O Centro Náutico Potengy

Foi às margens do rio Potengi que surgiu a cidade de Natal. Seu nome tem origem na língua Tupi e significa “água de camarão”. Conectando as duas partes da cidade, o rio tem reconhecida relevância para o desenvolvimento da cidade por servir como principal fonte de abastecimento de água, além de ter sido fundamental para as atividades dos trabalhadores ribeirinhos e atividades culturais. Também foi nas águas do Potengi que surgiram práticas esportivas como o remo na capital potiguar.

Além do futebol, no início do século XX um outro esporte muito praticado pelos jovens em todo o Brasil era o remo, sendo um esporte caro, pois exigia roupa apropriada e equipamentos especiais, os seus praticantes eram, necessariamente, os filhos da elite local, aliás, não só o remo como também outros esportes. No entanto, o surgimento de novas associações desportivas na cidade nos faz pensar que, para os jovens, a prática de esportes estaria mais voltada à vontade de competir do que para a formação de uma geração saudável preparada para defender a pátria, como queriam muitos intelectuais.

O primeiro clube de remo de Natal foi o Centro Náutico Potengy, fundado em três de outubro de 1915 por um tenente ex-remador do Botafogo, no Rio de Janeiro. As cores do clube potiguar são homenagem ao alvinegro carioca. No mesmo ano, foi fundado o Sport Club de Natal, rival histórico do Potengy nas águas. No entanto, a prática do remo já acontecia em Natal.

As provas náuticas já movimentavam a vida social em torno do estuário Potengy nos últimos anos do século XIX. Em Natal, no início do século XX, foram fundados na cidade dois espaços reservados à prática esportiva: o Centro Náutico Potengy inaugurado em 03 de outubro de 1915, por iniciativa de Annibal Leite Ribeiro, capitão da Marinha Militar. Sua sede fica na avenida Tavares de Lyra – Ribeira e, como não há competição sem adversários, não demorou a surgir o Sport Club do Natal. Em mês de novembro do ano seguinte, sob a direção de Frederico Holder, foi inaugurado o Sport Club de Natal, uma agremiação esportiva. Nesse período, a modalidade futebol teve a sua prática bastante difundida na cidade de Natal e em todos esses clubes.

INAUGURAÇÃO

A inauguração dos clubes náuticos desenhava o início de um quadro que começava a se consolidar na cidade. Na primeira década do século XX, os esportes da cidade eram coordenados por clubes esportivos gerais, que organizavam as várias atividades esportivas, como o Sport Club Natalense. Essa ampla gama de esportes, coordenados por um único clube, passou a dar lugar a um outro tipo de associação esportiva, com clubes mais específicos, voltados para um número cada vez mais restrito de esportes. Esse era o caso dos Sport Club do Natal e do Centro Náutico Potengy.

A fundação do alvinegro, como era conhecido o Centro Náutico Potengy por lançar mãos das cores branca e preta para caracterização do clube, além do contexto citado do início do século XX na capital Potiguar, está ligada à figura do Tenente Aníbal Leite Ribeiro. Desembarcando na capital Potiguar nos idos da década de 1910 por recomendação médica, para tratar de uma doença respiratória, Leite Ribeiro, por ter servido à Marinha no Rio de Janeiro, havia entrado em contato com a prática do remo. O tenente, chegou, inclusive, a ser remador pelo Club de Regatas Botafogo/RJ, no qual teria se inspirado nas cores alvinegras e modelo do brasão com a âncora para o Centro Náutico. Atrelando a questão médica com a observação do rio Potengi, logo fora despertado por ele a necessidade da criação de um clube que repercutisse na sociedade natalense as benesses para a prática do esporte citado. O militar desportista permanecera fiel às suas funções e à cidade que escolhera de berço para o Centro Náutico até o seu falecimento, em 10 de março de 1925.

O grande entusiasta e incentivador do esporte náutico em Natal nos anos 1920 foi o tenente Aníbal Leite Ribeiro. Ele forçou a intensificação de treinamentos, inseriu o Centro Náutico Potengi em vitoriosas competições interestaduais, conseguiu viabilizar apoio financeiro para compra de novos barcos.
Brasão do Centro Náutico Potengy. Fonte: acervo do Centro Náutico.

É interessante perceber a partir da ata de fundação do clube, anteriormente citada, como a perspectiva de sociabilidade está atrelada ao processo de fundação da instituição, com a delimitação de sócios, contribuições financeiras e estruturação administrativa. São esses os indícios que afirmam a profissionalização do esporte em solo natalense ou, então, em águas do Potengi.

Fundadores do Centro Náutico Potengy, 1915. Fonte: acervo do clube.

Após cinco meses de fundação, o Centro Náutico Potengi batizou os seus quatro primeiros barcos de regatas construídos em solo potiguar: duas ioles e dois canoes. Iole: Embarcação estreita, comprida e leve, movida a remo; Canoe: embarcação a remo que, por sua característica de estabilidade, segurança e desempenho se torna ideal para o início da prática esportiva. A manutenção do clube era proveniente de seus sócios contribuintes e de organizações de eventos, que tinham como propósito arrecadar recursos para a agremiação. O surgimento do Centro, a partir de 1915, passou a movimentar, ainda mais, a vida social da cidade. Festivais, piqueniques, competições, bailes e confraternizações passam a reunir a elite natalense em torno desses acontecimentos. Os espaços entre a Rua Chile, lugar da sede/garagem do clube e o cais da Tavares de Lira, comum ponto de partida para as regatas, tornaram-se, cada vez, mais frequentados por aqueles que relacionavam-se direta ou indiretamente com o alvinegro.

Com a formação dos clubes oficializadas no segundo semestre de 1915, não tardou para que as regatas estivessem cada vez mais incorporadas à dinâmica da Cidade do Natal. Os melhoramentos feitos no cais da Tavares de Lira e as provas ocorridas até àquele ano deixavam claro que o espaço estava pronto para os páreos que seriam travados entre Centro Náutico, Sport e outros clubes que figuravam como coadjuvantes do alvinegro e do rubro-negro naquele momento. Entre patrões (Remador que dirige o barco e incentiva os remadores. Também pode ser chamado de timoneiro), vogas (Remador posicionado mais próximo à popa que é o que dita o ritmo da guarnição.), sota-vogas (Remador imediatamente após o voga, da popa para a proa, que o ajuda a marcar o ritmo da remada), sota-proas (Segundo remador, a partir da proa da embarcação.) e prôas (Remador posicionado mais próximo à proa, parte dianteira da embarcação.), o rowing (“Remo” na língua inglesa, usado frequentemente nos escritos sobre o esporte nas primeiras décadas do século XX.) natalense formava suas guarnições (Equipe de remadores e timoneiro que tripulam o barco) para rasgar as raias ao longo do Potengi com seus skiffes (Terminologia para os remadores e o barco de acordo com a quantidade: um, dois ou quatro.), outriggers (Dispositivo que conecta a forqueta (apoio dos remos) à embarcação.) e ioles.

Remadores do Centro Náutico em 1920: Nezinho Borges (1º à esquerda), Anibal Leite Ribeiro (no centro) e João Alves de Melo (à direita).
Hino do Centro Náutico Potengy. Publicação de 1918. Revista do Rio de Janeiro de circulação nacional.

O PRIMEIRO PÁRIO

O primeiro registro de um páreo com Sport e Náutico ficara por conta do jornal A República que em 16 de novembro de 1915 noticiara e descrevia com uma riqueza de detalhes o cenário que fora criado em torno dos esportistas dos clubes de remo, ao dizer que:

Todo o Cais, desde o Passo da Pátria até o elegante pavilhão destinado aos convivas em frente à Praticagem, estava repleto de famílias do qual tomariam parte seis embarcações, todas elas tripuladas por competentes timoneiros e vigoroso mancebos. Os navios ancorados no Porto apitavam freneticamente; ao largo, embarcações da Praticagem do Porto; da Escola de Aprendizes de Marinheiros, e uma lancha da Capitania dos Portos que conduzia o Governador, o Capitão do Porto, outras autoridades. Alunas da Escola Doméstica de Natal, ao término de cada páreo, premiavam as guarnições vencedores com medalhas, ainda no leito do Potengi. (PINHEIRO, 2019, p. 128).

Regatas no rio Potengi, 1922. Fonte: acervo João Galvão.

O esporte náutico praticado na beleza de um Rio Potengi menos poluído teve grande desenvolvimento a partir da fundação do Centro Náutico Potengi e do Sport Clube de Natal. Em dia de regata toda cidade fi cava em festa. A rivalidade era grande, assemelhada a um clássico de futebol nos dias atuais. As embarcações alvinegras e rubro-negras faziam disputas duríssimas com a participação animada das torcidas que se acomodavam principalmente no Cais Tavares de Lira e no Passo da Pátria. O terceiro clube náutico criado em Natal foi o Riachuelo com padrão alviazulino.

Quando um dos clubes adquiria uma nova embarcação havia a cerimônia do batismo do barco (ver foto na sequência). Cada iole recebia um nome, como Nísia Floresta e Potengi.

1918 – Guarnição vitoriosa do Centro Náutico Potengy

O grande entusiasta e incentivador do esporte náutico em Natal nos anos 1920 foi o tenente Aníbal Leite Ribeiro. Ele forçou a intensificação de treinamentos, inseriu o Centro Náutico Potengi em vitoriosas competições interestaduais, conseguiu viabilizar apoio financeiro para compra de novos barcos.

Nessa década o Remo entrou no High Society potiguar conforme ilustra o convite ao lado de outubro de 1921 para Soirée-Chic homenageando o tenente Leite Ribeiro.

A cidade entrou em festa quando o Centro ganhou competição com equipe de remo do Espírito Santo. Grandes remadores da época foram: Avelino Alves Freire Filho, Artur Veiga, José Barreto, Raimundo das Virgens e o espanhol Antônio Miranda Rey. Ele havia sido expulso do seu país por ser comunista e exercia a atividade de fotógrafo em Natal.

Iole do Centro Náutico singrando o Potengi, final dos anos 1940.
João Alves de Melo e remadores do Centro na Praia da Limpa.
Senhoras da sociedade na cerimônia de batismo de iole no Centro Náutico.

Chama atenção a presença de autoridades governamentais do Estado, como o governador, seus secretários e das alunas da Escola Doméstica da cidade. No contexto da presença feminina,

“Embora o esporte fosse compreendido fundamentalmente como uma prática masculina, no que se relaciona à sua organização e à possibilidade de participação direta nas provas, as competições também permitiram às mulheres uma nova forma de convivência social” (MELO, 2009, p. 69).

Percebendo-se, assim, uma influência do esporte, às mulheres no que diz respeito a um outro espaço de atuação, ainda que secundário, para além do contexto doméstico que estava bastante cristalizado na forma como a sociedade, à época, interpretava e concebia o raio de atuação da figura feminina. Com o passar do tempo, considerando o campo esportivo, esse pode ser interpretado como um primeiro passo, ainda que tímido, no sentido de que as mulheres também possam ocupar o papel de esportistas e não somente espectadoras.

REMAR É PRECISO

Numa discussão sobre a criação das agremiações esportivas na cidade, um cronista do jornal “A República”, de nome Chantecler, afirmava que o surgimento de mais agremiações, resultado da divisão das associações existentes, era “um immenso prejuizo que todos nós devemos destruir” (De minha carteira. A República 20 de setembro de 1910), posição que era compartilhada pelo jornalista Braz Contente. No mesmo artigo, Chantecler desabafava: “a nossa terra não possui ainda capacidade para manter numerosas sociedades esportivas e sim uma unica cohesa e disciplinada” (Idem), entretanto, o articulista reconhecia que evitar a separação, a dissociação ou a criação de outras agremiações era uma tarefa muito complicada e que já havia sido tentado em relação ao futebol, sendo tal façanha mal fadada. Para ele, era preciso que os jovens praticantes de esporte fossem convencidos da

Utilidade do sport, do beneficio enorme que elle traz às populações e aos paizes, quando praticados com método e vigor. É necessário, antes de tudo, que o indigena se compenetre da necessidade de crear musculos, de formar homens desempennados e rijos, pois estes serão os triumphadores de amanhan. (Idem)

A defesa das associações esportivas e da prática do esporte feita por Henrique Castriciano ia também nessa mesma linha e tendo um intuito pedagógico, no sentido da formação de uma geração de jovens saudáveis e dispostos, que pudessem intervir socialmente na construção de uma nação forte. Para ele, os rapazes deveriam ter um ótimo vigor físico, um bom condicionamento mental e uma excelente saúde corpórea “a fim de que sejam a tranqüila esperança da nação se ella precisar defender-se amanhã” (Idem).

Na citada crônica “A Juventude, os Sports e o Escotismo”, Henrique Castriciano dizia que em Natal os exemplos de agremiações esportivas eram poucos, mas as existentes eram a prova de que na formação dos jovens esse ingrediente educativo era muito necessário. Passando então a retratar a experiência do “Centro Náutico”:

Começou a um anno e já conta com cento e desoito socios bem disciplinados: quase todos já sabem nadar e remar e a transformação moral e physica por que pode ser averiguado por todos. Vá vel-os quem quizer ao amanhecer ou ao cahir da tarde, nadando ou remando dentro da nossa formosa bahia, com um vigor de athletas e um espírito de disciplina tanto mais consolador quanto é certo que isso dia a dia está concorrendo para formar a solidariedade que tanto nos falta (CASTRICIANO, Henrique. Op. Cit. p. 324).

Com a prática do remo, as águas do rio Potengi ganharam um colorido maior, tendo uma presença constante de rapazes robustos, fisicamente dispostos, saudáveis e disciplinados que, ao amanhecer ou ao entardecer, remavam a toques de remos vigorosos, numa luta contra a força da água, o tempo e a distância.

Essas associações estavam de acordo com todo o discurso médico higienista pregado pelos homens de ciência. O culto ao corpo virava rotina para os jovens, e em pouco tempo a fisionomia do rio mudou. Essa nova paisagem que surgia no Potengy não escapou aos olhos do tenente Leite Ribeiro, fundador do Centro Náutico Potengy:

É por certo um agradavel e consolador espectaculo a comtemplação do estuario do Potengy nas manhãs dos domingos. Cerca de quinze embarcações, grandes e pequenas, cruzam incessantemente as aguas mansas do rio, tripuladas pelos cultores do “rowling”. (NOTAS sportivas. A Republica, Natal, 19 set. 1916.).

Os esportes aquáticos apostavam na junção do lazer e bem-estar proporcionados pela prática de exercícios físicos. Em Natal, duas associações esportivas promoviam competições no rio e nas praias que cercavam a cidade. As provas disputadas de natação, remo e water polo não eram festas apenas dos atletas. Os convites se estendiam às famílias dos sócios, que acompanhavam as competições ao som da banda do Batalhão. (A REPUBLICA, Natal, 11 ago. 1916.) Em 1916, A Republica afirmou que aproximadamente 200 jovens natalenses dedicam-se à prática de esportes marítimos. (NOTAS sportivas. A Republica, Natal, 19 set. 1916.) Com os clubes náuticos e os estuários, a praia e o rio se consolidavam como ambientes de lazer para as elites natalenses.

Torcedores do Centro Náutico vestidos a caráter, de braços dados, com banda de música em dia de regata no Rio Potengi.
Atletas do Centro Náutico Potengy.

MERCANTILIZAÇÃO

A manutenção dos clubes requeria uma soma considerável de dinheiro, e quanto maior a estrutura física do clube, maiores os gastos envolvidos. Ao mencionar as dificuldades vividas pelos clubes, Ribeiro desabafava e pedia maior incentivo ao esporte, indispensável ao progresso dos clubes esportivos, já que “a contribuição mensal dos socios é diminuta e tem applicação obrigatoria no pagamento de aluguel de casa, agua, luz, empregados etc.” (NOTAS sportivas. A Republica, Natal, 19 set. 1916.) Desta forma, as confraternizações organizadas pelos clubes, além de promover a diversão dos sócios, permitiam a arrecadação de recursos para essas mesmas associações.

Outro indício de um despontar da profissionalização do esporte estaria na mercantilização do esporte. Enquanto as partidas de futebol agregavam cada vez mais torcedores, alguns comerciantes, e os próprios clubes, enxergavam aí uma oportunidade de ganhar dinheiro. Essa visão comercial do esporte foi explorada pelo proprietário da Casa dos Reis, ao anunciar a chegada de novas camisas listradas, nas cores preto e branco, aos torcedores e atletas do ABC e Centro Náutico Potengy (ANNUNCIOS. A Republica, Natal, 25 out. 1916.).

Não por acaso, a entidade estadual repassava verbas oficiais para que Sport e Centro Náutico custeassem as despesas em relação às provas e a manutenção do clube. O valor, segundo o periódico citado anteriormente, estava na casa de 1:000$000 (milhão de réis) para cada instituição. Era essa a quantia que financiaria, também, a organização de duas regatas oficiais, uma de abertura e outra de encerramento da temporada, sendo uma por cada clube, ao longo do ano e que figurava no calendário de festividades da capital potiguar. Por esse “dinheiro público”, os clubes, através dos jornais, também realizavam uma espécie de prestação de contas, afirmando que uma regata chegava a custar, aproximadamente, 3:000$000 dos quais estavam incluídas as medalhas de ouro e prata paras os vencedores, as taças e demais gastos que relacionavam-se ao evento. Era comum, também, que os comerciantes locais chegassem a patrocinar tais eventos em troca de que os páreos levassem os nomes de seus produtos ou de suas firmas. Como o “financiamento” do governo atingia os maiores valores, as provas ou páreos de honra, o ápice das regatas, recebiam o nome do Tenente Aníbal Leite Ribeiro, interpretado como o patrono do remo potiguar, ou do Governo do Estado. Numa descrição dos momentos de regatas, todo o evento festivo era celebrado sob a ótica de que:

As lanchas eram cedidas para as diversas escolas femininas, que davam um enorme colorido às competições. As lanchas embandeiravam, formavam-se cordões, havia bandas de música, os vencedores recebiam flores quando passavam pelo cais. Bons tempos! (LOPES, 1960, O Poti).

Recorte do jornal O Atleta, de 16 de jul de 1938. Fonte: acervo Semurb/Domingos Guará.

NO CENTENÁRIO DE FREI MIGUELINHO

Na sessão de 20 de maio, sob a direção do 2° secretário, o Sr. Nestor de Lima, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte resolveu promover, nos dias precedentes ao da comemoração do 1° Centenário de Miguelinho, festas esportivas, convidando os clubs náuticos e os de futebol da capital.

No dia 10 de junho de 1917, as comemorações do centenário de Frei Miguelinho tiveram início com o programa das festas esportivas. A primeira delas foi a “Grande regata do Centenário”, patrocinada pelo Instituto Histórico e Geográfico, na qual tomaram parte o Centro Náutico Potengy, o Sport Club de Natal, a Escola de Aprendizes Marinheiros e os marítimos da Alfandega e da Capitania do Porto. (Rev. IHGRN, vol XV, n° 1 e 2, 1917; 67.) Na ocasião, o desembargador Ferreira Chaves, governador do Estado e presidente de honra das festas do Centenário, marcou presença a bordo da lancha oficial, e da mesma forma, a diretoria e os demais membros do IHGRN, destacando-se aí uma comissão especialmente designada para fiscalizar o evento, se fizeram presentes a bordo da lancha “Affonso Barata”. (Idem.).

O dia 12 de junho de 1917 em Natal amanheceu chuvoso, o que não alterou a princípio o início das comemorações naquele dia. Segundo a Revista do IHGRN, apesar do mal tempo a população não havia deixado de se deslocar para a esplanada da Rua Silva Jardim, onde iria realizar-se a primeira parte das comemorações cívicas, com uma missa campal no lugar onde havia nascido Frei Miguelinho; local este demarcado em 1906, quando as comemorações do 89° aniversário da morte do herói norte-riograndense – organizadas pelo IHGRN – haviam tido ali seu ponto alto com a inauguração de uma lápide. (Rev. IHGRN, vol XV, n° 1e 2, 1917; 80.) O lugar assim escolhido para o início do desfile cívico ligava-se ao mesmo tempo à referencia da figura de Miguelinho e ao percurso (comemorações de 1906, lápide, nome da rua, à natalidade do herói republicano) no qual esta figura estava implicada.

Abria o cortejo o Esquadrão de Cavalaria, com a sua banda de Clarins, sob o comando do Capitão Fernandes de Almeida. Em seguida, guiando todo o préstito, desfilava um “carro triunfal”, atrás do qual se perfilavam todos os outros seguimentos, entre escolas, agremiações (literários, cientificas, esportivas), representantes de instituições públicas e dos municípios do Estado, autoridades, intercalados todos por bandas de música, contando ao todo com 36 segmentos (sendo o 37° composto pela população), fechados pelo o Batalhão de Segurança, com sua respectiva banda de música. (entre os quais o Centro Nautico Potengy).

João Alves de Melo, Paulo Lira e João Sizenando com equipe de remadores do Centro Náutico em 1917. Fonte: Hippie Drive-in e não Happy

CONSELHO SUPERIOR DOS SPORTES

O rio, o cais, os espaços da Ribeira, os atletas, seus familiares, as entidades governamentais, todos, em menor ou mais escala, envolveram-se cada vez mais com uma prática esportiva que, diante desse cenário, ganhava notoriedade e enveredava no caminho da profissionalização, diferindo, por assim dizer, de uma simples prática recreativa.

Nesse sentido, uma instituição que regulamentaria os clubes, as competições e os atletas foi criada em 1918. Denominada de Conselho Superior dos Sports Náuticos, criava normas de condutas, regras para competições, propunha registros em atas, num esforço de padronização que, minimamente, já era colocado em prática, individualmente, por clubes como Centro Náutico e Sport Club.

Em 1918, numa festa em homenagem ao editor-chefe da Republica, Eloy de Souza, foi anunciado o esboço de uma nova instituição esportiva que viria a renovar o quadro esportivo natalense. Tratava-se do regimento de dois clubes náuticos da cidade sob as normas de uma instituição superior, que seria responsável pela organização e coordenação das competições oficiais de remo e natação, além de mediar possíveis conflitos entre os clubes.

O novo Conselho Superior dos Sportes Náuticos, tão aplaudido por intelectuais e desportistas, alterava as regras da conduta esportiva dos clubes, padronizando-os, criando limites, obrigações e normas que deveriam ser seguidas. Deste modo, as associações de esportes náuticos passaram a ter seus eventos formalizados por uma outra instituição. A festejada união dos clubes teve lugar em um outro espaço de sociabilidade, muito prezado pelas elites locais, o famoso Natal Club. (OS CLUBES de regatas promoveram hontem, brilhante manifestação ao senador Eloy de Souza. A Republica, Natal, 6 mar. 1918.)

A proposta lançada por Eloy de Souza parece ter produzido bons frutos. À medida que adentramos nos anos de 1920, mais percebemos um aumento da articulação entre os clubes e o conselho. O sucesso do Conselho Superior de Sportes Náuticos inspirou muitos amantes do esporte a lutarem pela implementação de uma instituição semelhante que viesse a coordenar os esportes terrestres em Natal. A ideia pareceu sensata pois, ao que indicava ela funcionava muito bem com os esportes náuticos.

Questões relacionadas à fiscalização na promoção das regatas, reclamação dos clubes por inadimplência de seus sócios, inscrição de atletas nos páreos disputados nas regatas passavam a estarem na área de atribuição da entidade. Um caso emblemático, vivido na regata do segundo semestre de 1923 mostrara a atuação do Conselho Superior dos Sports Náuticos: um atleta do rubro-negro da rua Chile, por está na condição de devedor de suas obrigações foi eliminado dos quadros do Sport Club e passou a gerar cobiça por parte do alvinegro para tê-lo em seu quadro de remadores. Ao “contratar” o novo atleta, o Centro Náutico passou a sofrer pressões do Sport Club para que àquele não pudesse competir na regata que seria disputada em 7 de setembro de 1923. Resultado: houve apelação ao Conselho Superior por parte do rubro-negro que, não despertando ira na diretoria do Centro Náutico, acabou como vencedor geral daquele ano.

Inclusive, demonstrando que o “sportman”, como eram chamados os esportistas, nesse contexto especificamente os remadores, estava além do próprio campo de disputa em si, o diretor do alvinegro, Tenente Aníbal Leite Ribeiro, solta uma nota denominada “Saber Perder”, reproduzida na íntegra abaixo, no intuito de levantar o ânimo de seus remadores que, naquele ano, experimentaram o primeiro grande revés sofrido pela agremiação alvinegra.

Recorte do jornal O Atleta, de 3 de set de 1938. Fonte: acervo Semurb/Domingos Guará

Leite Ribeiro, por ocasião do revés sofrido numa regata disputada no dia de comemoração da independência do Brasil, 7 de setembro de 1923, buscou acalmar os ânimos dos “camaradas” de sua agremiação. Como já existira em atuação o Conselho Superior de Sports Náuticos, contestar a derrota sob acusações de má conduta da agremiação vencedora, no caso o Sport Club, seria irresponsável. Para tanto, o fundador do Centro Náutico, pautado no ideal do sportman, exalta que a euforia da vitória deve também transparecer na disciplina ética, ainda que tristonha, expressa na derrota. Usa como exemplo os trezentos espartanos conduzidos por Leônidas que foram sufocados pelo exército persa, na Antiguidade, mas que tiveram seus ideais escoando de bravura e coragem ecoando para a posteridade. Chama atenção, porém, que o Tenente Aníbal destacou que, nos páreos, o Náutico teria disputado todas que pode ou deixaram-no disputar. Pode ser, nesse caso em questão, uma evidência de que mesmo com todo o esforço das agremiações, alguns empecilhos para a continuidade plena das provas e manutenção dos clubes estivesse ocorrendo a partir da segunda metade da década de 1920.

POPULARIZAÇÃO

Nas décadas de 1920 a 1930 era grande a quantidade de jovens que praticavam o remo em nossa capital. O Rio Potengi era atração de lazer dos natalenses, superando as praias que eram “muito distantes”. Era comum famílias inteiras ocuparem barcos nas tardes de domingo para passear ou visitar a Redinha, muitos piqueniques eram organizados.

Por todo esse envolvimento, os periódicos passaram, cada vez mais, a cobrirem os eventos esportivos, de modo que a autora e pesquisadora Márcia Marinho chama atenção um novo fenômeno na imprensa natalense dos anos 1920, no qual:

Os esportes ganhavam espaços nas colunas de jornal à medida que ganhavam prestígio na cidade. No jornal A República, as notas sobre os jogos saiam das sessões de notas “Várias” ganhando o seu espaço próprio na primeira página do jornal. A coluna “Desporto” atesta diariamente a energia e vibração que o esporte espalhava pelos habitantes da cidade. (MARINHO, 2009, p. 14)

Família vestida a caráter passeia de barco no Rio Potengi, tarde de domingo de 1926.

Ao longo das três primeiras décadas do século XX, o remo foi se misturando ao dia a dia dos natalenses, ao menos àqueles que estavam entre os espaços citados anteriormente: Villa Barreto e Cais da Tavares de Lyra. Com todo o processo de ocupação do Rio Potengi para a prática esportiva, as mudanças processadas nas mentalidades e corpos a partir do final do século XIX, a montagem das agremiações esportivas e a instituição de um Conselho Superior que regia a prática náutica, o raio de influência dos clubes e àqueles diretamente ligados a eles cresciam.

Centro Náutico potiguar – fotografia de 1921 (autor não identificado). Fonte IHGRN (CD de fotografias).
Remadores do Centro Náutico Potengy – 1922.
João Sizenando Filho (sentado no centro), João Alves de Melo (primeiro em pé à esquerda) e colegas do Centro Náutico na Ponte de Igapó, Natal 1922

O culto ao físico não foi o único princípio dos clubes esportivos. Estas associações interferiam na vida da cidade de diferentes modos. No carnaval, por exemplo, não era incomum encontrar atletas e sócios empenhados em organizar festas ou pontos de parada das bandas marciais em suas sedes, como o Baile do Carnavalesco organizado pelo Centro Náutico em 1923. Ao comentar a festa organizada pelos atletas, o jornalista d’A Republica anunciou: “sabemos que uma grande comissão constituida por elementos de alto commercio da Ribeira, com o concurso de rapazes do “Centro Nautico potengy”, acaba de tomar a frente dos festejos carnavalescos a serem realizados na Avenida Tavares de Lyra.” (CARNAVAL. A Republica, Natal, 28 jan. 1923.).

Os bailes e confraternizações tinham lugar tanto na sede social do clube quanto em outros espaços de sociabilidade, dependendo da importância do evento. A chegada do time de remo do Sport Club do Recife em Natal foi motivo para uma grande soirée, promovida pelo Centro Náutico no Aero Club. (VARIAS. A Republica, Natal, 7 maio 1929.) Em 1921, uma outra comemoração levou os sócios do clube ao restaurante do Hotel Internacional, (VARIAS. A Republica, Natal, 9 out. 1921.) o que indica que as relações de companheirismo e amizade dos sócios não estavam restritas à sede do clube ou aos lugares destinados às competições e treinos. De fato, os mesmos membros das elites que compunham os clubes esportivos eram sócios de outros grêmios e associações, como o Natal-Club e, também, frequentadores dos espaços de sociabilidade das elites, restaurantes, praças, teatros e cafés.

Espectadores de uma regata, 1921. Fonte: acervo João Sizenando.
Em 17 de dezembro de 1921, o jornal denominado “Natal Desportivo” número 15 publicava artigo escrito por Aníbal Leite com o título “Trabalhemos”. O militar e desportista conclamava de forma entusiasta os remadores natalenses à intensificação dos treinamentos e empenho visando a participação em uma regata de caráter nacional prevista para o ano seguinte, no Rio de Janeiro, em comemoração ao
centenário da independência do Brasil.

Assim, o remo, esporte transformador de espaços, corpos e modos, chega ao final da década de 1920 perdendo espaço entre os “sportmans” natalenses e os que transitavam pelos espaços entre a antiga “Villa Barreto” e o Cais da Tavares de Lyra. Não se aponta aqui a supressão da prática e nem se apaga as benesses citadas ao longo desses escritos em relação àqueles que estiveram direta ou indiretamente ligados ao clubes náuticos, porém, define-se como um cenário de esvaziamento, na linguagem das competições esportivas, “maré vazante”.

A presença das autoridades oficiais também reforça a percepção de que as regatas eram um momento festivo para a cidade, inclusive, como noticiado pelo jornal O Atleta, em edição de 16 de julho de 1938, reproduzido que citava uma lei estadual que dava aos páreos de remo a condição de “Festa Official”. É importante perceber o destaque dado pelo periódico, em sua descrição não somente da regata, mas também de todo o desenrolar que envolvia o evento, entre esportistas, espectadores e autoridades civis para denominá-la como uma “festa oficial” no calendário citadino.

Nesse sentido, não se pode falar do Sport Club e do Centro Náutico somente como clubes que usavam as raias do Potengi para seus páreos. O entendimento do esporte para além do campo esportivo nos faz perceber que tais clubes passam a ser incluídos em situações de celebração da Cidade do Natal, como a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, noticiada pelo jornal A Ordem, de 1936 que destaca a presença de guarnições rubro negras e alvinegras na procissão fluvial pelas águas do Potengi. A festa religiosa é motivada pelas celebração da padroeira do bairro da Redinha. Foi incorporada ao Município de Natal, pela Lei n.º 603, de 31 de outubro de 1938, pelo então Prefeito Gentil Ferreira. O bairro da Redinha teve seus limites definidos pela Lei nº. 4.328, de 05 de abril de 1993, oficializada quando da sua publicação no Diário Oficial do Estado em 07 de setembro de 1994.

A então colônia de pescadores que originou o bairro, ainda no século XIX, passou a ter uma profunda relação com a Santa, fruto de um episódio de naufrágio que motivara uma promessa de preservação da imagem, que estava na embarcação, além da construção de um altar em terra firme. Foi então que, já no século XX, mais precisamente em 1924, foi construída uma capela no bairro e os festejos religiosos feitos no último domingo de janeiro, sempre marcados por uma missa e um tríduo pela manhã, encerrando com uma procissão fluvial na parte da tarde.

Procissão fluvial, 1922. Fonte: acervo João Galvão, 1922.
Recorte do jornal A Ordem, 26 de jan de 1936.
Equipe multicampeã de Volleyball do Centro Náutico Potengy em 1938. Da esq p direita , em pé: Dacio, Nesi, Marito. Agachados : Acácio, Maranhão e Fernando. Acervo: Carlos Magnos de Oliveira

Além disso, em desfiles cívicos pelas ruas da urbe, mais especificamente no bairro do Tyrol nos atletas das agremiações também se faziam presentes, demonstrando todo o espírito dos sportmans e a apropriação dos clubes nos espaços da cidade para além das águas ou competições.

Remadores do Centro Náutico em desfile cívico, 1932. Fonte: acervo Semurb/Domingos Guará.

Outra quebra de rotina proporcionada aos sócios dos clubes náuticos eram os passeios de lancha e piqueniques, organizados pelos clubes, que geralmente tomavam lugar nas praias e subúrbios da cidade.

Ainda no que diz respeito ao custeio desses clubes e seus eventos, é possível também destacar que os próprios membros, sportsmans (esportistas) ou sócios das agremiações precisavam, constantemente, estarem a par da realidade financeira no intuito de organizar eventos que arrecadassem recursos, uma vez que a mensalidade que pagavam, por volta de 5$000 (cinco réis), não era suficiente para a manutenção das agremiações. E nesses eventos, já como desdobramentos das regatas, percebia-se, uma vez mais, a movimentação da vida urbana da Cidade do Natal. Passeios, piqueniques, sessões de cinemas, bailes carnavalescos e confraternizações que mobilizavam espaços de sociabilidade no contexto da modernidade.

Família saindo para piquenique no Rio Potengi, 1922.

RAIDE NATAL-RIO DE JANEIRO

“À margem, a cidade em peso

Para aplaudir os grandes páreos […]

As guarnições em pugna ingente

Desde o cais da antiga Alfândega

Ao lado da Tavares de Lira e praticagem,

Os torcedores, aos milhares, Gritavam no auge do entusiasmo:

Esporte! Esporte!

Centro! Centro!

(As Regatas – Esmeraldo Siqueira)

Um dos capítulos valiosos do esporte náutico foi a realização do “Raide Natal – Rio de Janeiro”. Cinco entusiasmados remadores natalenses imaginaram, em 1932, fazer um raid a remo. Distância do percurso: 1.700 milhas – construíram o barco em 1937 e passaram 15 anos aguardando permissão para a largada espetacular. Além do ineditismo dessa proeza, o impressionante é que o mais novo dos remadores envolvidos já tinha 39 anos de idade quando iniciou a epopeia. E decorreram 20 anos para a concretização do sonho.

Ricardo da Cruz, veterano do remo natalense, idealizou inicialmente fazer o trecho Natal-Recife em uma iole e partiu com sua equipe de remadores formada por Antonio de Souza Duarte (voga), Aldo Costa Dantas e Jeremias Pinheiro Filho em 28/05/1932. Dois dias depois chegaram a Recife após haverem percorrido 150 milhas. O sucesso da empreitada animou o velho lobo do mar a conceber desafio ainda maior: percorrer 1.700 milhas e chegar ao Rio de Janeiro.

No andamento das providências para viabilizar a epopeia, muitas frustrações, na sequência de uma infindável série de obstáculos.

De acordo com a Revista “Século, Atualidade e Cultura”, dezembro de 1997, inicialmente o almirante Aristides dos Guilhen, Ministro da Marinha vetou a empreitada. O argumento era que o risco seria enorme, e reforçou a difi culdade em função da ida e avançada de Ricardo da Cruz (47 anos) e Clodoaldo Backer (44 anos). O ministro chegou até a advertir os cinco desportistas de que os mandaria prender no 1º porto se acaso tentassem violar a proibição.

Passados quase 20 anos da primeira aventura, Getúlio Vargas suicidou-se e o potiguar Café Filho assumiu a presidência da República, daí novos apelos e pressão dos aventureiros e dos esportistas natalenses. Finalmente a viagem foi autorizada por interferência pessoal do presidente.

Em 30/03/1952, Ricardo da Cruz, já com 62 anos e Clodoaldo Backer com 59 anos, comandaram a saída da frágil embarcação do Centro Náutico Potengi. Antes o prefeito Creso Bezerra entregou uma mensagem que os remadores deveriam levar ao prefeito do Rio de Janeiro.

Ao passarem em frente ao Cais do Porto, dezenas de esportistas e familiares aflitos aplaudiram os corajosos remadores, que conduziam a imagem de Nossa Senhora da Apresentação, a Santa padroeira de Natal. Barcos, canoas e jangadas acompanharam a saída dos aventureiros a partir do Cais da Tavares de Lira.

Reportagem publicada na revista “O Cruzeiro”, 10 de maio de 1952, com o título “Velhice Heroica – Remando de Natal ao Rio de Janeiro” deu grande destaque à epopeia dos desportistas…

Na manhã do dia 30 de março de 1952, a Cidade do Natal, amanheceu em festa, os heróis do remo partiram do rio Potengi em direção à Guanabara. A multidão ovacionou os tripulantes da Iole Rio Grande do Norte I. Não existia cores de nenhuma agremiação náutica, as cores levadas pelos atletas do remo, eram as cores da terra potiguar. Em cada enseada, escolhida para descanso, nossos heróis eram recebidos com festa, muitas foram as medalhas oferecidas pelas Câmaras Municipais no trajeto da Iole. Mas, nem tudo foi flores, o mar é bravo.

Após 62 dias de dificuldades no mar, muita chuva e frio, a embarcação enfrentou ondas gigantescas e foi completamente destruída próximo a Mangue Seco em Sergipe. A Iole Rio Grande do Norte I, não resistiu a força do mar. Os remadores perderam a imagem da Santa padroeira e foram salvos por milagre.

Conta João Alfredo em seu livro: “Sobre a Iole, rebentou um vagalhão, não houve tempo para nada, com muito esforço conseguiram nossos heróis nadar até a beira mar. Da Iole, só conseguiram salvar os remos.”.

A equipe recebeu apoio do governo sergipano e retornou a Natal de ônibus. Tudo perdido? Não, pois fazia parte deste grupo um “brasileiro que não desiste nunca”, Ricardo da Cruz.

Mesmo com o acidente, a equipe não desistiu e tratou de construir uma nova iole, mais reforçada, denominada “Rio Grande do Norte II”, ela foi batizada pela madrinha Jandira Café, então a 1ª dama do país.

A iole “Rio Grande do Norte II” foi levada para Aracaju em um Navio Caça Minas e daí até o local do desastre, onde em 05/02/1953 partiu para o Rio de Janeiro escoltada na saída por inúmeras embarcações. Fizeram parte desta segunda etapa: Luiz Enéas, Antonio de Souza, Ricardo da Cruz, Walter Fernandes e Oscar Simões. Etapa consagrada com a chegada na Guanabara. Dois remadores da equipe inicial estavam doentes e foram substituídos.

Finalmente a embarcação conseguiu chegar no dia 21/05/1953 ao Rio de Janeiro e a façanha – aventura sem precedentes na história náutica – foi registrada pela Rádio BBC de Londres. A antiga Capital Federal abraçava entusiasmada os Heróis do Remo, com desfile e exposição da Iole Rio Grande do Norte II, na Cinelândia marcaram a comemoração do grande acontecimento. O Presidente Café Filho recebeu os heróis potiguares no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, com toda honra e o feito estimulou uma nova geração de remadores. 

Prática centenária em Natal, remo valoriza as águas do Rio Potengi. O primeiro clube de remo de Natal foi o Centro Náutico Potengy, fundado em três de outubro de 1915 por um tenente ex-remador Anibal leite ribeiro.
lembramos um grande feito do remo nordestino para celebrar os 105 anos de fundação do Centro Náutico Potengy, fundado em 03 de outubro de 1915 em Natal, no Rio Grande do Norte.
Em 1953, um iole Quatro Com saiu da sede do Sport Natal, às margens do Rio Potengi, e remou em direção ao cais da Marinha no Rio de Janeiro. Foram 90 dias no mar, percorrendo 1.880 milhas náuticas ou 3.481 km. A notícia do desafio, chamado de Raid Natal-Rio de Janeiro, percorreu o mundo e foi considerado na época pela rede britânica BBC como o maior feito náutico da história.
Os remadores e o barco Rio Grande do Norte.
Ricardo da Cruz, Antônio Duarte e Clodoaldo Backer na passagem por Recife,1952
O barco era formado pelos remadores Ricardo Cruz (Sport Natal), Antônio de Souza (Potengy), Clodoaldo Baker (Sport Natal), Francisco Madureira (Sport Natal) e o timoneiro Oscar Simões (Sport Natal).
Heróis do remo do RN e suas idades quando da epopeia: Antonio de S. Duarte (voga) 50 anos, Francisco de Paula Madureira (sota-proa), Clodoaldo Backer (sota-voga) 59 anos e Ricardo da Cruz (“patrão”) 62 anos.
Oscar Simões, o caçula de 39 anos entre os remadores e as precárias condições das mãos e pernas devido longo tempo ao sol.
A chegada no Rio de Janeiro, ao fundo é o Pão de Açúcar. Foram 90 dias de mar, tendo percorrido, a remo, 1.681 milhas de Natal ao Rio de Janeiro.
Presidente Café Filho recebe equipe de remadores no Rio de Janeiro.

Os memorialistas Carlos e Fred Sizenando Rossiter Pinheiro relatam que Já no início dos anos 1960, “aos domingos logo cedinho o programa preferido do meu pai era nos levar, de lotação ou a pé, até a Ribeira. No estuário do Rio Potengi acompanhávamos as regatas e torcíamos pelo Centro Náutico em sua batalha semanal contra Sport e Riachuelo. Imagens marcantes, beleza plástica inesquecível. Meu pai fazia questão de chegar bem cedo, de visitar antes o Cais do Porto, de ver os navios recém-chegados, de nos explicar as bandeiras e respectivas nacionalidades. Ele acompanhava atentamente os preparativos que antecediam a competição e nos explicava o signifi cado de tudo. Sempre aproveitava para relembrar sua época de remador, explicava que o esporte náutico envolvia mais diretamente a classe média nos anos 1930 e 1940, que o público feminino acompanhava as competições de perto. Numa das vezes que estávamos visitando o Centro Náutico, acompanhei a conversa dele com um senhor grisalho baixinho, sorridente, com a pele muito queimada pelo sol. Era Ricardo da Cruz, um dos heróis do famoso Raid Natal-Rio. Fiquei curiosíssimo com a história e já quando nos deslocávamos para casa fiz muitas perguntas para o meu pai, “como é que eles comiam? Só comiam peixe? Como é que eles preparavam o peixe? Como é que faziam cocô?”, meu pai ficou meio enrolado pra explicar tudo…”

ATUALIDADES

De dias de glória a dias de luta para continuar sobrevivendo, em um mar de incertezas e falta de incentivo das autoridades. Essa é a situação do remo potiguar no ano em que o Centro Náutico Potengi. Da primeira prova oficial até hoje, os amantes do esporte vêm dando uma lição de como se manter ativo com o mínimo necessário e ainda cumprir a sua função social, que é ensinar o esporte para os jovens das comunidades carentes. 

A primeira regata de remo na capital potiguar aconteceu em 1897. Em Natal, sempre foi vocacionada para as atividades náuticas. Os pescadores nadavam e remavam para trabalhar. A raia de remo do clube é considerada uma das melhores do Brasil. Além do Sport e do Potengy, a capital potiguar conta, ainda, com o Clube de Regatas União. Nestes mais de 100 anos de história, o remo potiguar enfrentou desafios para preservar a prática e sua tradição.

Aos clubes de remo, Centro Náutico Potengy e Sport Club de Natal por se manterem ativos, contribuindo para a questão social do bairro da Ribeira, através das escolinhas de remo destinadas às crianças e adolescentes, bem como por toda a salvaguarda de uma história que mistura-se com a História da Cidade do Natal.

Em reportagem divulgada em 2019 pelo site Brasil de Fato, o clube conta com 33 atletas e aproximadamente 80 sócios-frequentadores, com idades que variam de 13 a 100 anos. O Potengy fornece bolsas para garantir que os atletas consigam permanecer praticando o esporte. O estatuto do clube prioriza que o dinheiro feito seja para formação dos atletas e mantimento do remo.

Os treinos são intensos e acontecem de maneiras variadas, tanto com o barco n’água, como em um equipamento que simula o remo. Também são feitos treinos de musculação e corrida, para melhorar o condicionamento e desempenho dos atletas. Dentre os benefícios da prática náutica está o maior controle da respiração, força e memória corporal muscular.

É a doação dos remadores mais antigos que ajuda a manter as embarcações que o Centro Náutico ainda possui. Um dos primeiros pontos ensinados aos alunos do remo, é de como cuidar e manter as embarcações prontas para ir para água. O trabalho é realizado diariamente e a garotada tira uma honrosa nota dez, na questão do zelo com o material. Prova disso, é que a Iole onde foi realizada a viagem Natal-Rio de Janeiro, construída em 1937 especialmente para enfrentar o desafio, ainda está com a cara de nova e vai a água com frequência.

O poder público constrói quadras e ginásios que favorece a prática de outros esportes, mas nunca teve o trabalho de manter uma raia para que os garotos pudessem iniciar nos esportes náuticos. com R$ 5 mil mensais daria para deixar o Centro Náutico Potengi funcionando como se deve. Mas nas condições atuais, essa questão não passa de um sonho distante. O clube possui apenas sessenta sócios, a maior parte do quadro é formado por crianças de comunidades, dispensadas de pagar as mensalidades. A ideia é realizar a manutenção da sede,   enquanto essa faixa esportiva não conseguir ser lembrada pelas autoridades públicas e os patrocinadores. 

O remo potiguar que está inserido num projeto da Confederação Brasileira para difusão do esporte entre a classe estudantil, recebeu três novas embarcações para realizar a inicialização dos novos alunos.  Os modelos são dois skiff’s e uma embarcação double, eles só podem ser utilizados por alunos do projeto de iniciação. O projeto é bem mais amplo, falta ainda a Confederação Brasileira de Remo, realizar mais alguns repasses e enviar instrutores para Natal. 

A despeito de possuirmos em nosso estuário uma raia bastante elogiada tecnicamente pelos profissionais da área, tanto em termos de extensão como em outros parâmetros técnicos para o Remo olímpico, a prática do Remo experimenta um momento de baixa já há algum tempo. Os dois clubes de Remo mais tradicionais da cidade, o Centro Náutico Potengy e o Sport Club de Natal, centenários, tiveram seus dias de glória no passado, mas atualmente lidam com grandes dificuldades para atrair associados, gerir os clubes, manter e ampliar o acervo de embarcações. O Remo, como modalidade esportiva, parece não ter o poder de atração de jovens para a sua prática como um dia já teve. Essa situação de desprestígio torna-se perceptível inclusive na segregação espacial impingida às instalações dos dois clubes, seja pela expansão do porto de Natal, por meio da Companhia de Docas do Estado do Rio Grande do Norte – CODERN, seja pela pressão exercida pelas empresas de pesca profissional. Essa pressão obrigou os clubes de Remo a negociarem suas instalações à beira do rio, passando a ocupar espaços menores para seus galpões, inclusive limitando sensivelmente o espaço de acesso dos barcos às suas rampas e garagens.

A ação visa mostrar às autoridades que o clube criado no dia 3 de outubro de 1915, insiste em viver e manter viva, no seio da  sociedade potiguar, a rica história do remo, que no início da década de 50, fez a capital do RN se transformar em notícia mundial. Fato que ocorreu quando no dia 21 de maio de 1953 a Iole Aníbal Leite Ribeiro, composta por quatro remadores e um timoneiro, atracou no cais da Marinha no Rio de Janeiro, após sair da sede do Náutico em Natal.  

Lá chegou ao fim a aventura que a BBC de Londres, à época, classificou como o maior feito náutico mundial e registrou para sempre os nomes de Ricardo Cruz, Antônio de Souza, Clodoaldo Baker, Francisco Madureira e o timoneiro Oscar Simões, nos anais da história do remo brasileiro. Foram 90 dias de mar, para os remadores percorrerem as 1.681 milhas náuticas que a capital potiguar da capital fluminense. 

É justamente por honrar esse grande feito, que a modalidade continua remando contra maré e se mantém viva e atuante no Rio Grande do Norte à espera de dias melhores, porque navegar é preciso. 

No Ranking de Clubes por Esporte e por Gênero da Competição Principal do Comitê Brasileiro de Clubes mostra que no período de 01 de maio de 2022 a 30 de abril de 2023 o Clube Náutico Potengy está posicionado em 15º no masculino e 7º no feminino.

A diretoria do Centro Náutico Potengy em 1944.
Rio Potengi – Regata de remo em 06 Jul 1958 – foto do acervo legado por José Guará.
Centro Náutico Potengy, localizado na Rua Chile, às margens do Rio Potengi. Foi fundado em 3/10/1915 para a prática do remo. A placa do CNP tem a data de fundação corroída exatamente no ano, mas me dá a impressão de ser 1917. Foto: Roberto Grant Furley de Oliveira.
Na Rua Chile, também funcionou, o Wonder Bar. Contudo, nem só de boêmia, comércio e glória, esta rua foi palco. Outras atividades, por lá passaram, por exemplo, às esportivas. Os clubes náuticos de remo, como o Centro Náutico Potengi e o Sport Clube de Natal, ambos fundados em 1915, funcionam lá. Inclusive, recentemente, tive a oportunidade de conhecê-los.
Localização do centro Náutico Potengy.

FONTES SECUNDÁRIAS:

LOPES, Everaldo. O Poti, Natal, 15 de maio de 1960.

MARINHO, Márcia. Ao mar gente moça!: esporte como meio de inserção da modernidade na cidade de Natal. Recorde: Revista de História do Esporte, v. 2, p. 6, 2009.

MELO. Victor Andrade de. Das touradas às corridas de cavalo e regatas: primeiros momentos da configuração do campo esportivo no Brasil. In: PRIORE, M. L. M.. História do Esporte no Brasil: do Império aos nossos dias. 1. ed. São Paulo: UNESP, 2009. p. 35-70.

PINHEIRO, Carlos Sinezando Rossiter. Natal do século XX: memórias, fatos e fotos marcantes. Natal: 8 Editora, 2019.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

(POR)ENTRE PEDRA E TELA: a construção de uma memória republicana (Natal – 1906-1919) / DIEGO SOUZA DE PAIVA. – Natal, 2011.

ALFREDO, João. Heróis do remo: História do raid Natal – Rio de Janeiro. Natal: Editora Clima, 1987; FILGUEIRA NETO, José Procópio. Os esportes em Natal. Natal: FENAT, 1991

AO MAR GENTE MOÇA!: O ESPORTE COMO MEIO DE INSERÇÃO DA MODERNIDADE NA CIDADE DE NATAL / Ms. Márcia Maria Fonseca Marinho. – Recorde: Revista de História do Esporte Artigo volume 2, número 1, junho de 2009.

A CONSTRUÇÃO DA NATUREZA SAUDÁVEL: NATAL 1900-1930 / ENOQUE GONÇALVES VIEIRA. – NATAL / 2008.

Anuário Natal 2009 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009.

Contra a maré: Náutico de Natal completa 105 anos de história. Tribuna do Norte. http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/contra-a-mara-na-utico-de-natal-completa-105-anos-de-hista-ria/493983. Acesso em 29/06/2023.

Educar para o lar, educar para a vida : cultura escolar e modernidade educacional na Escola Doméstica de Natal (1914-1945) / Andréa Gabriel F. Rodrigues. – Natal, 2007.

Dos bondes ao Hippie Drive-in [recurso eletrônico]: fragmentos do cotidiano da cidade do Natal/ Carlos e Fred Sizenando Rossiter Pinheiro. – Natal, RN: EDUFRN, 2017.

Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na Belle Époque Natalense (1900-1930) / Márcia Maria Fonseca Marinho. – Natal, RN, 2008.

Prática centenária em Natal, remo valoriza as águas do Rio Potengi. Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2019/12/04/pratica-centenaria-em-natal-remo-valoriza-as-aguas-do-rio-potengi. Acesso em 29/06/2023.

PRÁTICAS CULTURAIS DE LAZER E ESPORTE NO ESTUÁRIO DO RIO POTENGI – NATAL/RN: REALIDADE E POTENCIALIDADES. XX COBRANCE – VII CONICE – 17 A 21 DE SETEMBRO DE 2017 – GOIÂNIA/GO. Wouder Max Azevedo de Araújo; Layana Alves de Morais; Carla Virgínia Paulino da Silva; Sandoval Villaverde Monteiro; Carlos Eduardo Campos Freire.

Ranking de Clubes por Esporte e por Gênero – Competição Principal – Ano II. Comitê Brasileiro de Clubes. https://www.cbclubes.org.br/ranking-principal/24. Acesso em 29/0/2023. Encontramos nesta pesquisa alguma referências sobre algumas das competições que ainda movimentam a prática esportiva do remo entre as quais destacamos a Copa Natal de Remo e a Regata do Campeonato Estadual de Remo do Rio Grande do Norte disputadas pelo Centro Náutico Potengi, o Clube de Regatas União e o Sport Clube de Natal

Remar para (re)pensar: Centro Náutico, Sport Club e o remo natalense (1900-1930) sob a ótica da educação patrimonial no Ensino de História / Matheus Câmara da Costa. – 2021.

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