Os antigos cassinos de Natal
O bairro da Ribeira, no contexto da Cidade de Natal, destacou-se especialmente em se tratando de estabelecimentos de diversão e entretenimento. Segundo Melo (1993, p. 23-24), “[…] na Ribeira, os cafés e bares enchiam-se da alegre juventude que, nos intervalos de trabalho, vinham aumentar os lucros dos comerciantes e proporcionar, com suas presenças, uma nova feição à pacata cidade dos Reis Magos”. Foram inaugurados diversos estabelecimentos do gênero. Em 20 de outubro de 1943, foi inaugurado, ao lado do Grande Hotel, o Cassino Natal, que por sua vez também veio contribuir concomitantemente com o contexto, inserindo na cidade um estabelecimento que era dotado de variadas atrações e divertimentos.
O jornal A República também informou que parecia existir uma disposição dos moradores residentes nos bairros centrais por participarem de ocasiões festivas e de locais descontraídos. Porém, essas oportunidades nem sempre estavam disponíveis e, quando estavam, nem sempre eram bem sucedidas. Em verdade, percebe-se que as elites locais pareciam não conseguir afastar a apreensão que envolvia aquele contexto, embora voltasse toda sua energia para abstrair sua realidade. Os moradores dos bairros da Cidade Alta e da Ribeira frequentavam sempre os mesmos locais de encontros, confraternizavam e dividiam as mesmas preocupações. Dentre os estabelecimentos de lazer mais procurados e frequentados estavam o Café Grande Ponto, o Café Cova da Onça e o bar do Grande Hotel, onde tradicionalmente políticos, militares, jornalistas, escritores, estudantes e outros profissionais liberais reuniam-se diariamente para conversar, tomar café e sorvete e partilhar conversas (OLIVEIRA, 2008, p. 96-97).
No período mais crítico da falta de habitação para alugar, algumas famílias chegaram a hospedar, em suas próprias residências os oficiais e os soldados norte-americanos, enquanto aguardavam o término da construção das habitações. Para os soldados de baixa patente eram improvisadas barracas como moradias e o seu lazer se desenvolvia no bairro das Rocas e da Ribeira, onde foi construído um USO para os soldados, instaladas muitas casas de diversão e onde proliferavam os cafés, os cassinos e os cabarés (Melo, 1993).
Em meados de 1943, as Forças Armadas Brasileiras também passaram a promover atividades culturais com as mesmas características dos shows organizados pelos clubes estadunidenses. Estes eram patrocinados por empresários brasileiros e excursionavam pelas bases nordestinas. Eram shows itinerantes que foram considerados como mais um “serviço de guerra a ser oferecido aos soldados americanos e brasileiros” (FRANÇA. Aderbal. Urca-Tupi em Natal. A República, Natal, 2 jul. 1943, p.6). Dentre estes, o primeiro chamou-se “Show da Vitória”, foi organizado pelos Diários Associados e reuniu artistas da Rádio Tupi e do Cassino da Urca. Os primeiros grupos brasileiros contratados foram os Cassinos da Urca e Icaraí do Rio de janeiro In: EM NATAL, artistas dos cassinos da Urca e Icaraí: exibições para os soldados de terra, mar e ar sediados nesta capital. A República, Natal, 31 out. 1944.
Na cidade, além dos tradicionais Aero Clube e Teatro Carlos Gomes, surgiram o Cassino Natal, o Círculo Militar, o Clube Hípico de Natal. Todos integravam uma “cadeia de promoções” e ofereciam sucessivas festas e bailes. O Cassino Natal, que foi inaugurado a 20 de outubro de 1943, estava localizado vizinho ao Grande Hotel e promovia reuniões sociais e shows. Era tido como um espaço luxuoso, onde as pessoas frequentavam vestidas a rigor.
Era principalmente na Cidade Alta que o comércio se fazia presente na década de 1950. Quando entramos em contato com os livros de memória, pesquisas e documentos acerca do bairro no período nos deparamos com verdadeiras listas de estabelecimentos que formavam o bairro. Dentre os estabelecimentos, Itamar de Souza apontou as Lojas Brasileiras em 1940, o Cassino Natal em 1943, a Fábrica Santa Lígia de tecelagem em 1945, a Sorveteria Rio Branco, no mesmo ano, e, em 1947, o Posto Esso. A arquitetura do bairro também passou por transformações como a construção do Edifício Amaro Mesquita em 1951, o primeiro edifício de 5 andares construído em Natal. Em 1956 Natal ganhou um edifício de 6 andares, era o Edifício São Miguel na Avenida Rio Branco (SOUZA, 2008: 174-490).
ANTECEDENTES
A existência de cassinos em Natal já era prevista e até desejada desde o início do século XX pelos principais intelectuais da cidade. Em 1902, há a referência entre os Clubes, Bares e Cafés de Natal, sobre o Cassino Potyguar. A data dos estabelecimento não indica, precisamente, o ano de sua inauguração. Elas se baseiam em dados encontrados nos anúncios publicitários e notas avulsas dos periódicos A Republica, Cigarra, Diário do Natal. A exemplo das quadras humorísticas publicadas no jornal A República por José Pinto utilizando o pseudônimo Lulú Capeta para criticar com humor ou apenas comentar determinados aspectos da sociedade local (CAPETA. Lulú. Cassino potyguar. A Republica, Natal, 29 set. 1902. p.1).
Em sua conferência publicada em 1909, intitulada: Natal daqui a cinquenta anos, Manuel Dantas, um dos principais intelectuais natalenses no começo do século XX, imaginava que, em 1959, o porto de natal estaria cercado por grandes “palácios flutuantes”, trazendo milhares de passageiros a Natal (DANTAS, Manoel. ata a u a n enta ann s: segunda conferencia realizada no Salão de Honra do Palácio do Governo em 21 de março de 1909. Natal: Flor do Sal, 2009 (fac-similar da primeira edição lançada pela Imprensa Official, em 1909).
Nessa conferência, Dantas propõe o esforço de imaginar a cidade de Natal no futuro. Uma cidade cosmopolita, atraindo turistas de várias regiões do mundo, a “rainha das dunas”. Merece destaque, na narrativa deste intelectual, a descrição feita em relação ao porto e seu papel nessa “cidade do futuro”. Pelo porto e as estradas ferro, esse mundo “cosmopolita” chegaria a Natal do futuro de Dantas. Para reprodução desta atmosfera vivenciada nos centros europeus, Dantas mostraria a existência na cidade de espaços de sociabilidades adequados para a introdução de novas práticas consideradas como modernas. Entre eles Dantas destacaria os hotéis, os cassinos, e principalmente o Teatro, que exercia para ele um papel fundamental para disseminação da civilização na capital.
Nos discursos e intervenções promovidos sobre o porto no começo do século XX, podemos notar como esse espaço adquiriu uma função significativa para incorporação de códigos e valores próprios desse mundo “cosmopolita”.
CASSINO DO 21º BATALHÃO DE CAÇADORES
Há registros que havia um cassino no 21o Batalhão de Caçadores. Notadamente em um trágico episodio no qual faremos o registro.
No dia 23 de novembro de 1935, Natal amanheceu tranquila, com sempre acontecia na provinciana cidade de aproximadamente 35.000 habitantes. À noite eclodiu o levante comunista, conhecido como Intentona Comunista, seguido pelas revoltas em Recife (24 de novembro) e no Rio de Janeiro (25 de novembro). É importante perceber os detalhes do início do movimento através de um dos seus mais conceituados estudiosos:
21o Batalhão de Caçadores: pouco depois das 19:00h, o pessoal da guarda, que dava sentinela no quartel, nota um pequeno movimento no pátio com deslocamento de alguns praças, cabos e sargentos, mas não percebe nada que pudesse qualificar como anormalidade. Como se aproximava a hora da troca de sentinelas, imaginaram ser um movimento nesse sentido. Às 19:30h as sentinelas viram mais uma vez o deslocamento de alguns homens pelo pátio, só que agora estavam armados e se aproximando do oficial de dia. Pensaram de início serem os integrantes da patrulha de rua, criada há pouco, em razão dos assaltos a bondes que tinham ocorrido nos últimos dias (…) Mas não era a patrulha. Eram três homens: o sargento (músico) Quintino Clementino de Barros, o cabo Giocondo
Alves Dias e o soldado Raimundo Francisco de Lima. Estavam bem armados. Aproximaram-se do oficial de dia e Giocondo, apontando um fuzil, diz: “Os senhores estão presos em nome do capitão Luís Carlos Prestes”. Não oferecem resistência. Nesse momento, um grupo de homens armados ocupa rapidamente os lugares estratégicos do quartel, sob as ordens de Quintino Clementino e de outro sargento, Eliziel Henrique Diniz. Os oficiais são recolhidos de imediato à prisão, improvisada no cassino do quartel (COSTA, 1995, p. 85-86).
CASSINO DOS OFICIAIS
A presença militar estadunidense em Natal, no entanto, só foi oficializada em meados de 1942 quando, segundo Cascudo (1999, p.423), a Cidade Natal já convivia com a Base de Parnamirim Field e com “todas as manifestações da vida norte-americana”, entre elas uma estação de rádio, uma programação permanente de shows, cassinos, supermercado e periódico semanal, publicado em inglês. Ou seja, quando o Brasil declarou sua entrada na Segunda Guerra Mundial, a Cidade do Natal já possuía uma base aérea estrangeira em operação que era considerada uma “casa de guerra, sonora e ordenada como uma máquina perfeita” (CASCUDO, 1999, p.423).
Pinto (1976) nos esclarece: […] a grande dádiva dos americanos era os cassinos de Parnamirim e os dois USO’S que funcionavam na cidade: o “Town Club” localizado no prédio do antigo Polytheama, na Ribeira (que passou, depois, a ser administrado por brasileiros, a funcionar como dancing para domésticas, sob a denominação “High Life” – o que tem causado constrangedora confusão), e era destinado ao pessoal subalterno – soldados e marinheiros; o outro mais seleto, era o “Beach Club”, e ficava em Petrópolis […].
Em Parnamirim, entre os edifícios que existiam, o antigo hotel da L.A.T.I. foi adaptado para instalar os órgãos administrativos e o Cassino dos Oficiais; o hangar transformado em alojamentos para praças e um agrupamento de caça; os dois prédios da Air France para alojamento, rancho dos sargentos e centro médico; e dois edifícios transformados para instalar as duas estações radiotelegráficas.
RAMPA
Localizada à margem direita do Rio Potengi, a Antiga Base de Hidroavião conhecida como A Rampa, é um lugar repleto de significados históricos. Local de chegada dos aviões da Panair do Brasil, na década de 30 do século passado. Exerceu, também, importante papel durante a Segunda Guerra Mundial, servindo de base para os aviões de patrulha da Marinha Americana (NESI, 1994).
A Rampa é um lugar de grande importância histórica, pois, como registra à história sua participação durante a Segunda Guerra Mundial foi fundamental para a transformação de Natal em “Trampolim da Vitória”. Sobre a Rampa, em a História da Cidade do Natal, Cascudo (1999, p. 424) diz:
O Busto do Prof. João Tibúrcio, após fazer uma verdadeira peregrinação por diversos logradouros da cidade, foi colocado no pátio do Colégio Atheneu, lugar de memória da educação natalense.
Os norte-americanos, para abrigar os grandes 24 PBY, de 36 horas de vôo autônomo, criaram uma base fluvial no Potengi, utilizando o local ocupado pelo Sindicado Condor. Transformaram o ambiente, fazendo surgir casas, estaleiros, cais de atração e subida para os aviões anfíbios, armazéns, hospitais, cassinos, com higiene, claridade, fartura de alegria e de entusiasmo. Era a Rampa da Limpa, […].
A antiga base de hidroaviões, a Rampa foi edificada em 1944. Lugar de memória, faz parte do Patrimônio Histórico Estadual, desde 17/02/1990, quando ocorreu seu Tombamento.
BORDÉIS
Para o meretrício ocorreu não só o aumento quantitativo de prostitutas e cabarés em diversos pontos da cidade, especialmente nas zonas de tolerância da Ribeira, como também uma elevação da sua importância nas esferas da economia e dos costumes da sociedade natalense. Quanto aos costumes locais, estes sofrem alterações não só nas relações de prostíbulo, como também nas diversas outras formas de relacionamentos sociais que se abrandam em seus pudores, no caso das relações entre homens e mulheres, rapazes e moças, e se diversificam no caso dos passeios entre amigos. Todas essas modificações dos costumes se encontram materialmente bem representadas pelo aumento do número de clubes, cassinos, boates e outros tipos de locais para o lazer em família e entre amigos, tais como as-sorveterias (MELLO, Protásio Pinheiro de. Parnamirim e Natal na 2a Guerra Mundial. Natal, 1982. e MELLO, Protásio Pinheiro de. Contribuição Norte-Americana à Vida Natalense. Natal, 1993. e Flávio Antônio Rodrigues Da Silva. Natal na 2a Guerra Mundial: Influência americana e prostituição feminina. Monografia. Natal, 1999. e Rasland Costa de Luna Freire. História dos Cabarés de Natal nas Décadas de 1940 e 1950. Monografia. Natal, 1993.).
Também é importante frisar que apareceram outras modalidades e locais de prostituição além dos limitados aos bordéis, tais como shows eróticos em cassinos com prostitutas de várias nacionalidades (MELLO, Protásio Pinheiro de. Parnamirim e Natal na 2a Guerra Mundial. Natal, 1582. e MELLO, Protásio Pinheiro de. Contribuição Norte-Americana à Vida Natalense. Natal, 1993.).
Havia, naquela época, em Natal, além das prostitutas de bordéis e as de rua (estas últimas ilegais), as de clubes e cassinos, que, geralmente, provinham de várias nacionalidades, não só para satisfazer desejos sexuais na cama, mas também para desfilar e dançar, ou com roupas decotadas ou quase nuas, geralmente cum os seios à mostra. Outro tipo de prostituta da época na cidade era a camuflada, mulheres casadas, bem empregadas ou de programa, que vinham de várias partes do país para conhecer a cidade e, ao chegarem, conheciam a fama da casa noturna potiguar mais luxuosa, Maria Boa, e acabavam por fazer salão nessa casa nos finais de semana, voltando nas segundas-feiras às cidades de onde provinham (MELLO, Protásio Pinheiro de. Parnamirim e Natal na 2a Guerra Mundial. Natal, 1982. e MELLO, Protásio Pinheiro de. Contribuição Norte-Americana à Vida Natalense. Natal, 1993. e Flávio Antônio Rodrigues Da Silva. Natal na 2a Guerra Mundial: Influência americana e prostituição feminina. Monografia. Natal, 1999.).
Além das casas de “mulheres de vida alegre”, Natal ficou cheia de bares, cafés e restaurantes, para divertimento dos soldados e para que o famigerado dólar chegasse ao bolso dos brasileiros. Cantinas, cassinos, sorveterias e outras invenções e inovações filiadas às contingências da guerra foram surgindo. Havia o “Cassino Natal” na Avenida Rio Branco; existia a Sorveteria Eldorado, na Tavares de Lira, pertencente ao Sr. Xavier Miranda e seu genro Jesse Freire, o Cassino de Bianchi na Ribeira, além dos Shows com artistas brasileiros e estrangeiros de renome, bem como os jogos de roleta, bacará e caça níqueis (MELLO, Protásio Pinheiro de. Contribuição Norte-Americana à Vida Natalense. Natal, 1993. e MELLO, Protásio Pinheiro de. Parnamirim e Natal na 2a Guerra Mundial. Natal, 1982.).
GRANDE HOTEL
Em Maio de 1939 era inaugurado o Grande Hotel, construído pelo então governo de Rafael Fernandes. Posteriormente à inauguração do Grande Hotel, houve uma grande mudança na conjuntura econômica nacional, a qual foi desencadeada pelo início da Segunda Guerra Mundial na Europa. Diante do que estava acontecendo no país e no mundo, o Governo do Estado do Rio Grande do Norte teve que deparar com o fato de não mais possuir recursos para equipar o hotel e este ficou fechado por vários meses. Com a impossibilidade de abrir o Hotel com seus próprios recursos, o Governo decidiu arrendá-lo, porém não apareceram pretendentes que se dispusesse a correr o risco de fazer tal investimento.
O Grande Hotel quase se tornou um “luxuoso palácio” e maior do que a própria cidade. Ofereceu o hotel a vários arrendatários, mas ninguém se interessou por considerá-lo muito grande.
A solução encontrada pelo Governo do Estado foi oferecer facilidades aos pretendentes, que iam desde empréstimos até a isenção total de impostos, e o contrato, ao final, foi firmado com Teodorico Bezerra, empresário norte-rio-grandense e proprietário de jazidas de minério no interior, recentemente enriquecido com sua extração. Então surgiu o nome de Theodorico Bezerra, que já trabalhava no ramo hoteleiro. Oferta aceita, arrendou o Grande Hotel.
Antes de abrir as portas, apesar de o hotel ser novo, ele fez uma série de reformas. Este equipou suas dependências – apartamentos, cozinha, restaurante, bar, barbearia, entre outros serviços (GRANDE Hotel de Natal. A República, Natal, 12 set. 1939.).
Só em 1º de setembro de 1939 começou a funcionar. o Hotel foi inaugurado logo depois da declaração do início da Guerra na Europa, quando as movimentações militares em Natal já se iniciavam. Com isso, o hotel tornou-se rapidamente um centro de atividades muito movimentado e com intensa vida social e política na cidade.
Theodorico se mudou para o hotel com a esposa Zilah Bezerra e os dois filhos, Kléber, com 6 anos, e a irmã Sânzia, de apenas 2 meses. Teodorico Bezerra era filho de uma família tradicional do interior do Estado, com participação econômica e política na região do Trairi. Após o período em que arrendou o Grande Hotel tornou-se um dos homens públicos mais influentes e poderosos econômica e politicamente no Rio Grande do Norte, inclusive elegendo-se diversas vezes como Deputado Estadual, possuindo jornais e rádios, fazendas de algodão e indústria de beneficiamento. Tradicionalmente era conhecido como Coronel Teodorico Bezerra. In: CARDOSO, Rejane (Coord.). Op. Cit.
O Grande Hotel era o único estabelecimento hoteleiro da cidade, que hospedava representantes e técnicos brasileiros e estrangeiros que chegavam a Natal em missões militares e, posteriormente, tornou-se o lugar onde se realizavam os encontros e as reuniões mais importantes da cidade. Durante algum tempo, o Grande Hotel tornou-se o local onde aconteciam as principais atividades burocráticas das Forças Armadas brasileiras e norte-americanas.
No ano de 1988, no governo de Geraldo Melo, ele devolveu o Grande Hotel ao Estado, pois a Ribeira começava a entrar em decadência com a transferência da rodoviária para o bairro de Cidade da Esperança. “Majó Theodorico” morreu no dia 4 de setembro de 1994, aos 93 anos. Partiu sem desfrutar do prestígio que o elevou ao posto de coronel.
Nos dias atuais o prédio do Grande Hotel é utilizado pelo Juizado Especial Central da Comarca de Natal, antes conhecido como Juizado de Pequenas Causas. Mas existe a informação que em um futuro breve a justiça potiguar deixar de utilizar esse local.
O ESTABELECIMENTO
Ao rememorar no Diário de Natal de 23 de janeiro de 1985 seus momentos no Grande Hotel, Theodorico lembrou que instalou no hotel um cassino “com todo tipo de jogo” e cravou que foi “nessa época que ganhei mais dinheiro aqui no hotel”. José Santana Sobrinho comentou a Djair Dantas que o nome da casa era Casino Natal e que para abrir esse negócio Theodorico fez uma parceria com um “italiano chamado Bianchi”. Esse não era outro se não Alberto Quatrini Bianchi, descendente de italianos nascido em Rio Claro, São Paulo, proprietário, ou arrendatário, de casinos e hotéis no Rio de Janeiro, Guarujá, Recife, Poços de Caldas, Ouro Preto, São Luís do Maranhão, Niterói e outros lugares.
Para o ex-fotógrafo da Marinha dos Estados Unidos John R. Harrison, em seu livro Fairwing Brazil – Tales of South Atlantic in World War Two (Schiffer Publishing, 2014, Atglen, PA, USA) , na página 200, o Grande Hotel estava sempre cheio e seu proprietário utilizou de considerável perspicácia política para obter uma licença que permitisse o funcionamento de um cassino naquele local. Provavelmente foi Bianchi que conseguiu essa liberação junto aos políticos, pois conhecia bem “o caminho das pedras” entre essas pessoas.
Abriu-se um cassino atrás do Grande Hotel, na Ribeira, com todos os jogos tradicionais e uma boa banda onde brasileiros e americanos dançavam e se divertiam fraternalmente.
O “majó” Theodorico e Alberto de Quitrini Bianchi donos do Cassino Natal, onde funcionou a loja de veículos Marpas/Gráfica Offset, no final da avenida Rio Branco.
HUMPHREY BOGART
Uma visita que verdadeiramente marcou o Casino Natal foi a do ator hollywoodiano Humphrey Bogart. Ele passou por Natal entre novembro e dezembro de 1943 e esteve no casino na noite de 30 de novembro, uma terça-feira, na companhia de um coronel chamado Wallace Ford e outras autoridades americanas. Santana lembrou que no Cassino Natal o pianista Paulinho Lyra dedilhava um piano novo em folha, que foi comprado ao médico Januário Cicco.
Humphrey Bogart, “astro famoso do filme Casabranca, à frente de um grupo de artistas, exibindo-se com sucesso no Cassino Natal para “os elementos mais significativos dos melhores círculos sociais natalenses”, em festa de cunho altamnte pan-americanista”, depois de haver exibido para as tropas estacionadas na base natalnorte-americana daquela capital (Paulette Godart de passagem por Natal”, A noite, 25/02/1944.
28/12/1944 – Nº 912, p. 8. Título: O U.S.O.: Show número 5 se apresentará nesta capital Resumo da reportagem: No sábado próximo se exibirá, no teatro Carlos Gomes, o Show número 5 do USO, composto por artistas do Cassino da Urca.
ALBERTO QUATRINI BIANCHI
No início da indústria turística, um das figuras lendárias que comandaram o processo. Um daqueles investidores era de Rio Claro. O rio-clarense Alberto Quatrini Bianchi produziu a fina e hábil expansão de hotéis e cassinos no Brasil com apoio de Getúlio Vargas nas décadas de 1930 e 1940. O período foi de luxo e bom gosto quando fortunas de magnatas do café passaram a ser investidas em cassinos. Ele ficou conhecido como o Rei do Turismo Nacional.
Filho de Domingos Bianchi e Catarina Quatrini, ambos italianos, nasceu no distrito de Santa Gertrudes, em Rio Claro, no dia 28 de maio de 1892. Cursou o primário em escola pública de Rio Claro. Apesar de ligado a magnatas fazendeiros, ele financiou revoluções, foi anfitrião de reis, rainhas e príncipes.
Autodidata, falava quatro línguas. De sua família, há a informação de ter sido casado com Antonieta e ter o irmão Severino, um de seus principais gerentes.
Era amigo do também rio-clarense tenente revolucionário Siqueira Campos. Apesar de profissionalmente ser associado à elite conservadora e milionária de fazendeiros do café, Alberto Bianchi foi simpatizante e financiador das revoluções tenentistas de 1924 e 1930, o que lhe valeu relação confidencial e íntima com Getúlio Vargas.
Tinha cassinos em cinco estados. Além de proprietário ou arrendatário de hotéis e cassinos nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Maranhão, Pernambuco e Rio de Janeiro, foi explorador de minas de ouro, minério e de hidrelétrica em Minas Gerais. Recebeu título de cidadania do município de Guarujá, onde há uma rua com seu nome. Memórias Sua memória ficou preservada como símbolo de elegância e da cordialidade brasileira. Jovens da realeza europeia e estrelas de Hollywood eram seus clientes assíduos.
Seu círculo de confidentes reuniu Getúlio Vargas, Luis Carlos Prestes, Assis Chateaubriand, Santos Dumont, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Juscelino Kubitschek, governadores, militares e membros das famílias Matarazzo e Guinle. Aristas de teatro, rádio e cinema atiravam-se a seus pés para se apresentarem em shows em seus hotéis e cassinos. Lançou estrelas da mídia. Era concorrente e amigo de Joaquim Rola, o outro grande investidor do ramos de hotéis e cassinos, o único que teria condições de disputar com Bianchi o título de Rei do Turismo Nacional entre as décadas de 1930 a 1960. Ironicamente, ambos terminaram a vida na praia. Rola jogando peteca nas areias do Rio de Janeiro. Morreu de insolação.
Bianchi foi proprietário ou arrendatário dos cassinos, termas balneárias ou hotéis: Pale Hotel de Ouro Preto (MG), Palace Casino de Poços de Caldas (MG), Hotel de La Plage e Cassino de Guarujá (SP), Hotel Palace de São Luis (MA), Hotel Palace do Recife (PE) Hotel e Cassino Palace de Salvador (BA), Icaraí Hotel (RJ), Serra Negra Hotel (SP), além de dezenas de cassinos no Rio de Janeiro e demais estados. Seu último grande empreendimento foi o Grande Hotel Guarapari (ES). Tudo começou nos anos 1920.
Tendo em vista as comemorações do Centenário da Independência (1922), o presidente Epitácio Pessoa resolveu investir no setor, estimulando a construção de hotéis no Rio de Janeiro e, para sustentalos, liberando a atividade de cassinos. Cassinos eram licenciados à taxa de 15% para saneamento básico e saúde, principais problemas do Rio de Janeiro, a capital do país.
Então, nasceram o Copacabana Palace e o Cassino da Urca, precursores da grande festa. Os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Pernambuco entraram imediatamente na história com investimentos jamais vistos.
Com recursos públicos, privados e mistos, foram construídos hotéis e cassinos, sempre com base na alegada importância medicinal das águas termais de cada localidade. Na prática, tudo girava em torno do prazer, do jogo, do ócio elegante e do bom gosto. O requinte oferecido, obrigatoriamente, tinha que satisfazer exigência dos mais ricos do mundo.
E isso foi conseguido com grande competência. Jamais o País viveu um período de luxo e ostentação como o experimentado até 1947, data da proibição definitiva do jogo pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. Panorama Os magnatas do café investiram pesado em balneários e cassinos. O turismo era visto com salvação nacional. A riqueza do café era coisa do passado. Agora, a questão era investir em serviços qualificados. E consumi-los.
Amantes Político, arguto e felizardo, Alberto Quatrini Bianchi entrou nisso pela porta da frente, via Getúlio Vargas, amante de cassinos. E de mulheres.
Elegante e uma das personalidades mais famosas de sua época, morreu modestamente depois de ser um dos grandes milionários do Brasil. Quatrini acabou em humilde ostracismo no Guarujá. Morreu no Guarujá como garçom em um dos hotéis que foi seu. Outro símbolo da elite nacional da mesma época, cabe lembrar, terminou empobrecido. Ainda recentemente Jorginho Ghinle, exproprietário do Copacabana Palace, despediu-se da vida como funcionário do famoso hotel.
INSATISFAÇÕES
Em Natal, apesar da aparente boa relação que havia sido estabelecida entre as elites locais e os oficiais estadunidenses, estes últimos demonstravam suas insatisfações com as autoridades locais em relatórios internos. A principal queixa era dirigida ao Interventor Federal do Rio Grande do Norte, General Antônio Fernandes Dantas, que, segundo Smith Junior (1992), era questionado pelo enriquecimento que tivera às custa do Estado, sua sociedade no Cassino Natal e a retirada de renda que fazia no arrendamento do Grande Hotel, assim como as contratações familiares realizadas por seu Governo.
O Governo do Estado Novo costumava nomear interventores oriundos de outros estados para representá-los nas diversas unidades federativas do Brasil. No entanto, o Estado do Rio Grande do Norte, após a saída do General Rafael Fernandes de Gurjão em julho de 1943, manteve sua direção sob a responsabilidade de outro norte-riograndense. Este era o General Antônio Fernandes de Gurjão, nascido na cidade de Caicó e cujo governo ocorreu de julho de 1943 a agosto de 1945. O primeiro ato oficial do Interventor General Antônio Fernandes Dantas “foi aumentar seus próprios vencimentos de U$ 200 para U$ 500 por mês, equivalente à moeda corrente americana”. In SMITH JUNIOR, Clyde. Op. Cit.
JOGATINA DESVAIRADA
O fato é que com a presença dos militares americanos, os natalenses mudaram também o vocabulário, o comportamento, as bebidas e o vestuário. Segundo Diógenes da Cunha Lima, os natalenses abandonaram paletó, gravata e chapéu, começaram a vestir camisa esporte (sileque), aprenderam a ir à praia todos os dias do ano e a se sentar no meio-fio para esperar transporte coletivo, a beber cerveja.
Comerciantes fizeram fortuna “vendendo relógios suíços, meias de seda e perfume francês.” Brasileiros e norte-americanos se confraternizavam em Natal. A jogatina corria solta, a ponto de a Vila Cincinato (residência oficial dos governadores/ interventores) ter sido “transformada durante a interventoria do General Antônio Fernandes Dantas num mini-cassino”.
Outros preferiam amenidades, como saraus musicais, cinemas, prostíbulos, etc (PINTO, 1995, p. 117). De cidade sem vida noturna, que dormia as 21 horas, com a “ocupação” norte-americana, Natal passou a ser movimentada pela “realização diária de eventos artísticos, culturais e esportivos, muitos deles organizados pelos clubes dos militares norte-americanos, como as famosas reuniões dançantes do USO” (PEDREIRA, 2005, p. 138).
FONTES SECUNDÁRIAS:
CARDOSO, Rejane (Coord.). Quatrocentos nomes de Natal. Natal: Prefeitura Municipal do Natal, 2000.
CASCUDO, Luís da C. História da Cidade do Natal: Prefeitura do Município de Natal, 1947. 3. ed. Natal: RN Econômico, 1999.
COSTA, Homero de Oliveira. A Insurreição Comunista de 1935: Natal – O Primeiro Ato da Tragédia. São Paulo: Ensaio; Natal: Cooperativa da UFRN, 1995
EM NATAL, artistas dos cassinos da Urca e Icaraí: exibições para os soldados de terra, mar e ar sediados nesta capital. A República, Natal, p. 4, 31 out. 1944.
SMITH JUNIOR, Clyde. Trampolim para a vitória: os americanos em Natal – RN/Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. Natal/UFRN: EDUFRN, 1992.
SOUZA, Itamar de. Nova História de Natal. 2 ed. Natal: Departamento Estadual de Imprensa, 2008. 800p.
MELO, Protásio Pinheiro de. Contribuição Norte-Americana à Vida Natalense. Brasilia: Senado Federal, 1993. 176p.
NESI, Jeanne Fonseca Leite. Natal Monumental. Natal: Fundação José Augusto; APEC, 1994.
OLIVEIRA, Giovana Paiva de. A cidade e a guerra: a visão das elites sobre as transformações do espaço da cidade do Natal na Segunda Guerra Mundial. 2008. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Urbano – Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano, Universidade Federal do Pernambuco, Recife, 2008.
PINTO, Lenine. Natal, USA – II Guerra Mundial: a participação do Brasil no Teatro de Operações do Atlântico Sul. Natal: RN Econômico, 1995.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
A cidade e a guerra: a visão das elites sobre as transformações do espaço da cidade do Natal na Segunda Guerra Mundial / Giovana Paiva de Oliveira. – Recife, PE, 2008.
A guerra dos artistas: dois episódios da história brasileira durante a Segunda Guerra Mundial / Orlando de Barros. – Rio de Jeneiro: E-papers, 2010.
A palavra sobreposta: imagens contemporâneas da Segunda Guerra em Natal / Josimey Costa. – 2. ed. – Natal, RN: EDUFRN, 2015.
Além das xícaras: a construção do Café São Luiz como lugar de memória em Natal (1950-1980)/ Augusto Bernardino de Medeiros – Natal, RN, 2013
Anuário Natal 2009 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009.
Do ancoradouro à sala de espera: as obras de melhoramento do porto e a construção de uma Natal moderna (1893-1913) – Natal, 2015.
GRANDE HOTEL – UM MARCO DE NATAL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. Tok de História. https://tokdehistoria.com.br/2019/07/18/grande-hotel-um-marco-de-natal-na-segunda-guerra-mundial/. Acesso em 09/01/2023.
História do Rio Grande do Norte / Sérgio Luiz Bezerra Trindade. – Natal: Editora do IFRN, 2010.
Natal e a II Guerra Mundial: crônicas sobre a Cidade Giovana Paiva de Oliveira e Virgínia Pontual. XI ANPUR. Salvador, 23 – 27 de maio de 2005 – Bahia – Brasil.
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Prostituição e liberação dos costumes em Natal: Um estudo sobre a influência norte-americana na cidade durante a 2a Guerra Mundial. DIÓGENES RICARDO M. DE CASTRO.NATAL/RN. 2007.
O BAIRRO DA RIBEIRA COMO UM PALIMPSESTO: dinâmicas urbanas na Cidade de Natal (1920-1960). Anna Gabriella de Souza Cordeiro. Natal-RN. Julho de 2012
O IMPERADOR DO SERTÃO. Revista Bzzz. Ano 2 | nº 13 | julho de 2014.
Por uma “Cidade Nova”: apropriação e uso do solo urbano no terceiro bairro de Natal (1901-1929) / Gabriela Fernandes de Siqueira. – Natal, RN, 2014.
Rei do turismo nasceu em Santa Gertrudes e morreu pobre depois de ser milionário. Diário do Rio Claro. https://www.j1diario.com.br/rei-do-turismo-nasceu-em-santa-gertrudes-e-morreu-pobre-depois-de-ser-milionario/. Acesso em 09/01/2023.
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