Eugenia e o aperfeiçoamento da raça em Natal/RN
Com o adentrar do século XX, os saberes médicos redobravam suas preocupações e clamavam, com mais ímpeto a cada tentativa, pela regeneração da raça que se degradava no campo pela falta de higiene, e nas cidades pela ausência de atividades físicas. Os apelos dos médicos aliados ao sentimento de patriotismo, despertado nos brasileiros por uma guerra além-mar, eclodiram num verdadeiro modismo em favor dos esportes.
As cidades eram, por excelência, o palco dos grandes torneios de esporte e coube à juventude a responsabilidade de construir com seus próprios corpos uma nova raça, melhorada, livre das degradações físicas, como a sífilis, que marcaram fisicamente os homens e mulheres das gerações anteriores.
No ano de 1920, uma conferência realizada no salão nobre do Natal Club, pelo Dr. Chistovam Dantas, teve como temática A eugenia e o aperfeiçoamento da raça. A palestra repercutiu por quase uma semana na primeira página d’A República. A audiência, segundo o jornal, lotou o salão e o discurso sobre a importância da eugenia parecia interessar muitos membros das elites natalenses.
Ao comentar a freqüência da conferência, o jornal destacava que “além de diversas familias das mais distinctas de Natal, compareceram o representante do Estado, medicos, magistrados, professores e muitos dos que entre nós se interessam pelo futuro e aperfeiçoamento de nossa raça.” ( A CONFERENCIA de Christovam Dantas. A Republica, Natal, 5 jan. 1920). Ao comentar a importância da eugenia para conquista da ‘geração forte’, o conferencista Chritovam Dantas acrescentou: “Assiste-nos o dever incontroverso de prepararmos uma geração forte, limpa de taras hereditárias trabalhando para a conquista de um posto sublimado.” (A EUGENIA e o aperfeiçoamento da raça. A Republica, Natal, 9 jan. 1920.).
O aperfeiçoamento da raça, segundo os preceitos eugênicos difundidos em Natal em conferências, concursos de beleza e reportagens, era um dever a ser cumprido por todos os cidadãos, desde o governo do Estado e das associações esportivas responsáveis pela educação moral e física das crianças e jovens, às mães de família, que deveriam arcar com o patriótico dever de “cuidarem com carinho da educação de seus filhos, porque o papel mais importante na formação de uma nacionalidade forte pela saude e moralidade de seus filhos, pertencia inegavelmente à mulher desempenhar.” (A CONFERENCIA de Christovam Dantas. A Republica, Natal, 5 jan. 1920.).
Aos olhos dos especialistas, os anos 1920 demonstravam que os frutos de uma educação esportiva começavam a ser colhidos. A aliança dos esportes com a eugenia e a higiene era a solução encontrada pelos cientistas. Somente a união dessas três práticas teria o poder de restaurar as massas no país.
A eugenia apontava os esportes como uma solução para o que se acreditava ser um dos maiores problemas do país, a degeneração da raça, causada pelos muitos processos de miscigenação ocorridos ao longo dos quatro últimos séculos no Brasil. Em janeiro de 1920, um cronista, ao comparar duas épocas, mostrou-se entusiasmado com as visíveis mudanças de hábitos incorporados pela juventude natalense, citando Natal como um exemplo característico do poder do esporte:
Quando parti, ha seis annos (…) Natal dormia o seu somno sepulcharal e com elle a mocidade, anemica, lymfatica, prostrada no leito da degenerescencia physica e moral. Hoje, volto. E que transfiguração!A juventude é outra, outra a concepção da vida. As sociedades esportivas irradiam a um tempo a luz calma das alegrias fecundas e a fascinação dos corpos esbeltos e robustos. Ama-se a energia physica não apenas como um estímulo para exercita e a iniciativa nos adolescentes, para dar-lhes um sentimento vivo de sua personalidade e de sua dignidade pessoal, mas também porque, sem ella, se esterilizam a vontade e a intelligencia. (A EUGENIA e o aperfeiçoamento da raça. Republica, Natal, 9 jan. 1920.).
Na opinião do cronista os jovens haviam transformado corpos raquíticos e franzinos em corpos musculosos, fortes e saudáveis. A estética corporal mudara como também mudaram as práticas, as maneiras de lidar com o corpo.
A década de 1920 exaltava o corpo e, nesse período, um novo discurso apelava para a necessidade da prática de exercícios. Os jovens não demoraram a se deixar envolver pelos ideais esportivos e, logo, competiam nas quadras e nos rios, torciam e hasteavam as bandeiras de seus clubes favoritos.
O esporte nos anos 1920 era um fenômeno urbano, que gerou moda e mudou a rotina das cidades. (SEVCENKO, Nicolau. Orfeu estático na metrópole: São Paulo sociedade e cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 60.).
Eugenia
Eugenia é um termo criado em 1883 por Francis Galton (1822-1911), significando “bem nascido”. Galton definiu eugenia como “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente”. O tema é bastante controverso, particularmente após o surgimento da eugenia nazista, que veio a ser parte fundamental da ideologia de “pureza racial”, a qual culminou no Holocausto.
Mesmo com a cada vez maior utilização de técnicas de melhoramento genético usadas atualmente em plantas e animais, ainda existem questionamentos éticos quanto a seu uso com seres humanos, chegando até o ponto de alguns cientistas declararem que é de fato impossível mudar a natureza humana.
Ou seja: a eugenia foi uma invenção inglesa, aperfeiçoada nos EUA e disseminada por todo o Ocidente no entreguerras. O Holocausto foi só sua manifestação mais conhecida, mas todas as atrocidades ordenadas por Hitler (e rechaçadas pelos Aliados após a 2ª Guerra Mundial) tiveram precursores entre os próprios Aliados. A descoberta dos campos de concentração desencadeou um surto de peso na consciência que culminou com a publicação, em 1950, de um documento da Unesco intitulado A Questão da Raça. A ciência pedia desculpas, e a palavra eugenia virava tabu.
O presente
A mesma genética que justificou a eugenia hoje dá armas para combatê-la. Para começo de conversa, a maioria esmagadora das nossas características é determinada por dezenas de genes, que interagem entre si e com o ambiente numa complicada dança bioquímica.
A diversidade humana é um degradê sutil; é impossível dividi-la em caixinhas. A ideia de raça é só uma forma de dar ares científicos ao preconceito.
O futuro
Ter o DNA de todo mundo sequenciado abre caminho, é claro, para editá-lo. E é aí que mora o problema: embora ninguém discorde que buscar a cura para o Parkinson ou Alzheimer seja algo bom, é preciso ter em mente que isso abre brechas perigosas.
Conforme os cientistas elucidarem o quebra-cabeça da interação entre os genes, aperfeiçoamentos cada vez mais complexos se tornarão realidade. Tudo indica que será possível “ajustar” a altura, a cor dos olhos ou até a inteligência – mas com um detalhe, claro: para quem puder pagar. A desigualdade econômica, assim, será também uma desigualdade genética. Uma distopia eugênica, com a criação de uma “casta superior”. É por isso que só há um jeito ético da ciência avançar: pensando nas consequências e na democratização de seus avanços. A genética tem muito a aprender com seu passado sombrio.
AO MAR GENTE MOÇA!: O ESPORTE COMO MEIO DE INSERÇÃO DA MODERNIDADE NA CIDADE DE NATAL. Ms. Márcia Maria Fonseca Marinho. Recorde: Revista de História do Esporte Artigo volume 2, número 1, junho de 2009.
Wikipédia >>> https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Eugenia. Acesso em 15/08/2021.
Eugenia não é coisa do passado. Super Interessante >>> https://www.google.com/amp/s/super.abril.com.br/ciencia/a-longa-historia-da-eugenia/amp/ acesso em 15/08/2021.