Natal/RN em tempos de guerra
O relato descrito a seguir mostra um pouco sobre o cotidiano de Natal/RN durante a Segunda Guerra Mundial. Aspectos econômicos, sociais e políticos que resultaram em transformações que marcaram a história da cidade.
Economia
Sobre as questões econômicas, ainda em 1942, o estado se mantinha pobre e com base de subsistências pouco onerosas, o campo da agricultura ainda não mantinham atividades múltiplas e continuavam presos a monocultura do algodão, que absolvia cerca de 70% do trabalho, surgindo a necessidade de novas culturas agrícolas e de uma renovação comercial, onde o poder público precisava agir em
cooperação ( Jornal A República – Matéria A Cooperativa do Algodão, 13 de Maio de 1942.).
A capital, segundo relatos de Melo (2015) os natalenses tiveram do conflito novas fontes de renda e de ganho, o que lhe permitiam enfrentar o custo de vida em escala vertiginosa, que se tornou fruto dos problemas da guerra desde o começo de 1942 e dos cortes diplomáticos do Brasil com os países do eixo, o que causou embargos nas embarcações marítimas do país, que acarretou na chegada do contingente de guerra, fruto dos acordos projetadas entre Brasil e Estados Unidos, o
refletindo diretamente na economia local, assim o comércio duplicou, especialmente lojas de joias e de relógios, que os “gringos” compravam em profusão.
A instalação da Base Norte Americana e a chegada das tropas na capital, no ano de 1942, além da entrada de uma grande leva de imigrantes na cidade – atraídos pelo “progresso econômico” evidenciado pelas novas ofertas de emprego e pelo aumento do dinheiro circulante – resultaram em um considerável crescimento populacional de Natal.
Essa conjuntura acarretou uma grande procura por hospedagens, pensões, hotéis e casas para se alugar, e impulsionou a construção de habitações por parte da iniciativa privada, ao mesmo tempo em que inflacionou os preços das locações, negligenciando a Lei do Inquilinato instituída em 1942, que congelava esses valores.
O Alecrim foi uma das áreas de Natal que mais apresentou alterações provenientes da influência militar. Juntamente com a instalação da Base Naval de Natal, deu-se também no bairro a construção da Vila Naval, destinada aos militares da Marinha, outra razão para o aumento do fluxo de pessoas naquela área. Um setor que também obteve grandes lucros foi o imobiliário, no qual algumas famílias desocupavam suas próprias residências para alugá-las a militares.
Em pouco tempo, o aspecto provinciano de Natal deu lugar à modernidade proveniente da presença americana na cidade, que ia além de mudanças na infraestrutura, atingindo também os aspectos sociais e culturais.
O setor terciário também apresentou crescimento na cidade de Natal e no Alecrim com o advento da Segunda Guerra Mundial. De acordo com Santos (1998), cresceu o número de atividades comerciais e todos os negociantes aumentaram os preços dos seus produtos e serviços, na intenção de obterem grandes lucros.
Como um todo, a cidade de Natal teve grandes alterações socioespaciais que passaram a fazer parte da sua paisagem. O censo demográfico de 1940 apresentou uma população de 54.836 habitantes e o de 1950, uma população de 103.215 habitantes, o que demonstra um notável crescimento em um intervalo de tempo de apenas 10 anos. Em relação ao Alecrim, na década de 1950, havia uma população de 52.226 habitantes, o que significa mais da metade da população de Natal.
Os hidroaviões
Natal, cidade “Trampolim”, ponto de pouso de pioneiros da aviação internacional, quando as águas do Rio Potengi transformavam-se em ponto de chegada e saída dos hidroaviões das companhias aéreas, francesas, alemãs e inglesas, todas com suas cores disputando o nascente comércio aéreo. Natal “Trampolim” da aviação comercial, desde os primeiros anos da década de 1920, acrescenta ao seu nome “Vitória”, fruto de sua participação durante a Segunda Guerra Mundial.
Os hidroaviões amerissavam no Rio Potengi, que funcionou como hidrobase entre 1922 e 1945, até o final da Segunda Guerra Mundial. O primeiro aeródromo de Natal surgiu em 1927, mas era localizado no atual município de Parnamirim, distante cerca de vinte quilômetros da cidade de então, e só vai ter um papel realmente fundamental com a Segunda Guerra Mundial, quando se torna uma importante base aérea norte-americana e brasileira.
Vários locais ao longo do Rio Potengi serviram de pontos de desembarque dos aviadores que chegaram a Natal. Paulo Viveiros, que repertoriou dezenas de pousos tanto no aeródromo de Parnamirim quanto no Rio Potengi, provenientes de várias partes do mundo entre 1922 e 1939, identificou, para alguns desses voos, pontos de desembarque no rio, sempre na margem direita, do lado da cidade: Praia da Montagem, depois chamada de Rampa, o Cais da Tavares de Lyra, a Pedra do Rosário, e a Hidrobase da Compagnie Générale Aéropostale, francesa,posteriormente pertencente à Air France, no Refoles, em 1939.
Mas, do ponto de vista da aviação, a praia da Limpa, se tornou o lugar de maior destaque. Ficava nas imediações das oficinas de montagem, assim chamadas porque se tratava de uma área de apoio para a construção do porto de Natal. Conhecida hoje como Rampa, ela passou de um ponto de embarque e desembarque de passageiros e bagagens de companhias internacionais da aviação civil, nos anos 1930, para se tornar uma base naval da Marinha norte americana durante a Segunda Guerra Mundial, associada à base aérea do Exército norte americano, bem maior e mais importante, localizada em Parnamirim. A importância desse local estratégico pode ser aquilatada pelo fato de ter sido o palco de um encontro histórico entre o Presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, e o Presidente brasileiro Getúlio Vargas, em 29 de janeiro de 1943.A Fundação Rampa apresenta um histórico do que foi esse local incontornável da aviação mundial.
Natal com esta vocação histórica, diante do cenário de conflito surgido com a eclosão da Segunda Guerra Mundial é escolhida para sediar uma nova base naval. O objetivo era garantir a defesa do litoral brasileiro neste período de beligerância.
Base Naval
Em 1941, segundo ano da Segunda Guerra Mundial, o rio Potengi se preparou para a construção de um prédio do Comando da Base Naval de Natal pela Marinha do Brasil na área da “baia de Refoles”, região que recebeu essa designação devido a presença constante do Pirata Francês Jacques Riffault que ancorava nessa baia para negociar pau brasil com os índios da região por volta do ano de 1590. A Marinha do Brasil com o apoio do EEUU construíram a Base Naval de Natal, nesta região protegida do rio Potengi, para fornecer apoio logístico aos navios brasileiros e aliados que operavam no Atlântico Sul durante o conflito.
Em dezembro de 1941, chegou a Natal o primeiro contingente do Esquadrão de Patrulha da Marinha dos Estados Unidos, com nove PBY-5 Catalinas e o concurso de hidroaviões “Clemson”. Pouco depois, os fuzileiros navais chegaram. Em 1942, eram duzentos homens.
Uma doca flutuante “Cidade de Natal” foi projetada pelo BUREAU DE YARDS AND DOCKS e construída pela TIDE WATER CONSTRUCTION CORP. Norfolk, Virginia-USA. O mesmo foi transferido para o Brasil com o objetivo de prestar manutenção e reparos às embarcações sob comando da Marinha dos EUA que operavam na região. No final da guerra, a Marinha dos Estados Unidos cedeu a doca seca ao Brasil. Era uma grande embarcação, construída em concreto, com 120 metros de comprimento, proa a popa e 20 pés de largura.
Composto por 10 tanques flutuantes responsáveis pelo afundamento do sistema da embarcação, e duas asas laterais, bombordo e estibordo, com 12 metros de altura, com localização para cabine, casa de máquinas, dormitórios e refeitórios. A Marinha dos Estados Unidos trouxe para o Brasil dois Dique Seco Flutuante, sendo um de 1000 toneladas que estava baseado na Base Naval de Natal. Ambos foram muito importantes na assistência para manter os navios em condições de navegabilidade.
Durante o período de 1944, a Base tinha nada menos que 26 navios aguardando reparos. Essa base foi vital para o fornecimento de apoio logístico aos navios da frota brasileira e da esquadra norte-americana durante a Guerra.
Ribeira
Abrigo
Segundo o jornal Diário de Natal realizou-se em 02/03/1942 as 10h00 a inauguração do primeiro abrigo antiaéreo construído em Natal. ”Esse acontecimento corresponde ao apelo do governo e das autoridades militares desta capital como recurso de segurança individual e coletiva em casos de ataques aéreos contra a cidade, em vista da ruptura das relações diplomáticas entre Brasil e as potencia do Eixo e da situação geográfica em que se encontra a capital do Rio Grande do Norte” . (DIÁRIO DE NATAL,03/03/1942,p.1).
O abrigo era de propriedade do Sr. Amaro Mesquita, chefe da firma Galvão, Mesquita &Cia, comerciante respeitado na capital potiguar. Ficava no terreno da sua residência na Av. Hermes da Fonseca, no Tirol e foi construído de acordo com a planta fornecida pelo major Domingos Moreira e por este administrada a construção.
O abrigo oferecia todas as condições de segurança e constituía mais um serviço que o major Domingo Moreira prestava a capitão. O Sr. Amaro Mesquita, era um comerciante muito conceituado e conforme o Diário de Natal “demonstrou por sua vez, a mais perfeita compreensão da utilidade dos conselhos e instruções sobre as eventualidades do momento, dando a sua família a certeza de um ponto certo de defesa contra qualquer perigo” . (DIÁRIO DE NATAL, 03/03/1942, p.1).
O ato de inauguração contou com a presença do general Cordeiro de Farias, comandante da 2ª Brigada de Infantaria, tenente-coronel Pery Bevilaqua, major Jonatas Correia, capitão Newton Machado, capitão Humberto Moura, capitão Godofredo Rocha, capitão Carlos Cordeiro, capitão dr. Anibal Medina, tenente Antonio Henes Barros, tenente dr. Segadas Viana, tenente Amaro Pessoa, dr. Mario Bandeira, Sr. Julio Cesar de Andrade, Sr. Paulo Mesquita, o Aderbal França e os jovens Ciro e Floriano Cordeiro de Farias. O Sr. Amaro Mesquita obsequiou os presentes oferecendo-lhes uma sob das árvores do seu sitio, uma grande mesa onde a palestra se prolongou até as 13h00.
O general Cordeiro de Farias e seus comandados manifestaram a melhor impressão sobre o abrigo e as suas condições. O major Jonatas Correia, em expressivas palavras saudou com entusiasmo o Sr. Amaro Mesquita, salientando o sentido da sua resolução perante o momento, zelando pelo sossego moral de sua família. (DIÁRIO DE NATAL, 03/03/1942, p.1).
Nesta época o bonde elétrico era o principal transporte coletivo na cidade, a linha mais extensa percorria o eixo Lagoa Seca – Alecrim – Cidade Alta – Ribeira, duas outras linhas ligavam a Ribeira até os Bairros de Petrópolis (limite na Avenida Getúlio Vargas) e Tirol (Quartel do 16 RI) sempre passando pela Cidade Alta. Lêda Batista Gurgel era menina e lembra dos bondes abarrotados de soldados americanos. Ela e sua irmã Maria Gurgel (atualmente médica em Recife) brincavam de bonecas no abrigo antiaéreo localizado na Praça Pio X (atual Catedral Metropolitana).No mesmo local onde existiam os alto-falantes de Luiz Romão foi instalada uma sirene para alarmes em caso de ataques nazistas.
No 1º andar desse prédio funcionava uma escola de dança, segundo os fuxicos da época as professoras eram “mulheres de programa” e os frequentadores aprendiam algo mais que dançar. O garoto Rosaldo Aguiar, morador da Cidade Alta, não pôde mais jogar pelada com vizinhos no “campo da Catedral nova” por que o espaço foi ocupado por abrigos antiaéreos montados pelo exército.
Heitor Góes de Almeida Bastos, funcionário da Saúde Pública, como alguns outros residentes na cidade, construiu um pequeno abrigo antiaéreo no quintal da casa na Rua José de Alencar. O Monsenhor Landim também seguiu o exemplo, mas o maior e mais confortável abrigo particular foi construído pelo comerciante Amaro Mesquita em área da sua residência na Avenida Hermes da Fonseca.
A guerra estava longe, mas o medo muito próximo, estava mesmo dentro de cada um. A população era treinada para situações de eventual ataque nazista, Angélica de Almeida Moura, ex-diretora dos colégios Padre Monte e Instituto Kennedy foi uma das jovens com treinamento especial como “Alertadora”.
As sirenes alarmavam nos treinamentos, os holofotes instalados na esquina da Avenida Deodoro com João Pessoa eram ligados e cruzavam o céu, cortando o escuro da noite, todas as casas fechavam rápido suas janelas. As poucas luzes que haviam eram apagadas e as pessoas em trânsito se deslocavam para posições de melhor proteção.
Certa noite, o alarme foi acionado em função de uma detecção de possível ataque aéreo real, o desespero foi grande. Por coincidência havia um ronco muito alto de motores sobre as nuvens, os holofotes foram acionados na busca aos aviões nazistas. O medo fez dobrar os joelhos do mais descrente ateu e todos os santos eram invocados.
Correria para os abrigos antiaéreos e até indevidamente para as dunas do Tirol. Myrthô Andrade tinha 13 anos e lamentava “furei minhas orelhas e vou morrer sem colocar os brincos”, seu avô rapidamente colocou a família em um jeep e disparou para uma granja em Macaíba.
Nessa noite o estoque de tranquilizantes se esgotou nas farmácias. Os ataques aéreos jamais aconteceram, mas a sirene, o ronco dos motores e o lack-out continuaram na mente dos natalenses, mesmo em tempo de paz.
Consulado
Não sabemos quando esta casa foi construída. Sabemos que ela pertenceu ao industrial João Severiano da Câmara, proprietário da firma exportadora de algodão João Câmara e Irmãos Com. Ltda., com sede a Rua Frei Miguelinho, n° 112, bairro da Ribeira. Sabemos também que foi em fins de 1940 que esta edificação passou a ser utilizada como Consulado Americano em Natal. Essa informação é baseada nos jornais natalenses “A República” e “A Ordem”, em suas edições de 27 de dezembro de 1940, onde é noticiado que o Interventor Federal Rafael Fernandes Gurjão assina documento reconhecendo o Sr. Elim O’Shaughnessy como Vice-cônsul dos Estados Unidos em Natal. Um ano e meio antes do Brasil declarar guerra a Alemanha e a Itália.
Até 1947 os americanos vão utilizar este local como seu consulado oficial em Natal. Segundo o Prof. Itamar de Souza, em 1958, após a criação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, este imóvel foi adquirido por esta instituição de ensino superior para servir como a primeira sede da reitoria. A partir de 1960 sua área construída foi ampliada.
Com a inauguração do atual Campus Universitário, esta edificação foi vendida para a Marinha do Brasil, que em 15 de junho de 1976 ali instalou o Comando do 3° Distrito Naval.
Em agosto de 2012, conforme noticiado pela imprensa potiguar, o 3° Distrito Naval permutou, por cerca de R$19 milhões de reais, a sua atual sede com a Construtora ECOCIL. A construtora construiu uma nova sede desta unidade militar no local onde funcionava o estacionamento da antiga balsa, no Canto do Mangue. Em troca desta construção (e da edificação de uma casa em Fortaleza – CE), a ECOCIL igualmente recebeu da Marinha do Brasil a casa na Avenida Hermes da Fonseca e outro prédio na Avenida Alexandrino de Alencar.
Casarão nazista
Pra não dizer que não existe um lugar em Natal ligado à guerra em que essa história esteja visível, tem o casarão de nº 184 da Rua Câmara Cascudo, na Ribeira, das principais artérias da cidade. O estabelecimento incorpora toda a importância histórica do local, construído pelo imigrante italiano Guglielmo Lettieri, que após ter sido nomeado cônsul da Itália no RN, em 1938, acabou preso acusado de espionagem nazista.
O italiano Guglielmo Lettieri – um rico comerciante dono da Cantina Lettieri e da única fábrica de gelo da cidade de Natal na década de 1930. Fascista e admirador do nazismo, Guglielmo se estabeleceu em Natal nas primeiras décadas do XX,A Ribeira era um bairro de intensa frequência dos pracinhas estadunidenses durante a Segunda Guerra mundial.
Em 2011 no prédio funcionou Consulado Bar que manteve a arquitetura antiga do casarão, inclusive um de seus pisos formado por ladrilhos com a cruz suástica, símbolo do nazismo. Imagens da época da guerra (reproduções de fotos e cartazes) decoram as paredes do bar.
» OUTROS LOCAIS EM NATAL LIGADOS À 2ª GUERRA
• Catedral Metropolitana – antes da construção, o local abrigou a Praça Pio X, onde existia também um abrigo antiaéreo da cidade.
• Base Naval de Natal – alguns prédios às margens do rio Potengi são remanescentes da base de hidroaviões da Air France. O hangar original existe e foi transformado em oficina.
• 17º Grupamento de Artilharia de Campanha – lá dentro, na margem do rio Potengi, estão os destroços da rampa de concreto que dava acesso à rampa alemã, base da Lufthansa e Sindicato Condor no Brasil.
• Grande Hotel – Hoje órgão da Justiça, no passado foi o principal ponto de hospedagem da cidade, tendo recebido visitantes famosos, como atores da Hollywood da década de 40.
• Setor Oeste da Base Aérea de Natal – lá nasceu a BANT, em 1942. Antes, em meados de 20, os franceses criam o campo de Parnamirim, dividindo espaço depois com os italianos da Line Aeree Transcontinentali Italiane (LATI)”• Cais Tavares de Lira • Cemitério do Alecrim • Locais ligados à espionagem nazista.
Cabarés
Outro comércio da época foi o sexual, mulheres foram exploradas de diversas formas, muitas memórias desse período mostram Natal por esse cunho festivo e de sexo, que se criou em torno dos vários cabarés que surgiram. A pensar em uma cidade com economia que mudou com esse fluxo novo de muitas pessoas, com crescimento constante e sem espaço para acolher com outros tipos de trabalho, as mulheres veem como saída de ida por esses espaços.
Dalcin, Lima e Barros (2012), em seu trabalho sobre o cotidiano do meretrício na cidade, deixam claras as relações de poder social que se estabeleciam nas diferenças de cunho econômico na transformação dessas relações, principalmente com o caráter marginal e excludente das profissionais do sexo, onde se estabeleciam cabarés de luxo como de Maria Boa ( Maria boa é considerada a maior figura de negócios do ramo, mantinha meninas selecionadas e treinadas, sob o cuidado de remédios para evitar doenças, manteve negócio de luxo durante todo o período da guerra) e outros considerados de baixo escalão na Ribeira e beco da quarentena (Como já explicado aqui, o processo de modernização que começa na cidade em torno dos anos de 1920-1930, torna os primeiros bairros como algo ligado ao velho, sem a envergadura do novo, o que torna marginalizado esses espaços da cidade).
O mais famoso cabaré de Natal foi a Casa de Maria Boa. Era um estabelecimento de luxo, o melhor da capital potiguar. A proprietária, Maria Oliveira Barros, chegou a Natal vinda de Campina Grande, com vinte anos, na década de 1940, período em que os americanos estavam em Natal, em virtude da Segunda Guerra Mundial. A casa de Maria Boa ficava no bairro da Cidade Alta, próxima ao baldo, na Rua Padre Pinto e nas imediações do atual prédio da Cosern.
A casa hospedava prostitutas, muitas vindas do sul do país, que eram contratadas para trabalhar. O quadro de funcionárias era sempre renovado, de modo a manter mulheres belas e atraentes.
No período posterior à Segunda Guerra Mundial, o cabaré continuou a receber os homens mais ricos e poderosos da cidade de Natal. Nas palavras do memorialista Ary Guerra Lima: O Professor Antônio Pinto de Medeiros, frequentador assíduo do cabaré, costumava dizer que o estado do Rio Grande do Norte era governado em Maria Boa, que era o único lugar onde se encontravam os Secretários de Estado, Deputados e Diretores de repartições, para discutir os problemas de Estado (LIMA, 2008, p. 63).
Os homens de melhor condição social, como as autoridades da administração pública e do poder legislativo do estado do Rio Grande do Norte, magistrados e empresários, frequentavam o ambiente. Os rapazes e senhores de menos recursos financeiros visitavam as casas de meretrício da Ribeira.
Wonder Bar
Na zona do baixo meretrício, localizada no bairro da Ribeira, localizava-se o Wonder Bar ou Bar Maravilha, o mais famoso ponto de encontro local, as querelas advindas pelas preferências das prostitutas levavam a brigas e confusões. O antigo Wander bar ou Wonder Bar era de propriedade do Dr.Lettieri, Vice-Cônsul da Itália.
No andar térreo funcionava uma casa de secos e molhados e a entrada do bar. No primeiro andar ficava o salão de festas do bar com direito a bandas de músicas americanas, muitas bebidas e muitas “meninas”. No último andar ficavam os quartos onde as meninas atendiam seus clientes.
Neste momento, bem cantou o jornalista Carlos Lima, o bairro inteiro se transformava “como se festejasse a retirada dos últimos homens de ‘vida curta’, conduzindo pastas, em fuga”. Ainda inspirado, ele fala das mulheres de vida fácil que deslavam ao enfrentar a vida difícil – que para elas estava prestes a começar. A mais famosa de suas passarelas era, possivelmente, o Wonder Bar – do qual apenas o nome já suscitava desejos.
Violência
Apesar do clima de suposta cordialidade entre brasileiros e estrangeiros que a imprensa tentava passar, nem tudo eram flores nessa convivência. Os jornais da época enfatizavam o fictício clima de harmonia e paz entre natalenses e americanos. Contudo, na verdade, os conflitos e as tensões entre ambos resultaram em casos de polícia, desmascarando a suposta cordialidade entre esses dois grupos.
Durante a estadia dos americanos em Natal no período da Segunda Guerra Mundial, os atos de violência entre americanos e potiguares nos bares e cabarés da Ribeira e da Cidade Alta constituíam uma realidade. À respeito a Professora Flávia Pedreira escreve: “Nem tudo era um mar de rosas. Se por um lado, o relacionamento entre os americanos e moças natalenses fluía dentro de grande harmonia, ocorria o oposto com a população masculina. As disputas pelas damas comumente terminavam em brigas que só paravam com a chegada das polícias brasileira e americana”. Vale registrar que nem só pelas “moças de família” os desentendimentos aconteciam.
Aumentara o número de cabarés em Natal, em virtude da chegada dos americanos à cidade. Os cabarés e “bas-fonds” eram os únicos locais onde havia movimento depois das 21 horas. Espaços como a Pensão Ideal, o Wonder Bar (Ribeira), o Bar Quitandinha (Alecrim), o Grande Ponto (Cidade Alta) e o Beco da Quarentena (Ribeira) eram frequentados por militares estrangeiros e brasileiros de baixa patente, sendo constantes as brigas nesses locais da boemia natalense.
Os oficiais de alta patente frequentavam o Grande Hotel e o cabaré de Maria Boa, casa de luxo de Maria Oliveira de Barros, onde se encontravam as bebidas e as mulheres mais caras de Natal. Na Rua Doutor Barata, onde havia lojas, cafés e pensões alegres, hotéis e restaurantes, ocorreram casos de desavenças entre aqueles que os frequentavam, tanto americanos quanto potiguares, motivados pela preferência das mulheres em namorar os estrangeiros, provocando ciúmes nos rapazes natalenses. Também eram comuns as brigas envolvendo norte-rio-grandenses e americanos por causa de prostitutas e de bebidas.
De acordo com Nei Leandro de Castro, Poeta, escritor, jornalista e publicitário, “em Natal, quando os marines foram embora, deixaram como herança muitos caboclos de olhos azuis e uma inflação que atingiu desde açougues até a 15 de novembro (rua do meretrício). (…) Natal virava uma ‘Saigon’ ‘avant la letre’, influenciada pela corrupção, zona e sífilis. Sem nenhuma perspectiva de resistência ao invasor, a cidade era um maná para os marines. Compravam de tudo com as suas maravilhosas cédulas verdes e, para variar quebravam o pau por qualquer razão.
Treinados para matar com golpes de mão, claro que sempre levavam vantagem nos entreveros com caboclos e curibocas pacíficos e subnutridos.
Só se tem notícia de uma briga em que o produto nacional levou a melhor. No ‘Wonder Bar’ [que funcionava no prédio hoje ocupado pela Escola de Dança do TAM, na Rua Chile], um gringo tomou na marra a mulher do seu vizinho de mesa, um brasileiro, o que aliás já tinha virado praxe. (…) O gringo respondeu ao insulto com um soco na cara do nativo, que, com o rosto sangrando, já se levantou de peixeira na mão. (…) O caboclo se aproximou do mocinho, de braços levantados, e à altura do peito esquerdo enfiou a peixeira que entrou como se fosse em manteiga.
Bases
A criação das bases militares foi um meandro estudado desde a deflagração da guerra na Europa, apesar da neutralidade brasileira até 1942 e da neutralidade dos Estados Unidos um pouco anterior a isso. Os estudos militares sobre proteção dos territórios de ambos os países, acompanharam o desenrolar dos acontecimentos fora.
Smith Jr (1992) em suas análises de documentos dos militares norte-americanos, mostra que, já no começo dos anos 1940, houve uma visita de missão de boa-vontade ao Brasil, a fim de melhorar as relações entre os países, com a certeza que a área de Natal era realmente necessária a defesa dos Estados Unidos e ao canal do Panamá. Estima-se, segundo Smith Jr (1992), que os primeiros americanos chegaram para o campo de Parnamirim em setembro de 1941, os quais seriam responsáveis por coletar os dados necessários para a construção e execução do programa.
Em arquivo de documento de Gaspar Dutra ( CPDOC – ED vp 1940.11.01 – documento de 19 de julho de 1941) argumenta ao presidente sobre a necessidade de defesa dessa terra, dizendo “[…] base na região de Natal, terra nossa, que devemos, queremos e por qualquer modo nos obrigamos a
defender, no interesse do Brasil e no interesse mais amplo dos compromissos continentais”. Havia uma grande preocupação dos comandos militares do Brasil quanto a essa ocupação norte-americana, temendo que as áreas fossem tomadas e posteriormente não fossem devolvidas.
Apesar da construção das bases serem anteriores a 1942, elas começaram a ser amplamente divulgadas apenas nesse ano. O “A República” de 6 de Março, que publicou nota com “O decreto que criou a base aérea de Natal”, saído no diário oficial ao dia 5 do mesmo mês: Fica criada a base área de Natal, que será guarnecida, inicialmente, com um corpo de base aérea de terceira classe. Os elementos que se tornem necessários para a constituição dêsse corpo de base área serão recrutados ou transferidos de outras unidades da FAB.
A companhia de infantaria de guarda, sediada em Natal, passa a fazer parte do efetivo desta base área. O primeiro oficial do Exército dos Estados Unidos chegou a Natal em dezembro de 1941, sendo conselheiro militar do Programa de Desenvolvimento dos Aeroportos a diplomata, oficial de operações e anfitrião das celebridades em trânsito, hospedando-se no Grande Hotel em sua chegada, ato comum entre os oficiais e patentes superiores que passaram pela cidade nesse período de guerra (SMITH JR, 1992).
Saúde
As Forças Armadas promoveram vários cursos de enfermagem durante a Segunda Guerra Mundial. A Maternidade Januário Cicco foi transformada em hospital militar, o Hospital de Caridade Juvino Barreto (hoje, Onofre Lopes) foi ampliado e reequipado. Médicos, escoteiros e voluntários ficavam de prontidão nos postos de socorro. O Quartel do 16º Regimento de Infantaria começou a operar em fevereiro de 1942.
Grande Hotel
O Grande Hotel tem uma significante importância, pois, passou a ser um centro de acontecimentos da vida natalense, principalmente daqueles que viviam aos arredores do mesmo, pois, era um dos principais pontos de encontro dos americanos, por ser o espaço que abrigava as patentes mais altas dos escalões militares:
Em 1935, o interventor Mário Câmara adquiriu o terreno e contratou o arquiteto francês, George Mouriner, para elaborar o projeto do prédio, o interventor Rafael Fernandes iniciou a sua construção em 1936, concluindo-a em 1939 […] em 1942, o Grande Hotel foi arrendado ao Sr. Theodorico Bezerra. Durante a Guerra, tosos os grandes acontecimentos da cidade realizavam-se ai: banquetes, recepções, homenagens etc… (SOUZA, 2015, p. 12).
Esses acontecimentos formaram um cotidiano do começo de 1940 “A convivência com os americanos e seu diferente modo de vida afetou o cotidiano de toda a população local (…) o que chama a atenção é a discrepância entre as múltiplas percepções sobre esse momento de intenso intercâmbio sociocultural (…)” (PEDREIRA, 2012, p. 114).
Quando o pessoal de apoio chegava em Natal se hospedava nos poucos hotéis existentes. O melhor deles sem dúvidas era o Grande Hotel, situado na Ribeira. Tanto pela localização (Próximo a Rampa), como pelas acomodações e pelo serviço oferecido era uma espécie de oásis no meio de uma cidade ainda provinciana. Nas fotos vocês podem ver os eventos, os serviços ofertados, inclusive um me chamou a atenção: engraxate de terno e gravata limpando os calçados dos americanos. Me parece que o ponto alto do hotel era realmente tomar cervejas e demais bebidas na varanda do Hotel.
Ainda existem fotos inéditas de Theodorico Bezerra, dono do hotel, com os americanos com uma vista da janela sem igual da Ribeira. Realmente era o que tinha de melhor para época e bem adequado as necessidades externas.
Carnaval
Esta vida é mesmo assim
Vou passar o carnaval soltando bomba em Berlim
(Música carnavalesca, Zé Poeta, Diário, 1943)
Em decorrência da expansão nazista na primeira fase da II Guerra, com número elevado de baixas nos países aliados, foi discutida, na capital federal, a possibilidade de cancelar o carnaval no Brasil, em 1942. O Rio de Janeiro chegou a ficar sem carnaval.
Essa possibilidade não teve o menor eco em Natal, pois foi rechaçada pela imprensa local e pelos foliões potiguares. A se considerar também o fato do então prefeito Gentil Ferreira ser também presidente da Federação Carnavalesca de Natal.
Cinema
Natal foi, muito provavelmente, um dos lugares de melhor qualidade de vida para um soldado na Guerra. As pessoas cantarolavam jazz nas Ruas. A vida aqui era diferente, sofisticada, uma festa.
Natal tornou-se a cidade mais badalada do Nordeste na Segunda Guerra Mundial. Os cinemas militares, não raro, e sem que ninguém soubesse fora dali, recebiam convidados especialíssimos: os próprios astros de Hollywood. Humprey Boogart voou do Marrocos para animar uma sessão de Casablanca no teatro aberto da Base de hidroaviões. Os artistas eram pagos pelo governo americano para viajar pelos fronts do mundo todo. A presença deles servia para elevar o moral das tropas. Bette Davis, Al Johnson, Kay Francis, Carole Landis, Martha Ray e muitos outros artistas de ponta dos anos 1940 também visitaram Natal. A orquestra de Glenn Miller tocou no recém-inaugurado Cinema Rex. O Rex passou a permitir entrada sem paletó e gravata.
Kay Francis chegou a enviar (publicado em 30/04/45) um bilhete de agradecimento ao colaborador do Jornal “A República” Venturelli Sobrinho pelo texto publicado em sua homenagem. Conta-se que Marlene Dietrich foi a primeira mulher a usar calças compridas em Natal.
Mussoline Fernades era repórter do “Diário de Natal” e não esquece da entrevista que participou com o famosíssimo ator Tyrone Power, que havia chegado pilotando um avião que a Fox lhe cedera por uma temporada.
Para imaginar como eram aqueles anos em Natal, é preciso observar a guerra como um momento de liberação, um evento protagonizado por uma legião de jovens americanos reprimidos que nunca haviam saído de rincões rurais como Arkansas, Nevada, ou Montana. De repente, no meio do horror de um conflito mundial, eles se descobriram num lugar amistoso, tropical, encantador. O mar, a luminosidade excepcional da cidade, as relações pessoais, tudo era novo em suas vidas. Por vias tortas – a guerra – eles foram encaminhados para o paraíso.
Os branquelos gastavam seus dias de folga em banhos de mar nas praias de Areia Preta, se concentravam numa área próxima ao início da atual Via Costeira, que passou a se chamar “Miami”. Também adoravam Ponta Negra. Muitos pagaram um preço salgado pelo programa: terríveis queimaduras de sol.
Praias
Há mais de 70 anos, um novo local de entretenimento das tropas militares americanas, localizadas aqui, começou a funcionar na Praia de Ponta Negra.
Na verdade, o que foi noticiado pela imprensa, era a instalação de um “beachhead” naquela ainda distante praia ao sul de Natal. Talvez o significado aqui do nome “beachhead” não fosse o mesmo daquela operação das tropas em combate, que, ao chegar na costa do território inimigo, ele possa ser apreendido e mantido, para assim, garantir o contínuo desembarque das tropas e dos materiais.
Esse beachhead era quase no estilo dos USOs já existentes na cidade. Uma extensão na verdade. Foi com a aprovação das autoridades de Parnamirim, que um serviço de cantina foi estabelecido, possibilitando aos banhistas ótimo atendimento. Com a praia aberta a qualquer hora, eram servidos sanduíches e bebidas frias. Cadeiras de praia, esteiras e ainda espreguiçadeiras estavam disponíveis para os usuários.
Eram ainda ofertados equipamentos esportivos adequados para uso na praia, jogos como Xadrez, damas, cartas, jornais, revistas, etc. Com a instalação desse novo local de divertimento, a senhorita de nome, Margaret Weiher, antes trabalhando em um dos USOs da cidade, fora designada a operar esse novo serviço de expansão dos USOs. “Peggy” já era bem conhecida por militares nesta área, tendo trabalhado por vários meses na lanchonete do, “Town Club”, USO localizado na Praça Augusto Severo.
Agora as atividades desse programa estariam sendo introduzidas em Ponta Negra pelo Serviço Móvel do USO. Foi noticiado que, na tarde do dia 25 de março de 1945, aconteceria na praia uma grande festa no estilo da “Coney Island Carnival” . Seria para marcar o inicio desse novo serviço móvel e chamar a atenção de todos os militares para o local.
Lutas de boxes, competições esportivas, músicas, um concurso de beleza de banho e outras atrações seriam oferecidas no carnaval. Mesmo antes da inauguração, já havia projeto para ampliação das instalações. Um pavilhão com amplo espaço para relaxamentos e jogos seria adicionado em um futuro próximo. Um verdadeiro local de paz e alegria, muito diferente do que estava acontecendo no outro lado do Atlântico.
Política
O ano de 1942 foi de grande importância não somente para Natal e o Campo de Parnamirim, mas também aos Estados Unidos e Brasil nas decisões de acordo, já que os EUA mudaram seu quartel-general do Atlântico Sul da Guiana Inglesa para Natal, alcançando maior contingente de militar americano. Os poucos agentes do Eixo em Natal foram presos ou transferidos para fora do Estado, o refletor disso tudo, foi o encontro já citado aqui, do Presidente Franklin D. Roosevelt e o Presidente Getúlio Vargas, o episódio marcando como Conferência do Potengi, ficou conhecido o selo do acordo entre os países, se deu no retorno do presidente Roosevelt da Conferência de Casablanca, sendo o encontro protagonizado em Natal ao dia 28 de janeiro de 1943 (SMITH JR, 1992).
Na manhã do dia 28, dois aviões chegaram às 0h da manhã transportando os presidentes […] sua comitiva incluía Harry Hopkins, o Contra-Almirante R. McIntyre e o Capitão J. McCrea. O presidente americano ficou alojado a bordo do Humboldt e ao meio-dia almoçou com Vargas. Á tarde, Roosevelt e Vargas inspecionaram a Base de Hidroaviões e o Campo de Parnamirim. Eles concluíram a inspeção com uma visita aos Quartéis do Exército e da Aeronáutica Brasileira, acompanhados pelo interventor Fernandes, o Almirante Parreiras o Brigadeiro do Ar, Eduardo Gomes. O General Cordeiro Farias, da guarnição brasileira local […].
Visitas
Eleanor Roosevelt falou vigorosamente em favor da política externa de seu marido. Depois que os Estados Unidos entraram formalmente a Segunda Guerra Mundial em dezembro de 1941, ela fez várias viagens ao exterior para impulsionar os espíritos de soldados e de inspecionar as instalações da Cruz Vermelha.
Eleanor Roosevelt visitou o Brasil entre 14 e 17 de março de 1944, onde visitou Belém, Natal e Recife. Na capital potiguar ela visitou a Base de Parnamirim, esteve com autoridades locais. Esteve na sede do USO, o clube de recreio dos militares americanos, que ficava na praça Augusto Severo, por trás da antiga Rodoviária, no bairro da Ribeira. Ali ela foi reconhecida e ovacionada por muitos natalenses. Esteve também na Base Naval de Natal, onde elogiou as instalações.
Um fato interessante foi que para os jornalistas a Sra. Eleanor Roosevelt afirmou (e assim foi reproduzido) que a base aérea de Parnamirim era “A mais bem equipada do Mundo”. Mesmo reproduzindo o que ela disse, os jornalistas locais claramente se empolgaram e lascaram em letras destacadas “A maior base do Mundo”. E parece que a coisa pegou.
O jovem jornalista Aluízio Alves entrevistou a 1 dama americana Eleonor Roosevelt que esteve em Natal para pedir votos aos soldados para reeleição do marido. Ele ficou impressionado com a sua aparência pouco atrativa.
Espionagem
“Em dezembro comprei 11 canos de 4 metros cada. Abraços de Natal.”
Essa mensagem redigida e transmitida em junho de 1941 pelo italiano Guglielmo Lettieri foi interceptada por espiões americanos que tratavam na capital do Rio Grande do Norte uma batalha subterrânea contra agentes secretos alemães e fascistas.
Natal foi uma movimentada encruzilhada de arapongas durante a Segunda Guerra Mundial. A capital potiguar abrigava um dos maiores exércitos de espiões em ação fora da Europa. Assim como Casablanca ( Marrocos ), ali sabotagens foram tramadas, heróis de guerra fizeram escala e assassinatos foram encomendados.
A mensagem acima foi decifrada pouco tempo depois porque agentes da inteligência descobriram na casa de Lettieri um bilhete com os códigos que esclareciam o teor da mensagem:
Canos=aparelhos;
metros=motores e
abraços=aeroplanos.
O telegrama acima, enviado para o escritório de um italiano no Rio de Janeiro, avisava que , em dezembro daquele ano (1941), 11 aviões de quatro motores haviam aterrissado na cidade.
A ação do agentes das duas partes impressionava porque o Brasil só declararia guerra aos países do Eixo ( Alemanha, Itália e Japão ) no ano seguinte.
A cidade de Natal era tida como estratégica por nazistas e aliados. Ela foi, de fato, um centro importante para os serviços secretos durante a guerra. Pelo menos seis diferentes agências de informação montaram escritório na cidade.
Dois dos maiores protagonistas da história da espionagem mundial trocaram correspondência sobre os bastidores da espionagem em Natal.
Em 1941, John Edgar Hoover enviou uma mensagem que tinha como destinatário o coronel Willian Donovan alertando-o sobre a ação de três supostos agentes nazistas que agiam na capital potiguar.
Hoover e Donovam são figuras lendárias. O primeiro foi durante 40 anos diretor do FBI ( Federal Bureau of Investigation ). Donovam criou a CIA ( Central de Inteligência Americana ) e foi mentor doa arapongas americanos por mais de 30 anos.
Segundo os agentes do FBI, Richard Burgers, Ernest Luck e Hans Weberling, todos alemães, reuniam informações sobre o movimento de aviões e navios americanos baseados em Natal e repassavam para agentes nazistas localizados no Rio. Além de terem atuado na sabotagem de aviões do Exército dos Estados Unidos.
Depois de identificados, os agentes alemães foram presos por policiais do antigo Departamento de Ordem Social e Investigações. Denunciados à Justiça, o trio de alemães e o italiano Guglielmo Lettieri foram condenados por “verdadeiros atos de espionagem e atividades nazistas” em junho de 1942.
Ao longo dos interrogatórios, os agentes nazistas revelaram como eram os códigos de comunicação secreta. Na loja de ferragem de Ernest Luck, no centro de Natal, foram encontrados catálogos com os códigos e indicações detalhadas do número e características dos aviões e navios americanos no Rio Grande do Norte.
Foi assim um dos capítulos da Segunda Guerra Mundial em solo brasileiro.
The end
Nesse mesmo dia em Natal, foi programada uma solenidade à noite no Teatro Carlos Gomes. Alvamar Furtado de Mendonça, então recém-formado em direito, foi convidado para pronunciar um discurso no Dia da Vitória. Ele se vestiu bem e caprichou na redação do discurso.
Na hora em que olhou para a plateia, teve um choque: estranhamente, o teatro estava quase vazio. Os organizadores do evento, temendo fracasso na solenidade, saíram pelo bairro da Ribeira e recrutaram uma legião de transeuntes – mendigos, boêmios, prostitutas – para ocupar pelo menos uma parte dos 600 lugares disponíveis.
Alvamar enfim falou, mas um tom melancólico já tomara conta do teatro, das Ruas, das pessoas. A cidade parecia estar de luto. Por que a guerra havia acabado.
Fontes:
MELO, Protásio Pinheiro de. Contribuição norte americana à vida natalense. Natal: Sebo Vermelho, 2015.
DALCIN, Jessica Freire; LIMA, Monique Maia de; BARROS, Yasmênia Evelyn Monteiro de Barros. Cabarés em Natal: do esplendor do cabaré de Maria Boa ao ostracismo do Beco da Quarentena (1942-1950). In: Encontro Estadual História ANPUH/RN. Anais […]., Natal: EDUFRN, 2012.
SMITH JUNIOR, Clyde. Trampolim Para a Vitória. Natal: UFRN Editora Universitária, 1992.
PEDREIRA, Flávia de Sá. Chiclete eu misturo com banana: Carnaval e cotidiano de guerra em Natal. 2. ed. Natal: Editora UFRN, 2012.
Dos bondes ao Hippie Drive-in [recurso eletrônico]: fragmentos do cotidiano da cidade do Natal/ Carlos e Fred Sizenando Rossiter Pinheiro. – Natal, RN: EDUFRN, 2017.
Anuário Natal 2009 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN):Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009.
Onde os espiões lutaram. Por Luiz Alberto Weber Da Equipe do Correio Brasiliense. Publicado na edição do Correio Brasiliense de 15 de julho de 2001.
INFRAESTRUTURA E MODERNIZAÇÃO URBANA: OS IMPACTOS DO PORTO, FERROVIA E AEROPORTO EM NATAL E DAKAR (1890-1930). Rubenilson Brazão Teixeira
CANTOS DE BAR: sociabilidades e boemiana cidade de Natal (1946-1960)Viltany Oliveira Freitas
Tok de História, Curiozzzo, No Minuto, IFRN, Vento Nordeste, Tribuna do Norte