O Rio Grande como fonte de renda (1700-1800)
A continuidade das relações de aproximação da cidade do Natal com o Rio Grande permanece ao longo do século XVIII. Ela pode ser detectada a partir de alguns episódios que revelam que o rio continuava a ser fonte de exploração dos moradores da cidade.
Uma carta do Provedor da Fazenda Real, Teotônio Fernandes Telmudo, datada de 08 de junho de 1741, começa informando que “(…) o rio que dá nome a esta capitania é navegável e só se atravessa em embarcações”. Ao vir morar na cidade, o Provedor se deu conta de que havia uma taxa que os moradores pagavam para a travessia do rio, e que, ao invés de ser recolhida pela Provedoria da Fazenda, que tinha legalmente o direito sobre esse imposto, segundo o Provedor. Os colonos, donos de datas na ribeira do Rio Grande ou não, também disputavam o direito dessa exploração, como demonstra um dos documentos que fazem parte dos autos, datado de 14 de julho de 1744.
O conjunto de documentos analisados revela que os oficiais da Câmara recorreram de uma sentença judicial que fora favorável aos donos de terras ribeirinhas ao rio. O autor do documento datado de 14 de julho de 1744, Francisco de Miranda, cujo cargo não conseguimos decifrar, evidencia, assim como a carta do Provedor da Fazenda Real Teotônio Fernandes Telmudo, que o debate envolvia não somente a exploração da travessia do rio e a pesca, mas também a discussão sobre quem tinha o direito de demarcar e doar essas terras ribeirinhas e a quem o foro pelo uso das mesmas terras deveria ser pago. A resolução que Sua Majestade tomou sobre o assunto, em sua carta de 29 de janeiro de 1744, parcialmente transcrita acima, estabeleceu os direitos de cada parte envolvida. Cabe destacar, nesse debate – cujos vários desdobramentos infelizmente não cabe aqui esmiuçar – que a travessia do rio e a atividades pesqueira geravam renda por meio de
tarifas, disputadas entre o Senado da Câmara e a Provedoria da Fazenda. O debate também demonstra a importância estratégica das terras doadas na cidade e em particular às margens do Rio Grande, que facilitavam essa exploração. As doações ficavam a cargo do Senado, que era questionado sobre esse direito por não dispor do foral, documento que, entre outras funções, o autorizava a isso.
Outro episódio que revela a exploração do Rio Grande e do litoral em geral se encontra na carta que o Senado da Câmara de Natal escreveu a dona Maria I, em 05 de outubro de 1799, solicitando-lhe a emancipação da capitania do Rio Grande do Norte da de Pernambuco, como havia ocorrido com as da Paraíba e do Ceará. Em tom panfletário, os oficiais da Câmara exaltam as várias produções da capitania, como algodão, farinha de mandioca, arroz, açúcar, milho, paubrasil, sal e gado bovino, e insistem na abundância dos peixes no litoral, acrescentando que a capitania “(…) tem belos portos marítimos, e bons surgidouros porquanto o desta cidade franqueia entrada a embarcações d’alto bordo, (…)”, uma referência direta ao porto de Natal. Em determinado momento, afirmam os oficiais: “(…) que fome, que cruel fome soberana senhora! Não sofreriam os moradores de Pernambuco, se não fossem constantemente fornecidos de peixe que lhe vai das praias desta capitania (…) ”.Apesar de não citar o Rio Potengi especificamente, mas a capitania como um todo, esse rio era certamente uma das fontes da “pujança” econômica da capitania, motivo que justificava, aos olhos dos oficiais da Câmara, a independência de Pernambuco.
De fato, a existência de portos, de onde se exportava para Pernambuco peixes e outros produtos, como o algodão, expressa um aspecto importante da economia potiguar entre fins do século XVIII e início do seguinte. Baseado num documento de 1822, Dias (2008), que estudou as dinâmicas mercantis coloniais da capitania do Rio Grande do Norte entre 1760 e 1821, menciona, por exemplo, a existência de 23 portos secos 16 na capitania, voltados principalmente para a exportação do algodão. Dois deles, conclui o autor, se situavam em Natal. Ele também analisa o papel econômico da pesca, associada à exploração do sal, do qual a capitania também era grande produtora.
Ainda que a análise seja genérica – afinal se tratava da produção pesqueira e toda a capitania, que detinha vários rios e lagoas onde o peixe era abundante, o fato é que o Rio Potengi continuava a ser um dos principais pontos dessa atividade, aproximando os habitantes de Natal do seu rio. A simples referências aos portos da cidade, de onde não somente o pescado, mas também o algodão e outros produtos eram exportados, principalmente para Pernambuco, reforça esse aspecto.
Legenda: Ilustração: Toni Lucena – Arte@Metro
Fonte: O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos. Rubenilson B. Teixeira.