Caravela Bar

O Caravela Bar é parte inseparável da história cultural, social e boêmia de Natal desde o ano de 1966 quando um alvará conseguido pelo então vereador Bernardo Gama resolveu o problema de ilegalidade em seu funcionamento. Pouco tempo antes, o prefeito Djalma Maranhão desceu de um Jippe e indagou da autorização, recebendo em resposta que aquela atividade informal tinha a devida autorização da mulher e filhos, que dependiam do seu apurado diário.

A iniciativa

O senhor Sebastião Bezerra, ex-agente rodoviário, “Seu Bastico”, o fundador do Caravela Bar faleceu em maio deste ano. O Caravela marcou época na Praia dos Artistas como ponto de encontro de diversas gerações a partir dos anos 1960 até os tempos recentes, quando seus filhos o sucederam.

Sebastião começou a vida na orla urbana vendendo laranjas para os banhistas e poucos turistas que descobriam Natal em meados da década de sessenta. Sua batalha está no livro “Bye Bye So Long Very Well”, de Talvani Guedes.

O jornalista Alex Medeiros narra aquele momento num ambiente deserto, onde artesãos e entalhadores vendiam suas peças, enquanto o homem das laranjas erguia uma barraca perto da torre de salva-vidas e sua mulher cozinhava num fogareiro.

“Entre o final dos conturbados anos 60 e o início dos 70, tornou-se Caravela Bar, atraindo boêmios, intelectuais e estudantes que gazeteavam aulas no Marista, Atheneu, Churchill para saborear os tira-gostos, cerveja e a caipirinha”, disse Alex Medeiros em artigo na Tribuna do Norte, ressaltando que iniciou o “ginásio em 1972 e logo fui atraído para o entorno do bar, onde os filhos das elites disputavam campeonatos de surf e eu aproveitava para ouvir na calçada os hits de rock que tocavam nos autofalantes das Kombis e Rurais”.

Ambiente praiano

Os anos dourados da Praia dos Artistas começam mais ou menos em 1975, quando a grande frequência da galera que fazia teatro, artes plásticas e música começou a frequentar aquele pequeno trecho de areia. Por causa exatamente desses frequentadores é que o local terminou ficando conhecido como Praia dos Artistas.

A patir das onze horas da manhã, o pedaço começava a se encher de gente. Da Faculdade de Medicina desciam Zizinho, Vac-Hone, Carlos Piru, André de Mello Lima, Napoleão Veras… Mirabô morava ali onde hoje é o Novotel, e na casa dele sempre havia um artista hospedado: numa semana era Alceu, na outra Gonzaguinha, Fagner… Os mais assediados, mais famosos, como Rita Lee, ficavam na granja de Chico Miséria, que também era um dos frequentadores da praia.

Sérgio Dieb fazia artesanato em couro e Kátia Meirelles e Claudinho comandavam uma boutique louquíssima cheia de roupas divinas. Chico Kurroutek, cearense, desfilava seus cachos e bermudões coloridos pelas areias. No barzinho que ficava embaixo do Salva-Vidas, o Caravela, ficavam os surfistas e era uma beleza ver Brás entrar no mar, com seus louros cabelos de viking.

Os campeonatos de surf também eram famosos, apresentados ao microfone com muita gíria e loucura por Big Terto (hoje transformado no publicitário Tertuliano Pinheiro), que tinha também um programa na rádio em que tocava muito rock.

Barzinhos na orla, mesas no calçadão, muita azaração e paquera nas noites de sextas e sábados na cidade. Durante o dia as meninas desciam à praia para “pegarem um bronze” e os rapazes para baterem uma pelada ou então assistirem o jogo de volleyball ali na areia. Naquela época já havia muito bíquini pequeno, fio dental… e isso só bastava para incendiar a cabeça dos marmanjos.

Naqueles anos, Natal não tinha tantas opções de lugares para se estabelecerem como points de geração; tudo desembocava para a orla, tendo o bar de “Seu Bastico” como epicentro da concentração da juventude de então.

Marcante no negócio de Sebastião Bezerra foi sua caipirinha, famosa até fora do RN e motivo da presença de personagens ilustres como o cartunista Henfil, o cantor Fagner, o craque Marinho Chagas, astro do frescobol ali em frente.

Haviam muitas barracas em toda a praia e a maior delas ficava logo abaixo do Salva Vidas. Nessa época o “Boy da Praia” (figuraça)já perturbava as meninas acompanhadas ou não, pedindo para lhe pagarem uma gela e cigarros.

Os bares dessa época eram: Katikero, Castanhola Bar, Chapéu de Couro, Reizinho Praia Chopp, Postinho, Bar do Bolívia (pé da ladeira do sol), Bandern Club e Qualquer Coisa, Muralha, Calamar(Ponta do Morcego) e Casa Velha. A grande casa de shows era a Casa da MPB na praia do meio, por trás do Bar e Restaurante Saravá, uma outra casa de festas daqueles tempos. As boates de destaque eram O Chaplin (Praia dos Artistas). Lá em cima, na Av. Getúlio Vargas tinha o Bar e Restaurante Liberté (mais sofisticado). O arremate final para quem já tava no fim de farra era tomar um Caldo à Cavala lá no bar “A Tenda”, ao lado do então Hotel Reais Magos.

Naquela época Natal não tinha um só Shopping Center porém tinha muito mais diversão.

Cultura

O jornalista, poeta e fotógrafo Eduardo Alexandre, o Dunga, para criar em 1977 – no muro de frente ao bar – a badalada e hoje histórica Galeria do Povo, um marco do movimento literário.

Frequentador assíduo do Centro, onde circulavam intelectuais e boêmios icônicos, o jovem Dunga percebeu o vazio da Cidade Alta durante a noite e nos finais de semana, optando assim pela muvuca nas cercanias do Caravela Bar.

Depoimento de Alex Medeiros

Meus pais saíram das Quintas para Candelária, onde eu me incorporei aos adolescentes do lugar, tendo entre eles o filho de Sebastião, Flauberto Bezerra, que já incorporava parte do seu dia nas atividades do pai.

Éramos integrantes de uma confraria de moleques loucos por rock ‘n’ roll, futebol e umas milacrias, habituados a botar pra correr invasores de outros bairros que tentavam paquerar as meninas do bairro; que eram nossas garotas.

Entre o Caravela e o Forte dos Reis Magos, vivi grandes instantes com força de rito de passagem, presenciando o surgimento do Festival de Artes, os atos políticos e a folia da Bandagália, que tinham aquela orla como uma apoteose.

Inesquecível a tarde em que eu fumava fitando a escultura do cavalo marinho, obra do grande Jordão, e vi duas garotas – paulistas – meio perdidas. Puxei conversa e descobri que elas queriam descobrir o endereço de alguém.

Procuravam um jovem da Candelária, irmão de um amigo nordestino em Sampa. No papel estava escrito meu nome e minha rua. Levei-as para casa e no percurso uma delas cantou “Cajuína”, lançamento em novo LP de Caetano.

Anos depois, fui morar em São Paulo e abordei uma cantora no Teatro Ruth Escobar após seu show. Seu nome era Eliete Negreiros, que me abraçou e de imediato falou que numa tarde em Natal, um lugar mágico nos aproximou. Era o Caravela Bar de Seu Bastico. Que saudade daqueles dias.

Praia dos Artistas em 1977. Muito bem frequentada.
Praia dos Artistas. Anos 70, 80 e 90. Tempos inesquecíveis.
Praia dos Artistas e o Caravelas Bar.
Praia dos Artistas. Caravela Bar em 1977.
Início dos anos 90. Praia dos Artistas, Caravelas Bar.
Monumento escultural fruto do vigor inteligente da grandeza empreendedora e cultural do CARAVELA BAR. Maravilha. Parabéns mestre Jordão, por seu feito maravilhoso no coração da Praia dos Artistas.
Foto: João Maria Alves.
Foto da Praia dos Artistas com o Bar Caravelas. O estabelecimento era muito bem frequentado e o único de alvenaria já que os demais eram barracas de madeira com lona O Caravelas foi o primeiro bar que fez uma estátua com chuveiro.

O homem do Caravela Bar por Alex Medeiros – http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/o-homem-do-caravela-bar/509306 Acesso em 09/09/2021.

Praia dos Artistas Natal RN – Blog lembranças e saudade – https://natallembrancaesaudade.blogspot.com/2018/01/praia-dos-artistas-natal-rn.html?m=1 Acesso em 09/09/2021.

RECORDAR É VIVER – Blog DO MIRANDA GOMES – Extraído do texto de Clotilde Tavares – Natal/RN – http://cmirandagomes.blogspot.com/2010/07/recordar-e-viver-original-message-from.html?m=1 Acesso em 09/09/2021.

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3 thoughts on “Caravela Bar

  • 13 de setembro de 2021 em 9:42 am
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    Texto espetacular, retrato perfeito.

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    • 26 de fevereiro de 2022 em 7:20 am
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      Citado na brilhante história do caravela bar, os outros bares, chama um de chapéu de couro, NÃO era chapéu de couro e sim, CHAPÉU VIRADO.

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  • 6 de janeiro de 2023 em 1:20 am
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    muito legal o texto. Ao ler agente viaja ao tempo… gostaria de saber se algum visitante lembra o nome dos cantores que cantava no Muralha no anos 80 e 90?

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