primeira linha veio para unir os dois bairros da cidade, percorrendo o trecho da Rua Doutor Barata, na Ribeira, à Praça João Maria, na Cidade Alta. Os animais passaram poucos anos servindo de tração aos bondes em Natal: dois anos após a inauguração dos carris urbanos, publicou-se em Mensagem de governo a intenção de promover a substituição da linha existente por outra movida à eletricidade e que servisse a todos os bairros; do mesmo modo a substituição da iluminação a acetileno por iluminação elétrica, sob a alegação de que aumentaria a intensidade da luz. Tais propósitos foram destacados no item do relatório intitulado “Obras publicas na capital: melhorando a qualidade de vida da população” (Mensagens de governo. 1910, p. 17.).

Em outubro de 1908, o periódico oposicionista mencionava a necessidade de fiscalização em relação ao serviço de iluminação, uma vez que era rara a “rua em que durante anoite não se encontram combustores apagados”. Em abril de 1919, moradores reclamaram da iluminação da avenida Deodoro e da rua Coronel Bonifácio, no bairro Cidade Alta, destacando a existência de várias lâmpadas inutilizadas. Ressaltava-se a importância de solucionar o problema de iluminação nas referidas avenidas, já que elas eram “frequentemente transitadas pelo bonds”, entre outras matérias. Ver: BILHETE postal. A Republica, Natal, 20 maio 1905; ILLUMINAÇÃO publica. A Republica, Natal, 24 maio 1905; ILLUMINAÇÃO publica. Diario do Natal, Natal, 15 out. 1908; VARIAS. A Republica, Natal, 3 abr. 1919.

Os melhoramentos dos serviços urbanos só foram possíveis em função de um empréstimo solicitado pelo governador Alberto Maranhão à França, em 1909, no intuito de promover os melhoramentos e embelezamento da cidade. O empréstimo foi autorizado pelo governo estadual até a “quantia de cinco mil contos de réis, ou trezentas e cincoenta mil libras esterlinas” (Decreto de Lei n. 270, 1909.).

De acordo com Denise Takeya, entre os anos de 1880 e 1914 as exportações de capital tiveram um importante papel nas relações comerciais da França com o exterior. A autora afirma que naqueles anos “as exportações de capital quadruplicaram em valores, o que garantiu que a França se mantivesse como segundo país exportador de capitais do mundo” (TAKEYA, Denise M. Europa, França e Ceará, p. 37).

Apesar das acusações do Diário de Natal contra os serviços da empresa de Francisco Gomes Valle Miranda, a mesma foi contratada em 1910 no governo de Alberto Maranhão para se manter à frente dos serviços de iluminação e transporte urbano, quando incorporou a suas responsabilidades outros serviços urbanos, como consta no Decreto de Lei n° 289 de 23 de novembro de 1910: “E’ approvado o contracto celebrado em 6 de outubro deste anno, entre o Governo do Estado e a firma Valle Miranda & Domingos Barros, para a construcção e exploração das obras de saneamento e melhoramentos da capital” (Decreto de Lei n. 289, 1910. Natal: Typographia da Impressa Oficial, 1910.). Mesmo diante das transformações nos serviços de iluminação, as reclamações continuaram, mas diminuíram de frequência.

O próprio Governo do Estado capitalizou a Empresa de Melhoramentos de Natal, concessionária dos serviços públicos, transferindo, em 1910, quase 25% do valor total do empréstimo. Assim, a Empresa viabilizou a aquisição de equipamentos e a realização das obras demandadas, como a construção da usina elétrica, novos carros, fiação elétrica, postes de madeira, rede telefônica, fornos de incineração de lixo, etc.. (Dantas, 2003, p.45-46; Mensagem de Governo do RN, 1910, p.17-20; Idem, 1911.). O entusiasmo de meses antes se tornara palpável, então. O registro do cronista celebra algumas mudanças fundamentais. No lugar dos burros para tração, carros elétricos; no lugar dos combustores e a necessidade dos funcionários acendedores, a linha contínua a acender quase ao mesmo tempo o conjunto de lâmpadas.

Uma carta à Natal:
Minha amiguinha – Desde o dia 2 começou uma outra vida para os seus findos dias de nortista. Vejo-a, alegre também, fagueira, dentro de um prazer imenso, ao preparo caprichoso de vestes cada vez mais leves e delicadas. Anda vai minha amiga, a ter os figurinos mais recentes e não quer ser chamada retrograda e, satisfeita, mostra-se trajando como a moda requer, sem exagero, sem esse exagero que arrepia a gente, que aborrece a gente.
Pensou, e, depois, viu não serviam bem os tantos bondinhos da carril; constrangia-se em vendo, em ouvindo bater o chicote e zunir o chicote cortante, látego que há dois anos retalhava os burros, aqueles burrinhos pacatos, mansos como nenhum outro…
[…] Eu tinha pena de você e sempre acreditei que não custariam demais os carros limpos, elegantes e céleres que a excelente Empresa de Melhoramentos preparava, animadamente, naquela formidável Usina do Oitizeiro, que agora derrama luz abundante nas nossas noites e faz com que a todo instante não sinta v., ó minha amiga, dificuldade nos seus negócios ou quando, às tardes frescas, às manhãs luminosas, quiser dar-se a flanar…
[…] Findando está, dou-lhe daqui, destas sombras, onde a luz copiosa que lhe ilumina as noites não pode penetrar, a sinceridade dos meus parabéns.
(Bastos, 1911, p.01; grifos nossos.).

A “luz copiosa” e “abundante”, embora praticamente dobrasse o sistema existente, não era tão espraiado quanto fazia crer o entusiasmo de muitos. Os quatrocentos focos eram compostos por lâmpadas de filamento metálico, com luminância de 25 velas (os focos de acetileno produziam 15 velas). Duzentos aproveitavam os postes já existentes; os duzentos novos seriam afixados em postes de madeira. A indicação oficial era que fossem locados “pelas ruas mais afastadas e pelos arrabaldes, conforme indicação do Governo” (Parte Official, 1910, p.02). Alguns locais específicos e de maior interesse ou movimento receberiam focos mais potentes, de até 100 velas, como na Avenida Tavares de Lira, na Praça Pedro Velho, em frente ao Edifício do Congresso, e nas Praças Augusto Severo e André de Albuquerque. Além do espaço público, a iluminação também deveria se estender aos edifícios públicos e às demandas particulares. Por força de contrato, a Empresa de Melhoramentos era responsável pela iluminação em eventos especiais e festividades (Araújo, 2010.).

Embora alvo de críticas, a empresa Valle Miranda & Domingos Barros firmou contrato com o governo de Alberto Maranhão, em 1910, para fornecer serviços de iluminação e transporte urbano, sendo responsável, posteriormente, por outros serviços, como as obras de saneamento e melhoramentos da capital. Na Mensagem de Governo de 1910, é clara a intenção de substituir a linha existente por outra movida à eletricidade, aumentando seu percurso, bem como a substituição dos lampiões a acetileno pela iluminação elétrica, tendo por justificativa o aumento da intensidade da iluminação.(Andrade, 2009.) Em 1911, tais intenções tornam-se ação de fato.

A INTRODUÇÃO DA ELETRICIDADE

O ano de 1911 é considerado como um marco cronológico da introdução da eletricidade em Natal como suporte para a organização e oferta de diversos serviços públicos e facilidades domésticas. Em outubro desse ano, foi inaugurada a Usina Elétrica do Oitizeiro, situada ao sul da Cidade Alta, próxima da fonte pública do Baldo e do Rio Potengi.

Apenas em 1911, com a construção da usina do oitizeiro demandou seis meses. Estava localizada na região do baldo, o antigo sítio do Oitizeiro, sobre a propriedade da empresa de melhoramentos de Natal, foi que a energia elétrica de fato chegou a capital potiguar. A obra contou realizou-se com ajuda do governo do Estado e do referido empréstimo francês. A usina dispunha de “uma grande bateria de acumulladores com capacidade suficiente para alimentarem toda a cidade durante a noite inteira” (A Republica, n. 209.p.02, 1911.).

Até este período, o serviço de iluminação era feito pelos lampiões movidos a gás acetileno, que por sua vez haviam substituído os lampiões movidos a querosene. (Sobre a introdução do serviço de energia elétrica em Natal no começo do século XX, ver: ANDRADE, Alenuska. A eletricidade chega à cidade: inovação técnica e a vida urbana em Natal (1911-1940). 2009. Dissertação – Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2009.).

Segundo Oliveira (1998), o empréstimo externo que viabilizou a empreitada do governo estadual, foi concedido pelo Congresso Legislativo Estadual, em 18 de novembro de 1909, mediante Lei nº 270a , com os banqueiros franceses Perles Frères, Eugène Vasseur e o Banco Sindical Francês, no valor de 350.000 libras esterlinas, equivalente a 5 mil contos de réis, amortizáveis em 37 anos. Como garantias, o governo apresentou as rendas oriundas do imposto sobre exportação do sal e dos serviços urbanos efetuados em Natal. Vale destacar que o Estado concluiu o pagamento da dívida desse empréstimo em 1954. Com a liberação desses recursos, o governo do Estado passou a realizar contratação de obras e serviços, dentre as quais em 1910:

  1. Com a Empresa de Melhoramentos de Natal, de propriedade de Valle Miranda & Domingos Barros(genro de Fabrício Maranhão, irmão do governador), para a execução dos serviços de iluminação e bondes elétricos, abastecimento de água, coleta de lixo, construção de uma usina elétrica, rede telefônica, fábrica de gelo e de cerâmica, dentre outros serviços.
  2. Com a Firma F. Sólon & Cia (proprietário cunhado do governador), para o estabelecimento de uma Colônia e de um Campo de Demonstração Agrícola, no vale do Rio Potengi.
  3. Com a firma J. Bastos e Cia, para construir duas ferrovias que dessem suporte à navegação de cabotagem no litoral do Estado, além de armazéns de alimentos e pontos de desembarque.

Em anos anteriores à liberação dos recursos externos, foram realizadas obras no setor de saúde, como o edifício do Hospital Juvino Barreto (1909), o atual Hospital Onofre Lopes; o prédio do Asilo da Mendicidade Padre João Maria e a ampliação do Lazareto da Piedade, para ali se instalar o Asilo de Alienados.

Em maio de 1910, em sua mensagem ao Congresso Legislativo, Alberto Maranhão ressaltou que o dinheiro do empréstimo seria destinado para custear as obras contra a seca e para solucionar, de forma definitiva, o problema dos melhoramentos da cidade, “tornando esta capital um centro populoso em condições de habitabilidade, que despertem e convidem a immigração espontânea de industriaes e comerciantes, que aqui desejem vir empregar sua atividade bemfazeja” (MELHORAMENTOS materiais. A Republica, Natal, 20 maio 1910.).

O então governador destacava em seu discurso a pretensão de, com a remodelação da capital, conseguir mais investimentos industriais e comerciais e respondia os redatores do Diario sobre a necessidade de continuar com o processo de reformas urbanas em Natal. Muito possivelmente, a acentuada soma de dinheiro garantida com o empréstimo foi um dos fatores que implicaram na transferência dos serviços de iluminação, abastecimento de água, tração e limpeza pública da municipalidade para a esfera estadual nesse ano. O jornal da oposição criticou ferrenhamente a administração de Alberto Maranhão e o destino dado à verba do empréstimo. Já o A Republica, por sua vez, respondeu algumas dessas críticas. Em junho de 1910, o A Republica rebatia a crítica de Augusto Leopoldo da Câmara, redator chefe do Diario, a respeito do contrato celebrado com a empresa Valle Miranda & Domingos Barros para a realização dos serviços de iluminação e bonde elétrico. Câmara acusava o governador de utilizar parte da verba do empréstimo para beneficiar o seu sobrinho Domingos Barros. De fato, Barros era viúvo de uma filha de Fabrício Maranhão, irmão de Alberto Maranhão, o que ligava o empresário contratado à rede de parentela dos Maranhão (SOUZA, Itamar de. A República Velha no Rio Grande do Norte. Op. cit., p.324.).

A inauguração dos serviços de eletricidade em 1911 fez parte de um processo de aceleração de mudanças ao longo da segunda gestão de Alberto Maranhão, custeado com parte da verba do empréstimo realizado pelo então governador em 1910. Nesse ano, Alberto Maranhão contraiu com os banqueiros Perles Frères, Eugène Vasseur e o Banco Sindical Francês um empréstimo no valor de 350.000 libras311 (aproximadamente 5.000 contos de réis) (SOUZA, Itamar de. A República Velha no Rio Grande do Norte. Op. cit., p.324.). Em pouco tempo, porém, os custos que o Governo do Estado teve para amortizar a dívida se tornaram um pesado fardo para as finanças estaduais.

Apesar de ter feito uma administração rica em realizações e obras, Alberto Maranhão deixou o governo do estado com as contas em desordem: excesso de funcionários e atraso no pagamento dos mesmos (cinco meses de atraso). Além disso, insistiu nos vícios característicos do predomínio oligárquico, administrando as finanças do estado em benefício de familiares e amigos, como explicita Itamar de Souza ao discorrer sobre as condições de um empréstimo contraído no exterior, a banqueiros franceses, no valor de 350 mil libras esterlinas (5 mil contos de réis), “amortizáveis em 37 anos, a razão de meio por cento por semestre, e a juros de 5% ao ano”. Tendo acesso ao dinheiro, o governador “contratou a empresa Valle Miranda & Domingos Barros (sendo este último genro de Fabrício Maranhão, irmão do Governador e Presidente do Congresso Legislativo)”, por 900:000$000, para fazer as seguintes obras em Natal: a construção de usina elétrica para iluminar Natal; instalação de bondes elétricos; saneamento e abastecimento de água; fábrica de produção de tubos de esgotos; remoção de lixo e sua incineração; construir um balneário na praia da Ponta do Morcego; instalação de câmaras frigoríficas.

O DIARIO DO NATAL já alertava, logo após a concretização do empréstimo, que o seu pagamento seria por demais oneroso para os cofres públicos (ver O EMPRESTIMO. DIARIO DO NATAL, Natal, 17 mar. 1910). Várias matérias também foram publicadas com críticas às obras financiadas pelo governo do Estado com os novos recursos. Destacam-se aquelas que tratam do contrato estabelecido entre esse governo e a firma de Domingos Barros e Valle Miranda, aos quais o estado emprestou novecentos contos para execução dos serviços de abastecimento de água, de esgotos e energia elétrica (ver OS CONTRACTOS – I. DIARIO DO NATAL, Natal, 12 maio 1910.).

O repórter Accacio falou de sua admiração com o progresso e a grandeza da usina elétrica, situado no antigo sítio do cidadão Luiz de Barros. Em ocasião de sua visita à usina a impressão foi de terem sido

transplantandos para uma cidade yankee, (…), impressão de grandesa, impressão de justo orgulho, por vermos que a nossa terra, pequena e pobre, possue homens que teem sabido guial-a para um futuro grandioso, um futuro que jamais nos passou pela imaginação! (ACCACIO. Fitas. A Republica, 23 de maio de 1911, p. 1.).

Usina do Oitizeiro inaugurada em 1911, nas proximidades da fonte do Baldo. A sucessão de empresas na administração dos serviços não trouxe mudanças à localização da usina. Na mesma localização encontra-se atualmente a COSERN. Fonte: LYRA, 2001.
Maquinário da Empresa Força e Luz. Entre as engrenagens o operário aparece pequeno entre as engrenagens da usina. Fonte: Solar João Galvão de Medeiros.
Foto de João Galvão dos anos 20 do século XX da Antiga usina de energia do Oitizeiro e matadauro municipal. Hoje no local está edificada a sede da Cosern. O registro foi publicado no livro do médico Januário Cicco.

A inauguração foi programada para o dia do aniversário do governador Alberto Maranhão e festejada em um baile de carnaval no Natal Club, com presença do governador e demais autoridades. Manoel Dantas e José Pinto, então presidente do club, foram pessoalmente à residência do Dr. Alberto Maranhão, governador do Estado, para convidá-lo a comparecer ao baile que estavam organizando com toda energia. O governador aceitou prontamente o convite (A REPUBLICA, Natal, 27 dez. 1911.). Afinal, o evento comemorava não só o período carnavalesco, como também o festejo pelos melhoramentos pelos quais a cidade vinha passando, como a iluminação e os bondes elétricos, e a inauguração da Avenida Hermes da Fonseca (a avenida oitava no plano de Cidade Nova), obras patrocinadas pelo Estado. O baile era, ainda, uma prévia das comemorações de aniversário do governo Alberto Maranhão, que se realizariam em 25 de março daquele ano. E pelas mãos de Alberto Maranhão o “comutador lançou a corrente elétrica nos circuitos da Força e Luz”, marcando a inauguração dos serviços de bonde e luz elétrica, pelas suas mãos foi acionado o foco de modernidade que irradiaria Natal (A Republica, n. 214, 1911.).

Além de ser sócio da empresa Valle Miranda & Domingos Barros, Barros era diretor da usina Ilha Maranhão e participava das ocasiões de sociabilidade que envolvia os que administravam o poder local (ANNIVERSARIOS. A Republica, Natal, 21 mar. 1900). Em março de 1910, por exemplo, seu nome foi citado em uma nota do A Republica que mencionava os participantes de um almoço íntimo na residência de Joaquim Manoel Teixeira de Moura, então presidente da Intendência de Natal (ALMOÇO intimo. A Republica, Natal, 19 mar. 1910.). Sendo assim, a acusação do Diario parecia pertinente. O governador estava celebrando um vultoso contrato com um quase sobrinho. O A Republica tentou justificar o contrato celebrado com a empresa de Barros, ressaltando que ele, ao lado de Valle Miranda, era um “dos bons e dedicados auxiliares do dr. Alberto Maranhão, no desdobrar do nosso desenvolvimento material e econômico” (A CRITICA do “Diário”. A Republica, Natal, 06 jun. 1910.). O jornal afirmava que a acusação de Leopoldo Câmara era fruto da desorientação e da má fé do referido jornalista.

O contrato com a firma Valle Miranda & Domingos Barros foi logo desfeito, e tal fato foi motivo de novo conflito entre Câmara e os redatores do A Republica. Em julho de 1910, mais uma vez o jornal da situação rebatia as críticas do periódico da oposição. Câmara afirmou que a rescisão do contrato com a empresa de Barros era uma farsa para tentar satisfazer o Diario e, consequentemente, diminuir as críticas do mesmo. Ainda afirmou que somente ficaria satisfeito se a empresa devolvesse aos cofres do estado a importância de novecentos contos de réis que tinha recebido. O A Republica respondeu que a empresa de Barros apenas tinha recebido duzentos contos de réis, uma vez que as requisições ocorriam de forma parcelada, à medida que compravam os materiais na Europa. Também foi destacado que a firma iria, no prazo de trinta dias, devolver a quantia recebida, descontando o valor dos materiais já adquiridos, que seriam repassados ao governo estadual (A CRÍTICA do “Diário”. A Republica, Natal, 04 jul. 1910.).

Tais melhoramentos foram citados em matérias dos jornais locais como impulsionadores do progresso, caso d’A Republica, jornal em que se publicou – no início de 1911 – que a capital norte-riograndense estava conhecendo uma “poderosa teia do progresso, sempre forte, sempre veloz” (A Republica, 19 jan. 1911. Citado por COSTA, Madsleine Leandro da. Op. Cit., p. 113.), tecida pelos melhoramentos no espaço urbano natalense. O entusiasmo dos repórteres com as perspectivas futuras da cidade que recebia a eletricidade deram contornos ao clima festivo que marcou a chegada dessa inovação.

O sistema básico da Usina, conforme os dados da inauguração, em 1911, assentava-se em dois motores a vapor que produziriam o equivalente a 225 cavalos de força (aproximadamente 165 kW). O intento da Empresa de Melhoramentos era que, em caso de falha de um dos motores, o segundo manteria o abastecimento normal. Ressalte-se também que os dínamos para as maiores cargas do sistema – iluminação pública e circulação dos bondes – eram independente, o que evitaria, a princípio, quedas completas de energia e variação excessiva da luminância (Araújo, 2010.).

Contudo, o custo para manter o sistema de iluminação pública revelava-se nas condições e limitações materiais para seu pleno funcionamento. De maneira similar ao acordo para funcionamento do sistema com gás acetileno, a iluminação com lâmpadas elétricas duraria dez horas. Mais ainda, mantinha o arranjo pré-moderno de não acender as lâmpadas durante seis noites, no período de lua cheia.

E, pelo registro dos periódicos locais, percebe-se um aumento da demanda, principalmente por meio da expansão da linha dos bondes, cujo posteamento permitia também a distribuição da energia elétrica. Isso logo levaria ao limite a capacidade instalada na Usina elétrica do Oitizeiro, exigindo aditivos constantes ao contrato inicial de concessão e promessas contínuas de melhoramentos e aquisição de novos materiais (Cf. Medeiros, 2011, p.115-137.).

No ano de 1911, o serviço de bondes da capital sofre um novo impulso com a eletrificação das linhas. Mais uma vez, a inserção dos bondes elétricos é uma iniciativa do governo Alberto Maranhão, em exercício do seu segundo mandato. O bonde é retratado pelos periódicos locais como o mecanismo propagador do progresso nas ruas e avenidas da capital. Em conversa com o repórter de “A República”, o Sr. Domingos de Barros, um dos sócios da Empresa de Melhoramentos de Natal – concessionários dos serviços – comenta sobre a implantação dos bondes elétricos e as mudanças ocasionadas, já antevendo as consequências da ampliação dos serviços de bondes elétricos na Cidade Nova.

“Assim, embalados por essas formosas perspectivas, chegamos à Avenida Rio Branco. O bonde voltou. Mas a tarde estava tão bela que não pude fugir no desejo de ver a Cidade Nova, esse novo bairro de nossa terra que será, com os bondes, um dos pontos prediletos da sociedade chique da nossa pequena urbe. Como vai ser linda a nossa Natal”! (A República, 12 jan.1911, p. 1.).

Os comerciantes premiavam com passagens a quem comprasse em seus estabelecimentos, como F. Cascudo & Cia. d’ O Profeta, que estipulou um valor mínimo de dez mil réis. No dia 08 de outubro, o bonde ia até a Avenida Hermes da Fonseca, chegando a funcionar “das seis e quinze até as nove e cinqüenta, 21 horas”. A 02 de outubro de 1911, surgiram os bondes elétricos, sob a incumbência da Empresa de Melhoramentos do Natal, Vale Miranda Domingos Barros.

A dinâmica imposta pelos elétricos imprime um novo ritmo à capital, no tocante ao tempo de deslocamento e nas vantagens técnicas, como por exemplo, na subida da Avenida Junqueira Aires, que interliga os bairros da Ribeira e Cidade Alta. (Partindo da Praça Augusto Severo, na Ribeira e nova porta de entrada da cidade, e indo até a Praça Sete de Setembro onde se localiza o Palácio Potengi, antiga sede do Governo do Estado, hoje Palácio da Cultura.) (A REPUBLICA, Natal, ano 23, 03 fev. 1911b).

O crescimento das linhas é intenso desde os primeiros anos de implantação dos serviços. Dois meses após a instalação do bonde elétrico, mais material rodante e trilhos para serem assentados chegavam ao porto de Natal. Em 25 de março desse ano o ancoradouro Martha I aporta na cidade carregando o material a ser empregado nas obras de melhoramentos – 1.500 toneladas e 5 km de trilhos para bondes. A compra do material ocasiona diversas discussões acerca dos gastos nas obras. O periódico “Diário de Natal”, editado e publicado por membros da oposição da oligarquia Albuquerque Maranhão, critica o uso do montante adquirido por empréstimo estrangeiro por parte do Estado para custear as obras, e também o fato de que os empreiteiros Domingos Barros e Vale Miranda não pagaram a devida caução ao governo pelo empréstimo realizado. Parte desse material que chega ao porto é transportado por desvio da linha da Great Western. Nesse período, as obras da Usina Elétrica do Oitizeiro (Usina de fornecimento da energia elétrica para a cidade e para os serviços de iluminação pública e de força motriz aos bondes. Situava-se nas proximidades do Baldo.) também se encontravam a todo vapor. O movimento constante de operários e a contratação de mão-de-obra especializada estrangeira, em sua maioria de engenheiros e técnicos, especialistas na montagem das máquinas, demonstram o desenvolvimento das obras (OBRAS, A Republica, Natal, ano 35, 13 set. 1923). No Expediente do Governo do Estado publicado nos periódicos locais de então se pode ler os seguintes ofícios:

Ao Sr. Inspetor da alfandega: […] Peço que vos digneis de permitir o despacho livre de direitos de accordo com arq. 27 alinear XIII da lei nº 2321 de 30 de dezembro de 1910, do material constante da relação junta, destinado a construção e fundação de uma usina electrica para o desenvolvimento de força para o serviço de illuminação e viação desta capital, executado administrativamente. […]. A execução e exploração dos serviços de iluminação e bondes electricos, abastecimento d’agua e de esgotos desta capital foram contractados pelo governo do estado com os srs. Valle Miranda e Domingos Barros, contracto que foi publicado e que parece tipo começo de execução (DIÁRIO DE NATAL, Natal, 04 abr. 1911., p.01).

A acusação feita pelo periódico da oposição em relação aos termos de empréstimo e contratação das obras é rebatida veementemente por “A República” – periódico pertencente à situação – afirmando que a isenção de direitos, concedida pela Lei nº 2321 de 30/12/1910 sobre o material adquirido na Alemanha pelos Srs. Barros e Miranda é assegurada pelo fato da compra ter sido efetuada pelos concessionários como representantes da comissão do governo. Além disso, “A República” afirma que o material já vinha consignado ao Governo, uma vez que as obras são do Estado, sendo a firma Valle & Miranda apenas a contratante do edital, semelhantemente ao que ocorreu no caso da Estrada de Ferro Central (A REPUBLICA, Natal, ano 23, 05 abr. 1911c.).

Em maio de 1911, o edifício da Usina do Oitizeiro já se encontrava pronto, feito todo em estrutura metálica. Além disso, a terça parte do circuito central dos bondes já havia sido assentada, bem como, montado o primeiro tramway. Apesar disso, os trabalhos de assentamento dos trilhos ocasionavam diversos inconvenientes, especialmente em relação à remoção do calçamento, como pode ser constatado por meio das frequentes reclamações dos moradores, caso da Avenida Sachet, e das irregularidades deixadas após a passagem dos trilhos (A REPUBLICA, Natal, ano 23, 24 maio 1911d.). A discussão entre as partes – situação e oposição – em relação à real necessidade da implementação dos novos melhoramentos continua animosamente na publicação de seus respectivos periódicos. Enquanto que “A República” defende a necessidade da implantação dos serviços, o “Diário de Natal” considera necessárias as obras de abastecimento e esgotamento sanitário, porém, afirma que a iluminação elétrica e os bondes poderiam ter sido instalados em momento de maior prosperidade econômica para o governo. Essas obras segundo o “Diário” seriam uma maneira de angariar “votos em final de mandato”.

[…] Para justificar que o Diário se manifestou contrário aos melhoramentos dos esgottos e abastecimento d’agua, o “orgam” da orligarchia citou a seguinte phrase que diz termos empregado em um dos nossos artigos analysando, os contractos feitos pelo dr. Alberto: Natal não está ainda em condições de ter luz e bondes electricos. […] Que é que tem esta proposição com os projectados serviços de esgottos e abastecimento d’agua á esta capital? Com relação a estes serviços nos dissemos que elles eram necessários, indispensáveis e que urgiam ser feitos mesmo com algum sacrificio por parte do estado. […] Quanto á luz e bondes electricos dissemos que Natal não estava ainda em condições de tel-os e dissemos uma verdade. Cidade pequena, pobre, mal edificada com ruas esburacadas e de casebres ordinarios era uma extravagancia illuminal-a á luz electrica, tanto mais já se tendo um serviço de illuminação a acetylene montando e funcionando regularmente. […] O mesmo dissemos quanto ao bonde, accrescentando que o movimento da cidade era muito pequeno e pois não havia ainda necessidade de bondes electricos, melhoramento que podia ser adiado perfeitamente para quando o estado estivesse em condições mais prosperas. […] É mentira que tenhamos feito o elogio da tracção animal e da luz de azeite de carrapato. […] Felizmente, o que o “orgam das favas contadas” diz contra nos ninguem acredita (TRISTE situação, Diário do Natal, Natal, 10 ago. 1911., p.01).

As obras são oficialmente inauguradas no dia 03 de outubro de 1911. Os serviços, entretanto, se limitaram apenas a uma restrita parte da cidade: “[…] Os bondes funccionaram regularmente, a área actualmente servida é muito pequena. E’ somente da avenida Rio Branco à Ribeira” (EMPREZA…, 1911, p.01). Nesse momento três inaugurações acontecem: a da usina de energia, do bonde elétrico e da iluminação elétrica pública. Além da realização das obras, o novo edifício-sede da Empresa de Melhoramentos de Natal – assim como o prédio da estação telefônica – tem a sua construção iniciada na Avenida Tavares de Lyra.

Podemos proclamar bem alto, que apesar do resumido capital e do curto praso de montagem, a electrificação de Natal é de primeira ordem […]. Isto, que é dito quanto ao edifício, oficinas e geradores eléctricos e mechanicos, continúa a ser uma verdade em relação á linha férrea e rêde distribuidora de energia. Os carros, cujo número é fixado em 8 pelo contracto, já estão em trafego com exceção do quinto auto-motor, que precisou de uma grande alteração, mas que na primeira quinzena de fevereiro entrará em serviço. […] Além destes 8 carros e, portanto, fora do nosso contracto, já fizemos a encommenda de mais três outros, que deverão entrar em serviço até meiados deste anno. O horario actual cumprido exatamente, permitte um intervallo de 12 a 13 minutos de um bond a outro, salvo nas poucas occasiões em que sae do circuito o carro do Alecrim, e isto enquanto não entrar em funcção o quinto auto-motor. Resultará de horario um trafego de 132 viagens de ida e volta a uma velocidade util de 11 kilometros, que não convem ser excedida para segurança da população, pelo menos dentro das ruas (EMPREZA de melhoramentos de Natal, A Republica, Natal, ano 24, 16 jan. 1912a., p. 02).

Somente no ano de 1911, os serviços públicos de eletricidade foram inaugurados (CASCUDO, Câmara. História da Cidade do Natal. Op. cit., p. 282-283.). Quatro bondes ficaram à disposição dos convidados, conduzindo-os até o Palácio do Governo. O serviço de bonde e de iluminação pública celebrados atingiam um pequeno trecho da cidade. De acordo com nota em jornal publicada pela empresa, correspondia “somente da avenida Rio Branco à Ribeira” (EMPREZA de Melhoramentos. Diário de Natal, 3 de outubro de 1911, p. 1.).

Em matéria d’A Republica sobre a inauguração do primeiro trecho de iluminação e bonde elétrico, foi lembrado que a empresa tinha a incumbência de melhorar o serviço de iluminação e de substituir o gás acetileno pela energia elétrica. Porém, a iluminação da cidade foi apenas uma das obrigações prescrita no contrato da Empresa de Melhoramentos de Natal com o governo do Estado do Rio Grande do Norte. Entre as prescrições contratuais encontravam-se a construção de um forno de incineração de lixo, a administração, manutenção do serviço de transporte urbano, como ainda, do serviço de abastecimento de água da capital (A Republica, n. 126, 1911. p. 2.).

O artigo faz referência a uma cidade yankee. Nos jornais da época em Natal não é era raro encontrar citações às cidades norte-americanas como modelo de civilização a ser seguido. Algumas dessas referências foram feitas pelo engenheiro agrônomo Cristovam Dantas, que retornando a Natal após sua temporada de estudos nos Estados Unidos, publicou várias artigos no jornal A República com “sugestões extraídas de suas observações sobre a América, sugestões que, acreditava ele, poderiam ser aplicadas à organização de certos aspectos da vida social e da organização urbana de Natal” (ARRAIS, Raimundo; ANDRADE, Alenuska, MARINHO, Márcia. O corpo e a alma da cidade: Natal entre 1900 e 1930. Natal: EDUFRN, 2008.).

Em 1911, a Empresa de Melhoramentos do Natal, propriedade de Vale Miranda e Domingos Barros, passou a oferecer o serviço de bondes elétricos, ampliando os trilhos até o bairro Alecrim, na altura do Asilo de Alienados, passando a rua Sílvio Pélico (MEDEIROS, Gabriel Leopoldino Paulo de. A Cidade Interligada. Op. cit., p.131.).

Ainda em 1911 a extensão do circuito inicial é realizada. Inicialmente, é inaugurada a linha até o Alecrim, nesse mesmo ano, o mais novo bairro da cidade, oficializado por resolução da Intendência Municipal em 23 de outubro de 1911 (CASCUDO, 1999 [1946]). Além da linha ao Alecrim, descrito corriqueiramente como “populoso arrabalde”, paulatinamente novas solicitações para expansão das linhas são reivindicadas. As reivindicações são atendidas e ainda em 1911, a linha de bondes da Cidade Nova já atingia a residência do então Governador, Alberto Maranhão, e, posteriormente, sede do Natal Clube, na Avenida Hermes da Fonseca Os carros elétricos – em número de oito – supriam inicialmente as necessidades de deslocamento da população natalense 55 e a sua circulação modificou significativamente a dinâmica urbana, especialmente por integrar populações que residiam em áreas consideradas “suburbanas”, como o Alecrim, distantes do centro da cidade.

Também nesse ano a linha que atendia o bairro Cidade Nova foi ampliada pela avenida Hermes da Fonseca, chegando até a residência de Alberto Maranhão, posteriormente transformada no Aero Clube de Natal, clube de grande prestígio entre os natalenses de destaque na sociedade. Diferentemente da Companhia anterior, que firmou contrato com a municipalidade, a Empresa de Melhoramentos assinou com o governo estadual.

Em 1912, a Empresa de Melhoramentos de Natal aumenta a capacidade da Usina, que passa a operar com dois motores de 60 kW e outros dois, de 75 kW cada, totalizando 270 kW. Os registros nos periódicos não permitem saber ao certo se essa capacidade de carga operou funcionalmente. Sabe-se que a demanda e a cobrança, tanto por parte do Estado quanto por várias camadas sociais da população, aumentaram.

Usina Elétrica do Oitizeiro nas proximidades da Cosern.
Antiga usina do oitizeiro, predecessora da atual Cosern. Essa usina foi construída, no final da década de 1920 no mesmo local onde se encontra a concessionária hoje. Creio eu, que esse prédio é onde hoje está localizado o auditório da companhia e centro de operações. Colegas da empresa me relataram que ainda existem as bases dos antigos geradores, inicialmente instalados para a geração de energia.Os motores eram a gás, forneciam energia num raio de 6km, com tensão de 450 volts para os bondes e 22 volts para luz residencial e comercial.
Parada do Bonde Elétrico no Monte Petrópolis. Permaneceu com o proprietário Vale Miranda. FONTE: NOBRE, Esdras Rebouças. CD ROM 002. Natal 400 anos de história, turismo e emoção. Serigraf., Sonopress- Rimo Indústria e Comércio fonográfico Ltda.

MUDANÇA SOCIETÁRIA

Em Natal eram muitas as críticas sobre as atuações das empresas responsáveis pelos serviços de eletricidade. Dentre eles, o rompimento da sociedade entre Francisco Valle Miranda e Domingos Barros, ocorrida em maio de 1912 à inauguração dos serviços de iluminação e bondes elétricos de Natal (1911), tendo permanecido Empresa de melhoramentos de Natal que era responsável por estes serviços sob a propriedade de Valle Miranda. Segundo a nota, todo o ativo e o passivo passam a ser de responsabilidade única do senhor Francisco Gomes Valle Miranda (A PRAÇA, A Republica, Natal, ano 24, 04 maio 1912.).

Quando a Empresa de Melhoramentos de Natal – responsável pelos serviços urbanos desde 1905 e vencedora do Edital para implantação do sistema elétrico, em 1910 –, passa por mudança societária, em 1912, e renova o contrato com o Governo do Rio Grande do Norte, vê-se obrigada a compensar, via redução das taxas dos serviços, a demora para ampliar e melhorar o sistema dos serviços públicos como um todo.

Tendo o Sr. Valle Miranda distratado com o Sr. Domingos Barros a exploração dos trabalhos de melhoramentos da capital e cedido posteriormente os direitos que tinha em virtude do contrato com o governo para arrendamento das referidas obras de propriedade do estado aos Srs. Coronel Francisco Solon, Drs. Alfredo R. Jordão e A. de San Juan, por si e como procurados dos Drs. Constantino C. Fraga e Julio Bandeira Vilella, assinei com esses adquirentes uma novação de contrato, ampliando os prazos para a exploração e ultimação dos melhoramentos, prazos que foram julgados insuficientes pelos profissionais para uma boa execução de todas as obras contratadas. Como compensação a esse favor, os novos contratantes se obrigam a reduzir sensivelmente as taxas dos serviços públicos que vão explorar (Rio Grande do Norte, Mensagem de Governo, seção Obras Públicas, p.09, 1912.).

Acontecem várias mudanças no controle da empresa concessionária: em 1912, a sociedade entre Vale Miranda e Domingos Barros é encerrada e apenas COMPLETAR. Sem o sócio, o proprietário da Empresa de Melhoramentos de Natal não conseguiu levar à frente os negócios. Em 1912, as matérias referentes ao assunto traduzem uma grande insatisfação acerca da precariedade dos serviços prestados por essa empresa.

PREOCUPAÇÕES

As reclamações se deram em relação às irregularidades nos horários dos Tramways ou Elétricos (denominações que também recebiam os bondes), por estes apresentarem defeitos, ou ainda em relação aos pontos de parada, ao valor das passagens e pelo número de acidentes causados pelos Bondes.

Em 1912, as matérias referentes ao assunto traduzem uma grande insatisfação acerca da precariedade dos serviços prestados por essa empresa. As reclamações se deram em relação às irregularidades nos horários dos Tramways ou Elétricos (denominações que também recebiam os bondes), por estes apresentarem defeitos, ou ainda em relação aos pontos de parada, ao valor das passagens e pelo número de acidentes causados pelos Bondes (Ver, por exemplo, o Jornal A Republica do ano de 1912 e Diario do Natal de 1912.).

Os bondes, apesar das obras de prolongamento das linhas, começam já em 1912 a apresentar problemas técnicos significativos, especialmente na linha em direção ao Alecrim. O bairro possuía como um elemento delimitador que o separava da cidade a região do riacho do Baldo, que alagava constantemente durante os períodos de chuva, ocasionando a interrupção do serviço de bondes ao Alecrim. Tal elemento natural, portanto, oferecia um importante obstáculo ao acesso das populações a essa zona da cidade (EMPREZA de melhoramentos, A Republica, Natal, ano 24, n.112, 23 maio 1912a).

Os atrasos e acidentes envolvendo os bondes construíram um ambiente de desconfiança e esses equipamentos passaram a ser acusados de “indecentes e imprestaveis que ainda se arrastam, mercê de Deus, (…) não merecem a menor confiança”. A empresa responsável pelos serviços, constantemente responsabilizada pelos acidentes, era acusada de incompetência e de demonstrar maior preocupação com o embelezamento da infraestrutura dos serviços elétricos, que com a segurança que essa deveria oferecer aos usuários:

A empreza do sr. Valle Miranda, que por ahi chamam de Melhoramentos, há dias entendeu que devia pôr, na linha de Monte Petrópolis, uns postes originaes: eram os trilhos velhos, todos estragados pela ferrugem, porque esta é um facto poderoso no progresso da terra. Resultado: os trilhos não agüentaram o peso do arame e, si por um milagre alli não elle se sustentar, temos um verdadeiro ‘perigo emminente’ ameaçando de morte bondes, passageiros e tudo. Viva o progresso! (Diario do Natal, n. 4.473, p. 01, 1912.).

O primeiro acidente fatal por causa dos bondes, do Sr. Francisco Jacú, morador do outro lado do rio e noticiado por “A República” em 22 de abril de 1912, demonstra bem o choque que a nova dinâmica dos movimentos dos bondes impôs à cidade. A reportagem aborda o acontecimento em um tom satírico, contrapondo o homem simples e ainda desconhecedor da “modernidade” e o bonde, veículo moderno. É encerrada com a frase “victima no holocausto ao deus poderoso que é o Progresso” (LINHAS vans, A Republica, Natal, ano 24, 22 abr. 1912., p. 01). O acidente ocorreu no cruzamento entre a Rua do Comércio e a Avenida Tavares de Lyra e de certa maneira ilustra o embate entre a modernidade do veículo elétrico e a velocidade dos habitantes ainda acostumados à lentidão dos ritmos “coloniais”.

Numa outra matéria d’A Republica, publicada a pedido da empresa, as obrigações do contrato acordado com o governo são divulgadas, junto ao relato das ações realizadas até o momento e do andamento dos melhoramentos. Segundo esse texto, a empresa tinha o compromisso de inaugurar, em 06 de outubro de 1911, os serviços elétricos de Natal, enquanto para as restantes das obrigações tinham um prazo de cinco anos a contar da data de assinatura do contrato, o que dava como limite a data de 06 de outubro de 1913.

A segunda preocupação era a da circulação na cidade. Os bondes elétricos inaugurados em 1911 não iam muito além da região central de Natal, chegando apenas até o início da Cidade Nova, situação que se alteraria em 1926, quando a Repartição de Serviços Urbanos de Natal, chefiada à época pelo engenheiro Paulo Coriolano, projeta a construção de uma nova linha de bonde, indo do Tyrol ao Alecrim. Assim, havia uma “necessidade urgente de estabelecer um serviço regular de viação na cidade”, alcançando os pontos não atendidos pelos bondes da Empresa de Melhoramentos de Natal. Foi por conta disto que a Intendência resolveu contratar o serviço de automóveis, buscando ligação mais rápida com os pontos mais afastados do centro da capital. As condições para a contratação do serviço deveriam ser “especiais”, de modo a não prejudicar o contrato que o governo do Estado tinha com a Empresa de Melhoramentos. Não vimos, porém, qualquer outra resolução que regulamentasse o serviço, nem edital que abrisse a concorrência pública para sua execução. Também, no ano seguinte, de 1913, não encontramos nos jornais matérias que tratem do mesmo, de modo que, certamente, esta resolução não saiu do papel, possivelmente por força da Empresa de Melhoramentos que não deve ter se agradado com a chance de ter um concorrente.

Para o serviço de transporte urbano, o número de carros foi fixado em oito, dos quais cinco já se encontravam em tráfego. Em 1912, havia cinco bondes elétricos em tráfego, descritos pela empresa responsável pelo serviço como “sólidos, confortáveis e possantes, providos de aparelhos elétricos os mais modernos, e profusamente iluminados”. Essa descrição dos bondes concilia elementos emblemáticos da modernidade urbana daquele início de século. Um passeio pelo bonde materializava os emblemas da modernidade, descritos pelas sensações de força e conforto.

Em 1912, a sociedade entre Barros e Miranda foi desfeita, e a Empresa de Melhoramentos passou a ser de responsabilidade apenas de Vale Miranda. Ainda nesse ano, a linha que chegava até o Monte Petrópolis foi inaugurada (MEDEIROS, Gabriel Leopoldino Paulo de. A Cidade Interligada. Op. cit., p.134..). O Monte Petrópolis era uma região de Cidade Nova nas proximidades de outra residência de Alberto Maranhão. Além de atender outra propriedade do então governador, a linha também atendia o Hospital Juvino Barreto e a Vila Cincinato, propriedade que seria a residência de Joaquim Ferreira Chaves, que assumiu o Executivo estadual após o fim do segundo mandato de Alberto Maranhão. De acordo com Medeiros, após a eletrificação dos bondes e a criação da linha atendendo o bairro Alecrim, os aforamentos de lotes acima de 1 hectare nessa região foram intensificados (Idem.).

Em agosto de 1913 inaugura-se nova linha que, partindo da avenida Rio Branco chegava ao Tirol onde está o Aero Clube e em 1º de fevereiro de 1915 à Praia de Areia Preta.

Foto do site Web: Natal – 400 Anos de História/jornal Diário de Natal. A foto mostra a chegada de um bonde ao monte Petrópolis, em Natal, capital do Rio Grande do Norte, seguindo a linha inaugurada em agosto de 1912. Abaixo, imagem do bonde elétrico trafegando pela cidade. O sistema de bondes da capital do Rio Grande do Norte foi extinto em maio de 1955.
Representação das linhas de bonde implantadas em Natal até 1912 sobre Planta cadastral
e topográfica elaborada por Henrique de Novaes em 1924. Fonte: MEDEIROS, Gabriel Leopoldino Paulo de. A Cidade Interligada. Op. cit., p. 135.

A iluminação, quando realizada com a utilização do acetileno, contava com 220 combustores de 15 velas. O contrato previa a obrigação de fornecer 25 focos de 25 velas, iluminando a cidade três vezes mais pela mesma quantia paga anteriormente. Sobre a iluminação fornecida, informam os responsáveis pela Empresa de Melhoramentos:

Nossa iluminação é bastante poderosa para alimentar lâmpadas mais fortes. Nos jardins já temos os focos de 100 a 200 velas e encomendamos lâmpadas de 100 velas para iluminação da gala dos edifícios públicos. Poderíamos fazer o mesmo em relação as ruas si fosse ordenado e o Estado estivesse resolvido ao aumento considerável de despesa que representa a iluminação (A Republica, n. 12, 1912 .).

Deste modo, a Empresa responsabilizou o Estado pelas insuficientes condições da iluminação pública, afirmando a sua capacidade de fornecer uma iluminação mais eficaz, o que não estava sendo feito por falta de interesse do Estado em resolver os problemas orçamentários e destinar verbas para o fornecimento de uma iluminação mais poderosa para os edifícios públicos. A empresa encarregava-se também da construção de um forno de incineração de lixo e do abastecimento dos serviços de água. O forno encontrava-se pronto para entrar em funcionamento em fevereiro de 1912. Segundo os proprietários, as condições em que foi firmado o contrato eram ruins, tanto que nenhuma outra prestadora de serviço tentou fazer concorrência. Mesmo assim, afirmavam eles, que os melhoramentos estavam sendo realizado e “dentro do prazo serão todos uma feliz realidade que a colocará entre as cidades mais progressistas e florescentes do país” (A Republica, n. 12, 1912 .).

ASPIRAÇÕES

A crença de um futuro grandioso para Natal foi compartilhada por escritores locais que presenciaram as mudanças na sua cidade nesse início de século. De acordo com Arrais, a cada melhoramento traçavam um futuro progressista para cidade. Entre esses escritores, figuravam Eloy de Sousa, que falou da “agonia do velho Natal” na “visão do seu renascimento”, e Henrique Castriciano, que pedia investimentos no sistema de transporte, necessários para Natal ser “uma das grandes cidades do norte do Brasil” (Cf. ARRAIS, R. O mundo avança!: os caminhos do Progresso na cidade do Natal no início do século XX. In: BUENO, Almir (Org.). Revisitando a história do Rio Grande do Norte. Natal-RN: EDUFRN, 2007, p. 05. (No prelo).).

Esses intelectuais se entusiasmaram, em menor ou maior grau, com a atmosfera da vida moderna. Possuíam bibliotecas, recebiam livros, jornais e revistas do Brasil e do exterior, viajavam para o Rio de Janeiro, foram estudar em outras capitais, ou mesmo no exterior e, muitos deles, quando retornavam a Natal, desempenhavam funções na política e na administração pública (Sobre esse assunto conferir: ARRAIS, Raimundo; ANDRADE, Alenuska, MARINHO, Márcia. Op. cit..). Eram eles membros do grupo social que aqui chamamos de elite, grupo de pessoas que tinha acesso aos meios de comunicação, que escreviam para os jornais locais exaltando os melhoramentos da cidade, e, por vezes, queixando-se contra os aspectos não condizentes com os ideais de modernização almejados, como por exemplo, a falta de serviços satisfatórios de iluminação e transporte.

Essas críticas foram valorosas fontes para nosso conhecimento dos fatos e motivações que moveram as atuações das empresas responsáveis pelos serviços de eletricidade em Natal. Dentre eles, o rompimento da sociedade entre Francisco Valle Miranda e Domingos Barros, ocorrida no ano seguinte à inauguração dos serviços de iluminação e bondes elétricos, tendo permanecido a Empresa sob a propriedade de Valle Miranda (A REPUBLICA, n. 99, 1912.). Sem o sócio, o proprietário da Empresa de Melhoramentos de Natal não conseguiu levar à frente os negócios.

FIM SEM DELONGAS

Em 1913, a Empresa de Melhoramentos de Natal foi substituída pela Empresa Tração Força e Luz Elétrica de Natal – E. F. e Luz de Natal, de propriedade do coronel Alfredo Solon que, junto com investidores do Estado de São Paulo, adquiriu, igualmente, a concessão para exploração de outros serviços urbanos em Natal, como abastecimento de água, coleta e incineração de lixo, serviços de telefonia e fábrica de gelo (ARRAIS, Raimundo; ANDRADE, Alenuska; MARINHO, Márcia. O corpo e a alma da cidade. Op. cit., p.100). A empresa passa a ser sediada na capital paulista. As promessas de expansão e melhorias se sucedem.

Poste elétrico na Avenida Junqueira Aires em 1914.

Infelizmente, aí parou o progresso da Companhia com a desfeita da sociedade Vale Miranda & Barros. O serviço de viação urbana passou para a Empresa de Tração Força e Luz que, desinteressando-se pelo empreendimento, relegou o serviço de bondes a segundo plano, tornando-se deplorável.

Foi o fim da Empresa de Melhoramentos de Natal que marcou a cidade pela introdução das inovações decorrentes da eletricidade, porém com polêmicas aos contratos e muitas críticas ao serviços prestados na capital potiguar.

Aos poucos, os bondes foram diminuindo, piorando, caindo a sua utilidade em meio a tantas reclamações. A Companhia não atendia às reclamações populares, chegando ao ponto de, em 1920, o governador mandar executar judicialmente a companhia concessionária, tendo o gerente alegado falta de recursos, abandonando a empresa que ficou paralisada por cerca de dois anos.

Houve intervenção, quando recomeçaram os trabalhos, precariamente, em 14 de setembro de 1923. Em agosto de 1927, a Prefeitura Municipal recebe e põe em tráfego novos bondes elétricos importados. Em outubro de 1930, o governo entregou esses serviços às empresas elétricas brasileiras, que os manteve até sua extinção em 1960.

FONTES SECUNDÁRIAS:

ANDRADE, Alenuska K. G. A eletricidade chega à cidade: inovação técnica e a vida urbana em Natal (1911-1940). Dissertação, 2009 (Programa de Pós-Graduação em História) – UFRN, CCHLA, Natal, 2009

ARAÚJO, Gizele T. Luzes na cidade: considerações sobre a introdução do sistema de iluminação pública em Natal (1905-1911). Monografia, 2010 (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) – Depto de Arquitetura, UFRN, Natal, 2010.

CASCUDO, Câmara. (1947). História da Cidade do Natal. 3. ed. Natal: IHGRN, 1999.

BASTOS, D. [Manoel Dantas]. Sombras. A República, Natal, 5 out. 1911, p.01.

LYRA, Carlos. Natal através do tempo. Natal: Sebo Vermelho, 2001.

MEDEIROS, Gabriel L. Caminhos que estruturam cidades: Redes técnicas de transporte sobre trilhos e a conformação intra-ubana de Natal (1881-1937).2011 Dissertação (Mestrado). Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011.

PARTE OFFICIAL. A República, Natal, 27 de Outubro de 1910, p.02.

REFEERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

“Em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal”: a vida intelectual natalense (1889-1930) / Maiara Juliana Gonçalves da Silva. – Natal, RN, 2014.

A construção da natureza saudável em Natal (1900-1930) / Enoque Goncalves Vieira. – Natal, RN, 2008.

A eletricidade chega à cidade: inovação técnica e a vida urbana em Natal (1911-1940) / Alenuska Kelly Guimarães Andrade. – 2009.

A Família do Tesouro: a monumentalização da família Albuquerque Maranhão e a luta pelo poder no Rio Grande do Norte (1889-1914) / Helensandra Lima da Costa. – 2013.

A MODERNIZAÇÃO DA CIDADE DO NATAL: O AFORMOSEAMENTO DO BAIRRO DA RIBEIRA (1899-1920) / LÍDIA MAIA NETA. – NATAL/Dez/2000.

Caminhos de Natal / Jeanne Fonseca Leite Nesi ; ilustrações, Urban Sketchers Natal. – Dados eletrônicos (1 arquivo PDF). – 2. ed. – Natal, RN : IPHAN, 2020.

Caminhos que estruturam cidades: redes técnicas de transporte sobre trilhos e a conformação intra-urbana de Natal / Gabriel Leopoldino Paulo de Medeiros. – Natal, RN, 2011.

CIDADE, TERRA E JOGO SOCIAL: APROPRIAÇÃO E USO DO PATRIMÔNIO FUNDIÁRIO NATALENSE E SEU IMPACTO NAS REDES DE PODER LOCAIS (1903-1929) / GABRIELA FERNANDES DE SIQUEIRA. – 2019.

Do ancoradouro à sala de espera: as obras de melhoramento do porto e a construção de uma Natal moderna (1893-1913) – Natal, 2015.

História do Rio Grande do Norte / Sérgio Luiz Bezerra Trindade. – Natal: Editora do IFRN, 2010.

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La electricidad en las redes ferroviarias y la vida urbana: Europa y América (siglos XIX-XX). Autores (por orden alfabético): Horacio Capel, Vicente Casals, Domingo Cuéllar, George Dantas, Nelson da Nóbrega Fernandes, Alvaro Ferreira, Angela Lúcia Ferreira, Manuel Herce, José Luis Lalana Soto, Doralice Sátyro Maia, Ana Cardoso de Matos, Gabriel Leopoldino Paulo de Medeiros, Ramón Méndez, Teresa Navas, Susana Pacheco, Pedro Pírez, Eduardo Romero de Oliveira, Luis Santos y Ganges. – Fundación de los Ferrocarriles Españoles. 2012.

MATEMÁTICAS ELEMENTARES NA ESCOLA NORMAL DE NATAL (1908-1970) / Márcia Maria Alves de Assis. – HISTEMAT – Revista de História da Educação Matemática
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MEDEIROS, Gabriel Leopoldino Paulo de. A Cidade Interligada: legislação urbanística, sistema viário, transportes urbanos e a posse de terra em Natal (1892-1930). Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, 2017.

Natal, outra cidade! [recurso eletrônico] : o papel da Intendência Municipal no desenvolvimento de uma nova ordem urbana na cidade de Natal (1904-1929) / Renato Marinho Brandão Santos. – Natal, RN : EDUFRN, 2018.

Synthese do nosso movimento pedagogico: Conferencia Inalgural da Associação de Professores, a 4 de dezembro de 1920. Separata do “ Pedagogium,”(devidamente auctorizada). Nestor dos Santos Lima, Director da Escola Normal. EMPREZA TYPOGRAPAICA NATALENSE, LTD. 1921.

UM SÉCULO DE CONTRIBUIÇÕES PARA A HISTÓRIA DO TEATRO NA CIDADE DO NATAL: 1840-1940 / ÂNGELA MARIA DE CARVALHO MELO. – NATAL, 1999.

Um espaço pioneiro de modernidade educacional: Grupo Escolar “Augusto Severo” – Natal/RN (1908-13). Ana Zélia Maria Moreira. – Natal, RN, 2005.

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