JUVINO César Paes BARRETO
Juvino César Paes Barreto nasceu no município pernambucano de Aliança, a 2 de fevereiro de 1847, filho do coronel Leandro César Paes Barreto, republicano e insurgente da Revolução Praieira (1848), e Umbelina de Medeiros César.
O Cel. Leandro, seu pai, era homem de caráter, temperamento de lutador e de abnegado, de verdadeiro patriota. Tomara parte na revolução de 1848, em que comandara as tropas rebeldes, demonstrando, nos encontros com as forças legais, muita bravura. Fracassada a revolução, foi o Cel. Leandro preso para Fernando Noronha. Voltando ao seio da família, depois de indultado, com os demais companheiros, pelo Governo Imperial, dedicou-se inteiramente á educação dos filhos. Quando, em 1856, o cólera, ceifando milhares de vidas cobria de luto e de dor a sua terra, o Cel. Leandro num impulso legitimo de desprendimento, de abnegação e de coragem, deixou a segurança do lar, dedicando-se inteiramente a assistência ás vitimas do terrível mal, visitando-as, medicando-as, ajudando-as nos transes mais pungentes. E pagou com o sacrifício da própria vida, vítima também que fora do cólera, a sua inexcedivel dedicação aos infelizes, aos sofredores.
Aos 10 anos de idade, Juvino ficou órfão de pai e passou a trabalhar como caixeiro viajante, em um estabelecimento de Nazaré/PE. À noite, ele ainda trabalhava em uma pequena oficina de encadernação, instalada em sua própria residência. Em 1869, associou-se ao irmão Júlio Barreto, estabelecendo-se em Macaíba, neste Estado. Comercializava produtos adquiridos no Guarapes (Macaíba), à época importante núcleo comercial.
Em 1871, ao agitar-se a ideia abolicionista, fundou Juvino Barreto, em Macaíba, a “Libertadora Macaibense”. Decisiva e digna dos maiores aplausos foi a sua ação á testa dessa sociedade pela libertação dos escravos, auxiliando-os em suas fugas perigosas, tudo fazendo ao seu alcance, ao alcance de sua coragem e de sua dedicação sem limites, para livrá-los do jugo humilhante, dos sofrimentos, da ferocidade de impiedosos e desalmados feitores e senhores. A sua atuação, nessa primeira fase da luta abolicionista, valeu-lhe a condecoração do “Habito da Rosa”, com que foi agraciado.
Juvino Barreto casou-se em 28 de janeiro de 1873, com Inês Augusta Paes Barreto, filha de Amaro Barreto, tendo Juvino, nessa época, 27 anos, e Ignez Barreto apenas quinze. Juntos, tiveram 14 filhos.
Transferindo-se para o Recife, ali passou a dirigir a firma Júlio & Irmão. Voltou em seguida, passando a residir com o sogro e com um cunhado, Fabrício Maranhão, no Porto de Guarapes, em Macaíba, onde restauraram a importante casa fundada pelo Major Fabricio Gomes Pedroza.
O homem que teve o topete de montar a primeira fábrica de tecidos do estado do Rio Grande do Norte. Não podia deixar de ter sido um homem audacioso. Juvino sonhou um dia construir uma fábrica de tecidos em Natal. Mais tarde, atraído por incentivos fiscais à industrialização no Rio Grande do Norte (leis nº 732, de 09.08.1875, e 773, de 09.12.1876), adquiriu um terreno de 8.000 m² na rua da Cruz (antiga Junqueira Aires, hoje Câmara Cascudo) para investir no ramo de fiação e tecelagem, logo iniciando as obras de construção. Criou a Vila Barreto (uma parte ficava onde atualmente funciona a Caixa Econômica da Ribeira, a outra parte ficava onde hoje funciona o Colégio Salesiano).
Depois, em Recife, no furor da luta abolicionista, já em 1887, fundou Juvino Barreto, com Barros Sobrinho, João Ramos, José Mariano e tantos outros, Célebre “Clube do Cupim”, sendo também escolhido pelos seus companheiros de ideal para um dos diretores da “Sociedade Abolicionista Pernambucana”. No ano seguinte, a Princesa Isabel assinava a célebre LEI ÁUREA, de 13 de Maio, da libertação dos escravos, por que tanto lutaram esses abnegados brasileiros, dentre os quais Juvino Barreto teve papel preponderante.
Comprou na Inglaterra as mais modernas máquinas existentes na época, com o compromisso de pagá-las com os lucros obtidos. Em 24 de maio de 1886, lançou a pedra fundamental do edifício fabril, em cerimônia presidida pelo presidente da província, José Moreira Alves da Silva e, enfim, inaugurou a Fábrica de Fiação e Tecidos Natal em 21 de julho de 1888. Junto à fábrica, Juvino construiu vila, escola, capela e prestou assistência médica completa aos seus operários. A benção foi dada pelo vigário, Padre João Maria.
Inicialmente, tinha a fabrica 48 teares, 1.600 fusos, e 80 operários. As primeiras peças de tecido saídas de seus teares foram entregues, no dia 29 do mesmo mês, ao virtuoso vigário Padre João Maria, já canonizado Santo pela gente de nossa terra, para que fossem distribuídas aos pobres.
Naquele mesmo ano de 1888, a 23 de Setembro, fundava Juvino Barreto, com Felix Mascarenhas e alguns outros, cujos nomes não consegui descobrir nos arquivos e notas que rebusquei, a “Sociedade de São Vicente de Paulo”, de historia emocionante e simples, toda vivida sob os tetos humildes de palhoças e casebres, plantados nas encostas dos morros, nos areais distantes e no descampado dos tabuleiros.
A Fabrica de Tecidos conquistou em pouco tempo o operariado modesto de nossa terra, e os empregos na Fabrica de Seu Juvino, como a chamavam, eram disputados à medida que a mesma ia se desenvolvendo e novas vagas surgiam. Todos queriam tê-lo como chefe, sabida como era a sua inexcedível bondade, ao par de um elevado e nobre sentimento de justiça.
Vencedora a luta abolicionista, dedicou-se ele, com o mesmo ardor, com o mesmo elevado idealismo, á luta pela implantação da república, já em plena efervescência. E, em 27 de janeiro de 1889, com um grupo à frente do qual estavam Pedro Velho, João Avelino Pereira de Vasconcelos, Zacharias Monteiro, Augusto Severo e outros, fundou o “Clube Republicano”, na residência do Cel. João Avelino, ao lado da matriz do Bom Jesus, no mesmo lugar em que foi construído o nosso “Grande Hotel”.
Durante a revolta da Armada, em 1892, organizou Juvino Barreto, em Natal, o “Batalhão Silva Jardim”, tendo mais de uma vez se oferecido ao Marechal Floriano Peixoto, para combater ao lado das forças legais, fiel á tradição de seus antepassados e ao elevado sentimento de sadio patriotismo que era uma das características marcantes do seu caráter.
Em frente a fábrica ficava a rica residência do proprietário, que ainda hoje se pode ver no começo da ladeira que termina na cidade alta, hoje Avenida Junqueira Ayres na Avenida Câmara Cascudo. A residência do proprietário é o atual Colégio Salesiano.
Ao lado da fabrica de tecidos, nesta mesma rua e justamente em frente ao prédio onde reside o nosso grande historiador Câmara Cascudo, construirá Juvino Barreto a capela-escola “São José”, onde funcionava um curso de alfabetização para os filhos dos operários, e onde também lhes era ministrado o ensino religioso.
As Imagens dessa antiga capela de “São José foram transferidas para a capela da “Vila Barreto”, e hoje se encontram na capela desta Casa Salesiana, presidindo, imóveis, do alto de seus altares, ao desdobramento da obra de seus doadores.
Segundo Câmara Cascudo, Juvino Barreto era um homem “pequeno, forte, moreno, barba cerrada, sempre de casimira, com um revólver metido entre a calça e o colete, revólver que jamais disparou’’. Juvino Barreto, era católico fervoroso, caridoso e de grande visão social, tendo sido considerado um modelo ideal de patrão. Foi o fundador da “Libertadora Macaibense”, conseguindo um grande número de alforrias de escravos. Foi condecorado com a Imperial Ordem da Rosa, pelos serviços prestados à causa abolicionista. Também foi sócio do Clube do Cupim e Oficial Superior da Guarda Nacional.
Segundo vários outros historiadores, era generoso e humanitário: implantou um programa de saúde para os seus empregados e proveu recursos para fins sociais, do que surgiriam vários estabelecimentos de ensino, dentre os quais os Colégios Imaculada Conceição e Santo Antônio. Sua mansão residencial foi doada, ainda em vida, à Ordem dos Salesianos.
Já no leito de morte, Juvino Barreto chamou a sua esposa para um último pedido: “Que, de sua herança, reservasse dez contos de réis para fundação de uma casa para educação de meninos; dez contos de réis para uma casa para educação de meninas, e dez contos para a fundação de um hospital”.
E, ás dez horas do dia nove de abril de 1901, no salão de frente do primeiro andar desta casa que ora nos abriga, deixou de pulsar aquele grande coração. O lutuoso acontecimento abalou profundamente a pacata Natal de 53 anos passados. O comercio cerrou suas portas. Nos edifícios públicos, as bandeiras foram hasteadas em funeral. Imensa multidão, vinda dos mais longínquos lugares, cercou a casa do grande morto, na ânsia de vê-lo mais uma vez, de prestar-lhe a sua última e sentida homenagem.
O enterro realizou-se no dia seguinte, saindo o féretro às sete horas da manha, para a próxima estação da estrada de ferro, donde foi transportado, em carro fúnebre, para o cemitério do Alecrim. Os enterros importantes, naquela época, eram feitos a trem. Os vagões que formavam a longa composição estavam repletos. Ao longo dos trilhos até a parada do “Oitizeiro”, o povo, em silencio, com os olhos marejados de lagrimas, ajoelhava-se à sua passagem.
No cemitério, a multidão era imensa. A cerimônia triste, grandiosa e solene do enterro, contou com a presença de quase 3.000 pessoas. Uma verdadeira parada de dor.
Naquele dia, o cemitério foi fechado. A’ borda do túmulo, falaram Pedro Avelino e o inolvidável médico e poeta Segundo Wanderley que, entre outras coisas belas, disse o seguinte: “Faiem neste momento por mim os gemidos aflitivos que convulsionam os seios inconsoláveis dos desherdados da sorte; falem por mim os soluços emocionantes que se desprendem dos lábios sequiosos da inocência, do coração palpitante da castidade; falem por mim estas manifestações eloquentes de todas as classes no requinte espontâneo de sua admiração e de seu respeito; falem por mim os protestos altísonantes do povo Rio Grandense na eclosão indefinível do seu sentimentalismo, no fervor inefável de sua idolatria; fale por mim, em suma, esta caudal enorme, esta parada de luto, esta apoteose de lágrimas onde as consciências genuflexas levantam n’um extasis sobrenatural o estandarte sublime da saudade e da gratidão”.
Os teares eram impulsionados por vontade férrea de seu dono. Quando este morreu, os teares perderam o entusiasmo e algum tempo depois tiveram a mesma sorte daqueles da fábrica de linhas da Pedra, lá em Alagoas. Da fábrica de tecidos ficou apenas a chaminé.
Em seu testamento, o empresário deixou em torno de dez mil contos de réis para a construção de um colégio para meninos, outro para meninas. Também deixou parte dessa herança para a construção de um hospital. Com efeito, parte desse recurso foi para construir o Colégio Santo Antônio, que foi administrado pelos irmãos Maristas, e o colégio da Conceição, cuja administração ficou a cargo das irmãs Dorothéias.
A outra parte que seria destinada à construção do hospital, o governador Alberto Maranhão, casado com uma filha de Juvino Barreto, fez aquisição de uma mansão para o Estado, que na época pertencia à família, a casa estava situada no “Monte”, em Petrópolis. Depois de reformado o Hospital de Caridade foi transferido para lá, a partir do lugar onde hoje se encontra a Casa do Estudante.
Em 12 de setembro de 1909, o hospital foi inaugurado. O hospital, em homenagem a Juvino Barreto, ganha o nome do empresário. Em 1928, é arrendado para a Sociedade Brasileira de Assistência Hospitalar, entidade que ao assumir a direção muda o nome do hospital para “Hospital Miguel Couto” (hoje, Hospital Universitário Onofre Lopes).
Nesta época Januário Cicco diplomou-se como médico no ano de 1906 na instituição baiana. Três anos após o término do curso, Januário Cicco pôs em funcionamento o Hospital da Caridade Juvino Barreto (atual Hospital universitário Onofre Lopes), durante o governo estadual de Alberto Maranhão, e, consequentemente, ocupando o cargo de diretor em 23 de agosto do corrente ano.
O Hospital de Caridade Juvino Barreto pouco a pouco foi se tornando menos religioso e mais secular, devido aos investimentos públicos efetuados pelo governo estadual; cumpria em Natal essa função apontada por Márcia Regina de formação de uma rede de atendimento público, mesmo ainda tendo como princípio o atendimento aos pobres e desvalidos da sociedade.
Em 1944, é fundado o abrigo para idosos pela Legião Brasileira de Assistência. A instituição homenageia o grande filantropo colocando o seu nome no abrigo. Essa homenagem se dá pela grande importância do empresário no desenvolvimento da cidade, bem como sua participação relevante dentro das obras filantrópicas.
ANTIGO PALACETE DE JUVINO BARRETO (ATUAL COLÉGIO SALESIANO)
A casa residencial de Juvino Barreto foi construída no final do século XIX e acha-se localizada no atual Largo Dom Bosco, no lado oposto à fábrica, dentro de um imenso sítio que abrangia um quarteirão inteiro. Era uma propriedade bem cuidada, com pomar, cachoeira, cacimba (chamada Cacimba de São Tomé), além de outras dependências, tudo envolvido por uma paisagem exuberante, constituída de frondosas mangueiras e pontilhada de belas palmeiras imperiais.
Juvino Barreto construiu uma fábrica e ao lado construiu uma escola, capela e prestou assistência médica completa aos seus operários.
Era caridoso e de grande visão social, considerado ideal padrão. Foi o fundador da “Libertadora Macaibense”. Conseguiu um grande número de alforrias de escravos.
Em frente de sua casa ele construiu um notável palacete, e ali criou os seus 14 filhos. A casa foi construída em um imenso sítio que abrangia todo o quarteirão.
O industrial e sua esposa, Inês Paes Barreto, doaram à Ordem dos Salesianos a Vila Barreto, como era conhecida a propriedade da família. Conhecido como “O Pai dos Pobres”, faleceu em 9 de abril de 1901. Está sepultado no cemitério do Alecrim.
Sua mulher faleceu em 5 de agosto de 1932. Os filhos do casal deixaram a Vila barreto, como era conhecida a propriedade, às 13h do dia 20 de setembro de 1936, aos padres Salesianos que o utilizaram como oratório e local de reuniões, cumprindo o desejo dos pais, passando a residirem na avenida rio branco nº. 369. Em 1939, as atividades pedagógicas começaram no local.
Em 1940, começou um curso para formação de seminaristas e, em 1960, o Ginásio Salesiano São José passou a funcionar no antigo palacete dos Barretos. Desde 30 de julho de 1992, registra Nesi (1994), o prédio é tombado a nível estadual.
A edificação na qual funciona o atual Colégio Salesiano São José localiza-se no largo Dom Bosco, na Ribeira. Sua área corresponde aos domínios do antigo palacete construído pelo industrial Juvino César Paes Barreto.
Em 20 de setembro de 1936 os padres Salesianos tendo à frente o Pe. José Bezerra, instalaram – se no imóvel e, em 26 de setembro do mesmo ano iniciaram suas atividades com o tradicional “Oratório Festivo”.
FÁBRICA
O ano de 1877 foi de seca. A catástrofe dos flagelados se repetia no interior da Província e Passos de Miranda, [o então presidente] convicto de que só a indústria romperia o ciclo de estiagens, pobreza e fome, contratou […] Amaro Barreto para abrir uma fábrica de fiação e tecelagem em Natal, oferecendo novos empregos e lançando as bases para uma nova economia. O projeto de beneficiar em Natal o algodão que descia do sertão em lombo de burros entusiasmou mais ao genro Juvino Barreto, então com 20 anos, que ao sogro.
(…) Entre o sonho de Juvino Barreto de mecanizar o aproveitamento do algodão produzido no Rio Grande do Norte e uma nova realidade para a economia local estava a falta de capital para a compra dos teares. O terreno para as instalações ele já tinha: uma área de oito mil metros quadrados, no começo da rua da Cruz (antiga Junqueira Aires, hoje Câmara Cascudo), às margens dos trilhos da Imperial Brazilian Natal and Nova Cruz Railway Ltd. Eram muitos os que não acreditavam no êxito de uma fábrica de tecidos em Natal e se recusaram a constituir o capital necessário. Sozinho, Juvino Barreto lutou 11 anos.
Em 24 de maio de 1886 lançou a pedra fundamental da fábrica. Moreira Alves presidiu a colocação da primeira pedra para a Fábrica de Fiação e Tecidos Natal, de Juvino Barreto, já desaparecida.
Viajou para a Inglaterra, onde adquiriu o maquinário e acertou a vinda de técnicos, hipotecando bens e os rendimentos futuros. Em 21 de julho de 1888, inaugurou a Fábrica de Fiação e Tecidos Natal com a presença do presidente da Província, Antônio Francisco Pereira de Carvalho. Carlos Magno de Araújo in Os empresários (série publicada no ano de 2002 pelo Diário de Natal, sob o patrocínio da FIERN).
A fábrica que se situava no começo da ladeira da então Rua da Cruz, atual Avenida Luís da Câmara Cascudo, produzia quatro tipos de tecidos grossos e beneficiava algodão vindo do interior no lombo de animais (NESI, 1994).
Foi momento em que o Rio Grande do Norte pôde sentir um sopro concreto e vigoroso de industrialização: com a implantação da fábrica de tecidos de Juvino Barreto. O projeto inicial – ainda em plena Província e como parte de uma estratégia para minimizar os efeitos de estiagens que dizimavam a economia do Estado – destinavase ao seu sogro, Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão.
Não podendo viabilizá-lo, caberia ao jovem empresário que moveu céus e terras para implantar a primeira unidade fabril em grande escala na capital do Estado. Desde a sua inauguração, em 1888 até quando fechou suas portas a Fábrica de Tecidos foi presença decisiva na cidade, com seus 48 teares funcionando a partir da força de um motor de 60 HP, fabricando fios e tecidos grossos.
Neste âmbito de atuação de Pedro Velho como vice-governador, segundo Oliveira (2000), as ações de governo ganham destaques pelas medidas em favor da oligarquia Maranhão. Assim é que, logo em maio de 1890 – início da sua gestão como vicegovernador-, o então governador Joaquim Xavier da Silveira Junior assina o Decreto nº 26, isentando o pagamento de direitos de exportação dos produtos da Fábrica de Fiação e Tecidos de Natal, pertencente a Juvino Barreto, cunhado de Pedro Velho.
Homem de visão social, Barreto agradecendo a saudação do Presidente da Província Antonio Francisco Pereira de Carvalho, fez questão de assinalar: “Meus senhores: o meu maior prazer não é ter conseguido montar esta pequena fábrica. O que me alegra, e o que, com toda certeza, vos merecerá maior atenção, é ver o grande e sublime quadro que está à vossa vista. São os oitenta operários, filhos desta Província, abrigados no trabalho. Contemplai-os! Eles podem dizer: temos certo ganhar dignamente para toda a nossa vida o pão para nós e para nossos filhos.”
A Fábrica de Tecidos Natal chegou a ter 320 operários. Conheceu um período de fastígio, tornando-se uma referência obrigatória nos acontecimentos marcantes da cidade. O seu apito, que alertava os operários para a entrada e a saída dos turnos de trabalho, soaria tristemente para anunciar duas grandes perdas: a de padre João Maria e a de Augusto Severo, morto no desastre do Pax.
O Rio Grande do Norte, no conjunto do Nordeste, ocupava, o sétimo lugar, em estabelecimentos industriais, ficando acima, apenas do Maranhão e do Piauí. A reduzida indústria no Rio Grande do Norte, como aconteceu com todas as regiões industrialmente atrasadas eram dominadas pelos setores tradicionais: têxtil e alimentício (Itamar de SOUZA, A República Velha no Rio Grande do Norte (1889-1930 p. 5). TAKEYA, afirma que: “E importante observar que, durante um longo período, a [Fabrica de Fiação e Tecidos de Natal, de Juvino César Paes Barreto] seria a única existente no estado do Rio Grande do Norte” (Denise Monteiro TAKEYA, Um outro Nordeste: O algodão na economia do Rio Grande do Norte :1880 -1915, p. 49).
A fábrica não durou muitos anos uma vez que já existiam muitas no Brasil, mais modernas, e disputar mercado com elas era bem complicado para o empresário. Além disso, em 1923, uma grande greve, inicialmente feita pelos estivadores do Porto de Natal é aderida pelos padeiros, trabalhadores de transportes de cargas e funcionários da fábrica, ocasionando no fechamento da fábrica de Jovino, em 1925,cuja gerência havia sido passada a Sérgio Barreto (Juvino já tinha falecido 24 anos antes). Logo após o fechamento da fábrica, o então gerente opta por transferi-la para o Rio de Janeiro. Esse interesse em mudar a fábrica de lugar se dá pela força que o mercado no sul representava, pois a região sudeste tinha um crescimento enorme do ponto de vista industrial e mercadológico.
Essa fabrica de tecidos, como todos nós sabemos, não existe mais. Depois de passar por diversos donos, que não souberam ou não puderam fazê-la reviver os dias de prosperidade de seu fundador, ficou com o Banco do Brasil, que a vendeu à firma Martins, Jorge & Cia., do Pará. O então interventor federal, Comandante Herculano Cascardo, procurou, num gesto muito louvável, obstar à sua saída, mas não o conseguiu.
Restam hoje as velhas paredes, algumas ainda como naqueles áureos tempos, outras completamente modificadas. Natal já se esqueceu do apito estridente que despertava os operários. Chamando-os para o trabalho, às 5,20 da manhã e, ás 5,20 da tarde, anunciava, para toda a cidade, o término de mais uma jornada. Naqueles vastos salões, não se ouve mais o bater compassado dos teares nem o sussurro dos fusos, naquela envolvente sinfonia de progresso. Restava apenas, ereta, rija, como um braço de gigante crispado para os céus, numa atitude de protesto, imóvel e fria, a grande chaminé, com a evocativa data de 1888 gravada em um de seus flancos.
A industrialização do Rio Grande do Norte só voltaria a ser retomada na década de 70. O prédio da fábrica de tecidos acabou nas mãos da firma Nóbrega & Dantas, exportadora de algodão, até ser destruído em um incêndio. Anos mais tarde, a área foi ocupada por uma agência da Caixa Econômica Federal, instalada até hoje no local.
O LOCAL
A Praça Augusto Severo é um dos mais importantes logradouros públicos do Centro Histórico de Natal e o mais belo recanto da Ribeira. No entorno da praça encontram-se os históricos e imponentes prédios do Teatro Alberto Maranhão (antigo Carlos Gomes), o antigo Grupo Escolar Augusto Severo, a Secretaria Estadual de Saúde (antiga Escola Doméstica) e o Colégio Salesiano (antigo palacete de Juvino Barreto). A atual denominação da praça representa uma justa homenagem ao norte-rio-grandense, mártir da Ciência, Augusto Severo.
RUA SÃO TOMÉ
A atual Rua São Tomé está localizada entre os bairros da Cidade Alta e Ribeira, paralela à avenida Câmara Cascudo, em um trecho compreendido entre as ruas Coronel José Bezerra e Juvino Barreto. Rua do Quartel de Linha foi a sua primitiva denominação, originada pelo fato de ali existir o antigo Quartel da Companhia de Linha. O prédio do quartel resistiu até os meados do século XX. No mesmo local, está edificado hoje o Colégio Estadual Winston Churchill.
No local onde se encontrava a pegada de São Tomé existia uma cacimba, cuja primeira referência documental data de 1º de outubro de 1765, quando Matias Ferreira requereu um terreno ao Senado da Câmara de Natal, “entre as casas que foram do Licenciado Manuel Pinto, no caminho da Ribeira, e uma cacimba que chamam de Santo Tomé’’.
Um dos principais pontos de abastecimento de água de Natal, a cacimba de São Tomé mereceu a atenção de diversos presidentes da Província, que nela realizaram serviços de recuperação e conservação.
Henrique Pereira de Lucena, quando presidente da província, reformou a cacimba em 1872, nela colocando uma placa de mármore alusiva ao fato. Tal placa encontra-se atualmente guardada no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Depois de 1885, a cacimba ficou dentro de propriedade particular. À época em que foi dono da cacimba, encravada em sua bela chácara, Juvino Barreto mandou abrir uma outra cacimba, a fim de não prejudicar o abastecimento d’água da população moradora no bairro da Ribeira.
O Decreto Municipal de 13 de fevereiro de 1888, que reviu a toponímia da Cidade, consagrou o desejo da população natalense, conferindo à rua anteriormente denominada de Rua do Quartel de Linha, o nome de rua São Tomé.
A CHAMINÉ DO TECIDO
Por Luís da Câmara Cascudo
Durante todo o mês de setembro de 1958 acompanhei, dia a dia, a demolição da alta chaminé da antiga Fábrica de Tecidos de Natal, fundada por Juvino Barreto.
Era um elemento característico na velha paisagem da cidade que se transformou. Ninguém notou seu desaparecimento. Nem um jornal registrou sua morte. Não fez falta.
Viveu oitenta e três meses.
À sua sombra trabalharam os oitenta operários de Juvino César Paes Barreto. A charanga ensaiava seus dobrados e valsas, olhando-a Recebeu o primeiro “para-raio” na cidade. Vinha gente de longe para ver as pontas de aço, dedos metálicos espetando o ar, aguardando o impacto radiante.
Ao seu derredor tudo se modificou.
O escritório foi abaixo. Os dois prédios atuais, são novos, confortáveis, modernos. O machado abateu as duas palmeiras imperiais que flabelavam diante do prédio, plantadas pela mão de “seu” Juvino. Arrasaram a Capela de São José.
O edifício recuou, tomando forma diversa.
Todos, ou quase todos, os mestres e operários do Tecido, os dentes, estavam eufóricos pela vitória.
A chaminé nasceu em 21 de junho de 1888. Inauguração da Fábrica com a presença do Presidente da Província, Dr. Antônio Francisco Pereira de Carvalho. Seu Juvino, rilhando os dentes, estava eufórico pela vitória.
Era a primeira fábrica de tecidos e não tivemos ainda a segunda.
A chaminé estava feita. Alteava-se, orgulhosa, na sua tonelada de tijolos vermelhos, com a data em negro, visível e clara: – 1888.
Nas oficinas soavam quarenta e oito teares, movimentando mil e seiscentos fusos. Fazendo tecido grosso, barato, popular.
A chaminé era o símbolo.
Não apitava porque o apito estava junto da grande caldeira mas o apito da fábrica era o relógio democrático da cidade inteira.
Apitava, longamente, às cinco da manhã e às cinco da tarde. Chamando e despedindo as operárias.
Eu nasci justamente depois do apito das cinco horas, numa sexta-feira, na Rua da Virgens.
Os negócios de gente pobre eram regulados pelo apito, fechando o dia. Quando o Tecido apitar … esteja em casa! Volte antes do apito … Tudo isto passou. Tempus fugit …
A chaminé resistiu.
Passaram os tempos. A fábrica veio de firma em firma até que todo maquinário foi vendido para Belém do Pará.
Os armazéns despovoaram-se. O edifício silenciou. A chaminé era inútil.
A chaminé ficou vendo. Esquecida mas impávida, alta, imponente, gritando sua história de oitenta anos, sua glória industrial desde 1888.
Era um pilone marcando a passagem do gigante Juvino Barreto. Deixara aquele vestígio como uma faraó plantava um monólito, anunciando que vivera e fora grande no mundo.
Mas em setembro de 1958 a chaminé foi derrubada, devagar, desmanchando-se, sumindo-se do panorama da cidade o seu perfil vertical, índice de um passado defunto.
Não tinha mais utilidade a velha chaminé de oitenta anos.
Numa época funcional, não tinha mais função.
Desapareceu …
Fonte: A REPÚBLICA – 05/02/1959, páginas 30 e 40.
A PRIMEIRA LUZ ELÉTRICA EM NATAL
Por Luís da Câmara Cascudo
A primeira luz elétrica que os natalenses viram foi na fábrica de tecidos de Juvino Barreto no ano de 1893.
Foi uma experiência interna que deu certo e seu Juvino prolongou o efeito por muitos dias.
Havia uma pequena instalação interior e, vez por outra, a fábrica se orgulhava das lâmpadas ofuscantes, “cegando a vista”, como se dizia naquele tempo.
No casamento de Alberto Maranhão com D. Inês Barreto, filha do seu Juvino, houve a primeira iluminação elétrica na rua, entre a fábrica, atual edifício de Nóbrega & Dantas, S. A. Indústria e Comércio e a Vila Barreto, atual residência salesiana.
O casamento realizou-se em 3 de setembro de 1895.
A cerimônia religiosa foi na Capela de São José, pertencente à fábrica, e que foi demolida em 1925, creio eu.
Um filho do casal, Jovino Barreto Neto, informa: “Foi uma festa de arromba, que durou três dias. Até arranjaram uma iluminação elétrica de emergência para a Vila Barreto, a capelinha familiar, dois dos quarteirões acima, e o trecho de rua ligando as duas”. Constituiu a curiosidade da cidade. Uma multidão ficou parada, olhando sem compreender aquele clarão igual, sem fio e querosene, não oscilando nem respeitando a ventania da tarde.
Terminada a festa as lâmpadas desapareceram e o trecho voltou a ter os lampiões “de gás”, avermelhados e melancólicos, escurecendo em vez de clarear a rua Junqueira Aires.
A terceira exibição de luz elétrica foi ainda um proeza da fábrica de tecidos na noite de 11 de junho de 1906.
Nesta noite chegou ao Natal sua Excelência o Dr. Afonso Augusto Moreira Pena, Presidente eleito da República.
Chegou num trem da Great Westem às oito e meia da noite. O mundo veio abaixo com foguetões.
Afonso Pena hospedou-se na residência do Senador Pedro Velho. É o prédio da A República.
A fábrica de tecidos fez o brilho de lançar um fio até o palacete presidencial e algumas lâmpadas brilharam.
Era mais efeito moral que utilidade. Quem iluminava mesmo era o carbureto, ofuscante, em candeeiros mandados vir do Recife.
Mas Afonso Pena notou as lâmpadas e elogiou o progresso. A luz elétrica da cidade veio no governo de Alberto Maranhão, inaugurada num seu aniversário, 2 de outubro de 1911.
Fonte: CÂMARA CASCUDO, Luís. “O Livro das Velhas Figuras”, páginas 123 a 124.
Embora funcionasse na fábrica de tecido do industrial Juvino Barreto desde 1892, a energia elétrica apenas é implantada em Natal no segundo governo de Alberto Maranhão, em 1911 (ARRAIS, 2009, p. 165). Nesse mesmo período também é instalado o sistema de bondes elétricos, dinamizando o transporte intra-urbano da cidade
A VILA OPERÁRIA
A Vila operária construída por Juvino Barreto para os trabalhadores de sua fábrica, a Fábrica de Tecidos Natal, que funcionou ao pé da ladeira da Junqueira Ayres, onde hoje está a sede da Caixa Econômica, defronte ao Salesiano (residência do industrial). Eduardo Alexandre Garcia.
Aos 9 de fevereiro de 1935, o prefeito Miguel Bilro cumprindo um plano antigo, prolongou a Avenida Rio Branco até a Ribeira, através dos terrenos da Vila Barreto propriedade do industrial Juvino Barreto. Surgia assim a segunda via de acesso entre a Cidade Alta e a Ribeira facilitando o tráfego entre aqueles dois importantes bairros de Natal.
BELO MONTE
O lugar onde funciona hoje o Hospital Universitário Onofre Lopes, final da Avenida Nilo Peçanha, limite entre os bairros de Petrópolis e Praia do Meio, já em 1768, recebia referências em documento da Câmara do Senado do Rio Grande: “Favorecido, o Sargento-mor Inácio Francisco da Silva Botelho, aforamento que arrematou, no lugar do Monte … trezentas braças para a parte do nascente, e outras tantas para o poente”, cita Olavo de Medeiros Filho, em Terra Natalense.
Até o começo do Século XX, ele era assim conhecido: o Monte, também chamado Belmonte e Belo Monte. Era essa a referência dos habitantes da Cidade Alta e da Ribeira às dunas altas do leste, caminhos do mar, lá embaixo, ermo, capoeiras a dominar a paisagem para onde, a cavalo, se ia à caça aos domingos.
Monte Petrópolis veio a se chamar logo depois da criação do originário bairro Cidade Nova, que se tornou, posteriormente, Petrópolis e Tirol.
Lugar distante, habitado nos anos 1860 pelo suíço Jacob Graff – sítio do Jacob. Terras limítrofes, praticamente desabitadas, pouquíssimas taperas em meio a quintas e granjas desordenadas.
Coube a Juvino Barreto, o dono da fábrica de tecidos do pé da rua da Ladeira, Ribeira, a aquisição do sítio do Jacob, onde construiu as primeiras casas de alvenaria, uma para a mulher Inês, outra para o filho Pio. Mais para adiante, um pouco mais acima da duna, Alberto Maranhão, genro de Juvino, derrubou a casinha de taipa que ali havia em terreno generoso, a Tapera do Jacó, onde construiu, também em alvenaria, casa de veraneio. Topo do Belo Monte, Monte Petrópolis.
No Monte Petrópolis, já ao abrir dos anos 1900s, tinha casa de veraneio Alberto Maranhão, futuro governador, no lugar antes chamado Tapera do Jacó, em um dos cimos cujas terras pertenciam ao industrial Juvino Barreto, seu sogro.
As casas construídas por Juvino Barreto, da viúva e do filho, mais tarde desapropriadas, que, em 1911, foram transformadas na Casa de Detenção de Natal e Asylo Padre João Maria seriam transformadas em penitenciária e asilo, hoje Centro de Turismo. Mais abaixo, um lugar que se chamava “o Jacó”, com sua lagoa, no entorno da qual surgiriam as Rocas.
A de Alberto Maranhão, depois que este a vendeu para Aureliano Medeiros e foi também desapropriada, tornou-se Hospital Juvino Barreto, em 1909, o Hospital da Caridade Juvino Barreto, homenagem ao dono de todo o Jacó, homem poderoso, rico, generoso, ele e sua mulher Inês a espalhar beneficências entre os da cidade, ajudando a edificar escolas; chegando a deixar, em testamento, para quando morressem, suas casa de morada, diante da Fábrica de Tecidos Natal, ao pé da Avenida Junqueira Ayres, Ribeira, para a Congregação Salesiana.
Fumante, Juvino Barreto deixou o vício para reverter o dinheiro que gastaria em cigarros para entidades de cunho assistencialista. Com o passar do tempo as instalações receberam a alcunha de Miguel Couto, Hospital das Clínicas e hoje Hospital Universitário Onofre Lopes, fechando a Prudente de Morais, Caminho da Saúde, de onde se via o mar e “casas apareciam por cima da grimpa das dunas”, avenida Atlântica, posteriormente avenida Getúlio Vargas.
No correr do tempo, vieram somar-se ao Caminho da Saúde a Maternidade Januário Cicco, pronta em 41, mas logo transformada em Hospital Militar por causa da guerra; a Faculdade de Medicina, em 55; e a de Farmácia, em 69. Maternidade mesmo, só em 1950.
Buscando os horizontes do Morro do Pinto, dali surgiu a Avenida Atlântica, que, em fevereiro de 1915, recebeu bonde elétrico, que tinha terminal lá embaixo, “na praia de Areia Preta”. Ir, de bonde, para Areia Preta, era o melhor passeio do mundo. Natal se encantava com o seu mar.
No Monte Petrópolis, em 1912, vão residir diretor e gerente da Companhia Ferro Carril, responsável pelos “electricos”, os bondes que chegavam ao Monte e integravam-no aos bairros de Tirol, Cidade Alta, Ribeira e Alecrim.
Os bondes são a história da integração de uma Natal nascente. Tinham ainda que passar pelo aterro do Salgado, praça Augusto Severo já bonita, arborizada, glamorosa, theatro de um lado, a Great Western dos trens, do outro; mirar a torre da Fábrica de Tecidos Natal, inaugurada por Juvino Barreto em 1888, em frente, à direita; passar pela casa da viúva do industrial do tecido, à esquerda, início da subida da rua da Cruz, da Ladeira, avenida Junqueira Ayres, para chegar à Intendência lá em cima, Cidade Alta.
HOSPITAL JUVINO BARRETO
Dentre as obras mais importantes nessa área da saúde pública a instalação, em 1909, do novo Hospital Juvino Barreto foi, incontestavelmente, uma das de maior vulto. Alocado na antiga casa de veraneio do governador, no lugar mais saudável da cidade, como dizia a classe médica de Natal, encimado no alto do “Monte Petrópolis”, construído com frente para o sudeste de forma que assim pudesse receber os ventos vindos do mar; o novo hospital tornou-se, a partir da sua instalação, a maior referência hospitalar de todo o Rio Grande do Norte. A sua importância devia-se não somente às instalações físicas e técnico-científicas, mas essencialmente devido a sua localização.
Construído no bairro da Cidade Nova o hospital Juvino Barreto tornou-se, como o bairro, um símbolo dos novos tempos pelos quais passava a capital potiguar. Permeado de salubridade por todos os lados, com a fantástica vista para o mar, arejado pelos ventos amenos trazidos de longe pelo oceano, recebendo a luz dos primeiros raios de sol da manhã e se protegendo dos quentes e temerosos raios vespertinos, ladeado por uma vegetação que tinha a função de providenciar ao espaço ainda mais saúde e por um jardim cuidado pelas mãos cuidadosas das irmãs da congregação das Filhas de
Sant’Ana; o hospital Juvino Barreto era, indubitavelmente, o lugar próprio da saúde em Natal.
Durante oito anos, o Dr. Januário Cicco atendeu e dirigiu sozinho esse hospital. Só em 1917, com o aumento do atendimento no referido Hospital é que foi nomeado, pelo Governador do Estado, o médico Otávio Varela para auxiliar Januário Cicco.
O Hospital de Caridade de Natal; que posteriormente se chamaria Hospital Juvino Barreto, em homenagem ao ilustre industrial, um dos mais ativos colaboradores e beneméritos para com a instituição, pouco a pouco foi se tornando menos religioso e mais secular, devido aos investimentos públicos efetuados pelo governo estadual; cumpria em Natal essa função apontada por Márcia Regina de formação de uma rede de atendimento público, mesmo ainda tendo como princípio o atendimento aos pobres e desvalidos da sociedade.
Um ano depois de reinstalado o Hospital de Caridade, agora chamado Hospital de Caridade Juvino Barreto, a imprensa oficial realçava a importância da referida obra para a cidade, reconhecendo nela mais um dos melhoramentos providenciados pelo governo no sentido de fomentar o progresso na capital potiguar. Em uma matéria sobre a criação do Asilo de Mendicidade um articulista “d’A República” dizia que até então
Os exiguos orçamentos do Estado não permittiam a organização efficaz do serviço de assistencia publica. Só ha pouco mais de um anno o exmo. dr. Alberto Maranhão creou um Hospital de Caridade, instituição que, embora modesta, é organizada nos moldes mais modernos dos estabelecimentos congêneres, (…).
Asylo de mendicidade. A República, 13 de agosto de 1910
No ano de 1911, sob a alcunha de João Cláudio, Henrique Castriciano, parecendo rever a sua idéia de que o regime de assistência pública, ou a manutenção de hospitais não deveria ficar a cargo do Estado, escreveu sobre o Hospital de Caridade Juvino Barreto. Em uma crônica recheada de elogios, enaltecendo o hospital como um dos mais modernos do país, Castriciano aplaudia as ações do governador Alberto Maranhão no sentido de reformar e aparelhar o hospital, instalando nas suas dependências: enfermarias, “sala de bancos” (sala de espera para consultas), laboratório, sala de
hidroterapia, farmácia e gabinete odontológico.
Após o seu restabelecimento; depois de passadas algumas reformas físicas e de ser aparelhado com modernos equipamentos, sendo alvo, portanto, de investimentos públicos; depois de ver incorporado um grupo de médicos, que trabalhando sob a batuta de Januário Cicco, mourejando da forma mais abnegada possível, como dizia Henrique Castriciano; o Hospital de Caridade Juvino Barreto tornou-se a principal referência em saúde e assistência pública não somente em Natal, mas em todo o Rio Grande do Norte. E isso era confirmado pela fala do governador Ferreira Chaves quando, em 1918, na Mensagem enviada ao Congresso Legislativo.
Em maio de 1920 foi assinado o decreto de número 115 que tratava do regulamento do Hospital de Caridade Juvino Barreto. O decreto assinalava que o hospital se destinava a garantir aos enfermos pobres assistência médica e tratamento por conta do Estado, dizia que o mesmo seria servido por um corpo médico-sanitário com o pessoal necessário para o cumprimento de todos os serviços e que esse corpo médicosanitário seria formado por um chefe de clínica que se encarregaria da distribuição, direção e fiscalização do serviço médico, e também por um cirurgião, um oftalmologista, um parteiro, um cirurgião dentista, um analista, um farmacêutico e enfermeiros; dizia ainda que os médicos e o farmacêutico seriam nomeados pelo governador mediante concurso, e, por fim, estabelecia que o hospital ficaria subordinado à fiscalização da Inspetoria de Higiene pública.
A experiência de regulamentar o funcionamento do Hospital Juvino Barreto e visto os resultados práticos dessa regulamentação, fez, meses depois, quando do envio da mensagem governamental, o governador Antonio de Mello e Souza defender que esse modelo de regulamentação fosse estendido também aos Hospitais de Isolamentos: da Piedade (alienados), São João de Deus (tuberculosos), e São Roque (variolosos) (Mensagem governamental apresentada pelo presidente do estado do Rio Grande do Norte Antonio José de Mello e Souza 01 de novembro de 1920).
Diversas matérias publicadas no jornal “A República”, que, sob o título “Pela higiene” ou “Inspectoria de Hygiene”, expunham as atividades desenvolvidas pela Inspetoria de Higiene pública, as suas resoluções, ou ainda as suas recomendações. Uma dessas matérias diz que o inspetor de higiene
Desejando evitar o grande numero de obitos sem assistencia medica, que commummente se observa nesta capital, principalmente entre crianças, aconselha as pessoas que necessitarem de tratamento medico, a procurarem o Instituto de proteção à Infancia, ou o Hospital “Juvino Barreto”, para os adultos.
Inspectoria de hygiene. A República, 23 de janeiro de 1920
Apesar da categórica afirmação da competência do Estado quanto fomentador e administrador das políticas públicas relacionadas à saúde, o governador José Augusto decidiu transmitir a responsabilidade administrativa do Hospital Juvino Barreto, o maior e mais importante da capital, para a iniciativa privada através da firmação de um contrato com a “Sociedade de Assistência Hospitalar” uma associação formada por médicos da cidade, sob a orientação de Januário Cicco, e que teria como função essencial, através do contrato, tão somente a administração daquele hospital, podendo manter o pavilhão de pensionistas (clientes pagantes).
De acordo com Araújo (2000a), as dificuldades geradas pelas necessidades administrativas e financeiras do Hospital de Caridade Juvino Barreto levaram Januário Cicco a propor ao então Governador José Augusto, em 1927, a geração de recursos para manutenção do Hospital. Desta proposta, surgiu a idéia da criação de uma Sociedade Civil, que foi fundada com o nome de Sociedade de Assistência Hospitalar (SAH), cuja finalidade voltava-se para a assistência médica aos pobres do Estado, através de contratação com o governo estadual para administração do já referido Hospital e seus anexos.
Anos depois o Hospital Juvino Barreto tornou-se o centro irradiador de instituições de saúde como a Hospital da Criança, posteriormente denominado de Hospital Varela Santiago, construído anos depois na Avenida Deodoro, a Maternidade de Natal, depois chamada de Maternidade Januário Cicco e a faculdade de medicina de Natal, essas duas construídas nas imediações do Juvino Barreto.
Em 1° de novembro de 1952, Januário Cicco morreu, deixando um legado para seu colega e companheiro de luta, o médico Onofre Lopes: a continuação do trabalho que vinham desenvolvendo. No dia da missa de sétimo dia, em 7 de novembro de 1952, no Governo de Sylvio Piza Pedroza (1951-1956), foi sancionada a Lei n° 693, que doava o terreno do Hospital Miguel Couto (antes Hospital Juvino Barreto) e adjacências para a construção do Complexo Hospitalar da Faculdade de Medicina, para a SAH/RN.
RUA JUVINO BARRETO
A atual Rua Juvino Barreto está localizada no bairro da Ribeira, perpendicular à praça Augusto Severo, no trecho compreendido entre as avenidas Câmara Cascudo e Deodoro da Fonseca.
No final do século XIX, a rua já existia e era conhecida pela denominação de Beco do Tecido, em razão da presença da Fábrica de Tecidos, logo depois do beco. No local da fábrica acha-se atualmente instalada uma agência da Caixa Econômica Federal.
O Beco do Tecido era o limite máximo entre o Xarias e os Canguleiros, que nutriam uma rivalidade que durou por dezenas de anos. Era inexplicável aquela separação, pois as famílias da Cidade Alta e da Ribeira conviviam pacificamente. A meninada, encontrando um morador do bairro contrário, expulsava-o imediatamente, aos gritos de “Xaria não desce!” ou “Canguleiro não sobe!’’.
Grandes grupos de canguleiros subiam a ladeira, armados, para assistirem à Festa da Padroeira. Depois de terem participado dos atos religiosos e profanos, sabiam que a batalha era inevitável no Beco do Tecido.
A denominação da rua Juvino Barreto, dada àquele logradouro público, foi posterior ao ano de 1901, quando faleceu o seu patrono.
Muitos comentam sobre os becos da cidade. Alguns têm fama por estar na zona periférica e sempre aparece nas páginas policiais por diversos motivos. Outros são conhecidos pela boêmia e pela parte cultural. Mas há em Natal um beco antigo e pouco conhecido na Cidade. Confira:
No trecho compreendido entre as Avenidas Junqueira Aires e Avenida Deodoro e perpendicular à Praça Augusto Severo fica o logradouro público chamado rua Juvino Barreto. Recebeu este nome posterior ao ano de 1901. Existindo no final do século XIX, era conhecida pela denominação de Beco do Tecido, devido à presença da Fábrica de Tecidos, edificada logo após o referido beco.
INSTITUTO JUVINO BARRETO
O Instituto Juvino Barreto, em Natal, completou no dia 19/04/2022, 80 anos de serviços prestados aos idosos do Rio Grande do Norte. Nessas oito décadas, a instituição conserva na própria história o pilar motivador para a sua fundação: o acolhimento aos pobres e vulneráveis. Fundado em 19 de abril de 1942, o Juvino Barreto acolhe hoje 65 idosos, que recebem alimentação seis vezes ao dia e contam com serviços assistenciais como enfermagem, fisioterapia, nutrição, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia e geriatria.
“Não se sabe exatamente quem fundou o instituto. Sabemos apenas que as Irmãs Filhas da Caridade de São Vicente de Paula chegaram aqui em 1942, mas a gente não tem o nome da irmã que encabeçou o movimento de criação do Juvino que, na verdade, nem tinha esse nome. Era somente um lugar para o acolhimento de pessoas que fugiam da seca em outros municípios”, descreve a diretora administrativa do Juvino Barreto, Irmã Rita.
Graças ao trabalho de doações da sociedade e o voluntariado de órgãos públicos e projetos sociais, o Juvino Barreto mantém viva a missão de ajudar a quem mais precisa. E, assim, coleciona histórias de acolhimento e gratidão.
BIBLIOGRAFIA:
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“Em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal”: a vida intelectual natalense (1889-1930) / Maiara Juliana Gonçalves da Silva. – Natal, RN, 2014.
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O nosso maestro : biografia de Waldemar de Almeida [recurso eletrônico] / Claudio Galvão. – Natal: EDUFRN, 2019.
Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersão de forças no complexus nosoespacial do Hospital Juvino Barreto (1909-1927) / Rodrigo Otávio da Silva. – 2012.
Um espaço pioneiro de modernidade educacional: Grupo Escolar “Augusto Severo” – Natal/RN (1908-13). Ana Zélia Maria Moreira. – Natal, RN, 2005.
VIVÊNCIA MUSICAL COM IDOSOS: relato de uma experiência musical no Instituto Juvino Barreto/ Rone Sérgio Cruz dos Santos. – Natal: UFRN, 2014.
FONTE:
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TAKEYA, Denise M. Um outro Nordeste, o algodão na economia do RN (1880 – 1915). Fortaleza, 1985. Dissertação (Mestrado).