Empreza Tracção Força e Luz

Gildo Magalhães, no livro Força e Luz, analisou as relações entre o consumo de energia elétrica no Brasil durante a República Velha e o projeto de modernização do país, marcado nesse período por propostas de renovação do espaço urbano, para as quais concorria a introdução da eletricidade, tendo em vista suas aplicações nos serviços urbanos de iluminação e transporte (MAGALHÃES, Gildo. Força e luz: eletricidade e modernização na República Velha. São Paulo: UNESP, 2000.).

Nas primeiras décadas do século XX, um grupo de intelectuais brasileiros tomou para si a tarefa de conduzir a nação aos caminhos do progresso, refletindo sobre as transformações das cidades e, muitas vezes, propondo e se colocando à frente das ações e medidas que direcionariam a modernização do país. Nesse período, os conceitos de nação e progresso emergem de modo forte e orientam as políticas e os processos de modernização. Neste contexto, a cidade aparecia como sinônimo de progresso em oposição ao campo, dando-se ênfase à construção do Brasil urbano. Para Magalhães a chegada da eletricidade ao Brasil é vinculada a esse projeto de modernização.

Estudos de diversas áreas do conhecimento, tais como história, geografia, arquitetura e urbanismo, contribuíram para o entendimento atual do processo de urbanização e da constituição da cidade como uma forma específica de organização social. Estes estudiosos analisaram, entre outros aspectos, as suas reformas urbanas, suas edificações, as políticas públicas de gestão, a organização dos serviços urbanos, as disputas pelos espaços e exclusão e a vida cotidiana.

Planta da Cidade do Rio de Janeiro em 1880. Fonte: Centro de Memória da Eletricidade no Brasil, 2003. Nota: Marcação da ferrovia E. F. Central do Brasil em amarelo feita pelo autor.

A CONCESSÃO DOS SERVIÇOS URBANOS

Em 1905, a iluminação pública de Natal se dava por meio de lampiões abastecidos com querosene, responsabilidade da Empresa de Iluminação a Gás Acetileno, de propriedade de Francisco Valle de Miranda e Domingos Barros (CASCUDO, Câmara. História da Cidade do Natal. Op. cit., p.283). Somente nesse ano iniciou-se o processo de iluminação a gás acetileno. Em 1908, a Empresa de Iluminação a Gás Acetileno mudou de denominação, passando a chamar-se Empresa de Melhoramentos de Natal, uma vez que começou a cuidar não apenas dos serviços de iluminação, mas também do transporte urbano, com a introdução dos bondes a tração animal (ARRAIS, Raimundo; ANDRADE, Alenuska; MARINHO, Márcia. O corpo e a alma da cidade. Op. cit., p.98.). Somente no ano de 1911, os serviços públicos de eletricidade foram inaugurados (CASCUDO, Câmara. História da Cidade do Natal. Op. cit., p. 282-283.).

Em maio de 1905, tem-se denúncias a respeito da qualidade do serviço de iluminação a gás acetileno, pois a fumaça estava escapando dos bicos, produzindo enxaquecas, tosses e indigestões. Tem-se ainda mais reclamações sobre lampiões que permaneciam apagados. Em outubro de 1908, o periódico oposicionista mencionava a necessidade de fiscalização em relação ao serviço de iluminação, uma vez que era rara a “rua em que durante a noite não se encontram combustores apagados”. Em abril de 1919, moradores reclamaram da iluminação da avenida Deodoro e da rua Coronel Bonifácio, no bairro Cidade Alta, destacando a existência de várias lâmpadas inutilizadas. Ressaltava-se a importância de solucionar o problema de iluminação nas referidas avenidas, já que elas eram “frequentemente transitadas pelo bonds”, entre outras matérias. Ver: BILHETE postal. A Republica, Natal, 20 maio 1905; ILLUMINAÇÃO publica. A Republica, Natal, 24 maio 1905; ILLUMINAÇÃO publica. Diario do Natal, Natal, 15 out. 1908; VARIAS. A Republica, Natal, 3 abr. 1919.

coexistência de dois sistemas de iluminação: em primeiro plano os postes da iluminação elétrica; em segundo, os postes de iluminação à gás.

Os intentos tornaram-se realidade no início de 1911 em Natal. Os melhoramentos foram citados em matérias dos jornais locais como impulsionadores do progresso, caso d’A Republica, jornal em que se publicou que a capital norte-riograndense estava conhecendo uma “poderosa teia do progresso, sempre forte, sempre veloz” (A Republica, 19 jan. 1911. Citado por COSTA, Madsleine Leandro da. Op. Cit., p. 113.), tecida pelos melhoramentos no espaço urbano natalense. O entusiasmo dos repórteres com as perspectivas futuras da cidade que recebia a eletricidade deram contornos ao clima festivo que marcou a chegada dessa inovação. A inauguração foi programada para o dia do aniversário do governador Alberto Maranhão e festejada em um baile no Natal Club, com presença do governador e demais autoridades. E pelas mãos de Alberto Maranhão o “comutador lançou a corrente elétrica nos circuitos da Força e Luz”, marcando a inauguração dos serviços de bonde e luz elétrica, pelas suas mãos foi acionado o foco de modernidade que irradiaria Natal (A Republica, n. 214, 1911.).

Neste sentido e a despeito de uma possível má administração ou mesmo do desvio de verbas, é significativo que, apesar dos investimentos provenientes dos cofres do estado destinados a sua constituição, a Empresa de Melhoramentos de Natal se encontrasse falida já em 1912, sem recursos para a manutenção e a expansão dos serviços. A criação da ETFL (Empresa Tração, Força e Luz) em 1913 pouco alterou a situação anterior, apesar do aporte de capital dos empresários paulistas que se associaram aos concessionários de Natal.

Para o serviço de transporte urbano, o número de carros foi fixado em oito, dos quais cinco já se encontravam em tráfego. Em 1912, havia cinco bondes elétricos em tráfego, descritos pela empresa responsável pelo serviço como “sólidos, confortáveis e possantes, providos de aparelhos elétricos os mais modernos, e profusamente iluminados” (A Republica, n. 12, 1912.). Essa descrição dos bondes concilia elementos emblemáticos da modernidade urbana daquele início de século. Um passeio pelo bonde materializava os emblemas da modernidade, descritos pelas sensações de força e conforto.

Os comerciantes premiavam com passagens a quem comprasse em seus estabelecimentos, como F. Cascudo & Cia. d’ 0 Profeta, que estipulou um valor mínimo de dez mil réis. No dia 08 de outubro, o bonde ia até a Avenida Hermes da Fonseca, chegando (CASCUDO, Luis da Câmara, História da Cidade do Natal, p. 291) a funcionar “das seis e quinze até as nove e cinqüenta, 21 horas”. A 02 de outubro de 1911, surgiram os bondes elétricos, sob a incumbência da Empresa de Melhoramentos do Natal, Vale Miranda & Domingos Barros. Posteriormente, com a rescisão de contrato, o serviço de viação urbana, luz, telefones e abastecimento de água passou para a Empresa de Tração Força e Luz.

Ilustração 4: Praça André de Albuquerque. Fonte: DANTAS, 1998.
Avenida Junqueira Aires, com detalhe para o relógio movido à eletricidade e suas luminárias. Na sequência, a balaustrada. Fonte: CD Natal 400 anos
Avenida Tavares de Lyra, década de 1910. Em destaque, detalhe do adorno Art Nouveau do poste de eletricidade, ao lado a rede de telegrafo. Fonte: DANTAS, 1998.
Cinema Polytheama. de Petronilo de Paiva, inaugurado em 1911. Ficava ao lado a casa de modas “Paris em Natal”. FONTE: MIRANDA, João Maurício Fernandes de. 300 anos de história foto-gráfica da cidade do Natal. p. 71. Foto 80 – de Manuel Dantas.
Rua da cidade na década de 1910. Fonte: JAECI, 2006.

LUTA CONTRA AS TREVAS

Em 1913, a Empresa de Melhoramentos de Natal foi substituída pela Empresa Tração Força e Luz Elétrica de Natal – E. F. e Luz de Natal, de propriedade do coronel Alfredo Solon, que adquiriu, igualmente, a concessão para exploração de outros serviços urbanos em Natal, como abastecimento de água, coleta e incineração de lixo, serviços de telefonia e fábrica de gelo.

Aliado aos investimentos paulistas, passa a denomina-la Empresa Tracção, Força e Luz Eléctrica de Natal, com sede em São Paulo. Além da aquisição da Empresa de Melhoramentos, o coronel Alfredo Solon possuía também toda uma série de outros investimentos no Estado, entre eles o de uma salina do outro lado do Potengi, com capacidade para produzir cerca de cem mil alqueires. O Coronel foi também um dos fundadores da firma Albuquerque & Cia que deu início à construção da Estrada de Ferro de Mossoró a Souza, partindo de Areia Branca, além de adquirir também a fábrica têxtil de propriedade da família Barreto, fundando, assim – com ajuda da entrada de capital de investidores do Rio de Janeiro – a Companhia Industrial do Rio Grande do Norte, com sede em Natal. A compra da Empresa de Melhoramentos de Natal resultou na intenção de melhorar a qualidade dos serviços prestados, como atesta o Coronel, em suas próprias palavras, em entrevista ao jornal “A República”.

De acordo com Cascudo, a primeira vez que viram gelo em Natal foi em 1868, por ocasião de um baile organizado para comemorar a volta do Partido Conservador ao Poder e a chegada do novo Presidente da Província, o Dr. Manuel José Marinho da Cunha. Em uma barcaça vinda de Recife trouxeram para o evento “frutas, melões, melancias, abacaxis, laranjas da Bahia, limão de cheiro. E, pela primeira vez na história, gelo. Foram desembarcadas em Natal dez arrobas de gelo. Nunca se tinha visto gelo. Quem podia andar, foi ver, com os olhos que a terra há de comer”. O gelo, que foi a novidade admirada por curiosos dos preparativos daquele baile de 1868, foi um dos objetivos dos investimentos realizados no setor elétrico em Natal. In. CASCUDO, Câmara. Acta Diurna – O Baile de 1868. A Republica. 01 Out.1939.

Os serviços urbanos prosseguiam sob o regime de concessão de sua administração a empresas privadas. Porém, ao mesmo tempo essas empresas mantinham-se sob a proteção do governo, dependentes de incentivos e verbas governamentais para realização dos melhoramentos. De modo que a responsabilidade dos serviços era partilhada entre as empresas concessionárias e os órgãos governamentais. Portanto, os problemas na prestação dos serviços urbanos eram julgados como de responsabilidade tanto das empresas quanto do Estado.

Usina do Oitizeiro inaugurada em 1911, nas proximidades da fonte do Baldo. A sucessão de empresas na administração dos serviços não trouxe mudanças à localização da usina. Na mesma localização encontra-se atualmente a COSERN. Fonte: LYRA, 2001.
Terrenos da Empresa Tração Força e Luz FONTE: CICCO, Januário. Como se hygienizaria Natal, p. 24.

Os higienistas e sanitaristas do final do século XIX se preocuparam com a entrada de navios estrangeiros no país, pois suspeitavam serem eles, os responsáveis pela entrada e saída das doenças causando epidemias de doenças da febre amarela, cólera morbus, varíola, tuberculose. Na área de propriedade da Empresa Tração, Força e Luz [existia] uma grande superfície “pantanosa e coberta de viçoso capinzal, e nas suas imediações [ficavam] os fornos de incineração do lixo da cidade […], fazendo-se a combustão ao ar livre. (CICCO, Januário. Com se hygienizaria Natal, p. 11.).

LIMPEZA PÚBLICA

A gestão dos resíduos sólidos em Natal sempre tem sido desenvolvida com deficiência pelo poder municipal, poucos documentos registram a sua evolução. CICCO (1920), cita “…dentro da cidade o matadouro…, tendo ao lado a esterqueira e o lixo de toda urbs, é onde se regala de podridão o hygienista daquela zona – o urubu ”.

CICCO (1920) também afirma que a Empresa Tração, Força e Luz, por contrato com o Governo do Estado, se compromete a incinerar o lixo da cidade, em forno construído para tal fim e do modelo que melhor se preste a sua função.

Em entrevistas com o Sr. João de Lima (seu Joca), morador de residência próxima ao “Forno do Lixo” e funcionário aposentado da URBANA, análises de documentos, observação de fotografias e verificação em campo, chega-se a conclusão que a primeira área para disposição de resíduos na cidade de Natal, situava-se no local onde está hoje instalada a produção de mudas do horto municipal, às margens da linha férrea, limitando-se pelo riacho do Baldo (Rio do Oitizeiro). De acordo com as afirmações do Dr. Januário Cicco, nesse local, os resíduos eram simplesmente lançados a céu aberto.

No ano de 1910, o governo do estado apontava para uma solução que, segundo se entendia, seria definitiva, pois havia uma determinação do governador Alberto Maranhão de que, a partir do dia primeiro de outubro, a limpeza pública seria de responsabilidade da Inspetoria de Higiene Pública, sendo o responsável direto pelo serviço o inspetor de higiene Calistrato Carrilho, que “Superintenderá pessoalmente todo o serviço em quanto não começar a funccionar a empresa de melhoramentos dos srs. Velle Miranda & Domingos Barros na seção referente à remoção e destruição do lixo da cidade” (Varias. A República 30 de setembro de 1910.).

Em 1920, a coluna “varias” do jornal “A República”, espaço que tratava de variados assuntos, trazia uma nota sobre um amontoado de entulho na Rua São Tomé, no bairro da Cidade Alta. O denunciante expõe que “na rua S. Thomé existe ha dias um entulho que já devia ter sido removido para o forno de incineração. Para o caso pedemnos chamarmos a atenção da E. Força e Luz” (Varias. A República 16 de janeiro de 1920.).

Ao que se percebe, o problema da limpeza pública ainda não havia tido uma solução definitiva, mesmo com o inspetor Calistrato Carrilho superintendendo pessoalmente e recomendando a intensificação do serviço de limpeza na cidade, como mostra uma nota datada de fevereiro de 1920. Eram ainda muito constantes as críticas à empresa concessionária dos serviços de limpeza e asseio de Natal.

A fala do doutor Cicco é pontual em torno da discussão sobre a questão da limpeza pública na cidade do Natal. Ela aponta para certa inconstância no que diz respeito a esse serviço, e, ao reler-se o relatório de Intendência Municipal apresentado em 1905, o que se percebe é que, naquela época em Natal, realmente se fazia “uma falsa limpeza” (CICCO, Januário. Op.cit. p. 21).

Com relação ao contrato entre a Empresa Tração Força e Luz e o Governo do Estado (CICCO,1920), não é possível se determinar o ano exato do início de operação do forno de incineração. O relatório dos engenheiros do Escritório Saturnino de Brito (1935), responsáveis pela elaboração dos projetos de melhoramentos e serviços de esgotos da cidade de Natal, assim relata: “Para o destino do lixo existe um forno de incineração, incinerando cerca de 32 m3 diários, trazidos em caminhões e carroças. A queima é acelerada por um ventilador. Na zona não servida pela limpeza pública, usa-se queimar ou enterrar o lixo. O serviço é incompleto e a Prefeitura pretende melhorá-lo”.

Companhia Força e Luz.
Praça Pedro Velho (início do século XX) fonte: CD – Natal 400 anos (data e autor não identificados)
Rua Dr. Barata (início do século XX) fonte: CD – Natal 400 anos (data e autor não identificados)
Praça André de Albuquerque – 1920 (fonte: Como se higienizaria Natal.)
Jayme Seixas – Avenida Rio Branco – primeira década do século XX (acervo particular de José Valério).
Praça Augusto Severo e a estação da E. F. Natal a Nova Cruz. Destaque para o bonde
integrando o transporte inter ao intra-urbano. Fonte: Acervo do Centro Norte-Riograndense de Documentação, Rio de Janeiro.
Casario da Avenida Junqueira Aires, década de 1920. Fonte: POMBO, 1922.

INVESTIMENTOS

A matéria intitulada Devaneios, publicada no jornal da situação em 1908, serve de exemplo para demonstrar essas representações positivas do terceiro bairro. Na referida matéria, o autor J. Sandoval descreveu sua experiência ao passear no “attrahente e grandioso panorama dessa fresca e agradável redondeza da Cidade Nova” (DEVANEIOS. A Republica, Natal, 28 nov. 1908. p.1.). J. Sandoval era o pseudônimo utilizado por João Soares de Araújo, jornalista e fiscal da Empresa Tração Força e Luz durante o segundo governo de Alberto Maranhão (Para mais informações sobre João Soares, ver: WANDERLEY, Ezequiel. Poetas do Rio Grande do Norte. Natal: Sebo Vermelho, 2008.). Na matéria, Sandoval destacou que utilizou o bonde como transporte para chegar até o referido bairro. Ao passar pela praça Pio X, o autor destacou que começou a experimentar os efeitos “tonificantes” de outro ambiente, que não era o mesmo vivenciado nas ruas. Essa experiência começou a fortalecer seu espírito que, nos últimos tempos, estava invadido de tristeza. Sandoval observou crianças com suas mães nas proximidades da fonte existente no bairro e, à medida que chegava ao Prado, sua alma tinha a impressão de vivenciar os passeios realizados em Ipanema, na capital do país, durante os quais podia contemplar também a natureza. Sandoval ainda recordava da pitoresca Copacabana, com seus encantadores e artisticamente ajardinados chalets. Ao chegar até a praça Pedro Velho, o autor ressaltou que ali a vista podia dilatar-se com mais liberdade, e os pulmões respiravam outro ar, “retemperado” e sadio (DEVANEIOS. A Republica. Op. cit).

Para obter recursos necessários aos melhoramentos dos serviços, seu proprietário associou-se aos investidores de São Paulo e a empresa passou a ter sede na capital paulista. O coronel Solon, novo concessionário dos serviços urbanos, em entrevista n’A Republica em janeiro de 1913, falou dos motivos de sua associação com capitalistas paulistas. De acordo com o proprietário da T. F. e Luz de Natal com essa medida a empresa ficou “aparelhada não só para executar todos os serviços contractados com o Governo do Estado, como talvez para estender trilhos, luz e força as cidades de Macaíba, Tirol e Praia do Morcego, ainda construir uma estação balneária moderna (A Republica, 1913.).

O contrato firmado em 1913 entre o governo do Estado do Rio Grande do Norte e a empresa Tração, Força e Luz elétrica de Natal traz as disposições gerais que regulamentaram a concessão da exploração dos serviços urbanos da capital. Nesse documento, entre outras prescrições, o prazo previsto para concessão dos serviços foi de cinqüenta anos. A empresa teria que realizar a iluminação pública desde o anoitecer até o amanhecer, sem nenhuma interrupção relacionada ao luar. Para tanto, seriam acesas “quatrocentas lampadas incandescentes de trinta e duas velas, mais a illuminação de gala e quatro lampadas de cem velas para os pavilhões das praças Augusto Severo e André de Albuquerque” (GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. Contrato para a Luz, Força, tracção, Águas, Exgottos, Telephones etc. São Paulo: Siqueira, Nagel & Comp. 1913. p. 4-5.).

Capa do contrato com a empresa Tração, Força e Luz Elétrica de Natal. Fonte: Acervo do Centro Norte Rio-grandense, Rio de Janeiro.

Essa empresa utilizaria, por arrendamento do Estado, a infra-estrutura montada pela concessionária anterior, composta por obras e terrenos de propriedade do Estado, como, por exemplo, as redes distribuição de água de coleta dos esgotos, os trilhos das linhas do bonde já assentados, dois carros motores, um carro-motor de carga, um carro reboque, um carro funerário, e rede aérea para distribuição de eletricidade. A usina chegou às mãos da T. F. e Luz de Natal com

Dois motores a gaz pobre, de duzentos e vinte cavallos cada motor; dois dynamos de corrente continua de sessenta KW cada: dois dynamos de corrente continua de setenta e cinco KW cada, com fabrica de gelo; – câmara figorifica, fabrica de ceramica e de todos os terrenos do Baldo, Bica e sítio adquirido para instalação da usina (GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. Contrato para a Luz, Força, tracção, Águas, Exgottos, Telephones etc. São Paulo: Siqueira, Nagel & Comp. 1913. p. 9.).

A Empreza já fez acquisição, na Europa, de dois motores para a Uzina de Força de 500 cavallos, 6 bondes e material de exgotto. Cogita levar os bondes a Macahyba, Tyrol e Praia do Morcego, onde construirá uma estação balnearia moderna, pretendendo igualmente criar uma secção de edificações urbanas em Natal (MELHORAMENTOS do Rio Grande do Norte, A Republica, Natal, ano 25, n.10, 14 jan. 1913., p. 01).

Em fevereiro de 1914 Cidade Nova foi cenário de um luxuoso casamento. Tratavase do enlace matrimonial entre Beatriz Dantas, filha do jornalista e redator Manoel Dantas, e Julio de Mello Rezende, engenheiro da Inspetoria de Obras Contra as Secas. O casamento foi realizado na Vila Pretoria, propriedade de Manoel Dantas, tendo como testemunha membros importantes da política local, como o governador Ferreira Chaves. A cerimônia foi assistida por “muitas famílias e cavalheiros de nossa elite social, aos quaes serviu-se uma lauta mesa, enfeitada a capricho, de finas e excelentes massas e abundante serviço de buffet” (ENLACE Rezende-Dantas. A Republica, Natal, 16 fev. 1914. p.1.). A matéria ainda elogiou a decoração e a iluminação do casamento, que contou com o trabalho da Empresa Tração Força e Luz e com a presença da banda de música do Batalhão de Segurança.

São relatados os melhoramentos efetuados na capital e em relação aos transportes no estado e é enfatizada a necessidade de acentuar os investimentos iniciados no tocante à educação, dotando o Rio Grande do Norte de mais instituições de ensino. Ferreira Chaves em seu discurso enaltece as modificações vividas por Natal nos últimos anos, ressaltando, sobretudo, a inserção da nova infraestrutura urbana e das novas edificações.

Contudo tal intento não se concretizou. A se considerar a reforma de 1916, quando substituíram os antigos geradores por novos, trifásicos, com subestação e instalação de grupos de conversores, foi que se expandiu a oferta para aproximadamente 480 kW.26 Esses novos investimentos se deram no contexto de nova mudança de propriedade. A ETFL manteve o nome, mas passou a novos sócios. A direção técnica ficaria a cargo do engenheiro A. de San Juan Antes ainda, sobremodo a partir de 1914, as críticas se intensificam, revelando dificuldades para manter e expandir os serviços.27

Uma comparação das melhorias na infra-estrutura entre diferentes serviços urbanos no intervalo entre 1912 e 1916 nos dá a dimensão das ações empreendidas no período. Dentre as mudanças estava a realização de reformas na Usina do Oitizeiro, o que possibilitou que se dispensasse o uso do gás acetileno para realizar a iluminação da cidade (Elaborado com base em matéria do Jornal A Republica, n° 269, 1916.):

Comparação da situação dos serviços urbanos no ano de 1912 e 1916.
Maquinário da Empresa Força e Luz. Entre as engrenagens o operário aparece pequeno entre as engrenagens da usina. Fonte: Solar João Galvão de Medeiros.

A concessão do serviço de bonde passa também em 1913 das mãos da Companhia Ferro Carril para a Empresa Tração Força e Luz Elétrica de Natal, “que continua expandindo o serviço, de modo que em 1915 o bonde alcança Areia Preta, a praia elegante da cidade” (ARRAIS, 2009, p. 173). A ferrovia e os bondes elétricos concretizavam o ideal de modernidade simbolizado pelo encurtamento das distâncias.

[…]. De fato, na cidade de Natal, o bonde, do mesmo modo que as ferrovias e os transportes marítimos revolucionados pela técnica do final do século XIX, atendia àquela exigência introduzida pela modernidade, o encurtamento das distâncias, o encolhimento do espaço. O bonde se associou à expansão física da cidade – uma cidade que em 1900 abrigava 16.056 habitantes e que quase dobrara esse número em 1912 –, contribuindo para converter aquilo que fora, até então, uma justaposição de bairros (Cidade Alta e Ribeira), numa unidade concebida como cidade (ARRAIS, 2009, p. 173).

O bonde subindo a Avenida Junqueira Aires, atual Câmara Cascudo.
Rua Dr. Barata e Rua do Comércio (1930). Fonte: MIRANDA, 1981.
Foto da sede da Intendência, tirada por Manoel Dantas na década de 1910. à direita, na imagem, vê-se prédio da farmácia Torres .Na década de 1920, essa sede, modesta em suas formas, dará lugar a um prédio mais imponente, de estilo eclético, que ainda hoje sedia a prefeitra da cidade.

TAXAS

Seguiram-se os esforços para organizar e ampliar a rede de distribuição de eletricidade por toda a cidade, bem como o número de consumidores desse serviço, tendo em vista medidas que objetivavam expandir o acesso aos avanços técnicos. Realizaram-se discussões sobre o preço do quilowatt, das taxas de instalação de medidores e de multas. No jornal A Republica, em matéria publicada a pedido de San Juan, gerente da E. F. e Luz de Natal, tratando das alterações do “machinismo” da empresa e das providências necessárias para solicitação de instalações elétricas domiciliares, afirma que para o fornecimento de luz aos particulares

As instalações à taxa fixa serão gratuitas e de acordo com a tabela da clausula 4ª do contrato de 16 de outubro de 1912, celebrado com o governo do Estado. As instalações por medidores deverão garantir um consumo mínimo de 10$000. Não podendo funcionar mais os atuais medidores, porque a nova corrente, que é trifásica, não aciona os atuais medidores de corrente contínua (…). Os consumidores, que não quiserem pagar por consumo de luz e a taxa mínima de 10$000, poderão optar pelo consumo por lâmpada fixa.

Os medidores de killowatts-hora precisavam ser trocados por outros que funcionassem com a corrente trifásica. Esse tipo de sistema de geração de energia, com correntes alternadas que são sincronizadas, ainda é comum e considerado mais eficiente que o sistema isolado. Com a energia trifásica, o acionamento de motores elétricos tornouse mais ágil e ela permitia dois níveis de tensão. As alterações técnicas do setor elétrico caminhavam junto aos setores da indústria química, da siderurgia e da eletrotécnica. O aço e o cobre são utilizados como condutor elétrico em longas distâncias sem perdas substanciais da energia produzida e assim contribuem para a difusão da eletricidade, possibilitando maior transmissibilidade e flexibilidade dessa fonte de energia (MAGALHÃES, Gildo dos Santos. Força e Luz: eletricidade e modernização no Brasil. São Paulo: Unesp/ FAPES, 2000.).

Com essas características, a eletricidade tornou-se a forma da energia mais utilizada do século XX. A flexibilidade dessa fonte de energia é responsável pela forma multiforme em vários aspectos da vida social, como força na produção industrial, nos sistemas de transportes, na medicina, na iluminação pública e privada, nas formas de diversão e no modo de morar. Os habitantes de cidade tornaram-se consumidores de eletricidade, tendo sido necessário, para tanto, a construção de uma relação contratual e de confiança entre empresa e consumidor, e a simplificação de uma linguagem técnica, a exemplo de termos como killowatts, ou apenas KW hora, que passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas.

Em Natal essas relações foram se estabelecendo através dos esclarecimentos publicados em notas de jornais sobre mudanças técnicas necessárias, cobranças e valores, e em geral mencionando as obrigações estabelecidas em contrato. Numa dessas notas publicada n’A Republica, a Empresa esclareceu ao público interessado os procedimentos e valores para terem em seus domicílios os serviços de eletricidade. Para tanto o consumidor que quiser adotar o medidor deverá garantir um consumo mínimo de 15$000 mensais. O preço para o fornecimento de luz por medida não poderá ser maior de 600 reis o kw hora; e o de força elétrica motriz 250 reis o kw hora. As instalações domiciliarias serão por conta do consumidor. (A REPUBLICA, 1915, p. 1.).

Angelo Roselli foi listado em 32 cartas de aforamento, possuindo 3 terrenos aforados na Ribeira e 29 na Cidade Alta, o que indica como ele era um grande enfiteuta de terras municipais. Em 1915 a empresa Tração, Força e Luz publicou um aviso de cobrança da taxa do lixo, citando 94 propriedades pertencentes a Roselli, sendo 45 dessas localizadas à margem do Rio Potengi (SANTOS, Renato Marinho Brandão. Natal, outra cidade!. Op. cit., p.83.), o que pode sugerir que ele possuía mais terrenos do que os mencionados nas cartas encontradas ao longo da pesquisa.

O aviso nos mostra o nome de outros grandes proprietários locais: Olympio Tavares, Romualdo Galvão, Alexandre O’Grady, Felynto Manso, Francisco Rodrigues Vianna, José Pinto, Joaquim Policiano Leite, entre outros que fizeram parte da Intendência. A REPUBLICA, Natal, 02-03 dez. 1915; 06 dez. 1915; 10 dez. 1915; 13-15 dez. 1915.

Em 1915 a Empresa Tração, Força e Luz Elétrica de Natal informou que o intendente Arthur Hypolito da Silva deveria pagar 1.500 réis por cada um dos seus seis prédios na rua Felipe Camarão. Como em 1908 Silva adquiriu o domínio útil de dois prédios de Filgueira, significa que ele construiu mais 4 prédios no mesmo bairro. Ver: EMPREZA Tracção, Força e Luz Electrica de Natal – Taxa do Lixo. A Republica, Natal, 03 dez. 1915. Outro solicitação de pagamento no valor de 3.000 réis que devia de imposto de lixo pelo seu prédio situado a rua Dr. Barata e mais 3.000 réis por dois prédios que possuía na Travessa Paraguay, ver: EMPREZA Tracção, Força e Luz Electrica de Natal – Taxa do Lixo. A Republica, Natal, 24 nov. 1915.

O preço da energia oferecida tinha por base um consumo mínimo mensal e as preocupações com os valores das tarifas de energia e de instalação dos medidores elétricos, como mencionado anteriormente, pode ser percebido como um aspecto revelador das intenções dos administradores dos serviços em alcançar a população de uma maneira mais extensa e da ampliação do uso de eletricidade no espaço privado. Entretanto, os serviços públicos baseados no uso dessa fonte de energia continuaram a suscitar reclamações.

Outra imagem do bonde subindo a Junqueira Aires. Fonte: Acervo do HCUrb.
Avenida Sachet, 1910. Fonte: JAECI, 2006.

RECLAMAÇÕES

Ao contrário, os anos seguintes foram pródigos na denúncia das condições precárias dos serviços e equipamentos urbanos. Agora havia a quem responsabilizar pela “crise” da cidade. Dos periódicos de vida curta, freqüentemente semanários humorísticos, às falas oficiais das mensagens de governo ou aos artigos dos jornais com estrutura consolidada, como A Imprensa,88 tornaram-se comuns as imprecações contra a ETFL:

“Jamais cansaremos de clamar destas columnas, contra os abusos da Empreza Tracção, Força e Luz. Factos Recentes levam-nos a endereçar estas linhas, com vistas ao Dr. Honorio de Barros, gerente da mesma, que parece ‘philosophar’ ás reclamações populares. Agora mesmo s.s. deu-se ao luxo de mandar arrancar solipas [dormentes dos trilhos], deixando pedregulho entulhando as ruas por conseguinte prejudicando os transeuntes”. (“Inqualificavel – A Empreza Tracção, Força e Luz, enscena. O gerente ‘philosopha”. A Avenida, Natal, n.1, p.2, 12 jul. 1914.).

Apesar da crescente importância que o bonde vai assumindo no contexto urbano, os serviços, embora ampliados, continuam a apresentar condições precárias de funcionamento. No dia 14 de abril de 1914 é publicada no periódico “A República” uma reclamação em relação à “péssima” condição da linha de bondes que serve o bairro do Alecrim. É interessante ressaltar que o artigo enfatiza o fato de que os habitantes do bairro são dependentes dos serviços do bonde e designa-os como “passageiros obrigados” da linha, como pode se constatar no trecho selecionado abaixo.

A linha electrica do Alecrim nunca ofereceu tão pouca segurança aos passageiros obrigados dos bondes da Empresa Tracção, Força e Luz, que são os habitantes do bairro do Alecrim, como actualmente. O ramal que leva áquelle futuroso bairro, ainda mais damnificado nestes últimos dias pelas chuvas torrenciais que desabaram sobre esta capital e que produziram na margem da mesma linha grandes escavações, apresenta aos olhos dos infelizes passageiros a perspectiva de um desastre horrível, bem fácil de verificar-se não somente por aquelle motivo, como também pela vertiginosa carreira dos carros, quando atravessam a extensa rampa dadas as péssimas condições em que se acha assente a linha em quasi todo aquelle trecho (VARIAS, A Republica, Natal, ano 26, n.81, 14 abr. 1914b., p. 01, grifos nossos).

Em setembro de 1915 o A Republica publicou outra reclamação dos moradores de Petrópolis, que estavam revoltados pela atitude da Empresa Tração Força e Luz. Essa empresa tinha reduzido o número de bondes que atendiam a região do monte. A matéria ainda lembrava à referida empresa que na região, além da casa do governador Ferreira Chaves, existiam dois estabelecimentos de assistência pública, a Casa de Detenção e o Colégio Imaculada Conceição, além de moradores que trabalhavam em outras áreas da cidade e tinham seus afazeres prejudicados por essa diminuição de transporte. A nota também reclamava da demora dos bondes, que faziam o trajeto até a Praia de Areia Preta gastando 45 minutos, tempo “mais que suficiente para alguém de boas pernas fazer a viagem de ida e volta áquella praia” (VARIAS. A Republica, Natal, 06 set. 1915.p.2.).

A atuação da Empresa de Tração Força e Luz Elétrica de Natal foi muito questionada, alegando-se que os serviços urbanos prestados eram deficientes, insatisfatórios. Tal situação ultrapassou o limite da verbalização. Em 1916, pessoas manifestaram sua insatisfação com ações de violência contra o patrimônio da empresa, as quais foram consideradas fruto de campanha contra E. T. F. e Luz de Natal, realizada através de inúmeras queixas que vinham sendo publicadas nos jornais locais. O incidente foi comentado em matéria d’A Republica:

Esta capital foi suprehendida, hotem pela manhã, com acto de selvageria, que suppunhamos, não teríamos mais o desprazer de registrar em um meio que se diz civilisado.
Foi o facto que todas as lampadas de illuminação publica, desde a avenida Deodoro à Areia Preta, amanheceram quebradas e com os braços inutilizados, prejudicados de tal forma este serviço que, ainda hotem não pode ser restabelecido.
Só se pode racionalmente attribuir tamanha pervesidade ou a um acto de loucura, ou a affeito dessa campanha apaixonada que se move ha tempos contra a empresa Tracção, Força e Luz, sem levar em conta que é uma sociedade que explora os serviços do Estado com ella contractado, sujeita portanto a fiscalização do governo, que é o juiz competente para decidir sobre seus atos e chamal-a ao cumprimento do dever, quando entender necessário.
(VARIAS. A Republica, 23 out.1916).

Queixas quanto aos serviços urbanos degeneravam em violência contra a empresa, ocasionando a destruição dos elementos da infra-estrutura dos serviços, situações que também ocorriam no Rio de Janeiro, onde uma dessas manifestações questionava o controle da Light sobre os serviços de eletricidade e queixava-se sobre os atrasos freqüentes dos bondes e mudanças de linhas, insatisfação que gerou um motim popular contra os equipamentos urbanos. A população foi incitada por jornais, como o Correio da Manhã, a participar da ação contra o patrimônio da empresa; autores mencionam que foram erguidas barricadas e carroças da Light foram incendiadas, sendo necessário que a força policial saísse em defesa dos bondes reprimindo o protesto. (ROCHA, Amara S. de Souza. Luzes da ribalta: a chegada da energia elétrica no Rio de Janeiro foi recebida de modo contraditório, entre o encanto com a novidade e os protestos da população. Revista de Historia da Biblioteca Nacional. 01 de outubro de 2006. Disponível em http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home.).

Em Natal, manifestações violentas contra os bens da empresa foram percebidas com descontentamento, como “atos de violência e selvageria” que eram dignos de um povo incivilizado. A polícia teve que garantir a ordem pública e o governo declarou em nota no jornal desconhecer falhas no serviço da empresa

que é simples arrendatária de serviços pertencentes ao Estado e declarou que, perante ao Governo, a Empresa cumpria as obrigações constantes ao seu contracto (…) e si falhas havia nos seus serviços (…) não chegava ao conhecimento do Governo que desejava tudo conhecer (A Republica, n. 239, p. 1916.).

As interrupções no fornecimento de energia eram constantes, o que afetava diretamente, além do funcionamento da iluminação pública já considerada precária, o
abastecimento d’água, o transporte coletivo e, inclusive, a circulação dos jornais. Se esta precariedade era evidente mesmo nas áreas valorizadas pelas elites, quer de moradia ou de lazer, os serviços de água, luz e limpeza públicas eram “uma trindade de utopias para os moradores das areas mais afastadas”. (Natal Jornal, n.1, p.2, 04 maio 1919).

A situação chegou a tal ponto que até mesmo a greve dos operários da ETFL, em 1919, encontrou respaldo na imprensa e a aquiescência do governo estadual. Insatisfeitos com as chamadas medidas abusivas praticadas pela direção, como os preços extorsivos dos víveres vendidos no “Barracão”, a cobrança da passagem dos funcionários que tomavam o bonde para ir almoçar em casa ou que faziam o caminho de ida e volta do trabalho e os baixos salários, os operários dos diversos setores da Empresa – limpeza pública, usina elétrica, transportes públicos, etc. – pararam todas as atividades. Sem respaldo público ou governamental, os diretores da Empresa desistiram das medidas e aumentaram os salários de seus empregados. “A cidade esteve ameaçada de ficar hontem às escuras, caso o Sr. [Américo] Gentil não tomasse o bom alvitre de capitular ante a indignação do operariado vilmente explorado pela Empreza”. (S/t, “Greve dos operarios da E. T. F. e Luz – o Sr. Gentil capitula”, A Imprensa, Natal, n.1417, p.01, 21 out. 1919.).

Tanto a propriedade da Empresa, no Oitizeiro, onde ficavam as oficinas de manutenção, os fornos de incineração do lixo e a usina elétrica – uma área “pantanosa e coberta de viçoso capinzal”– quanto a saúde de seus funcionários, constantemente acometidos pelas endemias de inverno, o impaludismo e a febre amarela, eram tomados como um retrato da penúria em que se encontrava o espaço urbano de Natal. Mesmo atendendo e clinicando constantemente, como médico da Empresa, Januário Cicco admitia que pouco podia fazer frente às más condições de trabalho e habitação que degradavam o ambiente.

A fonte pública do Baldo… e os animais dividindo o consumo com os homens Fonte: Cicco, 1920.

A amiúde interrupção no fornecimento de energia, devido às precárias condições técnicas (e sanitárias) da Usina Elétrica do Oitizeiro, tornou cada vez mais insustentável a atuação e o contrato da Empresa com o governo do estado. Isto acarretaria na rescisão do contrato já no primeiro ano do mandato do governador Antonio José Mello e Souza (1920- 1923), com a penhora de parte das rendas e bens da Empresa para o pagamento das multas contratuais.

As pessoas reclamavam as freqüentes interrupções dos serviços de transporte, de iluminação pública e de fornecimento de eletricidade às moradias. O Governo respondia às reclamações com argumentos de que só por meios legais poderia intervir na situação e, sugerindo conformismo, publicou no jornal oficial que de nada adiantava a pressão popular, pois a culpa dos melhoramentos reivindicados não estarem sendo realizados dava-se pelas dificuldades originadas da conflagração européia, que, vinha dificultando as importações de equipamentos e de combustível necessário. A justificativa do governo concluía que “se o
serviço não é bom, pior é ficar sem elle” (A Republica, n. 239, p. 1916). Mesmo assim, a administração pública multou a empresa em 2:400$000 (dois contos e quatrocentos mil réis) por descumprimento das cláusulas do contrato com relação aos bondes (Governo do Estado. Notas Officiaes. A Republica, 14 de janeiro de 1920.).

A linha de bonde na Praça Sete de Setembro, com destaque a Prefeitura do Natal.
Chegado do bonde ao Monte Petrópolis em 1912.
Hospital Juvino Barreto.
Rua 13 de maio, 1912. Fonte: JAECI, 2006.
O serviço de viação urbana passou para a Empresa de Tração Força e Luz que, desinteressando pelo empreendimento, relegou o serviço de bondes a segundo plano, tornando-se deplorável. O sistema de bondes em Natal foi extinto em maio de 1955.

MUDANÇA ACIONÁRIA

Em 1916 a concessão dos serviços elétricos em Natal muda novamente de mãos, apesar de a empresa concessionária continuar se chamando Tração, Força e Luz (Os acionários dessa nova empresa não foram identificados pela pesquisa.). Em 02 de dezembro de 1916 é publicada em “A República” uma comunicação de A. de San Juan, novo engenheiro chefe da Empresa de Tração, Força e Luz, ao governador Ferreira Chaves acerca da situação do equipamento herdado pela Empresa Tração, Força e Luz e os melhoramentos efetuados depois. Entre as melhorias empreendidas cabe destacar a compra de novos geradores com potência bem superior tanto para iluminação pública, como para alimentar os bondes em circulação, além da expansão das linhas de tramways pela cidade. Esses trabalhos haviam sido iniciados na gestão anterior, em março de 1915.

Entre as modificações iniciadas pela Empresa nas linhas de tramways pode-se indicar o prolongamento para Solidão, Tirol, Areia Preta, Alfândega (bairro do Alecrim) e Matadouro, com um desenvolvimento de cerca de sete quilômetros em extensão, além da montagem de novos carros motores de passageiros e de carga e a construção de carros para transporte de carne verde aos mercados da Cidade Alta e Ribeira. Também são iniciados os trabalhos de reparação completa dos antigos carros, substituição de todos os dormentes antigos e desvios em parte dos trilhos (VARIAS, A Republica, Natal, ano 26, n.81, 14 abr. 1914b., p. 02). O investimento no reparo do sistema de transporte de bondes elétricos coincide com um momento de intenso crescimento da cidade do Natal. O relatório do Intendente Coronel Romualdo Lopes Galvão acerca da sua gestão dos anos de 1914, 1915 e 1916 ilustra bem esse desenvolvimento (A REPUBLICA, Natal, ano 29, n.16, 20 jan. 1917a.). Nele, o coronel afirma que recebeu a Intendência com um déficit de mais de cinco contos de réis e faz um relato sobre a conformação geral da cidade, sua divisão administrativa e sobre distribuição de residências nos diversos bairros.

S.s. ultimou a demarcação do patrimônio municipal que cuja área ficou fixada com 43,560 km subdividida nos 4 bairros denominados: Ribeira, Cidade Alta, Cidade Nova e Alecrim. No primeiro se encontram 17 ruas e 7 travessas com o total de 631 casas. Na Cidade Alta estão encravadas 30 ruas, 12 travessas e 10 praças, sendo 1575 o número de casas. No bairro da Cidade Nova há 10 avenidas e 14 ruas com 556 casas, contando finalmente, o bairro do Alecrim, 11 ruas, 4 travessas e 583 casas. Assim, o total de habitações de Natal é de 4811 casas. No referido triennio foram realizados vários melhoramentos materiaes na Cidade, constantes do calçamento em differentes ruas, reconstrução de esgotos do mercado da Cidade Alta, da rua Voluntários da Pátria e ampliação do Cemitério do Alecrim. O melhoramento de maior vulto, porém, foi a construcção do mercado da Ribeira, todo elle de ferro com venezianas circulares para conveniente arejamento (A REPUBLICA, Natal, ano 29, n.16, 20 jan. 1917a., p. 01).

Segundo o Relatório do Coronel, a Cidade Alta é aquela que possui maior número de residências (1.575), seguida posteriormente por Ribeira (631), Alecrim (583) e Cidade Nova (556). Apesar do bairro da Ribeira possuir um número maior de residências do que o Alecrim, não se pode inferir que a sua população seja maior, uma vez que o bairro da Ribeira possuía uma característica mais marcadamente comercial, do que residencial. O número de residências se comparado com o número de avenidas e ruas demonstra bem o grau de adensamento desses diferentes bairros. A Cidade Nova, por exemplo, conta com 556 casas, mas, em contrapartida, com 10 avenidas e 14 ruas. O Alecrim, por outro lado, apresenta um maior número de casas, 583, porém distribuídas em um número bem menor de logradouros – 11 ruas e 4 travessas –, o que dá uma ideia do crescimento vivenciado por essa área nesse referido período. O bonde é incorporado nesse contexto como um elemento participante na vida cultural da cidade e em especial no Alecrim. As comemorações em virtude do centenário de Frei Miguelinho em Natal, e no Alecrim mais especificamente, são marcadas pelas menções ao transporte dos convivas pelos bondes elétricos nos diversos periódicos.

Apezar das grandes chuvas que cahiram nesta capital desde a madrugada do dia 12, logo ás primeiras horas da manhã já era grande o movimento nas ruas. Os bondes da Empresa Tracção, Força e Luz transitavam completamente cheios, sendo insuficientes para satisfazerem a nossa população (A REPUBLICA, Natal, ano 29, n.131, 14 jun. 1917b., p. 01).

Apesar da importância dos veículos, pode-se perceber que embora a mudança de concessão tenha iniciado o investimento em infraestrutura técnica, esses melhoramentos ainda não haviam atingido de fato a população. Uma reportagem publicada em 07 de dezembro de 1917 relata o material encontrado pela Empresa Tração, Força e Luz após a compra da Empresa de Melhoramentos de Natal, em 1912. Entre os bens estão: dois geradores de 75 KW para os tramways, quatro carros (tramways), sendo dois em bom estado e apenas 5 km de linhas. As condições impossibilitavam o cumprimento das cláusulas do contrato firmado com o Governo do Estado. Novo material foi encomendado, apenas chegando em fins do ano de 1914 – em virtude da guerra europeia. Os trabalhos foram retomados em 1915, como já comentado anteriormente. Esse fator atesta como fatores externos, como a Primeira Guerra Mundial, afetavam – pelo menos nos discursos dos concessionários – a melhoria dos serviços.

A retomada dos trabalhos na melhoria da infraestrutura do transporte em 1915 e sua intensificação em 1916, entretanto, não foi complementada rapidamente como se esperava. Em 18 de dezembro de 1917, em virtude das revoltas populares contra a prestação de serviços realizada pela empresa, é ordenada pelo Governo do Estado uma vistoria à Empresa Tração, Força e Luz. A vistoria, realizada por uma comissão de engenheiros formada pelos senhores José Domingues, Gonçalves de Almeida e Eduardo Parisot, foi incumbida em verificar se os serviços estavam sendo realizados com segurança (EMPREZA Tracção, Força e Luz, A Republica, Natal, ano 28, n.278, 18 dez. 1917a.). Entre os quesitos avaliados encontravam-se a condição dos freios e dos carros das linhas de bonde. Enquanto que os freios são considerados em bom estado, a conservação dos bondes em si é considerada precária. No momento da inspeção apenas 3 carros encontravam-se em tráfego. Os demais sofrendo reparos.

Em resposta ao diagnóstico presente no relatório elaborado pela comissão, o governador Ferreira Chaves requisita à Empresa uma série de medidas reformatórias, entre elas: substituição dos fios condutores mal conservados, conservação e asseio dos bondes, restabelecimento do bonde do circuito central – fora de uso então (EMPREZA Tracção, Força e Luz, A Republica, Natal, ano 28, n.278, 20 dez. 1917b). Embora, no dia 29 de dezembro de 1917 tenha sido publicada em “A República” uma resposta às reivindicações do governador por parte da Empresa Tração, Força e Luz comunicando que os reparos já haviam sido iniciados – inclusive a volta da circulação do bonde do circuito central – (EMPREZA Tracção, Força e Luz, A Republica, Natal, ano 28, n.278, 29 dez. 1917c.), não é isso que se constata, quando em janeiro de 1918 é emitido um ofício pelo gabinete da governadoria reclamando as providências ainda não efetuadas pela Tração, Força e Luz. O ofício determina, destarte, que a Empresa teria até o prazo estipulado de trinta dias para a adequação das condições dos bondes em tráfego e para por em circulação o bonde do circuito central – Ribeira/Cidade Alta (A REPUBLICA, Natal, ano 30, 9 jan. 1918a). Esses melhoramentos apenas viriam a ser efetuados nos meses posteriores.

Os veículos e as linhas depois de passarem pelas intervenções prometidas voltam a funcionar de maneira relativamente satisfatória. As linhas passando em frente às estações das estradas de ferro da Great Western, na Praça Augusto Severo, e da E. F. Central, na Esplanada Silva Jardim, faziam a integração entre o transporte interurbano com o intra-urbano, como demonstra o fragmento que noticia a chegada do governador Ferreira Chaves pela ferrovia.

S. exa. o desembargador Ferreira Chaves, acompanhado de sua exma. família, regressou hontem, em trem especial da E.F. Central, da sua fazenda “Santa Cruz”, onde estava passando a temporada de inverno. À estação da estrada de ferro compareceram a dar-lhe boas vindas, todos os chefes de serviço, altas autoridades, civis e militares, grande numero de amigos particulares, funcionários, chefes políticos e representantes de todas as classes […]. Durante o desembarque, tocou a banda de musica do Batalhão de Segurança e em bond especial seguiram muitos amigos até a Villa Cincinato (VARIAS, A Republica, Natal, ano 30, n.117, 27 maio 1918., p. 01).

O desenvolvimento material proporcionado pela gestão Ferreira Chaves em Natal foi marcado especialmente pela construção de diversas novas edificações pela cidade. Entre elas, os edifícios do Hospital dos Alienados, do Quartel do Batalhão de Segurança – na Avenida Hermes da Fonseca –, do Hospital da Caridade, do Asilo João Maria e da Escola Doméstica – situado na Praça Augusto Severo (OBRAS Publicas, A Republica, Natal, ano 30, 5 jun. 1918.). Na ocasião do quinto aniversário do seu governo, em 16 de janeiro de 1919, é publicado em “A República” um relato do jornalista Lino Gomes, de Campina Grande, sobre as suas impressões sobre a capital onde afirma que “os bonds electricos, [e] a illuminação electrica, demonstram que o progresso posto em relevo no Sul do paiz, também vai se fazendo sentir na cidade do Natal” (MINHAS impressões sobre a cidade de Natal, A Republica, Natal, ano 31, 16 jan. 1919., p. 02).

Esse “progresso” se faz sentir também no aumento da população natalense. O perímetro da cidade, em 1919, havia quadruplicado e surgiram diversos embelezamentos e melhoramentos nos serviços urbanos (A REPUBLICA, Natal, ano 31, n.111, 22 maio 1919c). A população natalense que em 1889 era de aproximadamente 13 mil habitantes 61, ascende à época em questão à cifra de cerca de 30 mil pessoas. Nesse momento é realizado um recenseamento pelo Dr. João Soares que, sozinho, toma como referência o número de casas para estipular o número de habitantes. A Ribeira então já contaria com uma cifra superior aos 4 mil e trezentos habitantes – conjuntamente com a comunidade das Rocas, em suas imediações.

Vimos em mão do dr. João Soares um dos quadros que já confeccionou sobre o bairro da Ribeira que, pelas suas notas, comprehende 1232 casas, sendo 666 nas Roccas e 566, propriamente no centro do bairro. Nessas mil, duzentas e trinta e duas habitações o dr. João Soares encontrou 4382 habitantes, sendo 1790 homens e 2592 mulheres (A REPUBLICA, Natal, ano 31, n.111, 22 maio 1919c, p. 01).

Além dos melhoramentos materiais já mencionados na administração de Ferreira Chaves, outros também se faziam sentir tanto em relação à organização territorial do estado – como a continuidade do prolongamento da Central – como a nível intra-urbano com a ligação da estrada com a Estação Central nas Rocas e a construção do cais (A REPUBLICA, 1919d). Apesar de todo o avanço nas diversas áreas, a crítica à situação dos serviços da Tração Força e Luz retorna com veemência.

O governador argumenta que os problemas nesses serviços decorrem do contrato firmado no governo passado e da eclosão da Primeira Guerra. O próprio periódico “A República”, defensor dos interesses da situação, não pode evitar as críticas ao estado lamentável do transporte por bondes em Natal.

Arriscamo-nos, então, a transmitir a s. excia. uma censura, a única que ouvimos contra o governo. Tratava-se dos serviços da viação urbana, telephones, agua, luz e esgoto, a cargo da Empreza “Tracção, Força e Luz”, cujas faltas eram atribuídas – apressamonos a dizer, a deffeitos do contracto firmado com o governo anterior
(A REPUBLICA, Natal, ano 31, n.122, 5 jun. 1919d., p. 01).

Naqueles anos 1920 o serviço de bonde já andava em declínio, recebendo críticas constantes dos moradores e sofrendo forte campanha nos jornais da cidade, que apontavam os atrasos, a lentidão e os problemas técnicos que apresentavam, acarretando aborrecimentos para os usuários atarefados. Uma estudiosa do assunto afirmou que, em Natal,

A partir de 1915, as alterações limitavam-se a mudança de trajeto em razão de algum reparo ou festa, reformas e adaptação dos carros, manutenção. A Empresa Tração Força e Luz relega o serviço de bonde a um segundo plano, permitindo que a qualidade do transporte fosse caindo progressivamente (COSTA, 1998, p. 128).

No fim daquele ano de 1918, as matérias voltam a repercutir a situação econômica do Estado e da municipalidade. Em fins de agosto, A Republica trata do empréstimo realizado a um banco francês no ano de 1910397. A situação financeira do Estado era bastante delicada. Segundo dados apresentados no jornal, no governo Alberto Maranhão haviam sido despendidos apenas com a amortização da dívida um valor aproximado de novecentos contos de réis; na administração de Ferreira Chaves, os valores gastos para essa ação foram de aproximadamente 1.800 contos. Os empréstimos realizados pelo Estado à Companhia Industrial e à Empreza Tracção, Força e Luz rendiam anualmente cerca de 234 contos, de modo que, fazendo rápidas contas, chegava-se ao deficit, passados nove anos da realização dos empréstimos, de aproximadamente 620 contos de réis.

As constantes interrupções no fornecimento de energia elétrica, devido às precárias condições técnicas e sanitárias da Usina, além da irregularidade nos demais serviços, como coleta de lixo e funcionamento dos bondes, levaram a rescisão do contrato em 1920, pelo Governo do Estado.

“Desde muito tempo eram maus quase todos os serviços, de que se incumbira por contrato a Empresa de Tração Força e Luz desta capital. No principio do corrente ano, além de deficientes, verifiquei serem também onerosos, porquanto somente a iluminação publica estava custando ao Tesouro cerca de 110 contos de réis quando o teto orçamentário era de 66 contos.” [Devido à diversas medidas de economia, como a instalação de medidores nos edifícios públicos, o estado conseguiu economizar um gasto que estava em 62:437$ para 48:000$]. “Infelizmente o estado dos fios condutores da energia elétrica para os bondes não permitia que essa paciência fosse de longa duração. Esses condutores partiam-se frequentemente em plena rua, o que constituía um grave perigo para a população, cujas reclamações se amiudavam”. (Rio Grande do Norte, Mensagem de Governo, 1920, p.38.)

A rescisão foi acompanhada da penhora dos bens e das rendas da ETFL, para pagamento das multas contratuais, que se avolumavam. Restou ao Governo do Estado assumir os serviços urbanos e os custos diretos com a manutenção da maquinaria. A dificuldade nesse processo de reestruturação se arrastou por mais de três anos, como atestam relatos da época no periódico de situação, A República:

Não podendo, como disse, fazer a encomenda do novo motor a vapor, que a comissão de engenharia julgava imprescindível para assegurar a regularidade dos serviços dos bondes, encomendei, em começo de Janeiro, todas as peças necessárias para a restauração completa de um dos motores existentes, projetando, logo que estas chegassem e verificassem o resultado, encomendar as do outro. A casa fornecedora, que é representante da fabrica alemã, pediu um prazo de 4 a 5 meses para a entrega no porto de Hamburgo, e dez meses depois esse material ainda não chegou, apesar das reiteradas solicitações para apressar a remessa. Os bondes, quatro apenas, porque não havia recurso para maior numero, e porque espero reparar os motores dos antigos, estão comprados e pagos, inclusive o frete do Rio de Janeiro, onde foram adquiridos, para aqui: as linhas de trilhos, que foi preciso reconstruir inteiramente, estão em grande parte prontas, mas sem material há pouco referido nada é possível fazer. (Serviços…, A República, 24 nov. 1922.)

As crescentes dificuldades financeiras do estado e do município impediam, justificavase, o pleno restabelecimento do fornecimento dos serviços. O tráfego dos bondes era cada vez mais irregular e, por vezes, nem mesmo acontecia. Ao longo de 1921, o governo estadual tentou, sem sucesso, a contratação de uma nova empresa concessionária (para os serviços urbanos de viação, iluminação pública e particular, telefonia, abastecimento d’água, remoção de lixo, drenagem das águas pluviais e fábrica de gelo) por meio dos reiterados editais de concorrência pública. Por fim, decidiu abrir um crédito extraordinário de 600 contos de réis por meio do decreto n.º 150, de 8 de setembro de 1921, encaminhado ad referendum do congresso legislativo, com o intuito de viabilizar a operação dos serviços básicos por parte da administração pública, reparando a maquinaria da usina elétrica e adquirindo o material necessário – fios de transmissão de energia, dormentes, motores e carros novos – à normalização do tráfego dos bondes.(Editais, 08 jul. 1921; Rio Grande do Norte, 1921, p.32-33).

Essa decisão foi secundada pelo relatório produzido pela comissão técnica convocada para avaliar as condições dos serviços urbanos, em especial as da usina elétrica do Oitizeiro, em novembro de 1921. De forma significativa, as conclusões do relatório, cujos trechos principais foram publicados no jornal A República, produziram uma das sínteses mais contundentes desse período – e desse conjunto de representações: “… ou a cidade melhora os seus serviços, […] ou a cidade morre …”. (Dantas, 1921, p.01)

A constatação técnica da precariedade serviu, ao definir prioridades, pelo menos para direcionar melhor os esforços e os poucos recursos disponíveis. Mesmo assim, o processo era muito lento e estava sujeito aos “embaraços de toda espécie, entre os quais o da falta de recursos não é o mais incômodo”, o que impedia a administração e o seu corpo técnico de atender a “paciente expectativa” dos natalenses. Dentre esses embaraços, os principais eram atribuídos às dificuldades de importação, aos atrasos na entrega dos materiais adquiridos – as peças de reposição dos motores, os carros novos, os fios de cobre da rede de suspensão dos bondes –, ou mesmo o desinteresse das grandes fábricas em atender solicitações de pouca monta como as que eram necessárias para Natal. (Rio Grande do Norte, Mensagem de Governo, 1922, p.46-47.).

Tal reclamação sempre era respondida pela empresa concessionária com promessas de novos investimentos que nunca se concretizavam. Até a paralisação dos serviços em 1921. Após diversas críticas às condições do contrato assinado entre o governo e a empresa responsável pelos serviços, o próprio governo decide liquidar o acordo no ano de 1922, assumindo a responsabilidade de fazer “os reparos indispensáveis para reestabelecer os serviços de bondes, melhorar os de luz e força e iniciar os de exgotto, contrahindo, para isto um emprestimo interno” (A REPUBLICA, 1922a, p. 01). Porém, a população não concorreu ao empréstimo de modo completo e eficaz, o que obrigou o Governo do Estado a realizar as intervenções necessárias com recursos ordinários do Tesouro, dando, assim, início aos trabalhos de reparo das linhas de bondes, substituição de dormentes, aquisição de novos de carros e remodelação da Usina Eléctrica.

Em maio de 1922 é noticiada a encomenda de quatro novos carros de bondes por parte do Governo do Estado à Companhia Edificadora do Rio de Janeiro. Nesse ínterim a Usina do Oitizeiro passa a receber reparos após a rescisão do contrato com a Tração, Força e Luz, enquanto que os serviços nas linhas de bonde iam sendo realizados em vários trechos (VARIAS, A Republica, Natal, ano 34, n.98, 5 maio 1922b.). Nesse momento, a falta de circulação dos bondes infligia um sério problema ao deslocamento e o movimento dos trabalhadores na capital, cuja população atingira oficialmente em 1920, segundo a Diretoria Geral de Estatística, o número de 30.696 habitantes. Proliferavam também na cidade nesse momento as agremiações operárias, como o Centro Operário Natalense, com sede no Alecrim (RECENSEAMENTO de 1920, A Republica, Natal, ano 34, n.124, 7 jun. 1922.). O empréstimo contraído pelo governo para os serviços urbanos da capital totalizam o total de 509 contos, com dedução de 10% de impostos, ou seja, 458 contos aproximadamente (SERVIÇOS Urbanos da capital, A Republica, Natal, ano 34, n.259, 24 nov 1922.). Falta dinheiro para empreender todas as reformas necessárias, entre elas a da compra de um novo motor elétrico para alimentação, o que obriga o governo a empreender uma série de reformas no antigo equipamento da usina elétrica. A fala do governador Ferreira Chaves transcrita abaixo demonstra como essa dificuldade foi contornada pelo governo.

Não podendo, como disse, fazer a encommenda do novo motor a vapor, que a commissão de engenharia julgava imprescindível para assegurar a regularidade dos serviços dos bondes, encommendei, em começo de Janeiro, todas as peças necessárias para a restauração completa de um dos motores existentes, projectando, logo que estas chegassem e verificassem o resultado, encomendar as do outro. A casa fornecedora, que é representante da fabrica alleman, pediu um praso de 4 a 5 meses para a entrega no porto de Hamburgo, e dez meses depois esse material ainda não chegou, apesar das reiteradas solicitações para apressar a remessa. Os bondes, quatro apenas, porque não havia recurso para maior numero, e porque espero reparar os motores dos antigos, estão comprados e pagos, inclusive o frete do Rio de Janeiro, onde foram adquiridos, para aqui: as linhas de trilhos, que foi preciso reconstruir inteiramente, estão em grande parte promptas, mas sem material há pouco referido nada é possível fazer (SERVIÇOS Urbanos da capital, A Republica, Natal, ano 34, n.259, 24 nov 1922., p. 01).

Apenas em setembro de 1923 o tráfego dos bondes foi finalmente regularizado, ainda assim para o principal circuito (Alecrim-Petrópolis-Tirol-Cidade Alta). Tal fato só se tornou possível depois da criação, nesse mesmo ano, da Repartição de Serviços Urbanos (RSU), vinculada diretamente à secretaria do tesouro estadual e dirigida pelo engenheiro mecânico e eletricista Ulisses Carneiro Leão. Contudo, e apesar dos mais de 400 contos de réis despendidos apenas no reaparelhamento dos carros, o restabelecimento pleno dos serviços ainda estava distante no horizonte e dependia da expansão da capacidade de fornecimento da energia que, com poucas alterações, ainda era a mesma de 1916. “Trafego urbano”, A República, Natal, n.208, p.1, 13 set. 1923; Rio Grande do Norte, Mensagem de Governo do RN, 1923, p.45-49; houve um incremento significativo nos recursos estaduais destinados aos “serviços urbanos”: de apenas 70 contos de réis, em 1920, para 384, em 1922, 1.314, em 1922, e 1.235 contos de réis, em 1923 (Cf. Rio Grande do Norte, Mensagem de Governo 1924, p.59-61).

Bonde no Bairro da Ribeira nas imediações da Praça Augusto Severo. Foto: Cartão Postal (autor desconhecido).
A Avenida Tavares de Lira em duas perspectivas. Pode-se ver os postes de alimentação da viação elétrica e as linhas dos bondes. Na imagem da direita, vê-se o obelisco comemorativo ao fundo, demarcando o Cais Tavares de Lira.
Poste elétrico na Avenida Junqueira Aires em 1914.

CENTENÁRIO DE MORTE DE FREI MIGUELINHO

O dia 12 de junho de 1917 em Natal amanheceu chuvoso, o que não alterou a princípio o início das comemorações naquele dia. Segundo a Revista do IHGRN, apesar do mal tempo a população não havia deixado de se deslocar para a esplanada da Rua Silva Jardim, onde iria realizar-se a primeira parte das comemorações cívicas, com uma missa campal no lugar onde havia nascido Frei Miguelinho; local este demarcado em 1906, quando as comemorações do 89° aniversário da morte do herói norte-riograndense – organizadas pelo IHGRN – haviam tido ali seu ponto alto com a inauguração de uma lápide. (Rev. IHGRN, vol XV, n° 1e 2, 1917; 80.). O lugar assim escolhido para o início do desfile cívico ligava-se ao mesmo tempo à referencia da figura de Miguelinho e ao percurso (comemorações de 1906, lápide, nome da rua, à natalidade do herói republicano) no qual esta figura estava implicada.

Abria o cortejo o Esquadrão de Cavalaria, com a sua banda de Clarins, sob o comando do Capitão Fernandes de Almeida. Em seguida, guiando todo o préstito, desfilava um “carro triunfal”, atrás do qual se perfilavam todos os outros seguimentos, entre escolas, agremiações (literários, cientificas, esportivas), representantes de instituições públicas e dos municípios do Estado, autoridades, intercalados todos por bandas de música, contando ao todo com 36 segmentos (sendo o 37° composto pela população), fechados pelo o Batalhão de Segurança, com sua respectiva banda de música e pela Empreza Tracção Força e Luz.

Detalhe do “carro triunfal” no momento em que o préstito cívico começava a deixar a Rua Frei Miguelinho (Foto do Acervo do IHGRN). Seguindo o carro a banda de musica da Escola de Aprendizes Marinheiros e os alunos do grupo escolar “Frei Miguelinho”.
Na larga Avenida Jungueira Aires, principal via de acesso entre a Ribeira e a Cidade Alta (calçada e cortada pelos trilhos do bonde), o cortejo se encontra num momento singular para uma foto. O fotógrafo (não identificado) se posiciona num lugar privilegiado, numa das janelas do então prédio do Atheneu, e consegue enquadrar o rio Potengi (ao fundo e à esquerda), o prédio da Capitania dos Portos (ao fundo e ao centro), o relógio (em primeiro plano à direita) e um panorama da larga Avenida que vai sendo tomada pelo préstito que se aproxima, guiado pelo carro triunfal (ao centro e a esquerda).
Bonde no antigo Square Pedro Velho, atual Largo Junqueira Aires, Bairro Cidade Alta. Foto: Autor desconhecido (Acervo IHG/RN).
Acervo do IHGRN. O detalhe do carro triunfal.

GERAÇÃO DE EMPREGO

Januário Cicco, formado pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1906, iniciava a sua topografia e geografia médicas para Natal, publicadas em seu livro “Como se Hygienizaria Natal”, de 1920. O livro abordava, dentre outras questões, a íntima relação entre a habitação coletiva e o surgimento das epidemias. Ocupando alguns dos principais cargos da área da saúde na cidade nesse período – era Inspetor da Saúde do Porto, chefe das clínicas do Hospital de Caridade Jovino Barreto e médico da Empresa Tração, Força e Luz –, Cicco transitava por diversas áreas e esferas de governo e poder que lhe permitiam uma visão abrangente da cidade, diretamente ligado às questões que hoje poderiam ser chamadas urbanas. Tais questões, para Cicco, “reclamam o nosso empenho, appellam para o nosso patriotismo, exigem mesmo o nosso sacrificio, desafiam os nossos creditos de gente civilizada, cuja cultura se méde tambem pelas condições de vida de que nos cercamos”. (Cicco, 1920, p.07.)

O caso do ex-aluno Mário Targino é uma (entre, provavelmente, tantas outras) prova de que não havia política de integração dos egressos ao mercado de
trabalho. Para reforçarmos nossa posição, transcrevemos mais um trecho da palestra de Souza, em que ele revela seu destino ao sair da Escola Industrial de Natal (o que não deve ter sido diferente do que ocorreu com a maioria dos egressos):

Logo que me vi de posse do meu certificado, tratei de ganhar a vida afim de ajudar o meu pobre pai. Devo vos dizer que, lá fora, nesse tempo, pouco trabalhei pela arte, pois ninguém queria confiar os seus serviços aos alunos que daqui saíssem, em virtude do rotineiro método de ensino em que os mesmos foram instruídos. Seguindo a carreira de comércio, pois em janeiro de 1917 fui colocado como auxiliar de escrita da antiga empresa tração, força e luz, aí permaneci até o dia 16 de julho de 1920, por haver sido nomeado contramestre desta escola, depois de um curso prestado em novembro de 1919, sendo empossado nas minhas novas funções a 17 de julho de 1920 (ESCOLA INDUSTRIAL DE NATAL, 1952).

Devemos ressaltar, ainda, que Evaristo Martins de Sousa era um dos melhores alunos da Escola em seu tempo, entre 1910 e 1916. Em palestra intitulada Evocando o passado de nossa Escola, ao tratar dos caminhos tomados pela instituição e por alguns de seus personagens entre 1910 e o início da década de 1950, o ex-aluno da Escola de Aprendizes, um dos poucos a concluir seu curso, afirmou que, apesar de ter buscado logo “ganhar a vida” após a obtenção de seu certificado, posto
que necessitava ajudar seu “pobre pai”, os primeiros momentos longe da Escola foram de martírio. Em suas palavras, asseverou que “pouco trabalhei pela arte, pois ninguém queria confiar os seus serviços aos alunos que daqui saíssem, em virtude do rotineiro método de ensino em que os mesmos foram instruídos” (SOUSA, 1952, p. 4). Em seguida, lembrou que, após uma passagem de cerca de três anos e meio na Empresa Tração, Força e Luz, responsável pelo fornecimento de energia elétrica em Natal, foi nomeado contramestre da Escola, em julho de 1920. Recebeu seu diploma em novembro de 1916 e em janeiro de 1917 (nem haviam se passado dois meses) já estava empregado na Empresa Tração, Força e Luz. A afirmação de que “ninguém queria confiar os seus serviços aos alunos que daqui saíssem (SOUSA, 1952, p. 4)”

TELEFONIA

Os primeiros telefones em Natal surgiram, conforme Luís da Câmara Cascudo, entre 1908 e 1911. Em 1918 a prestação do serviço era feita pela Empresa paulista Tração Força e Luz (energia elétrica, bondes e telefonia). O gerente era João Batista Vasquez que residia em São Paulo e por aqui aparecia periodicamente. As ligações eram feitas através de um pool de telefonistas que trabalhava na sede da Empresa que fi cava na Avenida Tavares de Lira na Ribeira.

Os nomes de Manoel Machado, de seu irmão Claudio Machado, e da firma M. Machado e Cia podem ser encontrados também na lista telefônica fornecida no jornal A República pela Empresa Tracção, Força e Luz Elétrica de Natal. (A REPÚBLICA, 09/11/1921). Constavam nessa lista outras firmas importantes na cidade, como A. dos Reis e Cia especializada em causados, localizada na Rua Dr. Barata e a João Galvão e Cia armazém de tecido no atacado que funcionou primeiramente na Rua Chile e depois foi transferido para também para Rua Dr. Barata, que assim como a Rua Chile também reunia também as principais casas comerciais da Ribeira, assim como a Rua Frei Miguelinho, a Travessa Aureliana e a Avenida Tavares de Lira (ANDRADE, 1989: 75-87).

Fotografia dos irmãos Cláudio Machado (à direita) e Manoel Machado (à esquerda). Essa fotografia foi reproduzida pelo então fotógrafo do jornal O Poti, Argemiro Lima, em 10/12/1978, a partir de uma fotografia que decorava a casa de Amélia Machado. Fonte: acervo de Luiz G. M. Bezerra.

SOCIABILIDADES

O apelo pela formação de um conselho superior de futebol foi atendido pelos dirigentes dos clubes, ainda nesse mesmo ano de 1918, com a fundação da Liga Desportos Terrestres, sob a presidência do Dr. Potygar Fernandes. Não demorou para que a gerência da Liga agisse. Poucos meses depois da sua criação, já se tinha organizado um campo de futebol, no bairro do Tyrol, e um campeonato interclubes.

Assim como o Conselho Superior dos Sports Náuticos, a Liga de Desportos Terrestres agia no sentido de organizar competições, delegar normas, intermediar intrigas e medidas para educar o público. Esse prezar pela ordem fazia com que os dirigentes dessas instituições se encarregassem dos mínimos detalhes, como o cuidado do Dr. Fernandes pedindo publicamente ao Sr. Américo Gentil, proprietário da empresa Tração Força e Luz, o aumento do número de carros com destino ao Tyrol nos dias de jogos do campeonato. A vida esportiva na cidade indiretamente exercia uma pressão sobre as organizações do transporte público, fundamental para a união dos bairros e expansão da malha urbana, mas que, segundo as reclamações registradas nos jornais, muitas vezes era deficiente. (CAMPEONATO 1918. A Republica, Natal, 14 set. 1918.)

SUCESSÃO

Desse modo, os serviços urbanos de Natal eram realizados sob o regime de concessão a empresas privadas, ao mesmo tempo em que as empresas concessionárias mantinham-se sob a proteção do governo, dependendo de incentivos e verbas governamentais para realização dos melhoramentos (A Republica, n.239, 1916.). Esses incentivos eram previstos nos termos do contrato com a empresa, de acordo com a décima nona cláusula: “ficam os cessionários isentos de todos os impostos estaduaes e municipaes de qualquer especie, presentes ou futuros sobre a industria de concessão”. Enquanto as obrigações do governo foram descritas na vigésima cláusula: desapropriar, por utilidade pública, terrenos necessários; pedir isenção de impostos aduaneiros e garantir a demais vantagens concedidas por lei aos serviços estaduais e municipais (GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. Contrato para a Luz, Força, tracção, Águas, Exgottos, Telephones etc. São Paulo: Siqueira, Nagel & Comp. 1913. p. 9.).

Tal contrato previa o tempo de exploração dos serviços urbanos em até cinquenta anos, porém a empresa esteve à frente dos serviços apenas por sete anos, entre os anos de 1913 e 1920. As melhorias empreendidas por essa empresa foram poucas e a população estampava sua insatisfação em contínuas queixas publicadas nos jornais locais, acusando problemas em relação aos serviços prestados pela empresa. Essa insatisfação culminou na abertura de nova concorrência para empresas que tivessem interesses em assumir os serviços de água, luz e telefone da capital. Na época, o governador José Antônio de Melo e Souza informou n’A Republica a abertura da concorrência:

faiz-se publico que, por acto desta data o sr. Governador resolveu prorrogar por mais sessenta dias o praso, fixado por edital de 6 de Abril ultimo para a apresentação de propostas ao contracto dos serviços urbanos de viação, illuminação publica e particular, abastecimento d”água, telephones, remoção de lixo, esgottos e fabricas de gelo, conforme as bases que se acham nesta Secretaria á disposição dos interessados (SOUZA, Antônio J. de Mello e. EDITAIS. A Republica, 25 de novembro de 1921, p. 1.).

Em setembro de 1923 o problema parece afinal encontrar uma solução. O intendente natalense Sr. Antônio de Souza, em colaboração com o Governo do Estado, forma nesse ano a Repartição de Serviços Urbanos de Natal, diretamente subordinada ao Tesouro e nova responsável pela administração do fornecimento de luz elétrica e do transporte por bondes na cidade. A direção técnica da Repartição é passada à competência do engenheiro Ulysses Carneiro Leão, tomando notável impulso as obras de remodelação da Usina, o que torna possível o restabelecimento do “trafego dos bonds nas linhas do circuito Petrópolis, Tyrol e Alecrim” (OBRAS, 1923).

Porém, de acordo com matéria d’A Republica, as propostas apresentadas para concorrer à concessão dos serviços não ofereciam vantagens, o que levou o governador a rescindir o contrato com a E. T. F. e Luz de Natal, sob a alegação de a mesma não cumprir com suas obrigações e prevalecer-se das vantagens que lhe oferecia o contrato. A empresa “se oppunha ao menor beneficio no sentido de garantir á população algum conforto”. O material de propriedade do Estado concedido à empresa estava “em tão precarias condições que só foi possivel á custa de enorme difficuldade, continuar a manter serviços de illuminação publica e particular e de abastecimento d’água”. Evidenciou-se a necessidade de uma remodelação na usina, para a qual os equipamentos em sua maioria viriam do estrangeiro e custariam alto ao cofre do Estado (TRAFEGO Urbano. A Republica. 13 set.1923, p. 1.). Com esses argumentos, o governador Antonio de Souza organizou a Repartição de Serviços Urbanos de Natal, com a qual os serviços urbanos passaram ao controle e administração do Estado.

As mudanças na cidade não se encerraram na substituição da iluminação dos espaços públicos da cidade: o trilho do bonde e os postes de energia elétrica levavam consigo o ar de progresso às ruas da cidade, compondo uma paisagem que se fazia onipresente em meio à estrutura urbana ainda colonial. Contudo, a insuficiência do sistema para sustentar a demanda, a limitação dos recursos, a falta de mercado consumidor, as dificuldades de manutenção, dentre outros fatores, marcam um processo de crise que atravessou os anos 1910, pondo em xeque os elementos de modernidade, o que culminaria na interrupção da concessão dos serviços urbanos junto à Empresa Tração, Força e Luz, em 1920. A reorganização dos serviços, agora dirigidos por uma comissão de engenheiros estabelecida pelo governo estadual, se estendeu até 1924 – e compõe a terceira parte. Por fim, o artigo discute a expansão dos serviços baseados na eletricidade até o final da década de 1920, o que demandou o aumento da capacidade da Usina Elétrica do Oitizeiro e mostraria os limites para a ação estatal no financiamento da expansão do fornecimento de energia elétrica. Foi nesse contexto, marcado também nacionalmente pelo impulso à industrialização, que a American and Foreign Power Country – AMFORP – se instalaria no Rio Grande do Norte e, no caso de Natal, assumiria os serviços urbanos a partir de 1930, ampliando a partir de então as bases materiais de fornecimento de energia elétrica e, em consequência, viabilizando um novo ciclo de modernização urbana.

Teatro Carlos Gomes, 1913. Fonte: Lyra, 2001, p. 45.
A empresa Força e luz estende o serviço de bondes até a praia de Areia Preta em 1915. INTENDENCIA Municipal. Relatorio apresentando à Intendencia Municipal de Natal pelo presidente Omar O’Grady, em sessão de 01 de janeiro de 1927. Natal: Imprensa Diocesana, s.d.
Vista Aérea da Cidade do Natal (1939). Fonte: Escritório Saturnino de Brito. Acervo: HCURB/UFRN.

FONTES SECUNDÁRIAS:

ARRAIS, Raimundo; ANDRADE, Alenuska; MARINHO, Márcia. O corpo e a alma da cidade: Natal entre 1900 e 1930. Natal: Editora da UFRN, 2008.

ARRAIS, Raimundo. O mundo avança! Os caminhos do Progresso na cidade do Natal no início do século XX. In: BUENO, Almir de Carvalho (Org.) Revisitando a história do Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN, 2009.

CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. Natal: Editora da UFRN, 2010.

CICCO, Januário. Como se higienzaria Natal: algumas considerações sobre o seu saneamento. In: LIMA, Pedro de. Saneamento e urbanização em Natal: Januário Cicco, 1920. Natal: Sebo vermelho, 2003.

COSTA, Madsleine Leandro da. Natal, quando a modernidade vinha de bonde. 1998, Natal. Monografia. Curso de Arquitetura e Urbanismo, UFRN.

ESCOLA INDUSTRIAL DE NATAL. O passado de nossa Escola. Natal, [1952?]. Palestra.

LYRA, Carlos. Natal através do tempo. Natal: Sebo Vermelho, 2001.

SANTOS, Renato Marinho Brandão. Natal, outra cidade!: o papel da Intendência municipal no desenvolvimento de uma nova ordem urbana (1904-1929). Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, 2012.

SOUSA, E. M. de. Evocando o passado de nossa Escola, Natal, 1952 [manuscrito].

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

(POR) ENTRE PEDRA E TELA: a construção de uma memória republicana (Natal – 1906-1919) / DIEGO SOUZA DE PAIVA. – Natal, 2011.

A CIDADE, TERRA E JOGO SOCIAL: APROPRIAÇÃO E USO DO PATRIMÔNIO FUNDIÁRIO NATALENSE E SEU IMPACTO NAS REDES DE PODER LOCAIS (1903-1929) / GABRIELA FERNANDES DE SIQUEIRA. – FORTALEZA, 2019.

A CONSTRUÇÃO DA NATUREZA SAUDÁVEL: NATAL 1900-1930 / ENOQUE GONÇALVES VIEIRA. – NATAL, 2008.

A eletricidade chega à cidade: inovação técnica e a vida urbana em Natal (1911-1940) / Alenuska Kelly Guimarães Andrade. – 2009.

A MODERNIZAÇÃO DA CIDADE DO NATAL: O AFORMOSEAMENTO DO BAIRRO DA RIBEIRA (1899-1920) / LÍDIA MAIA NETA. – NATAL, 2000.

A trajetória da Escola de Aprendizes Artífices de Natal: República, Trabalho e Educação (1909–1942) / Rita Diana de Freitas Gurgel. – Natal, 2007.

Amélia Duarte Machado, a Viúva Machado: a esposa, a viúva e a lenda na Cidade do Natal (1900-1930). / Ariane Liliam da Silva Rodrigues Medeiros – Natal, RN, 2014.

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AO MAR GENTE MOÇA!: O ESPORTE COMO MEIO DE INSERÇÃO DA MODERNIDADE NA CIDADE DE NATAL / Márcia Maria Fonseca Marinho. – Recorde: Revista de História do Esporte Artigo, volume 2, número 1, junho de 2009 Márcia Marinho.

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Dos bondes ao Hippie Drive-in [recurso eletrônico]: fragmentos do cotidiano da cidade do Natal/ Carlos e Fred Sizenando Rossiter Pinheiro. – Natal, RN: EDUFRN, 2017.

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HABITAÇÃO SOCIAL: ORIGENS E PRODUÇÃO. (NATAL, 1889-1964) / CALIANE CHRISTIE OLIVEIRA DE ALMEIDA. – SÃO CARLOS, 2007.

Linhas convulsas Linhas convulsas e tortuosas retificações e tortuosas retificações Transformações urbanas em Natal nos anos 1920 / George Alexandre Ferreira Dantas. – São Carlos, 2003.

Memória minha comunidade: Alecrim / Carmen M. O. Alveal, Raimundo P. A. Arrais, Luciano F. D. Capistrano, Marina D. Pinheiro, Gabriela F. de Siqueira, Gustavo G. de L. Silva e Thaiany S. Silva – Natal: SEMURB, 2011.

Natal Não-Há-Tal: Aspectos da História da Cidade do Natal/ Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo; organização de João. Gothardo Dantas Emerenciano. _ Natal: Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2007.

Natal, outra cidade! [recurso eletrônico] : o papel da Intendência Municipal no desenvolvimento de uma nova ordem urbana na cidade de Natal (1904-1929) / Renato Marinho Brandão Santos. – Natal, RN : EDUFRN, 2018.

Por uma “Cidade Nova”: apropriação e uso do solo urbano no terceiro bairro de Natal (1901-1929) / Gabriela Fernandes de Siqueira. – Natal, RN, 2014.

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