Figuras folclóricas de Natal
Para entender mais o cotidiano da Natal, nada melhor do que descrever as figuras populares que caracterizavam o dia a dia nas ruas, cafés, praças e bares da Ribeira e Cidade Alta. As pessoas e situações mencionadas a seguir foram descritas a partir do depoimento pessoal de João Sizenando Pinheiro Filho (1900-1998) e do livro “Natal do Meu tempo” de João de Amorim Guimarães, 1952, bem como de outras referências de blogs, sites, das indicações dos nossos leitores.
Sinfronio Barreto: depois do Padre João Maria era a figura mais popular e querida da cidade. Foi alferes na guerra do Paraguai, extremamente caridoso, distribuía esmolas até o último centavo que lhe restasse no bolso, estava sempre cercado de pobres. Um dia “seu” Sinfronio depois de almoçar com o sobrinho, Jorge Barreto, industrial proprietário da única fábrica de tecidos da cidade, continuou sentado. O sobrinho achando estranho o tio, que normalmente era inquieto, ficar ali estático, observou que os sapatos dele estavam em petição de miséria e que era isto que o fazia procurar escondê-los embaixo da mesa. Apanhado em flagrante, foi repreendido cortesmente por Jorge, Sinfronio teve que aceitar uma ordem para uma sapataria fornecer-lhe um novo par de botinas. Mas, poucos dias depois, Jorge veio a descobrir que o tio vendera as botinas novas para dar dinheiro de esmolas e… continuava com as velhas.
Miquelina dos Bodes: mulher espirituosa que armada de um cipó, para tanger a chiqueirada, andava sempre vendendo bodes, dizendo loas e respondendo, com repentes maravilhosos, todas as provocações da meninada.
Paulininho Doido: era daqueles doidos que ninguém podia aperrear, pois se tornava muito perigoso, capaz até de matar um. Se a “lua” apertava, andava correndo, fingindo-se de trem, apitando. Trazia sempre os bolsos cheios de pedras escolhidas na praia e quando era apupado, jogava-as com violência na direção do provocador. Chegou a lascar a cabeça de alguns desafetos na base da pedrada.
Simôa Canhanhaê: mulher desbocada e pornográfica, que era alvo preferido da meninada; era conhecida por distribuir palavrões quando a turma de garotos se agrupava e saía atrás dela chamando-a pelo apelido. A resposta era imediata; “É a mãe, seu fi lho da P…!!!” e daí por diante… A princípio Simôa ia sempre presa, mas depois a polícia desistiu da ideia, porque quando a prendiam ficava insuportável. Ela ia pelas ruas, acompanhada dos guardas, dizendo uma quantidade bem maior de palavrões até chegar à prisão.
Zé Areia – chamava-se José Antônio Areia Filho, nascido em 1901 e falecido em 1972, boêmio inveterado que, com suas às suas piadas e sátiras, naturalmente improvisadas, era reconhecido e enaltecido pelo povo de Natal. Ele trabalhou na Base de Parnamirim, como barbeiro dos soldados americanos, muitos dos quais não foram vítimas de suas piadas.
O poeta Pedro Grilo – Usava um enorme chapéu tipo “sombreiro” mexicano. Figura inconfundível na cidade sempre protegido por seu sombreiro e amparado por um cajado, Pedro Grilo ou simplesmente Grilo como é conhecido, nasceu em Natal/RN no dia 30 de setembro de 1936. Passou um período em Goianinha morando com a avó e, aos sete anos retornou à Natal, onde vive até hoje. Morou no Areal e atualmente na Guanabara. Frequentou a escola até o curso primário. Autodidata, começou a escrever aos 15 anos. Para ganhar a vida, foi pintor de parede e de letreiros comerciais. Nas horas vagas dedicava-se à poesia e às trovas. Foi idealizador do jornal alternativo, mensal, O Pitiguari, no qual apresenta suas trovas e as trovas de outros autores potiguares. Lançou em 2000 o livro Mel e Cicuta e é membro efetivo da Academia de Trovas do Rio Grande do Norte, ocupando a cadeira de número 35, cujo patrono é Ponciano Barbosa. Também integra a Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do Rio Grande do Norte, a União Brasileira de Trovadores e é membro do Poetas Del Mundo.
Viúva Machado – “Me obedeça, menino, ou vou chamar a Viúva Machado para comer o teu fígado”, era quase que cantado por muitas mães natalenses para amansar seus filhos. A Viúva Machado é umas das lendas urbanas mais conhecidas da cidade. Nasceu em 1881 e morreu cem anos depois. Ainda jovem casou com o português Manoel Duarte Machado, homem rico, proprietário de muitas terras, comerciante de sucesso, com loja grande no bairro da Ribeira (Despensa Natalense), além de incentivador da aviação, doando terras para a construção do primeiro campo de pouso de aviões da cidade, na área na qual foi construído o campo de pouso de Parnamirim. Os atuais bairros de Morro Branco e Nova Descoberta foram propriedade de Manoel Machado, que, falecido em 1934, deixou grande herança para a consorte, que passou a administrar os seus negócios. Como dona Amélia era viúva, empresária e sem filhos, mas gostava muito de crianças, sempre brincando com elas, as histórias seguiram em caminho contrário. Reservada e saúde que inspirava cuidados, começaram a surgir histórias de que ela comia fígado das crianças e que, como um Lobo Mau, tinha orelhas muito grandes e disformes.
Bandido Baracho – Um dos bandidos mais conhecidos da crônica policial da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Assim como os outros assassinos citados, Baracho assaltava e matava pelas ruas potiguares em período noturno. Suas vítimas eram trabalhadores da noite como, principalmente os taxistas. O criminoso agiu por aproximadamente dois anos, quando chamadas e denúncias atribuíam todos os crimes a ele. Perseguido pela polícia durante muito tempo, o bandido foi preso algumas vezes, mas sempre conseguia escapar e se escondia nas cidades de São José do Mipibu e Monte Alegre. Acabou morrendo em confronto com policiais na comunidade do Carrasco, após ser delatado por uma moradora da localidade que lhe recusou um pedido de água. Deste episódio nasceu um ritual que ocorre todos os anos no cemitério do Bom Pastor, em que Baracho foi enterrado. Ao visitar o túmulo do bandido, simpatizantes do criminoso levam-lhe recipientes com água, além de flores, velas, braços e pernas de madeira. Alguns até mesmo consideram Baracho um santo, pois atribuem a ele a realização de alguns milagres. Na região, algumas pessoas acreditam que o bandido d’água conseguiu ir pra o céu por ter morrido com sede.
Maria Mula Manca – Tinha um defeito físico numa das pernas e andava com um cajado de madeira, grossa, pesada. Vivia pelo Grande Ponto ou arredores, recebendo uma esmola de um ou de outro, e não gostava do apelido. Ameaçava com o cajado, mas, como tinha dificuldade de andar, não era ameaça. Mula Manca era o escândalo ambulante de Natal no início dos anos 1960.
Tubiba – era uma figura humilde muito conhecida na Cidade Alta que tinha o hábito de escrever com pedaços de carvão poesias com letras bonitas no chão das calçadas. No tempo que eu estudava caligrafia vertical e horizontal, minha professora sempre citava Tubiba como um exemplo. Os carros modernos da época eram: o DKV, o Sinca e o Aero Willys.
Limonada ou garapa – Um dos mais presentes era um jornaleiro, preto, já de meia idade, cabeça esbranquiçada, que lá chegava no final da tarde e cujo apelido era “garapa” ou “Limonada”. Ele não gostava do nome e ameaçava quem o chamasse assim. Prato cheio para um bando de estudantes sem vergonhas. Um gritava “água”, outro “açúcar”, outro “colher”, e aí ele dizia, se misturar apanha. De outro lugar outro gritava “garapa”. E ele enlouquecia e, quando corria para um lado, outro gritava “garapa”. O pobre ficava louco.
Lambretinha – Dócil, risonho e desequilibrado mental, na sua loucura fantasiava ser um motorista de automóvel. Mãos para frente segurando uma sucata de volante percorria a cidade de uma ponta a outra, do Alecrim até as Rocas. Da garganta saia um ronronar de motor e dos lábios uma imitação de buzina. Era um “Brumm! Brumm!! Bip! Bip!” gozado e triste. Dele não se sabe nome nem paradeiro.
Joca Madureira – Derrubador de boi em vaguejada e bom de briga, impunha respeito pelo porte atlético. Contam-se dele histórias de enfrentamentos solitários e destemidos com patrulhas policiais nas noitadas mundanas de Natal. Um simulacro tupiniquim do carioca “Madame Satã”.
Marimbondo – Corneteiro da Polícia Militar, dono de um toque claro e afinado que lhe valeu o apelido de “Bico de Aço”. Foi presença de destaque tocando seu instrumento nas folias de Momo em Natal durante anos, quando era disputadíssimo por blocos e orquestras carnavalescos.
Cícero Enfermeiro – Vestimenta branca, cigarro na ponta da piteira, aplicava injeções numa clientela variada e cativa, no tempo em que enfermeiro era uma raridade em Natal. Todo adolescente portador de doença venérea sabia o endereço certo para encontrar a cura: o consultório de Ciço na Princesa Isabel.
Manoel – Se hoje é difícil encontrar um anão pela cidade, imagine isso no século passado. O nosso anão fazia ponto na entrada do Cine Rio Grande, na Cidade Alta, vendendo os bombons do patrão João (Confeitaria Mirim), num tabuleiro portátil. Olhar perspicaz e sempre sorridente cativava os clientes pela delicadeza e simpatia.
Restinho – Tratava-se de um frequentador das festas do Aeroclube. Não parava sentado porque convidava todas as moças desacompanhadas para dançar. Aproximava-se da vítima de mansinho e tascava: “Vamos dançar este restinho?”. O “restinho” aludido era o final da música em andamento naquele momento. Não o incomodava o número de “foras”, pois sempre uma alma piedosa lhe faria par.
Zé Menino – José Menininho era outro ótimo. Tocava uma sanfona de quatro baixos, era acompanhado por um sujeito tocando violão e outro pandeiro. Ficava nas esquinas da Ribeira, com um chapéu no chão diante dele, e as pessoas passavam e botavam um dinheirinho. Sua música principal, “Caixão de Gás”, que tocava e cantava nove vezes entre dez. No 18 de Fevereiro 2020 completou 36 anos que Natal perdia está que é uma das suas figuras populares mais conhecidas. O nome que ganhou de sua antiga profissão, barbeiro, especializado em cortes infantis. José Idelfonso, Zé Menininho, nasceu em 01/11/1897 na cidade de Cascavel – CE. Em 1910 foi morar em Macau – RN. Trabalhou nas salinas e na pesca. Mudou depois para Natal onde exerceu a profissão de barbeiro, especializando em cortar cabelos infantis, de onde se originou seu apelido. Em 1924 ganhou a primeira sanfona e aprendeu a tocar o inseparável instrumento. No início dos anos de 1960 mudou de profissão. Trocou as tesouras pela sanfona e passou a se apresentar com seu fole de oito baixos na Rádio Rural de Natal no Programa Alvorada Sertaneja. Ainda nos anos 1960 esteve nos Estados Unidos, se apresentando em São Francisco na Califórnia, Arizona e Miami. Sua única composição, um chorinho denominado Caixão de gás, foi gravada pelo artista potiguar Roberto do Acordeom. Um acervo sobre sua vida e obra se encontra no Instituto Moreira Sales em São Paulo.
Maria Boa – Maria de Oliveira Barros, popularmente conhecida como Maria Boa, foi uma Paraibana que fez muito sucesso na nossa cidade! Ele foi dona do Cabaré mais famoso da história do RN. O sucesso foi tão grande que durante a segunda guerra mundial teve seu rosto estampado na fuselagem de aviões americanos. Um dos seus principais hobbies era a leitura. Seu corpo e seus ‘dotes’ estavam impregnados na mente de todos os homens da época (estamos falando da década de 40). Existe muito folclore que cerca a personagem, mas sem dúvida a Maria Boa tem uma forte ligação com a cultura potiguar. Maria Barros, morreu no dia 22 de Julho de 1997, aos 77 anos.
Conde, o dono do Banco do Brasil – O lugar onde você encontrava mais tipos folclóricos era a Ribeira. Um sujeito que se apresentava como Conde, dono do Brasil. Chegava numa loja e dizia: vim buscar minha participação. Eu mesmo, na nossa, sempre dava a ele cinco cruzeiros. Um dia, dei somente dois cruzeiros. Ele disse: vejo que os nossos negócios vão mal, vou providenciar para que melhorem. Quando veio na outra semana (ia uma vez por semana) e dei cinco cruzeiros, ele disse: viu, minhas providências funcionaram. Chegava no Banco do Brasil, de quem ele se dizia dono, alguns caixas não lhe davam atenção. Mais havia um, grande figura, radioamador, Lídio Madureira, a quem ele dizia: vim buscar meu lucro da semana. Recebia dez cruzeiros e saia feliz.
Raimundo Bamba – Cego, tinha um conjunto que ela era mesmo. Um bombo, com uma arrumação que prendia um realejo na altura da boca. Cantava e se acompanhava com o bombo. Às vezes, vendia bilhetes de loteria.
Dr. Choque – Este vendia bilhetes de loteria. Não era pedinte, mas ficava o tempo todo num treme-treme sem parar, como se fosse Parkinson. Daí o nome, Dr. Choque.
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Fontes:
Dos bondes ao Hippie Drive-in [recurso eletrônico]: fragmentos do cotidiano da cidade do Natal/ Carlos e Fred Sizenando Rossiter Pinheiro. – Natal, RN: EDUFRN, 2017. 535 p. : PDF; 6,47 Mb.
PERFIS DE NATAL – José Narcelio Marques Sousa via Blog Ponto de Vista em https://www.pontodevistaonline.com.br/perfis-de-natal-jose-narcelio-marques-sousa/ Acesso em 20/09/2021.
Fiz a leitura, ficou muito boa. Meu pai, Cabral, filho de Mário Cabral, do Hotel Bom Jesus, na Rio Branco, me falava muito de Burro Preto, muitas histórias dele. Uma delas, que ele subia a Rio Branco, com botijões de gás, quando chegava no topo da ladeira, jogava os botijões e gritava: é babá!!! Outra história, que ele, comprou um caixão e saiu pela cidade Alta pedindo dinheiro e tomando cachaça… Acho que se procurar as pessoas de mais idades, saberão de mais coisas… Infelizmente, não posso dizer nada, pq meu pai faleceu ano passado.
MARIA SAI-DA-LATA – No bairro do Alectim, na década de 60, andava pelas ruas uma mulher maltrapilha, que fazia as necessidades ali mesmo, onde estivesse, sem mais cerimônia. Odiava o apelido, e tal qual Maria Mula Manca ,xingava com todo tipo de palavrão quem a chamasse pelo apelido.
PIRU GLUGLUGLUGLU- Era um homem que andava a pé,dando voltas no quarteirão que compreendia as Av.10, Av. 2 Av. 11, Av. 3 fazendo o quadrilátero várias vezes. Tinha o semblante sisudo mas não se incomodava quando a gente gritava PIRU. Talvez nem soubesse que era com ele. Algumas conjecturas a respeito daquele cidadão: estava apaixonada por alguma moça da nossa rua? Era praticante do Cooper?
HELICOPTER- Era um doido que aparecia de vez em quando na nossa rua, calado, sério e nós pedíamos a ele ‘faz o helicóptero?”
Ele ia pa o ponto mais alto da rua, abria os braços e comecavavavgirar, numa velocidade da porra, descendo a ladeira. Se colocássemos um espanador no rabo dele, “perigava” ele sair voando.
UM HOMEM CHANADO CAVALO-Era um homem adulto, que andava como um cachorro, numa velocidade incrivel. De vez em quando parava e sentava nas “patas” traseiras. Tinha cascos na mão, duros. Eram calos de muitos anos se locomoverem assim. Um dia oedimos ao tenente Belmiro para medir a velocidade dele, apostando uma corrida , ele contra seu Jipe. Mas não podia passar de 50Km/h…O homem ganhou!
CABEÇÃO-Era um rapaz que tinha uma cabeça enorme, super inteligente. Tinha um acervo musical na cabeça. Sabia os nomes das músicas, autores, ano de gravação, selo da Graça dirá, etc.
HABITANTES DA LUA-Era uma família que morava na Av 3, onde os pais e os filhos tinham a mesma fisionomia, desde o pequeno até o maior. E eles falavam roucamente, uma linguagem ou dialeto que ninguém entendia. Suspeitavam que fosse uma experiência do Dr. Mengele, que tivesse escapado dos nazistas.
JOQUINHA-Era um homem pequeno, com uma deficiência nas costas, um calombo tipo o Corcunda de Notre Dane, tocava uma única música, incompreensível, acompanhandi-se numa de uma concertina.
CUÍCA-Era um esmola, tinha a boca tida ferida. Vivia pedindo esmola e se vc não desse, batia com a cabeça na parede, até receber a esmola.
MEU GATO PRETO- Na época anos 60, não sabíamos seu nome, ANDRÉ DACRABECA, cantava e se acompanhava na rabeca uma única música, de sua autoria NEU GATO PRETO, daí o seu apelido na nossa rua