A deficiência na qualidade dos serviços urbanos de Natal (1920)

As discussões sobre a insuficiência técnica da Usina elétrica do Oitizero, sobre os atrasos e os constantes descarrilamentos dos veículos do bonde devido às linhas mal conservadas ou mesmo sobre a (falta de) qualidade da pavimentação urbana nortearam o noticiário de Natal durante a década de 1920. O que estava em questão era a condição “moderna” de Natal ou, mais ainda, a sua condição mesma de cidade.

Sucumbir a esse quadro significava assistir a perda dos signos urbanos modernos havia pouco e mal-e-mal instaurados e, pior, voltar à condição de atraso e ignorância que marcara a vida urbana de Natal no período pré-republicano. O quadro de fragilidade dos serviços e equipamentos urbanos era formulado, de fato, como uma situação-limite que, assim, reclamava urgência na resolução dos problemas.

Como diria Manoel Dantas, em um artigo de 1921 sobre “os serviços da cidade”:

“Ao governador deve ser oferecido pela intendencia, commercio e população de
Natal todo o concurso possivel até com sacrificio, para a reabilitação dos serviços publicos municipais de luz, força, viação e abastecimento d’agua. […]. Os effeitos da desorganização dos serviços estão se fazendo sentir na cidade, com uma evidência alarmante. Retrocedemos a olhos vistos. […]. A realização dos serviços de tracção, luz e esgotto é uma necessidade inadiável, porque, ou a cidade melhora os seus serviços, sobretudo os de tracção, agua e luz, ou a cidade morre que em tanto importa a perda de sua atividade”.

Contundente, o artigo de Dantas exprime com clareza e angústia a incerteza, os impasses e a forma como os problemas eram enunciados e conformavam a discussão sobre a cidade. Entretanto, tais palavras não eram apenas peça de retórica de um dos publicistas locais mais articulados, entusiasta do processo de modernização de Natal e partícipe na construção da história da cidade; baseado num relatório elaborado pela Comissão de Urgência – convocada pelo governo estadual e composta pelos engenheiros Henrique de Novaes, Décio da Fonseca e Borges de Mello para avaliar as condições e apontar soluções para os serviços e equipamentos urbanos de Natal nesse mesmo ano –, o artigo revela a influência crescente do olhar técnico sobre a cidade e marca, outrossim, um momento de mudanças que acarretariam a reorganização completa dos serviços urbanos e a criação da Comissão de Saneamento de Natal, em 1924, responsável pela elaboração do Plano Geral das Obras de Saneamento da capital. Momento em que o discurso técnico enfatizaria, cada vez mais, a indissociabilidade da formulação de um projeto de modernização para a cidade da consecução das redes técnicas dos serviços urbanos, em especial do saneamento.

O debate do quadro de precariedade dos serviços e equipamentos urbanos e, no seu bojo, a emergência de um olhar técnico sistematizado sobre a cidade e seus problemas, como o demonstra, por exemplo, o livro do médico Januário Cicco. Para tanto, cabe antes discutir, mesmo que de forma resumida, alguns temas que marcaram as propostas anteriores de transformação da cidade e que podem ser estruturados em dois eixos: as formulações em torno do combate à “cidade insalubre” e as propostas de modernização econômica que visavam transformar Natal em uma cidade de fato.

Linhas convulsas e tortuosas retificações Transformações urbanas em Natal nos anos 1920. George Alexandre Ferreira Dantas. São Carlos – SP. Outubro de 2003.

A cidade oficial documentada pelo historiador Rocha Pombo – a praça Sete de Setembro, Cidade Alta, vista a partir das escadarias do Palácio do Governo. Fonte: Pombo, 1922.
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