Os flagelados da seca na Cidade de Natal

Não esperem desta postagem cartões postais que mostrem o embelezamento da Cidade de Natal envolta de bondes, ruas calçadas e limpas e postes de iluminação antigos. Muito menos festividades. Vamos tratar da Natal assolada por pobreza, fome, doenças e violência em decorrência da seca que dizimou as plantações e as criações do sertanejo no interior do Estado do Rio Grande do Norte e que, sem alternativas de subsistência, lotou as ruas da cidade com toda a sorte de privações.

Os retirantes da seca apenas no início do século XX, chegaram a mais de 15 mil flagelados, em uma época que a população de Natal não ultrapassava 12 mil “almas”. Vamos aqui observar que este êxodo deixou profundas marcas em uma urbe em formação. Muitas obras de embelezamento até hoje existentes na capital potiguar, entre as quais o aterramento do salgado e a consequente construção da Praça Augusto Severo, edificação do Teatro Carlos Gomes (atual Alberto Maranhão) se devem a utilização de mão-de-obra destes retirantes.

Muitos chegaram e mais ainda puderam ter a sorte de ter a esperança por dias melhores. A varíola dizimou muitos entre os quais o Padre João Maria, um exemplo de dedicação e amor ao próximo.

Bairros “operários” e comunidades inteiras foram formados com a fixação destes flagelados na periferia de Natal entre os quais: Alecrim, Rocas, Quintas, Nova Descoberta e Passo da Pátria. Veja como eram a precariedade de suas moradias, bem como a precariedade de outros aspectos básicos como alimentação, educação e saúde. Ainda menciono ações de solidariedade da população natalense que acolheu um contingente de pessoas que sua infraestrutura não suportou e que teve que se adaptar a esta dura realidade.

Por fim também colocamos o impacto de vários período de seca tanto no estado do Rio Grande do Norte como em Natal. Cada uma destas sazonalidades climáticas deixaram marcas na economia, na política e na sociedade potiguar como um todo que ainda estão presentes até os dias de hoje e que ainda está por ser melhor compreendida. Assim seremos também capazes de nos identificar enquanto Nordestinos, Potiguares e, principalmente, enquanto natalenses, sejam natos ou não.

ECONOMIA ESTADUAL NA SECA

Na segunda metade do século XIX, a economia do Rio Grande do Norte estava apoiada basicamente na criação de gado na região Agreste e no sertão do Seridó; na agricultura da cana-de-açúcar no litoral e zona da Mata; e, finalmente, na extração de sal mineral na região Oeste, entre Mossoró, Areia Branca e Macau. Cerca da metade dos 233.979 habitantes da província, em 1872, vivia da pecuária, principal atividade do Agreste e do sertão até fins do século XIX. Contudo a criação de gado começou a se retrair a partir do último quartel do século, em razão do aumento nos preços internacionais do açúcar e do algodão, entre 1860 e 1885 e de 1892 a 1901, mas principalmente pelas periódicas secas que dizimaram o rebanho bovino do Rio Grande do Norte, particularmente a de 1877-79.

O Rio Grande do Norte, nos anos iniciais do século XX, foi marcado por mais uma seca (na realidade, todo o Nordeste foi acometido por esse flagelo). As secas foram responsáveis por longos períodos de estiagens que favoreciam a contínua migração das pessoas das zonas rurais para os centros urbanos, tendo em vista que suas más condições de vida e de trabalho se agravavam. Essas migrações foram recorrentes em face de a economia potiguar ser caracterizada como predominantemente agrária.

As secas foram responsáveis por longos períodos de estiagens que favoreciam a contínua migração das pessoas das zonas rurais para os centros urbanos, tendo em vista que suas más condições de vida e de  trabalho se agravavam. Essas migrações foram recorrentes em face de a economia potiguar ser caracterizada como predominantemente agrária.

Era final do século XIX e o Rio Grande do Norte vivenciava problemas nos campos econômico, social e político. Mesmo com a chegada do regime republicano, quase nada havia mudado. A economia encontrava-se bastante desestruturada, agravada pela seca que afetava o interior – trazendo prejuízos para a pecuária e agricultura – ou pelas chuvas excessivas no litoral – causando danos sérios à atividade açucareira.

Em 1841, uma lei provincial autorizava a contratação de um empreiteiro para dar início às obras de melhoria do Aterro do Salgado.

Em 1846 é então firmado o contrato com Joaquim Ignacio Pereira, tendo ficado as obras sob administração da província. O empreiteiro continuaria recebendo o dinheiro proveniente da Passagem do rio Salgado até 1858, quando a presidência rescindiu o contrato, pois os serviços já não eram prestados com a devida funcionalidade. Eram evidentes as ligações políticas e comerciais do empreiteiro com o governo local. Joaquim Ignacio Pereira, que deteve os rendimentos da “Passagem do Salgado” por quase dez anos, teria prestado serviços à Província ao distribuir por conta própria os socorros do Governo Geral para as vítimas da seca.

O Comerciante, já completamente inserido na rede de distribuição de socorros – que de certa forma também era sua rede de distribuição comercial – pôde lucrar sensivelmente não só com suas atividades comerciais, mas também com os recursos destinados ao combate às secas.

A seca impõe uma amarga convivência na vida do sertanejo. Na transição do século XVIII para o XIX, especialmente após a seca de 1845, quando quase todo rebanho foi perdido, o algodão passou de um produto de subsistência para uma mercadoria expressiva de exportação, assim como fora o açúcar.

A seca de 1844-1846 foi possivelmente a de maior impacto sobre a estrutura econômica e social do Rio Grande do Norte, pois forçou a migração de grandes contingentes populacionais do campo para as vilas e cidades, principalmente as litorâneas. Do ponto de vista econômico, mostrou a fragilidade em que se assentava a pecuária bovina, levando “a uma valorização da agricultura, ou seja, ‘mostrou a instabilidade da riqueza do gado e convenceu a muitos da necessidade de formar estabelecimentos agrícolas mais sólidos’”, ponto de vista defendido pelo presidente da província alguns anos depois. Tendo em vista os efeitos da seca serem menos sentidos na região, foi na faixa litorânea que, num primeiro momento, a agricultura recebeu um maior impulso, principalmente com a expansão do cultivo da cana-de-açúcar (MONTEIRO, 2000, p. 127-128).

Mas foi o algodão o produto que incrementou, a partir da segunda metade do século XIX, a economia norte-rio-grandense. Apesar das constantes secas (foram nove grandes secas no século XIX), a produção algodoeira do Rio Grande do Norte teve um aumento considerável.

Em 1847, ao final de uma grande seca, o Governo Imperial pede para que a administração provincial indique as principais obras necessárias para amenizar os efeitos da seca nos próximos anos. O presidente Moraes Sarmento, novamente imbuído dos ideais do liberalismo econômico, propõe uma intervenção conjugada em várias áreas, para facilitar a autonomia financeira da província através da circulação de capital. Enumeram-se então seis medidas: estimular a população ao trabalho, através de medidas educativas; aprimoramento das técnicas de produção; abertura de estradas; conservação da vegetação nativa para estimular a umidade e a precipitação de chuvas nas áreas assoladas pela seca; construção de açudes, poços e cisternas; e canalização e desobstrução de rios do litoral, principalmente do Ceará-Mirim e do Potengi, onde estava o porto da capital.

Por volta da década de 1850, a conexão da cidade com o território da província passa a ser pensada em termos de outros ordenamentos territoriais no rio; surgem novos entrepostos e cidades para suprir o escoamento da produção após a retomada da economia da província depois da grande seca de 1850.

Antônio Bernardo de Passos foi o 20º presidente da província do Rio Grande do Norte, empossado a 24 de outubro de 1853. Permaneceu no cargo até 1º de abril de 1857. O presidente Passos defrontou-se com as maiores calamidades públicas vividas pela província: secas, assaltos, pestes, epidemia de cólera. Enfrentou-as todas, resolvendo tudo dentro das suas limitações, com simplicidade e bravura. Construiu também, o Cemitério do Alecrim, concluído em abril de 1856, além do Hospital de Caridade.

O presidente Passos enfrentou os comerciantes aproveitadores da desgraça alheia, combatendo a caristia causada pela fraca produção de alimentos nos anos de seca, especialmente em 1855. Criou as feiras públicas, dando-lhes isenção de impostos.

Primeiro mapa conhecido de Natal (em que deixa de ser mero apenso gráfico à descrição da costa e da barra de entrada), elaborado em 1864 e presente no Atlas do Império do Brasil, de Candido Mendes de Almeida (1868). À esquerda a Cidade Alta (o vazio era a chamada Rua Grande, depois Praça André de Albuquerque) e à direita a Ribeira; a separar os dois bairros, a miasmática Campina da Ribeira. Fonte: Acervo Olavo de Medeiros Filho.

Mesmo com a queda de preço, a produção algodoeira no Rio Grande do Norte não passou por grandes problemas; novas terras incorporadas para o plantio do “ouro branco” do sertão e a decadência da pecuária bovina contribuíram para a manutenção do estágio de produção. Em 1877-79, depois de uma das mais terríveis secas que assolaram o Nordeste, houve um recuo da pecuária paralelamente a um movimento de proteção à agricultura, o que resultou na manutenção da produção algodoeira.

Só depois de construída é que se certificou que a Natal-Nova Cruz estava fora da zona açucareira mais rica. Sem falar que ao término da construção a região cortada pelos trilhos estava assolada pela seca e parcialmente despovoada por conta de epidemias. No Rio Grande do Norte, os poderes locais usarão a seca de maneira muito específica para justificar esses empreendimentos federais.

Trajeto da Natal Nova Cruz. A linha atravessava uma área assolada pelas secas e epidemias, além de margear o litoral em toda a sua extensão, onde já havia um sistema de transporte mais barato e eficiente.

Um pouco antes do Presidente Manuel Januário Bezerra receber o parecer da Câmara Municipal, chega em suas mãos um abaixo-assinado, representando oitenta habitantes do bairro alto, pedindo pela continuação das obras do novo aterro. O Presidente Manuel Januário resolve imparcialmente a contenda continuando as duas obras. Segundo seu relatório, não se justificaria a paralisação nem do novo nem do antigo aterro, já que ambos empregariam os numerosos flagelados da seca, que nesse período migravam para a cidade em busca de sustento. Somando-se a isso, a província sairia ganhando, “sendo sempre de grande proveito publico e um elemento de progresso o augmento de boas estradas em busca de qualquer capital.” (Relatorio do Presidente Manuel Januário Bezerra de 4 de dezembro de 1878. Obras Publicas, p. 17).

Pelo fato de 1900 ter sido um ano de seca, no Nordeste do Brasil, centenas de pessoas morreram e ocorreu grande migração de sertanejos para cidades com melhor estrutura econômica ou que estavam mais próximas do litoral, tais como Natal, Mossoró, Açu e Macau.

Ainda no ano de 1903, o governador do estado, Alberto Maranhão, enviou mensagem ao Governo Federal, pedindo auxílio quanto aos flagelos da seca, que abatiam, principalmente, as cidades do interior do Rio Grande do Norte. O “terrível” fenômeno da seca, um problema, sobretudo climático, segundo a mensagem do governador, e que atingia o sertanejo potiguar, que necessitava de socorro imediato por parte do Governo Federal, pois o estado não possuía condições para atender as demandas das vítimas (A SECA. A República, Natal, 8 de jun. de 1903.). Ao longo desse ano, foi relatada, no jornal A República, a precária situação na qual se encontrava os flagelados em algumas cidades do Rio Grande do Norte, como Assú, Mossoró e Ceará-Mirim.

Com base na Lei nº 1145 de 31 de Dezembro de 1903 que autorizou o governo do estado a mandar proceder os estudos de uma estrada de ferro, que, partindo de ponto conveniente do litoral do RN, fosse ter à região mais assolada pela seca (RIO GRANDE…, 1906, p. 08), o então ministro da Viação e Obras Públicas Sr. Lauro Muller, nomeou, em 23 de Fevereiro de 1904, a Comissão de Estudos e Obras Contra as Secas, que surgiu a partir da Comissão de Melhoramentos do Porto de Natal, sendo desmembrada nos primeiros anos do século XX (SIMONINI, 2010), chefiada pelo engenheiro Sampaio Correia, incumbida de realizar os estudos de planejamento para a Estrada de Ferro Central (RIO GRANDE…, 1906, p. 08). A escolha do traçado – que partiria de Natal em direção ao interior – gerou grande polêmica e disputa entre as elites natalenses e mossoroenses. Essa questão refere-se à disputa pelo estabelecimento de um traçado que privilegiasse respectivamente as cidades de Natal e Mossoró. Enquanto que as elites da primeira defendiam a adoção da Estrada de Ferro Central do RN como um prolongamento da E.F. Natal-Ceará-Mirim, as da segunda afirmavam que seria muito mais vantajoso para o estado a adoção do percurso estabelecido por Ulrich Graf em 1875, passando por Mossoró, Apodi e Pau dos Ferros (MEDEIROS, 2007).

O ano de 1877 foi de seca. A catástrofe dos flagelados se repetia no interior da Província e Passos de Miranda, [o então presidente] convicto de que só a indústria romperia o ciclo de estiagens, pobreza e fome, contratou […] Amaro Barreto para abrir uma fábrica de fiação e tecelagem em Natal, oferecendo novos empregos e lançando as bases para uma nova economia. O projeto de beneficiar em Natal o algodão que descia do sertão em lombo de burros entusiasmou mais ao genro Juvino Barreto, então com 20 anos, que ao sogro. Sozinho, Juvino Barreto lutou 11 anos. Em 24 de maio de 1886 lançou a pedra fundamental da fábrica. Viajou para a Inglaterra, onde adquiriu o maquinário e acertou a vinda de técnicos, hipotecando bens e os rendimentos futuros. Em 21 de julho de 1888, inaugurou a Fábrica de Fiação e Tecidos Natal.

Aproximadamente metade dos habitantes da província potiguar viva da pecuária, porém, o aumento nos preços do açúcar e algodão no mercado internacional, além das secas periódicas que afetavam diretamente o rebanho, fizeram a cultura algodoeira fixar-se no Seridó no final do século XIX e início do XX.

Desde o final do século XIX, no momento de implantação do regime republicano no Brasil, podemos constatar a valorização do Seridó e do povo sertanejo nas páginas de jornais da região. O jornal O Povo declarou:

Quando se vê acossado pelas secas lança mão de recusos, inventa meios de resistência ao terrível flagello, e quanto mais difícil torna-se a crise, mais forte e mais ampla se torna a iniciativa sertaneja (O POVO, Cidade do Príncipe, nº 46, 28, dez. 1889).

A indústria algodoeira se fortaleceu no contexto do desenvolvimento do regime republicano no estado, com seu discurso modernizador e progressista. Ela seria responsável por fazer o Rio Grande do Norte e o Seridó se fortalecerem economicamente, mesmo diante de todas as dificuldades naturais que a região enfrentava e que eram tão ressaltadas em discursos de solicitação de recursos para o combate à seca no Nordeste.

Se o fenômeno climático acompanha a história brasileira desde os seus primórdios, com relatos esparsos já no século XVI e outros mais documentados, com todo o cortejo de horrores que o exacerbou, a partir do século XVIII, seria apenas na seca de 1877-79 que haveria os primeiros esforços para enfrentar o problema: uma comissão imperial foi formada para estudar e propor soluções, principalmente no Ceará; no Rio Grande do Norte, experimentou-se a criação de colônias agrícolas para conter a massa de retirantes longe da capital.

A falta de estrutura, assistência médico-hospitalar, distribuição de alimentos e, pior, o desvio e malversação dos “socorros públicos”, das verbas federais emergenciais destinadas ao combate aos efeitos das secas, ajudam a explicar a tragédia que se seguiu. A colônia Sinimbu, no vale do Ceará-Mirim, hoje dentro da região metropolitana de Natal, com mais de 6.600 pessoas e 1.200 cabanas de palha, tornou-se uma concentração de moléstias, de endemias, resultando no seu fracasso ainda em meio a grande seca.

Com a contenção da leva de retirantes em 1877 pela colônia Sinimbu, a questão dos retirantes seria colocada de forma dramática em Natal nos momentos mais graves do fenômeno e quando coincidiam com epidemias, como em 1890, 1904, sobremaneira, e 1915. O ainda estudante de Engenharia Henrique de Novaes, ao chegar a cidade em 1904, como integrante da comissão chefiada pelo engenheiro Sampaio Correia para ultimar a estrada de ferro que uniria Natal a Ceará-Mirim, guardaria o relato do seu chefe sobre o estado de convulsão que havia tomado conta da cidade, situação agravada pela epidemia de varíola que se seguiu.

O Nordeste começou a aparecer como um recorte específico na geografia do país: aquele sujeito às estiagens. O “Nordeste é, em grande medida, filho das secas; produto imagético-discursivo de toda uma série de imagens e textos, produzidos a respeito deste fenômeno, desde que a grande seca de 1877 veio colocá-la como o problema mais importante desta área” (Albuquerque Jr., 2001, p. 68).

Assim, não era a imprensa ou os políticos de oposição que denunciavam a calamidade, mas os próprios líderes políticos. Em telegrama para o presidente Rodrigues Alves, Tavares de Lyra, então presidente do Rio Grande do Norte, relatava o quadro de horrores da seca de 1904:

“Pelas estradas, misturadas aos bandos de famintos, notam-se já famílias de antiga representação social, que dispunham de relativa fortuna, anniquiladas pela secca. São innumeros os furtos pelos campos, sendo já numerosos os assaltos á casas de comércio e residências. Não resta mais nenhuma esperança de inverno. […]. Espectaculo da nudez e fome, mesmo na capital, urgentissimo. Nesta cidade, alem do pessoal aproveitado nos trabalhos da estrada do Ceara-Mirim e de milhares que aguardam passagem, […], vagam pelas ruas outros milhares de indigentes sem abrigo.

Talvez nem seja necessário ressaltar que o uso destes “socorros” esteve voltado não para combater seriamente os flagelos das secas, (Balzac. “Scenas e factos”. Gazeta do Natal, Natal, n.128, p.04, 27 jul. 1889). mas, sim, para resolver os problemas e os arranjos político-eleitorais dos grupos políticos dominantes e, também, para financiar parte das obras de melhoramentos e aformoseamento das cidades. Em Natal, por exemplo, neste mesmo ano de 1904, a Intendência Municipal organizou diversas frentes de trabalho para os retirantes, na abertura de ruas da Cidade Nova, no calçamento e arborização da Cidade Alta, na abertura de picadas e na colocação dos trilhos da estrada de ferro construída sob a direção da comissão da qual Novaes fazia parte, e na construção da praça Augusto Severo, todas realizadas com estas verbas, como bem atestou o governador de então, Tavares de Lyra (Tavares de Lyra (Mens. Gov.) Entre 1915 e 1919, boa parte da construção da estrada de automóveis do Seridó, obra de infra-estrutura essencial para viabilizar e escoar a produção de algodão do estado, foi realizada com a mão-de-obra retirante e com os recursos técnicos da Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) (Cf. Ferreira Chaves (Mens. Gov.), 1916; 1917; 1918; 1919.)

A questão da mudança de capital não será mais retomada pela administração local, e as estradas de ferro serão utilizadas para construir deliberadamente a hegemonia de Natal, em meio à entrada do capital inglês, à decadência da cana-de-açúcar no litoral, à retomada da produção de algodão no interior, às continuas secas e a ascensão do regime republicano.

O Mercado Público da Cidade tinha maior movimentação à Rua Vigário Bartolomeu. À frente, estava o Atheneu e, ao lado, funcionava o Quartel de Linha. Esse prédio foi inaugurado em novembro de 1901, o segundo construído lugar e durou até 1937, quando um novo e bem maior foi inaugurado pelo prefeito Gentil Ferreira em 30 de maio desse ano. O primeiro, construído em 1892, estava em ruínas. Aqui aparece uma Natal ainda tomada pelos flagelados da seca no interior do RN. Fotógrafo: Desconhecido. Ano: Cerca de 1905.

Os socorros enviados pelo Governo Federal deveriam ser permanentes e de preferência em dinheiro. Segundo a Folha Republicana, o governo já deveria ter aprendido sobre a melhor forma de distribuir os socorros mediante as experiências anteriores. Três formas de distribuí-los
haviam sido praticadas em outros momentos de crise proporcionados pela “calamidade das secas”. Na seca de 1877, o Governo Federal decidiu pelo sistema de distribuição de “víveres” no porto. Essa medida, para periódico, não surtiu efeito, pois “trouxe para o porto, a aglomeração de gente nas piores condições, trazendo também as doenças e o vício da ociosidade.” A segunda medida, vista como a ideal para o estado, foi a da distribuição dos socorros em dinheiro nas localidades, sendo a verba gerida por comissões locais para abordar a situação, tendo um efeito considerado “satisfatório”. A terceira e última medida, também bastante criticada, foi a do envio de passagens para o Amazonas e Mato Grosso para os retirantes que tivessem interesse em tentar a sorte em outros lugares do país. Segundo o jornal, se as viagens a regiões distantes da nação já eram perigosas para os indivíduos com saúde plena, imagine para os flagelados, famintos e doentes. Seria para a Folha “abreviar a morte daqueles que no seu solo, nos seus cômodos e nos seus hábitos, poderiam salvar a vida.” (A SECA. A República, Natal, 10 de jun. de 1903).

Alberto Maranhão enfatizaria no dia 30 de junho, na matéria publicada na Folha Republicana que reproduzia outra mensagem sua ao presidente da República, sua posição frente à questão dos socorros já exposta no começo do mês de junho. Para ele, o Governo Federal se quisesse de fato ajudar os flagelados, deveria mandar os socorros em dinheiro, pois somente tal medida afastaria o medo da desordem e da aglomeração nos portos e da proliferação de doenças nas principais cidades do estado.

Apesar de ser duramente criticada, a terceira medida foi adotada um ano depois pelo governador Alberto Maranhão, para amenizar os efeitos da seca. Em relação à segunda medida, considerada como ideal, podemos perceber nesse discurso a mesma estratégia utilizada pelos administradores locais norte-rio-grandenses, em outros momentos de crise provocadas pela seca. Primeiramente podemos ver que a seca é naturalizada, sendo abordada apenas como um fenômeno climático. O discurso que a naturaliza serve para as elites locais justificar o pedido de verba ao Governo Federal.

Segundo, a ideia de que os socorros entregues em forma de dinheiro, deveriam ser empregados no pagamento aos flagelados, para que estes realizassem serviços nas localidades. A ideia do vício e da ociosidade dos flagelados, foi utilizada pelos administradores locais para impor aos retirantes trabalhos forçados, mediante o pagamento de pequenos salários. O trabalho visto como redentor para os flagelados, retirando-os do perigo da ociosidade, vista como gerador da desordem pública, levou os grupos dirigentes locais no Império a transformar a leva de famintos do interior pelas secas em reserva de mão-de-obra.

Nas páginas dos jornais, foram temas de seus artigos a movimentação política, social e econômica do Estado neste início do século XX. Utilizando o pseudônimo de Brás Contente falou das “Coisas da Terra” em crônicas em que evidenciavam os acontecimentos, as personalidades e aspectos diversos das atividades rurais do RN, em especial o problema da seca que castigava impiedosamente o sertanejo potiguar.

A seca de 1904, que assolou o Rio Grande do Norte, provocando a migração de milhares de flagelados para a capital, potencializaria essa questão. Segundo dados da época, a cidade dispunha, nesse momento, de pouco mais de vinte mil almas, enquanto que a população de retirantes migrados para Natal alcançou os dezesseis mil.

A segunda ferrovia construída em solo potiguar, a Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte (EFCRGN), será guiada pelas políticas de salvamento dos flagelados da seca, mas sua construção será igualmente orientada para a afirmação da capital no território servido pela ferrovia, projeto esse confirmado também no âmbito nacional.

Nessa época, os meios providos pelas obras contra as secas continuavam a representar um importante viés para modernização e o progresso do estado e da sua capital. O governador Alberto Maranhão, em relatório de 1910, cobra uma ação mais sistemática e enfática das municipalidades do RN no combate à seca, acelerando as obras já em andamento, no intuito de, assim, poder exigir verbas maiores do Governo da União. O governo do Sr. Alberto Maranhão empreendeu nesse segundo mandato uma série de melhorias urbanas em Natal, tais como, a incineração do lixo, a instalação da eletricidade, a implantação de transporte urbano sobre trilhos – os bondes – a reforma do Teatro Carlos Gomes, entre outros.

Por trás dessa cobrança estava claramente a necessidade de se investir na capital, pois eram reclamadas por investidores do comércio e da indústria melhores condições de salubridade para a cidade, como premissa aos investimentos. Era necessário tornar a cidade mais competitiva. Portanto, Natal deveria oferecer “as condições necessárias de salubridade e de conforto por meio dos serviços mais modernamente aconselhados pela hygiene publica” (RIO GRANDE…, 1910, p. 24), como mencionado nos discursos do governador do estado.

Espacialização das obras contra as secas da IFOCS – Inspetoria Federal de Obras contra as secas. Revista da Ilustração Brasileira, Rio de Janeiro, 1922. Nota: Pode-se observar o desenvolvimento do prolongamento da E.F. Central (circundada em vermelho).

O prolongamento da estrada de ferro apresentou ressonâncias econômicas significativas para Natal. Em reportagem de 06 de fevereiro de 1913, o periódico “A República” traça um panorama sobre o progresso material vivenciado pelo Rio Grande do Norte nos últimos anos, mostrando que a Alfândega de Natal passava a ser a oitava do país em arrecadação. Entre os fatores citados como “imprescindíveis” pela reportagem para o alcance dessa condição estão os melhoramentos efetuados na E.F. Central, além das obras do porto e das obras contra as secas como um todo (O CASO…, 1913). Essa convergência de rendas à capital apenas era possível por meio da implantação de vias férreas e de um porto compatível, obras que durante a década de 1910 se encontravam em andamento subsidiadas pelas verbas da Inspetoria de Obras Contra as Secas (BRASIL…, 1912). Delineava-se, dessa maneira, uma rede urbana hierarquizada, encabeçada por Natal.

Mesmo com os percalços advindos das secas de 1915 e 1919 (aumento do banditismo) e da Primeira Guerra Mundial (queda nas exportações), a administração de Ferreira Chaves (1914-1920) teve mais aspectos positivos do que negativos. Na sua segunda gestão a frente do Executivo estadual, Ferreira Chaves, auxiliado por José Augusto (Secretário Geral), nomeou os principais assessores do governo e elaborou o plano de governo, desmontando a base política de sustentação da oligarquia Albuquerque Maranhão e deslocando o centro político do estado do litoral para o interior, como reflexo do deslocamento do eixo econômico, fruto da crise da economia açucareira e do ressurgimento do algodão como novo pólo da economia norte-rio-grandense.

Conquanto logo tenha ficado constrangido às contingências das receitas estaduais – solapadas, em 1924, não por uma grande seca, mas pelas chuvas fortes e as consequentes inundações que danificaram as estradas de rodagem e prejudicaram a produção do sal e do algodão –, os estudos e as propostas contidas no Plano Geral das Obras de Saneamento de Natal constituíram-se num importante instrumento para as reformas e planos desenvolvidos nos anos seguintes; mais ainda, transformaram-se numa referência para o debate que se seguiu.

A UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA FLAGELADA

Natal era uma cidade que apresentava características tipicamente coloniais (IPHAN, 2010). As ruas e casas eram desalinhadas, havia ausência de passeio, a vegetação era escassa e não havia áreas verdes (praças, parques, etc). Não existiam ruas e sim caminhos, que eram definidos pelas próprias edificações (OLIVEIRA; FERREIRA, 2006). Os espaços livres em frente as igrejas se configuravam como as praças secas. As casas e sobrados apresentava fachada básica da casa colonial, composta por uma porta (sempre frontal) e duas janelas. Embora houvesse muitas outras casas maiores, em todas elas prevalecia a métrica e os espaçamentos entre as aberturas. Os edifícios institucionais mais frequentes eram os de cunho religioso (igrejas e conventos), mas havia também casa de câmara e cadeia, estas duas geralmente no mesmo edifício (BRUXEL e tal).

Nesses anos, que marcaram a passagem do século XIX para o século XX, Natal foi aos poucos se aparelhando com as inovações que, então, caracterizavam a vida moderna. Um dos exemplos que podemos citar foi o funcionamento da primeira linha de bondes, puxados por animais, ligando a Cidade Alta à Ribeira, em 1908 (EMERICIANO, 2007). Assim, a cidade foi crescendo, desenvolvendo-se e com isto vieram as transformações urbanas, empreendidas no intuito da “modernização da cidade”.

As obras seguiriam sua regularidade a partir de 1902, sob direção do engenheiro Antonio Pereira Simões, quando o Rio Grande do Norte foi assolado por uma terrível seca. Natal foi ocupada por milhares de retirantes que embarcavam nos vapores do norte em busca de trabalho nos seringais, os quais fizeram expor na capital a face mais aterradora da miséria no interior.

No ajardinamento foram transpostas, por coordenação de Ramos, diversas árvores adultas para compor o ambiente sombreado que se pretendia. O aterro e ajardinamento da Praça Augusto Severo contou com o uso de recursos federais destinados ao combate das secas. A mão-de-obra utilizada foi a dos retirantes que se acumulavam na cidade – cerca de 15.647, segundo Cascudo (1999 [1946], p. 153). O emprego dos recursos das obras contra as secas e dos retirantes eram justificados pelos governantes como uma saída dupla ao problema de sua presença na cidade, uma vez que esses seriam remunerados pelo trabalho efetuado, ao mesmo tempo em que não se tornavam ociosos, enquanto que concomitantemente era resolvido o problema do alagadiço da praça (SIMONINI, 2010). Em discurso proferido perante a Assembleia Legislativa do Estado, em 1903, Alberto Maranhão defendia essa prática ao afirmar que “é necessário soccorrer os famintos, mas aproveitando os indigentes validos para o serviço em trabalhos uteis, evitando-se assim a vadiagem prejudicial e desmoralizadora. […]” (A REPUBLICA, 1903, p. 01).

Como os retirantes eram vistos como elemento de desordem, o seu emprego nas obras também consistia um meio de concretizar o ideal elitista de urbe civilizada. (FERREIRA, 2006). Apesar dessa justificativa, o emprego desses recursos – inicialmente destinados à solução do problema no interior – e da mão-de-obra flagelada gerou diversas críticas dos jornais da oposição, como o “Diario do Natal” e o “Commercio de Mossoró” (RODRIGUES, 2006).

Além dessas obras, o aceleramento urbano da cidade, no início do século XX, contou com o aumento dos recursos federais ao estado em virtude de uma grande seca que houve por aqui. Como muitos retirantes do interior do estado vieram para a capital em busca de oportunidades, o governo os contratou para trabalhar nas obras do estado e converteu tais recursos no pagamento à mão de obra destes retirantes (MARINHO apud SOUSA, A., 2013).

No caso de Natal, essa modernização pôde contar ainda com outros recursos, como aqueles enviados pelo governo federal com o objetivo de combater os efeitos das secas. Foi o que ocorreu na seca de 1903 – 1904. Com a verba recebida e a utilização da mão-de-obra de milhares de retirantes que se concentravam na capital, adiantou-se a construção da Praça Augusto Severo, na Ribeira, foram calçadas várias ruas e abertas avenidas que iriam originar a então chamada “Cidade Nova”, os atuais bairros de Tirol e Petrópolis (MONTEIRO, 2000, p. 168).

O aceleramento no ritmo das construções e inaugurações de obras públicas no governo de Tavares de Lyra (1904-1908) se deu pelo aumento dos recursos federais recebidos pelo Estado em virtude da seca de 1904. A prolongada estiagem de 1904 fez com que a capital passasse por uma situação atípica, pois em um curtíssimo espaço de tempo a população da cidade aumentou vertiginosamente, em virtude da chegada dos flagelados vindos do interior do Estado. A chegada dessa mão-de-obra abundante, aliada aos recursos federais, possibilitou a organização de um plano de trabalho do governo do Estado. O plano tinha como objetivo usar a verba de combate à seca no pagamento de diárias aos flagelados que se empregassem nas obras de ‘melhoramento’ da cidade. Deste modo, o governo conseguiu recursos para a conclusão dos almejados melhoramentos da capital, ao mesmo tempo que justificava os gastos, alegando a nobreza da causa, que era de ajudar os flagelados da seca. A justificativa dada pelo governo para o uso dos recursos federais pode ser comprovada na seguinte mensagem transmitida pelo governador Tavares de Lyra, em julho de 1904:

Contratei com o illustre architeto Herculano Ramos o aterro e ajardinamento da praça “Augusto Severo”, trabalho indispensável á salubridade desta cidade. Tratando-se de um saneamento de um lugar, onde houve um barracão de retirantes. Serviço em que será applicado o material adquirido pela Commissão Central de Soccoros e no qual de preferência serão empregados os que aqui se acham ainda á procura de meios para substituir, entendi que o seu custeio devia correr por conta dos recursos de que dispõe a caixa de origens diversas para auxilio dos flagellados. A obra attestará, em todo tempo, que alguma cousa ficou dessa quadra de miséria que tento nos abateu (LYRA, Augusto Tavares de. Obras publicas. Diário do Natal, Natal, 23 jul. 1904.).

Vale salientar que antes da Comissão de Estudos e Obras contra a Seca, a atuação do Estado em relação ao problema, na maioria das vezes, era apenas paliativa, limitando-se a auxílios e esmolas, medidas que já eram extremamente criticadas até mesmo durante o império, inclusive pela administração local do Rio Grande do Norte. Essas medidas haviam levado os retirantes a acumularem-se nas principais cidades onde os socorros eram distribuídos, gerando um despovoamento e consequente desaceleração da economia no sertão.

Na cidade de Natal, essa modernização contou com os recursos destinados a combater os efeitos da seca de 1903-1904, e com o empréstimo realizado junto ao capital francês, em 1910 (Cf. MONTEIRO, 2000, p. 159-193.).

Foi a mão-de-obra dessa gente necessitada, faminta e rasgada que construiu a Praça Augusto Severo, meses de caminhadas dali ao “Canto”, final da Rua do Commercio (Chile) onde uma draga que limpava o Potengi e tornava mais fundo o seu canal de acesso a navios de maior porte jogava a areia que seria colhida por essa gente: homens, mulheres, meninos, sacos pesados equilibrados na cabeça ou pendurados em suas mãos, dias inteiros, sol a sol, numa labuta vitoriosa. Aterrado o pântano, parte dessa mão-de-obra também foi usada na construção da praça, a mais bela, a mais formosa, coisa que o natalense sonhava e que jamais havia visto.
Retirantes da seca nas adjacências das ruas adjacentes a praça Augusto Severo.

Ao longo desse período, as diversas ações higienistas contribuíram de modo decisivo para melhorar as condições de vida da população de Natal, ainda muito precárias, conforme relata Emereciano (2007):

Além da praça Augusto Severo na Ribeira e do balneário no Baldo, também foram realizados melhoramentos, entre 1908 e 1913, nas condições de saneamento e nos serviços de abastecimento de água que, inaugurado em 1882, teve então suas tubulações substituídas; durante o período, quando já ocorria a asseio noturno das ruas, também foi reorganizada a coleta de lixo, tendo sido instalado um forno para sua incineração. Acrescente-se ainda que os fiscais da Inspetoria de Saúde Pública visitavam todos os prédios particulares antes de eles virem a ser habitados.

De fato, havia um desejo da elite administrativa de imprimir sua memória nesse espaço. Queriam apagar aquele velho espaço da memória do povo, e sob a argumentação de “devolver” a salubridade da cidade, usam os recursos federais destinados ao combate das secas para aterrar e ajardinar a praça.

Foto do Oitizeiro, onde localizava-se o terreno da Empresa Tracção Força e Luz; atualmente Avenida do Contorno, a Avenida do Saneamento projetada e executada pelo Escritório Saturnino de Brito a partir da ideia original contida no plano de saneamento e extensão de Henrique de Novaes. Fonte: Lyra, 2001, p.53.
A fonte pública do Baldo… e os animais dividindo o consumo com os homens Fonte: Cicco, 1920.

O ajardinamento da área incluiu o aproveitamento da primeira ponte de madeira instalada em 1604 e reconstruída por volta de 1793. Vale destacar que participaram da execução desta obra os flagelados da seca de 1904, como grupo de trabalho, segundo Lima (2001, p.29). Grupos de trabalho para execução das obras da capital e interior, dentre os quais, para construção da ferrovia Natal a Ceará-Mirim, outro grupo para execução do calçamento e abertura de ruas da Cidade Alta.

Podemos perceber o valor atribuído ao Teatro Carlos Gomes pelos grupos interessados na modernização da cidade. Sua construção iniciou-se em 1898 no governo de Ferreira Chaves, atravessou o mandato de Alberto Maranhão, tendo ocorrido a sua pomposa inauguração no ano de 1904, dois dias antes que Augusto Tavares de Lyra assumisse o governo.

Inaugurado em 24 de março de 1904 ,com o nome original de Teatro Carlos Gomes somente em agosto de 1957 mudou de nome para homenagear o ex-governador Alberto Maranhão da Oligarquia de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Para Modernizar a Cidade de Natal a Elite Local usou os recursos enviados pelo Governo Federal para combater os efeitos da seca em especial a seca de 1903-04. A obra só ficou pronta em 1904 pois ganhou fôlego com a verba da seca e o trabalho barato do Retirantes fugitivos da seca que assolava o Rio Grande do Norte. Na inauguração ,em pleno período de seca, foi realizado um “Festival da caridade” para distribuir segundo Câmara Cascudo “450 vestidinhos que foram entregues aos pobres”. Uma curiosidade é que para o Governador que dá nome ao teatro para poder ser eleito foi feito um jogo político que alterou a constituição em 1900 diminuindo a idade mínima para ser Governador de 35 anos para 25 anos, a idade de Alberto Maranhão.

Em 1904, em meio a uma grande seca no Estado do Rio Grande do Norte, os primeiros trilhos da Estrada de Ferro do Vale Açucareiro começaram a ser colocados na margem direita do estuário do Rio Potengi, saindo da Estação Aldeia Velha, na Ilha da Coroa, local atualmente em ruínas em meio ao manguezal nas proximidades do bairro Igapó. Este não foi o primeiro trecho ferroviário implantado no Estado – o pioneiro é de 1881. Ligava Natal a São José do Mipibu, e foi construído pela empresa inglesa The Great Western of Brazil Railway Company – mas era o que atendia às reivindicações dos proprietários de engenho da época (NATAL, 2003).

Convidado a dirigir os estudos, os serviços e as obras que ficariam a cargo da CSN, o engenheiro Henrique de Novaes não era desconhecido ou “estrangeiro” na cidade. Conhecera Natal como engenheiro civil recém-graduado (pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, onde se formou, em 1903), integrante da comissão federal (antecessora da criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas, em 1909) chefiada por Sampaio Correia enviada ao estado para estudar e combater os efeitos da seca e concluir a estrada de ferro que ligaria a cidade de Ceará-Mirim a Natal. Chegara em março de 1904, num período de convulsão social, com a cidade invadida por milhares de retirantes que esperavam o embarque para os seringais do norte ou os cafezais do sul. Em suas “reminiscências do Rio Grande do Norte”, contrasta a rica descrição do Sertão às poucas palavras que designam a “minuscula” e “atrazada” cidade (Novaes, 1987.).

Flagelados em Natal 1904. Acervo: Lemnisco Livros

O antigo escritório da Estrada de Ferro do Rio Grande do Norte, situado na Esplanada Silva Jardim, foi construído no início do século XX. Segundo Nesi (1994), sua inauguração ocorreu provavelmente em junho de 1906, por ocasião da visita a Natal do então presidente da República, Afonso Pena. A construção do prédio foi comandada pelo engenheiro Sampaio Correia que, a partir de 1904, chefiou em Natal uma comissão de obras contra as secas com a incumbência de, entre outras atividades, construir uma ferrovia.

A Comissão de Estudos e Obras contra os efeitos da Seca no Estado do Rio Grande do Norte foi embrião de uma instituição que teria seu raio de atuação bastante abrangente. Em 1907, a encontraremos com o nome de Superintendência dos Estudos e Obras Contra os Efeitos da Seca e atuando nos estados do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Piauí. Em 21 de outubro de 1909 iniciam-se as atividades da “Inspectoria de Obras contra as Seccas” – IOCS e em 9 de julho de 1919 é aprovado o regulamento da “Inspectoria Federal de Obras contra as Seccas” ou IFOCS.

Sumariamente, assim teremos a evolução dessa instituição: 1) Comissão de Melhoramentos do Porto de Natal, de 1893; 2) Em 1904, comissão de Estudos e Obras contra a Secca no Estado do Rio Grande do Norte que se desvincula da Comissão de Melhoramentos do Porto de Natal, mas ainda mantém-se como órgão federal; 3) Em 1907, Superintendência dos Estudos e Obras Contra os Efeitos da Seca; 4) Em 1909, Inspectoria de Obras contra as Seccas (IOCS); 5) Em 1919, Inspectoria Federal de Obras contra as Seccas”, ou IFOCS.

A criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas, em 1909, viabilizou a execução das primeiras estradas de rodagem do interior, utilizando mão-de-obra dos flagelados da seca, com recursos financeiros do governo federal, assim também em outras grandes obras, como o aterramento da campina da Ribeira, já mencionado, e o Teatro “Carlos Gomes”.

Porém, segundo Cascudo (1980), sem suprimentos do governo federal, os quatros primeiros governadores do Rio Grande do Norte administraram com muitas dificuldades, pelas oscilações de enchentes e secas, epidemias constantes, escassez de safras ou em abundância, com preço nada compensador. Diante destas considerações, as obras empreendidas pelo governador Alberto Maranhão (1908-13), principalmente com recursos externos, dotaram a cidade de símbolos que representavam a modernidade, progresso e sua administração.

Com base nos dados do balancete financeiro do governo de Alberto Maranhão, nos anos de 1910 e 1911, publicado no jornal “A República”, demonstra se na Tabela abaixo, as quinze obras de maiores investimentos, após recebimento dos recursos tomados por empréstimo pelo governo do Estado.

Obras e investimentos do governo estadual – 1910-11. Fonte: Adaptado pela autora, a partir de Almeida (2002, p.33) e Andrade (2003, p.23).

A Praça da Alegria, no centro da cidade, foi transformada em Praça Padre João Maria e recebeu calçamento em 1915, utilizando mão de obra dos flagelados da seca ocorrida naquele ano. Tornou-se um ponto de romaria de fiéis. Em 1921, atendendo ao grande desejo da população, foi inaugurado solenemente um busto de bronze do padre, colocado em um pedestal de granito com 4 metros de altura.

Em 1921 voltou ao Rio Grande do Norte para dirigir a seção local das Obras Contras as Secas, cargo que ocupava quando recebeu o convite, em janeiro de 1924, para estudar e projetar os melhoramentos materiais necessários “em conjunto e em detalhe”, para que pudesse ser executado de forma “racional e proveitosa” (S/t, A República, Natal, n.14, p.1, 17 jan. 1924.). Dentre esses melhoramentos, que incluíam a construção e expansão da infraestrutura de circulação (as estradas de ferro e de “rodagem”), afirmava-se a prioridade da construção do sistema de abastecimento de água de Natal, “porque é o problema mais premente, do qual dependem outros que se prendem ao problema geral do desenvolvimento das forças econômicas do estado” (Ibid). Assim, os esforços pela transformação da cidade em uma capital, centro do poder econômico e político de fato, justificavam-se também na necessidade de pôr termo aos “perigos” a que estavam sujeitas as aglomerações urbanas mais densas (Cf. Medeiros, J.A.B. (Mensagem de Governo do RN), 1924, p.35.).

Por outro lado, esse momento significou também o fim desse primeiro ciclo de reformas urbanas e o início de uma “crise” urbana – uma série de representações que procuraram tematizar os significados da perda e da não continuidade do processo de modernização – que perduraria até o início da década de 1920, o que se explica, mas não se esgota, pela história política e econômica local.

Várias razões podem ser evocadas para explicar este processo. Desde a perda de coesão e capacidade de articulação política da “oligarquia” dos Albuquerque e Maranhão após mais de duas décadas à frente do poder estadual, principalmente depois do falecimento do seu principal líder, o médico Pedro Velho; pelo declínio do principal sustentáculo econômico desse grupo político: a indústria canavieira; ou pela própria fragilidade econômica do estado, incapaz de suportar a sobrecarga no orçamento causada pelo pagamento dos juros e pela amortização do empréstimo francês de 1909; pelo início da Primeira Guerra Mundial, que causou a desvalorização de diversos produtos exportados pelo porto de Natal, e pela grande
seca de 1915 – embora não tão calamitosa quanto às de 1877 e 1904 – “responsável” pelo êxodo de mais de seis mil norte-rio-grandenses para o norte e sul do país e pelo prejuízo de mais de 70% na pecuária, como afirmou o governador que sucedeu Alberto Maranhão entre 1914 e 1919, o ex-desembargador Ferreira Chaves (Albuquerque Jr., 2001.).

Rocas vista da torre da Inspetoria Federal de Obras contra as Secas. Na fotografia aparecem as habitações concedidas pela Comissão de Melhoramentos do porto de Natal à população pobre da cidade. Notar o alinhamento das casas e da vegetação nos quintais. As ruas continuam com certa regularidade até a área conhecida como “Limpa”. Em primeiro plano temos as Oficinas de Marcenaria da EFCRGN com alguns vagões em manutenção, o local de abastecimento das locomotivas com a Caixa-d’água e a Carvoeira (plataforma de onde era colocado o carvão para abastecer a locomotiva). Notar que o alagado ainda não havia sido aterrado, apenas a parte relativa às instalações do parque ferroviário. A fotografia foi tirada da torre da Estação, que na ocasião abrigava a sede da Inspetoria Federal de Obras contra as secas – IFOCS. Fonte: NOVAES, Henrique de. Comissão de saneamento de Natal – Relatório de Abril de 1924. (Banco
de Imagens HCURB/UFRN).
Postal das Obras de implatação da ponte de atracação da EFCRGN e da “Barra Dunas”. A interação entre as obras portuárias e ferroviárias na modificação da paisagem é visível nesse postal do início do século XX. Essa ponte seria o futuro atracadouro do porto de Natal, cujos armazéns seriam consrtuídos apenas em 1928, no local do alagadiço onde estão atracadas pequenas embarcações. Já a “Barra Dunas” é a fileira de casas das Rocas que permitiram a fixação das dunas da Limpa. Nesse postal, que pretende propagandear as obras da Estrada de Ferro e da Comissão de Melhoramentos do Porto de Natal, os casebres dos retirantes aparecem como uma importante obra modernizadora da engenharia portuária e não como uma ocupação insalubre e indesejada.
Área da Praça Pedro Velho-Fonte-Livro 380 anos de história foto-gráfica da cidade de Natal 1599-1979
Área da Praça Pedro Velho-Fonte-Livro 380 anos de história foto-gráfica da cidade de Natal 1599-1979

PRESENÇA INDESEJADA

Com o agravamento da seca em 1904, algumas medidas e estratégias desenvolvidas pelos administradores locais norte-rio-grandenses em períodos anteriores foram retomadas. A seca de 1904, levou uma grande leva de retirantes a migrarem para capital e para as principais cidades do estado, onde esses vislumbravam melhores oportunidades para sobrevivência do que em suas terras natais, transformando-a em um problema de ordem pública primordial para o estado. No entanto, essa migração geraria um forte incômodo para os grupos dirigentes locais, interessados em construir para a cidade uma imagem de modernidade e civilidade, onde os flagelados eram vistos nitidamente como um empecilho para este esforço. George Dantas e Angela Lúcia, nos mostram como essas representações sobre os retirantes foram se alterando com o tempo, ao ponto destes se transformarem nos “indesejáveis” da cidade (FERREIRA, Ângela Lúcia; DANTAS, George. Os “indesejáveis” na cidade: as representações sobre o retirante da seca (Natal, 1890-1930). In: _. Surge et Ambula: a construção de uma cidade moderna Natal, 1890-1940. Natal: EDUFRN, 2006. p. 45-69.).

Postal (com data manuscrita) de 1906 do “Caes da Alfandega” de Natal . Fonte: Acervo Diário de Natal.

Pouco mais de ano depois, Henrique Castriciano discursava no salão do Palácio do Governo acerca do problema dos flagelados da seca na conferência intitulada Os humildes. Durante a Primeira República, os grupos dirigentes da cidade do Natal moveram esforços para lidar com os retirantes da seca que chegaram a instalar-se na capital norte-rio-grandense. A representação dos flagelados constituiu em um “estorvo às condições de salubridade de espaço urbano e um embaraço à própria ideia de moderno” (DANTAS, George A. F., FERREIRA, Ângela Lúcia. Os “indesejáveis” na cidade: as representações do retirante da seca (Natal, 1890-1930). In:__ (Org.). Surge et ambula: a construção de uma cidade moderna, Natal (1890-1940). Natal/RN: EDUFRN, 2006. p. 47.). O flagelado da seca foi culpado pela insalubridade e falta de higiene pública na própria cidade em que serviu de mão de obra da reforma urbana em prol de uma “nova cidade”. Henrique Castriciano discursou sobre esses agentes sociais em uma época em que as medidas emergenciais e assistencialistas em combate aos flagelados da seca haviam se transformado em saberes e projetos técnicos, científicos motivados por interesses políticos e econômicos (Ibid, p. 66.).

As discussões de Christovam Dantas sobre o aprimoramento da raça, ou a Eugenia, ganhava tom mais drástico para os que administravam a urbe natalense se considerarmos que, nesse período, em virtude das secas vividas no sertão, como por exemplo entre os anos de 1904 e 1906, e no ano de 1919, milhares de sertanejos vieram para a capital potiguar, tendo sido instalados como operários em obras diversas espalhadas pela cidade (SANTOS, 2012). Mas esses homens, não obstante seu contributo como mão de obra barata, eram considerados “indesejáveis” (FERREIRA; DANTAS, 2006, p. 45-68) na cidade, posto que seu comportamento, seus hábitos, eram tidos pelos que administravam a urbe como incompatíveis ao processo de modernização que empreendiam. A solução para a transformação desses homens e a redenção da raça, ao ver de C. Dantas, não era outra senão a educação.

Boa parte dessas alterações urbanas, que foram vagarosas, mas significativas, se tornaram muitas vezes alvo de críticas por parte dos grupos oposicionistas que acusavam os Albuquerque Maranhão de se utilizarem do discurso de “beneficiar” os retirantes da seca para solicitar verbas federais que, segundo eles, eram desviadas para as obras públicas de urbanização e embelezamento da cidade. Esses mesmos retirantes serviam como principal mão-de-obra na execução dos trabalhos, mas eram indesejados pelas elites, que não se agradavam com a presença destes nos novos ambientes reformados da cidade, visto que essas reformas não eram apenas das praças e passeios públicos, mas também dos comportamentos nesses novos espaços de sociabilidade.

As acusações dirigidas ao governador referentes às suas ações perante os flagelados não pararam por aí. O Diário de Natal denunciou o êxodo forçado ao qual os retirantes eram obrigados a aceitar. Segundo a Folha Oposicionista, Alberto Maranhão estaria enviando os pobres flagelados aos montes em navios para o norte, a fim de diminuir a massa de desordeiros que habitava a capital e as principais cidades do estado.

Diante de tais acusações, o periódico republicano saiu em defesa do governador, argumentando serem falsas as notícias, e de que nenhum dos flagelados estaria sendo obrigado a embarcar, pelo contrário, segundo o jornal, os próprios retirantes pediam passagens ao governador para tentar a sorte no norte. Alberto Maranhão justificaria suas ações afirmando que estaria tentando prevenir a população natalense, das principais cidades atingidas pela seca, das ameaças da aglomeração dos retirantes, que poderiam gerar graves problemas para saúde pública do estado, ao promover a proliferação de diversas doenças.

No entanto, segundo a Folha Republicana, o governador não estava deixando desamparados os flagelados, enviando médicos para “armazéns, barracões e outros lugares onde os infelizes estavam para não morrer a mingua.” Segundo o jornal A República, o embarque de retirantes para o Norte e seus respectivos portos de destino era sempre informado pelo governador, ao Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas por meio de telegramas (A SECA. A República, Natal, 7 de jun. de 1904). No dia 21 de junho de 1904 a secretaria do governador divulgaria a notícia de que os embarques dos retirantes para o norte haviam sido suspensos, não sendo mais necessários (A SECA. A República, Natal, 21 de jun. de 1904).

Na mensagem elaborada pelo presidente da República ao congresso, este cita os pedidos do governador do estado, Alberto Maranhão, de providências por parte do presidente em relação à situação dos flagelados do porto, que vinham ameaçando o próprio andamento das obras, já que o número de trabalhadores era maior do que a possibilidade de distribuí-los no porto para os serviços necessários.

CRÍTICAS AOS GASTOS

As ações do governo não passavam despercebidas pela oposição, que apesar de pequena e impotente estava sempre apontando irregularidades e expondo suas críticas. Esta oposição era chefiada por Elias Souto, monarquista e dono do jornal opositor do governo Albuquerque Maranhão: O Diário do Natal.

Sob o título “Não justifica”, o editorial do “Diario” expõe: “não condemnamos em absoluto a obra do jardim da praça Augusto Severo, achamos mesmo que é um serviço necessario para o aformoseamento e salubridade desta cidade” (Dia a dia – Não justifica. O Diário do Natal, 24 de julho de 1904), mas ratifica que não é o momento e que a verba usada para a obra deveria ser aplicada no socorro aos flagelados.

Era justamente através do Diário do Natal que se exteriorizavam as críticas mais ferrenhas ao governo do Estado. Entre as principais imputações feitas a Pedro Velho e seus apadrinhados estavam as acusações de nepotismo, tanto em relação a contratação dos funcionários quanto na contratação das empresas prestadoras de serviços ao Estado. Exemplo disso está na nota do Diário do Natal de 1904, ao comentar que os recursos federais de combate à seca estavam sendo desviados pelo governo para a execução de obras públicas na capital. Para o redator do Diário do Natal, “as obras públicas do estado foram feitas com o mesmo dinheiro, não se empregando nellas nenhum dos flagellados pela fome, mas somente pessoas apariguadas ao governo” (SECCA do norte. Diário do Natal, Natal, 13 set. 1904.).

O Diário do Natal, opositor do governo, não economizou tinta, acusando o governo de desviar recursos para a capital, quando esse dinheiro deveria estar sendo empregado no interior do Estado. Na nota que segue, o humor foi usado pelo jornalista do Diário do Natal para mostrar a indignação da oposição frente atitude tomada pelo governo em relação ao uso das verbas de combate à seca, providas pelo governo federal.

O Diário do Natal também demonstrava sua opinião nas reportagens da folha, no que diz respeito ao processo, encabeçado pelo governo, de desapropriação das moradias instaladas no futuro bairro da Cidade Nova. As reportagens, sempre em tom dramático, mostravam a violenta ação de tomada dos espaços ocupados pelos barracões, que aconteciam, segundo o jornal, sem que os moradores recebessem qualquer tipo de indenização. Em virtude de tal drama os redatores do Diário do Natal apelidaram o novo bairro de Cidade das Lágrimas, pois o novo bairro teria nascido das lágrimas dos desabrigados (SERVIÇO de cabra cega. Diário do Natal, Natal, 10 abr.1904.).

Em suas reportagens, os jornalistas do Diário do Natal geralmente punham em questão a origem do dinheiro responsável pela execução das obras e a necessidade de prosseguir com elas frente a outras urgências do Estado, como o combate à seca. Exemplo da posição dos jornalistas do Diário do Natal pode ser encontrado num artigo sobre as obras públicas de aterro e ajardinamento da Praça Augusto Severo em 1904. Nesse artigo a oposição critica a postura do governador Tavares de Lyra, que agiria somente em função dos interesses dos seus pares, a mando do seu sogro, Pedro Velho:

S. Excia. faz o que quer e bem entende no interesse de sua oligarchia; á seu sabor do seu sogro decreta os impostos e gasta as rendas publicas, sem a menor attenção, nem cavaco as contribuintes. Manda fazer um jardim publico, obra de luxo, de elevado custo, sem que para isso tenha a menor autorização do poder legislativo, porque vive s. exc. em absoluta e permanente dictadura financeira (GOVERNO urso. Diário do Natal, Natal, 14 jul. 1904.).

O jornal Diário do Natal continuava questionando os problemas das obras na capital potiguar, a qualidade e durabilidade dos trabalhos e as verbas gastas com inúmeras reformas:

Quem percorre os serviços ou obras públicas, feitos nesta capital […] conhece a logo a mais supina incompetência da parte dos executores dessas obras, porque ellas, ao embate de ligeiras chuvas, estão como que se lequifazendo, ou desmoronando. Sommas e sommas fora ahi gastas, destinadas aliás, as maiores, aos flagellados da secca – e o resultado é uma tristeza dolorosa, porque os melhoramentos aparentes não oferecem permanência alguma. […] A faina de construcção e reconstrucção de obras públicas nesta capital já parece uma mania; vai nella a maior parte das rendas publicas. […] Um escritor local, talvez algum profundo observador, já disse que – o Natal é a terra do já teve; e assim vai parecendo. […] Muito estimaremos que não se realisem estas nossas previsões, e que, em algum lugar de terá do já teve, possamos dizer: – terra do temos… (DIÁRIO DO NATAL, Natal, nº2915, 60, mar. 1906.).

Conforme vimos, essas experiências cívicas nunca chegaram a ser consensuais entre as próprias elites republicanas. Alguns, como Felipe Guerra, chefe político seridoense e um dos representantes da oposição à oligarquia Alberto Maranhão, expressou com contundência em um jornal local sua contestação a todas aquelas edificações e cerimônias cívicas, vendo nelas apenas o desperdício dos recursos públicos, movido pela vaidade do grupo dirigente local:

O monumento assim como pode atestar a grandeza, pode atestar a pequenez. Para um estado sem letras, sem escolas, com uma população de analfabetos, sem indústria, sem estradas, flagelado por crises de fome e de sede, não é dado cuidar de arte e literatura: seria principiar a edificar pela cúpula (Guerra apud Arrais (2006, p. 128-129).).

Enquanto a “ameaça” rondava o porto, uma denúncia atribuída à associação comercial de Natal foi feita ao engenheiro chefe do porto, Pereira Simões, que estaria utilizando a mão-de-obra dos flagelados para serviços particulares, neste caso, serviços na casa de veraneio do governador do estado. A matéria sobre esse uso indevido dos flagelados foi publicada no jornal carioca Correio da Manhã, que afirmou que a “denúncia” havia partido da Associação Comercial de Natal, presidida pelo comerciante Ângelo Roseli. A associação enviou ao governador um telegrama onde negava veementemente o envolvimento nas acusações (DIFAMAÇÃO anonyma. A República, Natal, 1 de mar. de 1904.).

Barracão das obras de melhoramento do porto “aboletado” de flagelados da seca de 1904 na cidade do Natal.

AÇÕES DE SOLIDARIEDADE

O teatro ganhou fôlego e virou instrumento de educação e exemplo de ações solidárias no início do século XX. A inauguração do Teatro Carlos Gomes, em 24 de março de 1904, nos dá mostras desse caráter. A peça que seria encenada na ocasião de sua inauguração fora escrita pelo educador Henrique Castriciano sob o título de “A promessa”. Ao contrário de outras encenações, A promessa contou apenas com a participação do público infantil, responsável por dar vida aos vários personagens criados por Castriciano. A peça, considerada indispensável para toda família, também tinha um propósito nobre. Toda a renda arrecadada com os ingressos vendidos do espetáculo seria destinada à assistência aos flagelados da seca e à compra de 450 vestidinhos que foram entregues aos pobres (CASCUDO, Luís Câmara. op. cit., 1980, p. 201.). O jornal A Republica fez uma especial menção à concorrência do teatro, que teria sido “selecta e numerosa, havendo enchente geral nas cadeiras e camarotes, onde estavam presentes as principais familias da sociedade natalense” (TEATRO Carlos Gomes. A Republica, Natal, 26 maio 1904.).

Fotografia de Bruno Bourgard dos retirantes da seca, em frente ao Teatro Carlos Gomes.

O Orfanato João Maria é exemplar de um processo que se iniciou no último quartel do século XIX, sobretudo nos países europeus, e ganhou força sob a égide do discurso democrático moderno do início do século XX. Sua organização e suas regras denotam claramente a passagem do que seria uma assistência caritativa aos pobres, para uma assistência filantrópica com bases científicas. O seu objetivo aí também muda. A assistência vista como fim, se torna meio, um meio capaz de corrigir efetiva e permanentemente comportamentos indignos, tomando sempre em consideração os fundamentos causadores da imoralidade, como também inculcando novos valores e novos estilos de comportamento às massas deserdadas (LIPOVETSKY, Gilles. A consagração do dever. In: _. A sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor dos novos tempos democráticos. São Paulo: Manole, 2005, p. 23.).

A segunda instituição – o Instituto de Proteção e Assistência à Infância, veio atender a uma demanda bem maior de indivíduos, sua função era salvar vidas. A ideia de se construir na Capital algum estabelecimento responsável exclusivamente pela infância pobre começou a ser gerada em 1917, quando o então presidente de Estado Ferreira Chaves chamava atenção para o destino mórbido que esperava as crianças desvalidas da Capital. Essa instituição teria a incumbência de diminuir os índices de mortalidade infantil, vacinar e revacinar as crianças, além de possibilitar o registro civil de nascimentos. Mas foi somente em 1919, sob a responsabilidade do Dr. Varella Santiago, sob o nome de Associação de Assistência à Infância, que a instituição se torna realidade. O mesmo médico já era sócio da Caixa Escola, trabalhando voluntariamente no atendimento dos alunos pobres do Grupo Escolar Frei Miguelinho.

Os propósitos do Instituto ganhavam todo sentido frente aos numerosos óbitos registrados entre as crianças da Capital pela Inspetoria de Higiene. A relação entre natalidade e mortalidade infantil em Natal era preocupante. Sem levar em consideração a faixa etária acima de 1 ano, nem os números de natimortos, abortos e infanticídios, e considerando apenas a década de 1910, temos um quadro em que quase metade do número total de óbitos registrados na Capital correspondem aos recém-nascidos. Salvo a epidemia de gripe que assolou a capital em 1918, e o aumento da população ocasionado pela imigração de retirantes da seca um ano antes, esses números permanecem praticamente inalterados no decorrer dos dez anos seguintes. Era atribuída a maior parte das causas da morte das crianças à total ausência de qualquer conhecimento sobre higiene infantil e sobre sua alimentação. Nesse contexto, o Instituto de Proteção e Assistência à Infância vem fortemente carregado dos preceitos higiênicos.

O casal, na figura de Manoel Machado, também aparece nas páginas dos jornais realizando obras de caridade, como quando o mesmo doou a quantia de 200$000 para o Fundo de irrigação também denominado Caixa das Secas: “O sr. Manoel Machado, chefe da firma M. Machado e Cª, desde praça, solidário com o movimento philantropico creado em torno da “Caixa das Seccas”, veio hoje ao nosso escriptorio trazer-nos com esse destino o importante donativo de 200$000” (A REPÚBLICA, 21/02/1920). A Caixa das Secas foi uma medida destinada a enfrentar o flagelo da seca teve origem em um amplo projeto de irrigação para o plantio de algodão no Nordeste apresentado pelo então deputado Eloy de Souza à Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro em 11 de agosto de 1911, mas somente se tornaria lei no governo de Epitácio Pessoa, a 25 de dezembro de 1919. Depois de anos e reformulações, foi criado o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) (CARDOSO, 2011: 13).

Em ‘SCENAS DE INFORTÚNIO” a Revista do Centro Polymathico do Rio Grande do Norte nas páginas 68 e 69 fez registro social dramático das consequências da ação seca na população interiorana do Estado no final da década de 1920. A multidão de flagelados se amontoam em Natal em busca de assistência em um dos momentos mais difíceis da vida destas pessoas, bem como de toda a cidade. Acompanhem:

“A lei da solidariedade humana não nos permitte fiquemos indifferentes ante a triste sorte dos nossos patrícios do nordeste, victimas das seccas periódicas que vêm dgspovoando o interior dessa desprivilegiada região. O quadro que estampamos acima representa uma agglomeração de indigentes, que, chegados do interior do Rio Grande Norte, recebiam sob o telheiro em que promiscuamente armavam suas andrajosas rêdes, os soccorros obtidos pelo professor Jeronymo Gueiros, que pode ser visto, entre as victimas da secca, cumprindo sua philanthropica missão. Nessas agglomerações antihygienicas muitos dos flagellados adoecem, tornando-se, desfarte, mais desesperadora sua situação de dor e de infortunio.

Que quadro triste !
—Fome, nudez, doença e desabrigo!..*.
Felizmepte, emquanto o professor Gueiros se empenhava cm distribuir os soccorros angariados especialmente pela A. C. M., de Porto Alegre, levândo os mais abatidos indigentes para abrigos particulares, e para o templo transformado em posto de soccorro, o governo estadual mandava improvisar um melhor abrigo onde os escoteiros natalenses distribuíam soccorros sob a direcção do professor Luiz Soares e as Damas de Caridade sot os auspícios da Igreja Catholica. A Maçonaria algo tem feito também em prol dos indigentes.

(Do “Jornal do Commercio” de Pernambuco).”
Recorte tendo como fonte: IHGRN
Vista parcial da Praia de Areia Preta. Foto: Manoel Dantas. Em fins do século XIX a Cidade Alta findava no sitio Cucuí, lado direito da rua Ulisses Caldas… Daí em diante era capoeira, mato ralo mas contínuo até os morros. Corriam picadas abertas, levando às moradas disseminadas numa área extensa e o caminho para o Morcego, hoje Praia do Meio. Areia Preta ficava no fim do mundo e os raros visitantes daquele recanto habitado por pescadores iam a cavalo, com os ares displicentes de quem viaja valentemente. Caçava-se por aí aos domingos (CASCUDO, 1999, p. 351).

EDUCAÇÃO COMO COMBATE A SECA

Os fatores econômicos não eram os únicos atingidos pela precariedade em decorrência de períodos de seca no sertão, mas também o setor educacional encontrava-se fragilizado nesse período, informações a este respeito podem ser encontradas em mensagens do Governo do RN nas páginas onde o Diretor Geral falava sobre a instrução pública. No ano de 1899 o Diretor Geral, reportava-se ao então Presidente de Província, Joaquim Ferreira Chaves, sobre a educação e a seca. Dantas (1899, p.1):

Dando-vos como me cumpre, conta do desenvolvimento geral do ensino público oficial, devo declarar-vos que é menos lisonjeiro que no anos anteriores. A seca que assolou o interior do Estado determinou o abandono de muitas escolas por parte dos respectivos professores, e a benevolência criminosa nos exames preparatórios trouxe, mais uma vez, a completa desmoralização do ensino secundário.

A situação alarmante da educação do RN identificada pelos governantes através de estatísticas da época, podem ser identificadas na pesquisa de Paiva e Medeiros Neta (2015, p. 88). Ao tratar sobre a escola pública no Rio Grande do Norte, as referidas autoras apresentam um quadro demonstrando o índice de analfabetismo presente na população norte-rio-grandense durante o período da primeira república.

Índice de analfabetismo no Rio Grande do Norte – Primeira República. Instituto Nacional de Estatística, Anuário Estatístico do Brasil, 1936 In: PAIVA E MEDEIROS NETA,2015, p.88

Podemos constatar a partir deste quadro, que ao final da Primeira República, o índice de analfabetismo diminuiu em apenas 10% da população. Comparando com os dados dos anos 1890, 1900 e 1920, resultando portanto em mudanças numéricas pouco significativas perante os primeiros 30 anos de governo republicano.

Durante a primeira gestão estadual de Alberto Maranhão (1900-1904), a necessidade de educar o povo passou a ser apreciada como tarefa governamental. Em sua fala no Congresso Legislativo do Estado, o recém-eleito governador, na época, ressaltou a importância dada à educação: “Instruir o povo e combater as secas é, a meu ver, a fórmula mais feliz para a divisa de quantos queiram, na administração do Estado, cumprir dignamente o seu mandado” (Mensagem lida perante o Congresso Legislativo do Estado na abertura da terceira sessão da terceira Legislatura. Natal. Tipografia d’A Republica, 1900.). Durante o regime republicano, podemos aferir que a educação era entendida como instrumento de desenvolvimento moral e intelectual do indivíduo. Esses, por sua vez, eram considerados como requisito importante para se alcançar o progresso, de acordo com o projeto republicano que se inspirava nas doutrinas progressistas e evolucionistas difundidas na época.

Contudo, ainda que os chefes políticos norte-rio-grandenses, entre eles Alberto Maranhão, Augusto Tavares de Lyra, Joaquim Ferreira Chaves, Antônio José de Melo e Souza e Juvenal Lamartine Farias tenham empreendidos esforços em suas gestões para criarem instituições educadoras que contribuíssem para a transformação e para o desenvolvimento da sociedade potiguar, o colégio secundarista Atheneu era considerado um caso a parte. A “égide ateniense”, assim denominada por Câmara Cascudo, não era aberta a todos os filhos da terra potiguar, uma vez que o seu programa curricular era destinado a formar exclusivamente os filhos dos homens de posse e de prestígio na capital norte-riograndense, já que nem todos os potiguares dispunham de condições financeiras para matricular e manter seus filhos nessa instituição.

Na primeira edição da Revista Pedagogium organizada pela Associação dos Professores, Manoel Dantas publica um artigo denominado Escolas Rudimentares. Onde delineava interessantes reflexões sobre a trajetória da Instrução no Rio Grande do Norte e a posição dos Governantes perante o combate à dois percalços enfrentados desde a proclamação da República: o problema das secas e a instrução pública.

Na visão de Manoel Dantas, desde o Primeiro Governador, Pedro Velho e o então presidente de Província em 1921, Antônio de Souza, refletiam a constante preocupação com o combate à seca e a elevação do nível intelectual do povo do Rio Grande do Norte através da instrução. Esse discurso permaneceu, portanto, desde o início da República em 1889 até 1921, ou seja, trinta e dois anos e o problema ainda não havia sido solucionado.

Quanto aos erros e acertos cometidos pelos governos ao longo das décadas para a solução do problema das secas e da instrução pública, Dantas (1921, p. 32) afirmava que, “em sempre as medidas terão produzido o resultado em vista; mas isso pouco importa, porque jamais descoroçou14 o poder público, nem o impediu de agir no sentido de acertar”.

Diversas são as preocupações direcionadas à instrução pública. Com o passar dos anos, muitas dificuldades enfrentadas tomam o foco, seja pela necessidade de formação adequada de professores, e a falta destes profissionais para assumirem cadeiras no interior, principalmente em períodos de seca, onde muitos pediam licenças e abandonavam suas funções.

Após uma seca em Caicó, as Filhas do Amor Divino vieram para Natal e, em 5 de agosto de 1932, foi criado o Colégio Nossa Senhora das Neves, ato
realizado por Alberta Garimberti, Imaculada Widdder, Anunciada Caldas e Luiza Dantas, recebendo apoio de D. Marcolino Dantas (então arcebispo da cidade), dos padres da Sagrada Família, e financiado por parte do governo do estado. Em 17 de janeiro de 1935, foi lançada a pedra fundamental do atual prédio, na Avenida Coronel Estevam, que era um sítio do Sr. João Tinoco. Como as irmãs tinham poucas condições, compraram apenas uma parte do terreno e a construção do colégio foi sendo possível devido às inúmeras doações recebidas.

CONFLITOS

A cidade, que tinha população em torno de 15 mil pessoas, ganha contingente populacional quase em igual número, uma gente esfarrapada, faminta, necessitada de tudo, que procura a periferia onde podiam erguer barracos para o abrigo da sobrevivência, mas o maior número de infelizes se concentrava ali, em volta da praça do teatro, podia-se dizer, ainda recém construído.

Foi um momento difícil. Saques, roubos, assaltos, desordens de toda ordem começaram a acontecer e os cofres do Estado estavam vazios para qualquer socorro a essa gente.

A seca, além de ser uma ameaça à ordem pública, era uma ameaça a uma região da cidade que se tentava organizar e racionalizar. Conflitos também, entre a leva de flagelados aglutinada no cais da alfândega, durante a seca de 1904, à espreita dos navios com alimentos que chegavam até Natal, trazendo o medo dos saques e da desordem pública no porto, aos administradores locais.

Paralelamente à seca, nos próximos anos, outra questão importante incomodou os administradores locais em relação ao desejo de instituir a sonhada sala de espera. Não bastava expulsar os retirantes, considerados como “indesejáveis na cidade”, era necessário também, para os grupos dominantes, alterar uma parte da cidade, de modo que o porto se integrasse ao tecido urbano.

Sala de espera que não admitiria visitantes ou hospedes considerados indesejáveis, como os flagelados da seca de 1904, que migraram para capital em busca de melhores condições de vida, ou dos antigos moradores da região portuária, que não tinham condições de realizar as mudanças exigidas pela intendência nas nos prédios próximos ao porto, que deveriam exibir, segundo o órgão, uma “arquitetura de bom gosto”.

Denúncias de saques no mercado público e às mercadorias que chegavam no cais da alfândega explodiam na imprensa, alertando o poder público para a ameaça dos flagelados. Muitos desses morriam próximos ao cais ou adoeciam nas proximidades do prédio da comissão de melhoramentos do porto. Um deles, foi socorrido próximo ao cais da Alfândega pelos empregados da comissão de melhoramentos do porto, após ter desmaiado em frente ao cais.

O fenômeno da seca, agravado em 1904, havia fomentado essa preocupação do Governo Federal em aproximar as capitais litorâneas do interior, facilitando o transporte dos socorros pedidos em relação aos flagelados da seca. No entanto, essa busca pelos grupos dominantes norte-rio-grandenses por aproximar a capital do interior gerou conflitos entres as principais cidades do estado. Tais conflitos se deram em função da necessidade de se escolher um porto no Rio Grande do Norte para ser o ponto de partida das vias de comunicações responsáveis por interligar as principais zonas produtivas do estado.

Flagelados da seca em 1904, acampados diante do muro da casa da viúva de Juvino Barreto, colégio Salesiano. Praça Augusto Severo. Foto: Bruno Bourgard

A Praça Augusto Severo tinha recebido, durante a grande seca do início do século XX, mais de 15 mil retirantes, em uma época que a população de Natal não ultrapassava 12 mil “almas”.

Os “barracões” montados na praça haviam deixado lembranças no mínimo aterradoras: saques, epidemias, mortes, violências, deportações, desespero e fome.

Os retirantes chegam mesmo a tentar invadir a casa do governador Tavares de Lyra em um episódio que ficou registrado pelas lentes do fotógrafo Bruno Bougard. O que teria feito ele, contratado pelo governo estadual para fotografar cenas oficiais e vistas da cidade, registrar esse momento inquietante e tão pouco lembrando pelos documentos oficiais? A cena em questão foge das representações dos retirantes como massa passiva de trabalhadores. A foto transmite certa espontaneidade, não há poses, o fotografo não teve tempo de estudar as condições mais adequadas para expor a chapa.

A luminosidade do céu vasa, ofuscando a cidade e os rostos dos flagelados não possuem nitidez. A avenida vira um tabuleiro: os atores ocupam os locais que lhe cabem. Das sacadas e das calçadas os observadores se distinguem dos revoltosos. Nesse momento, nas margens da rua, o poder “civilizador” militar, representado pelo soldado isolado e distante, parece impotente ante esse fenômeno.

Na rua, externando a face mais violenta da fome, os homens aglomeram-se na porta do governador para exigir providências. As mulheres, crianças e idosos afastam-se do confronto direto e no primeiro plano exibem para o fotógrafo outra violência. Como fantasmas, seus corpos vagueiam pelas ruas da cidade, ostentando ainda alguns objetos, fragmentos gastos de antigas fortunas.

Posses e identidades ficaram para trás, a seca destruiu tudo, só restou o desespero e a fome.

Esta foto fez parte do acervo particular do ex-ministro e ex-governador Augusto Tavares de Lyra e até então esteve desconhecida do grande público, escondida talvez de olhares sentenciadores.

Foto: Bruno Bougard, 1904 – Retirantes diante da casa do governador Tavares de Lyra (Futuro Memorial do Legislativo potiguar)

AS MORADIAS

Somava-se a população de desvalidos, o massivo número de retirantes na capital, em fevereiro de 1890, haviam mais de 3.000 flagelados em Natal, “(…) pelas estradas, pelas ruas das vilas (…), e até nas praças dessa capital do Estado (…)”, perambulando, se aglomerando e se alojando em condições precárias (NOTAS…,15/06/1889, p.01) reflexo da seca de 1888/1889, em busca de trabalho e habitação, resultando no primeiro momento de agravamento da crise habitacional em Natal.

Paralelo à construção da Cidade Nova, os governos, mais precisamente o governo estadual, e, em especial, os governos de Alberto Maranhão (1900-1904 e 1908-1913) e Tavares de Lyra (1904-1906), utilizando-se, muitas vezes, das verbas enviadas pela união para o combate ao flagelo da seca, prática essa que também gerava inúmeras críticas da oposição, providenciou também para os bairros da Cidade Alta e da Ribeira obras de melhoramentos que transformaram substancialmente a paisagem dessas duas áreas da cidade.

Nos anos de 1904 e 1905 o jornal “O Diário do Natal” acusava constantemente o governador Tavares de Lyra de desviar as verbas destinadas ao combate à seca para usá-las em obras de aformoseamento da capital e, em especial, nas obras de calçamento das ruas que ligavam a Ribeira e a Cidade Alta ao novo bairro da cidade que, segundo o jornal da oposição, era o lugar de morada da oligarquia Maranhão e seus correligionários.

A presença dos pobres e retirantes nas áreas “reservadas” às elites, no período em questão, marca a primeira representação de perigo social das multidões, das classes pobres e dos flagelados da seca na cidade, configurando-se também como justificativa para a realização de intervenções públicas e ações sanitárias, e para a outorgação de legislação restritiva às práticas populares.

As soluções dadas pela Intendência da Cidade frente ao agravamento do problema habitacional devido às desapropriações ocasionadas pelas reformas por que a cidade vinha passando, principalmente pela criação do bairro de Cidade Nova, da legislação imposta e da grande seca de 1903/1904, foram: a abertura de cinco ruas situadas nas proximidades do cemitério da cidade, situado no bairro do Alecrim – Araguay, Manoel Vitorino, Occidental, América e Borburema – e o loteamento dos terrenos para a construção de moradias populares, em 1902, e a indicação de quarteirões reservados para se conceber “loteamentos populares” nos bairros da cidade, em 1904.

Panorâmica dos bairros da Ribeira e Rocas, c. 1910s. Fonte: Lyra, 2001, p.24.

Em 1911 Logo recebeu a alcunha de “cais do sertão” por ser via de entrada dos imigrantes que vinham do interior do Rio Grande do Norte e, de outros estados, oprimidos pelas secas e atraídos pelas melhores condições de vida que a cidade ofereceria. Quando estes chegavam a Natal, o Alecrim era uma opção de abrigo.

Os que vinham do interior, em direção ao “cais do sertão” que era o Alecrim, faziam sua primeira parada em Natal na mangueira, que era como que um terminal, uma rodoviária improvisada, quase uma “parada obrigatória”.

Paralelamente à seca, nos próximos anos, outra questão importante incomodou os administradores locais em relação ao desejo de instituir a sonhada sala de espera. Não bastava expulsar os retirantes, considerados como “indesejáveis na cidade”, era necessário também, para os grupos dominantes, alterar uma parte da cidade, de modo que o porto se integrasse ao tecido urbano.

Os conflitos em torno das desapropriações dos moradores, em prol do processo de organização do espaço portuário, não se restringiriam a avenida idealizada por Pedro Velho. O local denominado de Rocas Baixa, também gerou disputas, envolvendo instituições importantes como a intendência e a comissão de melhoramentos do porto. Os terrenos das “Rocas Baixa”, situados no bairro da Ribeira na região próxima ao porto, haviam sido cedidos, nos primeiros anos de gestão da comissão, aos operários dos melhoramentos do porto e aos flagelados da seca. A concessão desses terrenos era uma das medidas adotadas pela comissão para realizar um dos primeiros e fundamentais serviços a serem empreendidos no porto: a fixação das dunas.

Vista do bairro das Rocas Fonte: Cicco, 1920.
“Natal – vista da torre da Inspectoria F. O. Contra as Seccas”. Fonte: CSN, 1924.

Embora uma considerável parcela da população migrante retornasse aos seus locais de origem após o término da seca, outra parcela se fixava na capital, o que contribuiu significativamente no crescimento demográfico, vivenciado, sobretudo, a partir da década de 1920.

Os investimentos na infraestrutura crítica da Cidade de Natal tem continuidade sobretudo na malha viária e na melhoria do sistema de saneamento da urbe. Estas obras impactaram no espaço urbano de comunidades dos mais carentes.

As avenidas dos coletores, em especial a do C.G. 1 são tidas como elementos essenciais na reorganização dos fluxos viários na cidade. Segundo os periódicos – retransmitindo as palavras da própria Comissão de Saneamento – a Avenida do C.G. 1, inaugurado em 16 de janeiro de 1936, a sigla C.G. significa “Coletor Geral” de esgotos. Essa avenida abrigava o Coletor 01, primeiro desse tipo a ser inaugurado em Natal, seria responsável pela redistribuição do movimento viário, desafogando, assim, a Avenida Rio Branco e proporcionando uma maior acessibilidade às estações férreas. Essa avenida, paralela à linha de trem, partiria das imediações do riacho do Baldo e, de acordo com os artigos então publicados nos periódicos, teria uma grande influência na organização do acesso às estações ferroviárias, especialmente a da Great Western, situada na Praça Augusto Severo.

A constatação acima reforça a ideia de que havia uma forte diferenciação sócio-espacial nas áreas adjacentes às linhas férreas, espaços ocupados pelas classes mais pobres do extrato social urbano da cidade do Natal. Em meados da década de 1930 essa organização sócio-espacial dos diferentes bairros componentes da estrutura urbana da capital já estava consolidada. As ferrovias representavam um importante papel nesse processo por serem elementos delimitadores e segmentadores de certas frações da cidade. Zonas pobres como o Passo da Pátria e a Guarita eram delimitadas pela estrada de ferro. Outras áreas sofriam com a segmentação imposta por seus equipamentos, como no caso do bairro das Rocas.

Espacialização das áreas adjacentes às ferrovias em Natal. Fonte: Acervo HCUrb. Nota: Elaboração do autor sobre o mapa do Plano de Sistematização de Henrique de Novaes para Natal, de 1924. O traçado da Cidade Nova está demarcado em laranja.
Os melhoramentos do Passo continuam durante todo o final do século XIX, e até o início do século XX o telheiro e o cais continuavam com considerável movimentação comercial, de acordo com fotografias desse período. Feira do Passo da Pátria. Cartão-postal do Início do Século XX. Mesmo após a construção da ponte férrea, a feira continuou com relativo sucesso. Na foto aparecem o telheiro e o movimento das pessoas e mercadorias. Ao fundo, pode-se ver os vagões do trem passando entre a feira do Passo e a Cidade Alta.
O Passo da Pátria em 1920, antes da construção da Avenida do C. G. 1. Casas alinhadas ao longo da via férrea. Fonte: Acervo do HCUrb.
Visitas dos deputados às obras do C. G. 1 em 1937. Pode-se ver o trem trafegando e ao fundo o parque da Great Western. Fonte: Acervo do HCUrb.
Casas sendo derrubadas durante a construção da Avenida do C.G. 1. Ao lado, a via férrea. Fonte: Acervo do HCUrb.
Construção do C. G. 1. Ao lado a ferrovia e parte do Passo da Pátria. Ao fundo o telheiro onde funcionava a feira dessa localidade. Fonte: Acervo do HCUrb.

No entanto, os “planos” de homogeneização e embelezamento das elites para Natal se distanciaram do propósito inicial e a perspectiva de atingir seus objetivos estava cada vez mais longínqua, corroborando para isso a ocorrência de mais um longo e penoso período de estiagem no ano de 1932 (O PROBLEMA…, 31/03/32, p.01).

Em fins de 1935, o problema da moradia urbana em Natal ainda era intimamente associado ao “mau gosto” das fachadas das residências, principalmente, às residências edificadas nos bairros das Rocas e Lagoa Seca (Ainda considerados a margem do perímetro urbano da cidade.), apontadas como os bairros dos “mucambos” da cidade (COMO…,15/03/1936, p.01).

Nesse sentido, as ações no campo da habitação social, na maioria dos casos, se propunham a garantir moradia para os flagelados da seca. Dessa forma, foram edificados mais abrigos para “(…) recolher [os] famintos e doentes que perambulavam pelas vias da capital (…)” (A PROPÓSITO…, 08/02/1934, p.01), e “(…) sanear as ruas de Natal, retirando os mendigos e internando-os (…), com toda assistência possível” (MEDIDA…, 20/01/1939, p.01). Como medida “complementar” foi, mais uma vez, terminantemente proibida pela Prefeitura à mendicância nas ruas da cidade, a partir do dia primeiro de fevereiro de 1939, devendo todos se dirigir aos dispensários e abrigos disponibilizados pelo Governo89 (MEDIDA…, 20/01/39, p.01).

A construção da primeira vila operária por parte da municipalidade também data dessa década, mais especificadamente, do ano de 1932. Esse grupo de pequenas habitações foi edificado no bairro do Alecrim e caracterizava-se por apresentar casas “(…) dotadas (…) do conforto indispensavel ás habitações modernas e com predominio de observancia dos preceitos de higiene arquitectural. (…) graciosas e elegantes, (…) serão, (…) abrigo e lar de modestos operarios (…) (A REPÚBLICA, 03/12/32, p.01). Foi a partir desse momento em Natal, que o Estado passou a conceber diretamente moradias, modificando definitivamente o seu papel de atuação no setor habitacional.

Rocas – Travessa Paraense. Uma série de normativas, restrições e punições, escudadas no combate à cidade insalubre, guarda uma relação direta com a formação dos territórios populares na cidade, expulsando os moradores que não tinham condições de obedecer às novas exigências construtivas para os dois bairros centrais – a Cidade Alta e a Ribeira – e contendo a grande leva de retirantes que acorria à cidade fugindo das secas e em busca de trabalho nas obras de modernização da capital, na construção de ferrovias, nos melhoramentos do porto, na abertura de estradas, ruas e avenidas. O surgimento de bairros como o Alecrim, as Rocas e o Passo da Pátria, por exemplo, está vinculado aos movimentos dessa nova lógica de ocupação espacial, na qual a segregação se tornaria estrutural.
Rocas – Uma família. A área urbana da cidade dividir-se-ia, grosso modo, entre a Cidade Baixa ou Ribeira e Cidade Alta. Contígua à primeira, mais ao norte e separada apenas por uma faixa de 400 metros – sobre a qual seria expandida a Ribeira, a partir do Plano Geral de Sistematização –, fica o bairro das Rocas. No lugar do aglomerado popular das Rocas, um novo “bairro das Dunas, cingido (…) pela avenida Beira-Mar”, destinado à população cosmopolita organizada em torno do porto. O bairro das Dunas no lugar das Rocas, por exemplo, reapareceria como um “bairro operário” no Plano Geral das Obras de Saneamento de Natal do engenheiro Henrique de Novaes, em 1924; e como um “bairro-jardim” no Plano Geral de Sistematização do arquiteto Giacomo Palumbo, entre 1929 e 1930, que Cascudo sintomaticamente chamaria de “cidade novíssima das Dunas”, numa provável reminiscência da conferência de Manoel Dantas.
IMAGENS DA SECA DE 1932 – Abrigo de flagelados em Natal. Foto. João Alves de Mello

Se, de um lado, havia as grandes obras, por outro, essa infraestrutura viabilizava a expansão dos “conjuntos habitacionais”. Com a implementação desses conjuntos, Natal foi considerada a cidade-piloto, que, num momento inicial, segue o eixo centro-sul e oeste, para posteriormente, com o novo surto populacional, expandir-se em direção à Zona Norte, para onde foram, em sua maioria, as classes sociais de menor poder aquisitivo. Costa (2000, p. 95) corrobora tal opinião ao dizer que:

Em Natal, […] a urbanização não se deu de forma isolada e diferente dos demais centros urbanos nacionais; no entanto, alguns fatos que são „específicos‟ da cidade marcaram esse processo, não corresponde de todo no quadro geral nacional. É importante destacar que o crescimento populacional da cidade esteve sempre atrelado, a exemplo de outros centros do país, ao elevado crescimento vegetativo e ao intenso fluxo migratório vindo do interior do estado e de estados vizinhos, provocado, quase sempre, pelas secas periódicas e pelo fato de a cidade se constituir, ao longo do tempo, fator de atração para essa população de migrante.

DOENÇAS

Por ocasião das grandes secas, como a de 1877 e a de 1904-05, os flagelados que afluíam à cidade praticamente dobravam a sua população, causando total colapso de abastecimento e serviços, o que colocava claramente a necessidade de uma perspectiva regional para enfrentamento deste problema secular.

O prédio que abrigou foi originalmente construído para sediar o Hospital de Caridade, na Cidade Alta, atual Casa do Estudante, teve sua construção concluída em abril de 1856. Depois de ser extinto em 1906, e recriado em 1909, o hospital foi transferido para outro local. Tal fato possibilitou que a partir de 1º de janeiro de 1910 passasse a funcionar neste prédio, situado na Rua Presidente Passos, com as devidas adaptações, a Escola de Aprendizes Artífices (NESI, 1994).

A assistência médico-hospitalar na capital do Rio Grande do Norte, no principio do século passado era prestada unicamente no Hospital de Caridade, chamado de Salgadeira, no lugar onde hoje funciona a Casa do Estudante. Fora criado pelo presidente Passos, por volta de 1856 para enfrentar uma epidemia de peste que assolou a capitania. No pacote foi construído o cemitério do Alecrim com a proibição do enterro de pessoas no chão das capelas e igrejas.

O hospital recebera o nome de Salgadeira por haver sido construído no lugar de uma antiga feira de carnes salgadas, um arremedo de arquitetura de um hospital. – Não era um estabelecimento modelar, mas um depósito de doentes desenganados, moribundos e pestilentos que as famílias abandonavam à própria sorte. Um prático de enfermagem funcionava como anjo da guarda, muito mais ajudando a morrer do que a curar. – (ARAUJO, iaperi. História da Faculdade de Medicina). Era dirigido pelo médico Pedro Soares com o auxilio dos doutores Afonso Barata e Segundo Wanderley.

A situação do hospital era tão critica, que os próprios médicos do corpo clínico, no final de 1905 pediram ao governador Alberto Maranhão a sua desativação, o que foi feito em beneficio dos próprios doentes. Em 1910 foi instalado a Escola de Aprendizes Artífices de Natal no dia 1º de janeiro de 1910 no prédio do antigo Hospital da Caridade, na Cidade Alta, atual Casa do Estudante.

Pra quem não sabe, nossa velha CERN, foi a Escola de Aprendizes e Artífices, em 1910.
Imagem do Google Maps em de registro em junho de 2019 copilada em abril de 2022.

A atuação conjunta de um agrupamento de médicos em torno de questões coletivas, pelo que consta, somente se dava em momentos de iminência de uma situação epidêmica ou da ocorrência factual de um surto de doenças contagiosas. Foi o que se deu novamente entre 1904 e 1905 quando a cidade foi assolada por uma epidemia de varíola. Em 1903 começaram a ser divulgados a existência de casos de varíola em Natal.

A mensagem de governo, em 1904, enviada pelo governador Tavares de Lyra, era categórica na afirmação de que o estado sanitário de Natal houvera se alterado devido a aglomeração de retirantes vítimas do flagelo da seca, que naquele ano castigara o interior do Rio Grande do Norte.

O jornal de oposição “O Diário do Natal” avaliando a mensagem governamental criticou o fato de ter sido encarregado, pelo governo, dois homeopatas para visitar e fornecer remédio aos doentes, o que segundo o articulista era muito tarde e somente aconteceu essa ação

Depois de terem morrido muitas pessoas pelas ruas e praças desta cidade, expostas ao sol e à chuva, tomou S. Exª. essa medida, aliás incompleta e além da situação. – Porque nessa emergência lançou S. Exª. mãos de 2 curandeiros e não de 2 medicos, que os tinhamos e dos mais distinctos da capital? (Dia a dia – A mensagem. O Diário do Natal 16 de julho de 1904).

Para se ter uma real noção da dimensão das consequências dessa seca na capital, basta mencionar que mesmo com a eclosão da epidemia de varíola que dizimava aproximadamente vinte pessoas por dia, a população de Natal aumentou para 30.000 habitantes. Encontravam-se nesse momento na cidade, segundo o censo demográfico, um total de 15.000 flagelados que migraram para Natal a procura de comida, trabalho e melhores condições de vida (DIÁRIO DE RIO GRANDE DO NORTE, 06/1999, p.110).

O então governador Augusto Tavares de Lira mandou fechar em 1906 o Hospital de Salgueira considerá-lo inservível. O historiador Câmara Cascudo, comentando a “amputação indispensável”, acrescenta que “Para que os doentes miseráveis não fossem atirados à rua, Sinfrônio Barreto ficou responsável por uma Enfermaria, S. Vicente de Paula, no antigo prédio, quase sem auxílio ou com eles insuficientes”.

Durante cerca de três anos, fora esta a medida paliativa encontrada para a saúde da capital, até que fosse edificado o novo hospital, cujas disposições legais e materiais se iniciaram no próprio ano de 1906. Em 12 de setembro 1909, foi inaugurado finalmente o novo estabelecimento hospitalar, que passou a chamar-se Hospital de Caridade “Juvino Barreto”, em homenagem ao industriário e filantropo Juvino Cezar Paes Barreto, e sob a responsabilidade do médico formado na Faculdade de Medicina da Bahia Januário Cicco.

Localizado no alto do Monte Petrópolis, espaço de grande visibilidade, no lugar da antiga casa de veraneio do antigo governador Alberto Maranhão, e nas proximidades da Praia de Areia Preta, o Hospital de Caridade Juvino Barreto gozou de uma geografia particular, escolhida segundo teorias médicas que viam no espaço, bem como no clima da região, fatores essenciais na luta contra as doenças.

O deslocamento espacial do Hospital de Caridade, saindo do bairro da Ribeira, na Rua da Salgadeira, posteriormente 2 de Julho, e dirigindo-se para o Monte Petrópolis, acompanhou um plano de expansão da cidade, devendo ser compreendido a partir da produção de um discurso higienista sobre a salubridade do meio urbano e seus inconvenientes para a saúde da população. Medicina e Geografia se entrecruzaram numa politicamente eficaz topografia médica, que serviu de matriz ideológica para os rearranjos espaciais que foram produzidos no interior da cidade.

No alto do Monte Petrópolis, na casa de veraneio do então governador Alberto Maranhão, localizada na atual Avenida Nilo Peçanha, em Natal, acontece a fundação do Hospital de Caridade Juvino Barreto (HCJB)
Avenida Nilo Peçanha, Petrópolis. No topo, ao pé da cerca de varas, a residência de veraneio do governador Alberto Maranhão, depois, 1909, Hospital da Caridade Juvino Barreto; hoje, Hospital Universitário Onofre Lopes.

Padre João Maria ajudou na luta contra a varíola, em 1905, em Natal, onde trabalhou pela libertação dos escravos, o que lhe rendeu o apelido de Pai dos Negros Forros. Criou em Natal a Escola São Vicente, para crianças pobres e fundou a imprensa católica, editando o jornal “Oito de Setembro”. Batizou, entre milhares de outros natalenses, o historiador Luís da Câmara Cascudo, no dia 9 de maio de 1901.

No dia 16 de outubro de 1905, acabou falecendo, vítima da mesma doença que tanto combateu, a varíola. Sua morte abalou a cidade e, desde então, é considerado como o Santo de Natal. Um busto, em sua homenagem, foi colocado na praça, que hoje recebe seu nome, localizada por trás da antiga catedral.

Foto do Padre João Maria em visita aos necessitados.

O Baldo também demandava preocupações, afinal era a fonte principal para o abastecimento d’água da cidade:

“Tendo demonstrado quanto é vantajosa a topographia desta Cidade, quanto é bello o ar, a agua pura, e o clima agradavel, devo agora dizer, que a não serem estes beneficios, que a Divina Providencia se apraz de conceder á esta Cidade, a saude de seus habitantes seria flagelada por mil causas de destruição, que o mais grosseiro exame descobre: certamente o Bardo [o Baldo] situado perto de uma das entradas da Cidade (lugar aliás de recreio e distração, e que em outro paiz seria de mil incantos) é um dos focos de infecção; por quanto recebendo no inverno todas as aguas que escoão das eminencias que o dominão, e com ellas as immundicias, que tambem descem; as folhas que se despem as arvores, que o cercão, e que ahi se putrefazem; as impuridades dos vestidos de sãos e doentes, que nelle são lavados; a immundicia sáe com as aguas pelo esgoto, em quanto este tem lugar, mas o resto fica, e fica cada vez peior, não só porque continua a receber impuridades, como tambem porque, crescendo a temperatura, a evaporação se faz com mais força, as aguas se reduzem, seccão, e o lindo Bardo se torna asqueroso e medonho, deixando ver o seu fundo de lodo, e lama putrida, donde se despendem miasmas para asphixiarem o mundo inteiro: entretanto um ou outro caso de febre intermittente perniciosa se observa!” (Wanderley, 1851, p. 12-13).

A prática da lavagem de roupa, um dos usos que a população natalense fazia do Baldo, bem como de que a área era circundada por densa vegetação.
Foto de João Galvão de 1930 mostrando a curva do Baldo, início da avenida Rio Branco,
subida para a Cidade Alta para os que vinham do Alecrim. Fonte: Lyra, 2001, p.31.
Hospital Juvino Berreto – atual Hospital Onofre Lopes – início do século XX (acervo – CD Natal 400 anos). Construído no bairro da Cidade Nova o hospital Juvino Barreto tornou-se, como o bairro, um símbolo dos novos tempos pelos quais passava a capital potiguar. Permeado de salubridade por todos os lados, com a fantástica vista para o mar, arejado
pelos ventos amenos trazidos de longe pelo oceano, recebendo a luz dos primeiros raios
de sol da manhã e se protegendo dos quentes e temerosos raios vespertinos, ladeado por uma vegetação que tinha a função de providenciar ao espaço ainda mais saúde e por um jardim cuidado pelas mãos cuidadosas das irmãs da congregação das Filhas de Sant’Ana; o hospital Juvino Barreto era, indubitavelmente, o lugar próprio da saúde em Natal.

Embora de forma sucinta, deve-se registrar as diversas ações realizadas para combater a constante insalubridade da capital nos anos seguintes, sempre à mercê dos inúmeros surtos epidêmicos e das levas de migrantes que irrompiam na cidade nos períodos de maior estiagem no sertão, como nas secas de 1877-79, 1890, 1902-04 e 1915. Os equipamentos considerados insalubres foram construídos ou removidos para áreas periféricas, como o cemitério público do Alecrim (1856) – rompendo com a prática das inumações em “solo sagrado”, nas igrejas, seus arredores ou em torno dos cruzeiros, que se tornavam impraticáveis com o grande número de óbitos ocasionados pelas epidemias; o “Hospital da Caridade” (1855), o Lazareto da Piedade (1882) e o Mercado Público (1888); em 1882 foi organizado um serviço de abastecimento d’água, com a cessão dos direitos de exploração ao dinamarquês Phelippe Leinhardt; introduziu-se o hábito do banho de mar como prática medicinal, e começou-se a montar um aparato estatal de controle e disciplina social, com legislação e instrumentos repressores próprios, a partir da organização da “Inspectoria de Hygiene Publica” estadual, em 1892 (Ferreira et al., 2003, cap.2.).

Não se pode deixar de mencionar que essa série de normativas, restrições e punições, escudadas no combate à cidade insalubre, guarda uma relação direta com a formação dos territórios populares na cidade, expulsando os moradores que não tinham condições de obedecer às novas exigências construtivas para os dois bairros centrais – a Cidade Alta e a Ribeira – e contendo a grande leva de retirantes que acorria à cidade fugindo das secas e em busca de trabalho nas obras de modernização da capital, na construção de ferrovias, nos melhoramentos do porto, na abertura de estradas, ruas e avenidas (Cf. Santos, 1998; Oliveira, 1999.) O surgimento de bairros como o Alecrim, as Rocas e o Passo da Pátria, por exemplo, está vinculado aos movimentos dessa nova lógica de ocupação espacial, na qual a segregação se tornaria estrutural.

O Isolamento de variolosos São Roque Fonte: Cicco, 1920.
A precariedade do matadouro público Fonte: Cicco, 1920.

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

A transformação de Natal em cenário de guerra possibilitou o rápido crescimento da cidade, mas também resultou em contradições e crises, manifestadas na deficiência do abastecimento de alimentos e água, racionamento de combustíveis, carestia, inflação, colapso no sistema de transporte, crescimento populacional e na falta de habitação para atender um elevado número de inquilinos e a consequente especulação imobiliária. O aumento da população foi ocasionado pela chegada de militares, de comerciantes– ávidos para obter lucros com a venda de mercadorias para os americanos – e a vinda de muitos flagelados da seca que assolava o estado do Rio Grande do Norte. Em 1940, a cidade de Natal possuía 54.836 habitantes, atingindo, em 1950, o total de 103.215 moradores. Em 10 anos, o incremento populacional foi de 88,2%.

A cidade não estava preparada para absorver todo o aumento populacional relativo aos militares (mais de 10.000 soldados americanos) e aos civis
que se dirigiam à capital em busca de trabalho.

A previsão da grande seca no interior nordestino foi anunciada em abril de 1942. Em anos anteriores, embora não tivesse uma atividade econômica que pudesse absorvê-los, eventualmente a cidade do Natal atraía os retirantes.

A cidade do Natal viveu o seu momento de turbilhão: milhares de pessoas se deslocavam para a Capital, vindos de todos os lugares. Um grande contigente de população chegou à cidade motivado pela seca no sertão do Estado, flagelados, mendigos que foram rapidamente abrigados em lugares distantes, na periferia pobre da cidade.

No início dos anos 1940, as notícias sobre a movimentação da construção civil e a oferta de empregos domésticos motivaram o deslocamento de milhares de flagelados e a situação na capital tornou-se grave e exigiu rápidas providências, particularmente ocupação e assistência social para a população que chegava e se instalava nas suas ruas.

Muitos vieram estimulados pela divulgação da existência de empregos, pois era de conhecimento público que os americanos estavam contratando mão-de-obra para os serviços mais pesados, como a construção da Base Terrestre “Parnamirim Field” e da pista “Parnamirim Road” e também pela divulgação dos investimentos que fiziam para suprir as Bases com gêneros alimentícios. Grande parte dos alimentos de que necessitavam eram importados, transportados por navios e aviões até a Base, porém estavam comprando grandes propriedades e destinando-as para a criação de gado leiteiro e de corte, assim como para a plantação de cereais e de árvores frutíferas. Um parque da cidade, por exemplo, a Lagoa Manoel Felipe, foi transformada em aviário para produção de galetos em grande escala. Da mesma forma, incentivavam e investiam em pequenos e grandes proprietários de terras agricultáveis ou com pasto disponíveis para que produzissem, pois a demanda da Base de “Parnamirim Field” era maior do que a quantidade que eles conseguiam trazer dos Estados Unidos.

Retirantes vindos do interior fugindo da seca. Próximo a Lagoa Manuel Filipe em 1904. (Diário da Tarde). Acervo: Eduardo Alexandre

O Governo do Estado criou a Comissão Central de Assistência aos Flagelados, dentro da qual “todos os assuntos seriam tratados em seus detalhes, com a organização das subcomissões e divisão da cidade em setores de atividades”. CAMPANHA de Assistência aos Flagelados: como decorreu a reunião de ontem no Palácio do Governo – importantes medidas para socorro às vítimas da seca – um telegrama do interventor do Rio Grande do Norte ao Dr. Aldo Fernandes – reúne-se hoje, às 14 horas, a Comissão Central. A República. Natal, 14 abr. 1942.

Em geral, costumava-se esperar por providências externas e, principalmente, depender de recursos federais para investir nas soluções necessárias, principalmente recursos para obras físicas – frentes de trabalhos no interior para desviar a rota de destino dos migrantes, antes que estes chegassem à capital (O GOVERNO e as populações flageladas. A República. Natal, 19 abr. 1942.).

A intendência Estadual precisava se municiar para enfrentar outra guerra: a guerra contra a fome e contra as restrições. Não interessava aos grupos dirigentes da cidade que homens, mulheres e crianças desnudados expusessem suas misérias na capital, que se espalhassem pelas ruas e batessem às suas portas, assim como não mostrassem a miséria social aos militares estadunidenses. Para isso, tratou de construir abrigos, determinou que a polícia impedisse a entrada dos que chegavam e os recolhessem a lugares improvisados. Estes eram barracões, construídos na periferia distante da capital, lugares isolados onde os flagelados eram retidos e forçados a se manterem afastados da área urbana:

A concentração das vítimas da seca evitará que se repitam os abusos até ontem verificados, e nesse sentido a Polícia tomará enérgicas medidas de repressão, não consentindo que continue o espetáculo constrangedor de que vínhamos sendo testemunhas. […]. Com estas providências o problema encontrou a sua solução mais lógica e eficiente (AVISOS à população. Construídos os abrigos para os flagelados: apelo à população. A República. Natal, 07 maio. 1942.,, p.1).

O abrigo dos flagelados fica num descampado longínquo da cidade, no imenso areal do Alecrim. […]. É um longo empalhado de emergência, uma morada de caráter absolutamente provisório. Nas suas divisões internas passaram a respirar os emigrantes do sertão, acossados pela falta de culturas, de trabalho, de esperanças, de chuvas. Não é tão grande a capacidade do abrigo (FRANÇA. Aderbal, Os quadros da seca. A República. Natal, 17 maio. 1942, p.8).

Estrutura de uma família patriarcal, típica do interior do nordeste brasileiro e vinda para o Alecrim no século XX. Fonte: Arquivo dos moradores do bairro do Alecrim. Nota: Família Oliveira originária do município de Pombal-PB, em 1945.

A crise de abastecimento na cidade se agravou progressivamente com o passar dos primeiros anos da guerra. Esta havia recebido muitos moradores e a mercadoria disponível no comércio tornou-se insuficiente para atender à demanda existente. Faltava comida, os comerciantes aumentavam abusivamente os preços dos produtos, tirando proveito da escassez de produtos, e previam o racionamento de alimentos.

Uma das alternativas planejadas foi a implantação de hortas residenciais, no entanto esta foi descartada porque a Cidade do Natal também começava a enfrentar dificuldades no abastecimento de água. De qualquer maneira, iniciativas individuais de hortas tiveram êxito na própria capital, particularmente nas proximidades da Lagoa Seca.

Com o objetivo de manter a população natalense num estado psicológico de mobilização permanente, a partir de 1941, até maio de 1945, a cidade viveu sob o impacto de várias campanhas: do alumínio, do estanho, do racionamento de combustível, da lancha torpedeira, da defesa passiva, e, finalmente do bônus de guerra. Isso sem falar na grande campanha em favor dos flagelados da seca 1942. (MELO, 2015, p. 13).

Em nível de vivências estaduais e dos municípios, informações recorrentes sobre os flagelados da seca, em Mossoró a situação era calamitosa, o estado mostrava que a ‘Campanha de assistência aos flagelados’ era administrada a todo tempo pelo Secretário Geral do Estado Aldo Fernandes, mas, as ruas de Mossoró e também da cidade de Natal, ficaram marcadas pela mendicância, o que torna nesse período um choque desse progresso que vinha do outro de fora com as mazelas sociais da seca assolando o Rio Grande do Norte com fome e miséria.

Paralelamente à ação desses órgãos e para solucionar o problema de moradia dos migrantes e da população pobre da cidade, a municipalidade criou loteamentos em terrenos na região periférica da cidade e construiu em um amplo terreno localizado no “subúrbio de Lagoa Seca” um “abrigo definitivo” onde essa população encontraria moradia, toda a assistência médica, alimentícia e vestimentas necessárias, além de encaminhamentos para empregos (O PROBLEMA…, 04/04/1943, p.03).

Flagelados da Seca (1943). Fonte: A República

A partir de 1940, com a escassez de recursos públicos para investimentos na modernização do espaço, observa-se que a prioridade do governo passou a ser os bairros de Petrópolis e Tirol.

Os bairros do Alecrim e Rocas, e as demais ocupações que existiam fora da área central da cidade – Refoles, Guarita, Passo da Pátria, Baldo, Quintas, Barro Vermelho, Guarapes – eram chamados de “bairros exteriores”. Estes foram se constituindo isolados e espontaneamente, sempre segregados do centro e com pouco investimento dos governos. Em grande parte, o assentamento dessa população fora da área central foi estimulado e definido por ações das administrações que se sucederam, as quais, desde o início do século XX, editavam uma legislação restritiva que tinha por objetivo “limpar o centro” e impedir legalmente que a população pobre se instalasse nas suas proximidades.

Prolongamento da Rua Presidente Quaresma. Fonte: Natal Não-Há-Tal – SEMURB.
O bairro do Alecrim já nascia como o mais populoso da cidade, abrigando 7.132 habitantes, distribuídos em 1.462 edificações dispostas esparsamente por um vasto terreno da cidade, localizado a Oeste de Natal. O período da seca, que deixou arrasada grande parte do interior do Nordeste brasileiro, trouxe um contingente enorme de flagelados para Natal, colocando o Alecrim como o maior recebedor desta população fugida da fome. O Alecrim surge, neste cenário, como o bairro que recebia a maior parte destes retirantes, tendo em vista a facilidade no seu acesso, e por dispor de uma gama de elementos característicos ao ambiente interiorano dos alojados como, por exemplo, a presença de sítios, vacarias, currais, feiras e a simplicidade da vida rural do Sertão, tornando-se o espaço preferido por esses fluxos.
O retrato desta situação foi que o Alecrim também ficou conhecido como “Cais do Sertão” devido ao gradual processo migratório de populações rurais que se fixaram naquele espaço muito conhecido, naquele momento, pela existência de um ancoradouro que as pequenas embarcações utilizavam para transportar os produtos comercializados na região.

Nestes anos, especialmente após a última grande seca, no interior nordestino, algumas alterações surgiram, no que tange à ocupação do sítio, sem diminuir substancialmente a importância daquele eixo. Densos núcleos habitacionais se formaram: a favela Pe. João Maria, a invasão da Brasília Teimosa e da Nova Descoberta. Estes novos núcleos em que vivem populações de baixíssima renda, em boa parte marginalizadas por falta
de emprego (e outros motivos), – não chegaram a provocar novas estruturas viárias. Os seus sistemas de vida são totalmente carentes de apoio estrutural, evidenciando sua condição de marginalização urbana.

Em Natal de 1940, esta região, era pouco povoada, predominando o matagal. Lugar ermo, distante dos bairros centrais, Nova Descoberta, era conhecida como Coréia dos Índios. O antigo topônimo foi eternizado, pelo forrozeiro Potiguar Elino Julião, nos versos da música “forró da Coréia”. Outros antigos topônimos foram, Capim Macio e Mundo Novo. A ocupação efetiva, do hoje bairro Nova Descoberta, ocorreu na década de 1950, quando imigrantes, fugindo da seca, ergueram moradias nesta localidade, na época terra pertencente a dona Amélia Machado, a viúva Machado. A antiga Coréia dos Índios, expandiu-se e transformou-se no bairro Nova Descoberta. Oficializado pela Lei n° 4.328, de 5 de abril de 1993.

Aluízio Alves apresenta-se como uma liderança que se firmava em Natal e arredores, seja pela sua presença no rádio, seja, principalmente, pela sua atuação em uma campanha de assistência aos flagelados e, depois, ocupando o cargo de diretor do SERAS, no início da década de 1940. Tais aspectos teriam lhe dado, nas palavras do próprio Aluízio, uma “boa situação emocional” em Natal, garantindo sua indicação para a vitoriosa candidatura de deputado federal em 1945. Assim, apresenta-se como um jovem precoce, movido pelo amor à política, ao jornalismo e ao povo.

O objetivo das Frentes era solucionar os problemas das favelas que surgiam em Natal, dotando-as de infra-estrutura necessária para amenizar as contradições com o entorno e as condições de moradia subumanas verificadas naquelas localidades. Utilizava-se neste sentido, a mão-de-obra da própria comunidade onde a Frente estava atuando, fundamentalmente migrantes das secas, já instalados na capital.

PÓS-GUERRA

As graves secas dos anos de 1950 também contribuíram para o crescimento da população da cidade, trazendo como consequência o açodamento
da crise social e econômica do RN. Por estas razões, a nova feição da cidade deu visibilidade aos problemas sociais.

Em fins dos anos cinquenta, a ocorrência de outra grande seca no Rio Grande do Norte acarretou a exacerbação do problema da falta de habitação destinada à parcela populacional de baixa renda devido à entrada, mais uma vez, de uma grande leva de migrantes na cidade. Nos anos de 1958 e 1959, Natal foi a cidade que mais cresceu em número de habitantes no Nordeste. Segundo o IBGE, a população de Natal passou de 160.000 habitantes no ano de 1957, para quase 195.000 em 1959.O número de flagelados que se encontravam instalados na capital no início da década de 1960 chegou a atingir 30.000 (trinta mil) (DESEMPREGO…, 1960, p.01). Essa conjuntura culminou no surgimento e no crescimento de diversas favelas na cidade, que caracterizaram o quinto momento de agravamento da crise de moradias.

Eram consideradas favelas nesse período, pela imprensa da época, qualquer ocupação irregular de traçado espontâneo, assentamentos sem planejamento ou infra-estrutura e grupo de habitações que não condiziam com as normas de higiene e beleza estipuladas para Natal. Dentre as favelas que surgiram na capital pode-se citar: Mãe Luíza, Brasília Teimosa – as primeiras localidades denominadas pela imprensa da cidade como favela –, Novo Mundo, Aparecida, Passo da Pátria, Nazaré e Dom Eugênio.

Os projetos de reforma urbana e regularização fundiária realizados nas áreas de Mãe Luíza e, principalmente, Brasília Teimosa, marcam a posição do poder municipal nesta frente de combate à crise de moradias, tendo o prefeito Djalma Maranhão como seu propulsor. Essas áreas foram loteadas e arrendadas pelo poder municipal e vendidas à população de classe média a partir de 1954, mas, com o passar dos anos foram invadidas pela população sem condições de custear uma residência e por aquela que fugia das secas que assolavam o interior do Rio Grande do Norte. Em fins da década de 1950 o quadro de higiene e salubridade das habitações ali instaladas era julgado preocupante.

O objetivo das Frentes era solucionar os problemas das favelas que surgiam em Natal, dotando-as de infra-estrutura necessária para amenizar as contradições com o entorno e as condições de moradia subumanas verificadas naquelas localidades. Utilizava-se neste sentido, a mão-de-obra da própria comunidade onde a Frente estava atuando, fundamentalmente migrantes das secas, já instalados na capital.

A construção de abrigos temporários ou dos chamados “Albergues Noturnos” foi uma solução bastante empregada pelo poder público na época.

Concomitantemente, verificou-se que nesse quarto momento, os fluxos migratórios em direção à capital, ocasionados pela seca de 1958, e as obras de modernização e embelezamento efetivadas ao longo da primeira metade do século XX, acabaram por gerar como consequência uma aglomeração popular mal alojada em grupos de habitações precárias, culminando no surgimento, em fins da década de 1950, das primeiras favelas da cidade.

Na década de 1970, houve também um grande surto migratório de origem nitidamente rural, que foi intensificado, na década de 1980, com a redução da utilização de mão-de-obra na agricultura, tanto por ocorrência da seca, como pela mecanização e sazonalidade do trabalho nas áreas que se especializaram para o setor exportador.

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UM ARTÍFICE MINEIRO PELO PAÍS: Formação, trajetória e produção do arquiteto Herculano Ramos em Natal / Débora Youchoubel Pereira de Araújo Luna. – Natal, RN, 2016.

Um espaço pioneiro de modernidade educacional: Grupo Escolar “Augusto Severo” – Natal/RN (1908-13). Ana Zélia Maria Moreira. – Natal, RN, 2005.

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