As normas municipais republicanas

No fim do século XIX várias leis estaduais no Rio Grande do Norte ajudam a definir as funções/atribuições do Conselho de Intendência da capital, as quais não foram tão bem delimitadas pelo seu decreto de criação. Nesses primeiros anos do regime republicano, vamos discorrer sobre as leis que foram as responsáveis por regular o funcionamento dos Conselhos de Intendência no Estado.

Editais

Em um período de transição do regime monárquico para o republicano, os editais foram os responsáveis por defi nir normas para a cidade. As resoluções municipais, leis que tratavam dos temas a que nos referimos, só começaram a ser publicadas no ano de 1892, dois anos após a criação da Intendência. O uso desses editais como elementos normatizadores deve ter se devido à instabilidade desse momento de transição, momento em que as regras de funcionamento da nova instituição ainda não eram tão claras. Nesse período, certamente, as antigas posturas continuaram a ter valor legal, visto que em nossas fontes não há notícias de que elas tenham sido revogadas, apesar de essa possibilidade ter sido permitida pelo §5º do art. 2º do decreto nº8/1890.

Entre 1892, ano em que é lançada a primeira resolução, até 1904, marco inicial de nossa pesquisa, haviam sido publicadas noventa resoluções, espalhadas em dezenas de edições d’A Republica, visto que, usualmente, elas eram lançadas uma a uma. Tinha-se, em síntese, uma vasta quantidade de leis, publicadas em 12 anos, esparsas. Foi pensando nisso, buscando organizar as mais diferentes normas até então publicadas pelo poder municipal no regime republicano e tornar racional o acesso a elas, que os
intendentes elaboraram a resolução de nº 92, a mais extensa até então lançada.

Entre os assuntos que mereceram a atenção da nova lei estava o da edificação. Ainda delineia a área urbana de Natal e apresenta um conceito de subúrbio pela exclusão/negação: área suburbana é toda aquela que não pertence ao que se delimitou como área urbana.

Também são definidas normas para o aforamento de terrenos pertencentes ao patrimônio municipal; normas de higiene e saúde; regras que definiam os comportamentos adequados e os proibidos em locais públicos da cidade, como o mercado; regularização de serviços urbanos; os impostos que poderiam ser cobrados pela Intendência e as regras para cobrança, entre outros assuntos de interesse da municipalidade.

Foto da sede da Intendência tirada por Manuel Dantas na década de 1910. À direita da imagem vê-se o prédio da farmácia torres. Na década de 1920, esse sede, modesta que m suas formas, dará lugar a um prédio mais importante, de estilo eclético, que ainda hoje sedia a prefeitura da cidade.

Atribuições republicanas

A Constituição estadual de 1891, decretada por Nascimento de Castro a 20 de janeiro, tem vários de seus artigos sobre a organização municipal no Rio Grande do Norte, entre os quais está o de nº 3 e de nº 50 que, com textos parecidos, reafirmam o princípio constitucional de autonomia municipal.

O artigo de nº 57, por sua vez, deixa mais claro quais são as funções dos Conselhos de Intendência, apresentando pontos novos em relação aos decretos estaduais nº 8 e 9 de 1890. Para termos uma ideia de como a Constituição estadual republicana especifica as atribuições dos Conselhos de Intendência, podemos dizer que seu artigo 57 apresenta quinze parágrafos para tratar dessas atribuições, ao passo que o artigo 2º do decreto estadual nº8/1890 versa sobre o mesmo objeto em cinco parágrafos.

Entre estes pontos estão a regularização da administração dos 
imóveis pertencentes ao patrimônio municipal, o cuidado com a higiene municipal, com a limpeza, embelezamento e iluminação de ruas, praças, estradas e caminhos, a liberdade para contrair empréstimos, para celebrar contratos com outros  Conselhos sobre objetos de interesse da economia municipal, entre outros aspectos da administração local. A Constituição estadual, todavia, ainda dava ao governador do Estado poderes signifi cativos frente aos Conselhos  Municipais. Cabia ao Executivo estadual superintender a distribuição e aplicação dos recursos municipais, decidir sobre os recursos interpostos sobre as resoluções decretadas por esses Conselhos e suspender as leis municipais, quando elas fossem contrárias aos interesses do próprio município, ou ferissem as leis federais e do estado.

Essa Constituição foi substituída pela promulgada pelo  Congresso Legislativo Estadual – cujos membros haviam sido 
eleitos em maio daquele ano – em 21 de julho. Lembremos que nessa época, Pedro Velho, que com sua força política já havia afastado dois governadores “forasteiros”, caíra no ostracismo por apoiar Prudente de Morais nas eleições indiretas para a presidência da República e não o vencedor Deodoro 
da Fonseca.

A Carta de julho apresenta poucas mudanças em relação à de fevereiro, quanto à organização dos municípios. O artigo 3º, por exemplo, reforçando a autonomia municipal, é idêntico em ambos os documentos. O novo texto, porém, dedica um capítulo específico para tratar da organização municipal, 
o V – Do Município ( RIO GRANDE DO NORTE. Assembleia Constituinte (Constituição de 21 de julho de 1891) [Manuscrito].). 

Em seu artigo 51, uma novidade no que diz respeito à composição da Intendência. O número de membros do Conselho seria diretamente ligado ao de habitantes do município, sendo estabelecida a ordem de um intendente para cada mil habitantes, havendo impedimento, contudo, de que o número de membros fosse superior a sete.

O §3º do artigo 52 destacava, pela primeira vez, que a função de intendente era gratuita. Apenas a partir de 1924, o presidente da Intendência, e apenas ele, passará a receber remuneração, como vemos pelas resoluções municipais orçamentárias.

O PRÉDIO DO CONGRESSO ESTADUAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Em 1905 o governador do Rio Grande do Norte, Tavares de Lyra, contratou com arquiteto e engenheiro Herculano Santos a construção de um palacete para o Congresso Estadual.

O edifício foi erguido em frente ao Atheneu, na Avenida Junqueira Aire, na Cidade Alta, no lugar onde havia uma velha casa pertencente a intendência a qual seria demolida para construir o referido prédio do congresso. O prédio teve sua construção iniciada em 1906.

Em 22 de maio de 1907 o prédio foi entregue ao governo do estado pelo engenheiro Herculano Santos.Segundo o jornal A República naquela data foram entregues as últimas obras do edifício do Congresso Estadul que compreendiam os acessórios internos da sala das sessões: mesa presidencial, bancadas dos deputados, divisão do recinto e galeria pública.

Na fachada foi gravada a palavra LEX (lei em latim).

O Poder Legislativo funcionou no prédio até o final do ano de 1930 quando as câmaras representativas foram fechadas com o advento da revolução daquele ano.De 1931 a 1934 serviu de sede a então Corte de Apelação, quando o prédio voltou a alojar o Legislativo indo o Poder Judiciário para a mesma avenida onde estava instalado o Hotel Bela Vista (atual Solar Bela Vista).Voltou a abrigar o Poder Judiciário após o golpe de 1937.

Sem uso na atualidade o prédio serviu de sede a OAB do Rio Grande do Norte e ao que tudo indica estava passando por uma reforma.

Seu “dono”

O Presidente Deodoro da Fonseca, com sua intransigência – e talvez também saudoso dos tempos imperiais e do poder Moderador –, teve significativas dificuldades para se relacionar com o Congresso Nacional. Acabou por renunciar em 23 de novembro de 1891, abrindo espaço, assim, para que Pedro Velho seguisse adiante com seu projeto de consolidação do poder de seu grupo familiar. Cinco dias após a renúncia do Marechal, o governador deodorista Miguel Castro foi deposto por movimento liderado por Pedro Velho e José Bernardo. Formou-se uma Junta Governativa provisória, que guardou o lugar de Pedro Velho, eleito em 31 de 
janeiro de 1892.

O primeiro ato da Junta Governativa foi a dissolução  do Congresso Legislativo. Para o jornal e os aliados dos Albuquerque Maranhão, a República potiguar começara em 28 de novembro de 1891, como bem aponta o historiador Almir Bueno. A respeito do exposto e, de maneira geral, sobre o cenário político potiguar entre 1891 e 1892, ver BUENO, Almir de Carvalho. Visões de República: ideias e práticas políticas no Rio Grande do Norte (1880-1895), p. 120-131. Levando isso à risca, Pedro Velho, sem oposições significativas, comandou a construção de uma nova Constituição para o estado, a qual ficou conhecida como a Constituição de Pedro Velho, seu “dono”.

A nova lei maior do Rio Grande do Norte repetia os artigos dos textos constitucionais anteriores e trazia em seu artigo 57 que o Conselho da capital teria nove membros, superando os sete previstos na Constituição de julho.

A lei estadual nº 1, de abril de 1892, versando sobre os crimes de responsabilidade do governador do estado, assegura, mais uma vez, a autonomia municipal, ao estabelecer, em seu artigo 19, que a intervenção do governador em assuntos peculiares ao município, salvo nos casos previstos na lei, constituía crime de responsabilidade.

Quanto à definição das atribuições da Intendência, não encontramos diferenças marcantes entre essa lei e as demais aqui já discutidas. A exceção está no Título IV, que discute as leis, resoluções e posturas municipais. Ele defi ne, em seu primeiro artigo, que as resoluções dos Conselhos eram executórias e não dependiam da confirmação de outro poder, o que garantia, nos termos da lei, a liberdade legislativa do poder municipal. Os demais artigos versam sobre as condições de publicação das leis municipais e os casos em que elas poderiam ser suspensas pelo Executivo estadual, os quais já haviam sido expressos na Constituição estadual de 1891.

Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, mais conhecido simplesmente como Pedro Velho (Macaíba, 27 de novembro de 1856 — Recife, 9 de dezembro de 1907) proclamou a república no Rio Grande do Norte, sendo o seu primeiro governador.

Novas normas

Apenas na década de 1920 aparecerão novas normas para regular as atividades desses Conselhos e instituir, tardiamente, a prefeitura.

Toda esta gama de normas definia com maior nitidez quais eram as áreas de atuação da Intendência e como essa instituição deveria intervir em cada uma delas. As regras, em conjunto, mostravam ainda o que a municipalidade esperava dos cidadãos natalenses, em termos de costumes e comportamentos, e o que projetava para a cidade, no que dizia respeito às suas formas e às atividades e serviços nela realizados.

Fonte:

Natal, outra cidade! [recurso eletrônico] : o papel da Intendência Municipal no desenvolvimento de uma nova ordem urbana na cidade de Natal (1904-1929) / Renato Marinho Brandão Santos. – Natal, RN : EDUFRN, 2018.

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