Um rio, a necessidade, o plano, em jogo o futuro da capital

Até o início da década de 1830, pela ausência de estudos na área de transportes para a província, havia apenas uma preocupação latente em melhorar o transporte em geral e algumas referências dispersas no sentido de integrar a capital, já que a alfândega estava situada em Natal. As finanças da província dependiam de uma boa arrecadação e para que o sistema de coletas funcionasse, as estradas deveriam correr facilmente e diretamente para a alfândega e, consequentemente, para a capital.

O rio

Aparece nesse período, em 1837, a necessidade preeminente de uma ponte que vença o rio Potengi, atravessando-o na altura de Natal. No entanto, a província inteira estava desintegrada pelos péssimos acessos, feitos em sua maioria por meio de estradas tortuosas e inseguras e rios obstruídos. Em 1839 o presidente Assis Mascarenhas, bacharel formado na Universidade de Coimbra, percebe a necessidade de um engenheiro para entender racionalmente o território e integrar esses melhoramentos em um plano.

Nascido na capital da provincia de Goyaz a 28 de Agosto de 1805, D. Manuel formou-se em direito na universidade de Coimbra, e pouco depois foi nomeado adido a legação brasileira em Berlim, e mais tarde secretário da de Vienna, onde também serviu interinamente como encarregado de negócios. Como homem politico o snr. D. Manoel representou na camara temporaria primeiramente a provincia do Rio Grande do Norte, depois a de Goyaz e finalmente a do Rio de Janeiro, sendo a 12 de Junho de 1850 escolhido senador pelo Rio Grande do Norte. Em 1845 a 1848 foi na camara dos deputados um dos luzeiros da opposicao, em cujas fileiras militou quase sem tréguas durante toda a sua vida parlamentar. Foi presidente das províncias do Rio Grande do Norte e do Espírito Santo. Faleceu em 30 de janeiro de 1867.

São tomadas várias medidas nos anos seguintes, desde a canalização de rios e a construção e manutenção de estradas e pontes, a uma loteria que visava a arrecadar fundos para construção de estradas. O pronunciamento do Presidente Moraes Sarmento, bacharel formado pela escola de direito de Olinda, acerca das estradas da província, de 23 de Março de 1846, indica a necessidade de vencer a natureza primitiva desses acessos – associada principalmente à sinuosidade das formas.

A necessidade

Em 1847, ao final de uma grande seca, o Governo Imperial pede para que a administração provincial indique as principais obras necessárias para amenizar os efeitos da seca nos próximos anos. O presidente Moraes Sarmento propõe uma intervenção conjugada em várias áreas, para facilitar a autonomia financeira da província através da circulação de capital.

Enumeram-se então seis medidas: estimular a população ao trabalho, através de medidas educativas; aprimoramento das técnicas de produção; abertura de estradas; conservação da vegetação nativa para estimular a umidade e a precipitação de chuvas nas áreas assoladas pela seca; construção de açudes, poços e cisternas; e canalização e desobstrução de rios do litoral, principalmente do Ceará-Mirim e do Potengi, onde estava o porto da capital.

Ao receber essas informações, o Governo Imperial envia um engenheiro militar, o Capitão-Tenente da Armada Filippe José Ferreira, para indicar os principais benefícios relativos a melhoramentos dos rios e portos do Rio Grande do Norte. Para o rio Potengi, o engenheiro fez um plano topo-hidrográfico, reconhecendo as principais entradas da barra do rio e mapeando o canal de acesso ao ancoradouro.

Também indica as bemfeitorias possíveis neste rio além de informar e demarcar as principais vias de comunicação da capital (veja o mapa abaixo). Esse plano será um dos poucos estudos regionais que a província terá disponível para sistematizar os principais investimentos em transporte no rio.

Plano Topo-hidrográfico do Potengi de 1847. (FONTE: Fundação Biblioteca Nacional).

A necessidade urgente de um engenheiro na província seria bem demonstrada por meio da lei nº 378, de 16 de agosto de 1858, sancionada pelo presidente Antonio Marcelino Nunes Gonçalves. A lei autorizava a despesa anual de um conto e duzentos mil réis para que dois rapazes de Natal estudassem engenharia civil em uma universidade da Europa.

O curso teria duração de quatro anos, prorrogáveis, e ainda incluía ajuda de custo com gastos nas viagens. Depois de diplomados, os dois seriam obrigados a servir o Rio Grande do Norte durante oito anos, ganhando cem mil réis por mês. No entanto os dois rapazes cursariam Direito, apesar de terem realmente servido a província como estipulou a lei.

Somente em 1861 o engenheiro Ernesto Augusto Amorim do Valle seria contratado para dirigir e fiscalizar o departamento de obras da província, antes confiada “a um simples curioso, que, por mais bem intencionado que fosse, carecia de habilitações pra inspecional-as convenientemente. E’ por isso que as obras antigas resentem-se da falta de elegancia, pelo menos”. (Relatorio do Presidente Figueiredo Junior de 06 de Abril de 1861).

O futuro da capital

O presidente Figueiredo Junior atesta a importância de estudos regionais, reconhecendo a necessidade de que esse funcionário viajasse pelo interior da província a fim de direcionar melhor os investimentos em transporte. (Relatório do Presidente Figueiredo de
6 de abril de 1861). No entanto essa viagem não é feita, nem mesmo a necessária “carta-orographica” da província, indicada pelo presidente Leão Velloso em 1862.

Em parte havia falta de recursos para estes estudos, mas o Presidente Figueiredo Junior indica que havia uma clara preferência da presença do engenheiro em obras – na área de transporte ou não – que estivessem em andamento na capital.

Dois anos depois, o presidente Pereira de Lucena retoma o assunto, embora em um contexto diferente, ao considerar as dificuldades impostas uma possível mudança de capital

O rio Potengi ocupará um lugar de destaque neste primeiro momento nos projetos de integração da Capital, ora como obstáculo, ora como principal artéria de ligação da capital com as zonas produtivas. Era necessário centralizar o “movimento commercial nesta cidade, cessando por uma vez a concessão de embarques fóra deste porto, o que é uma notavel irregularidade e grande mal por diversas faces, que se encare” (Relatorio do Presidente Silvino Carneiro da Cunha de 05 de outubro de 1870. p. 25). Ao seu redor serão
feitos investimentos em transporte, sendo um componente “natural” importante neste período, anterior à implantação das estradas de ferro.

DOS CAMINHOS DE ÁGUA AOS CAMINHOS DE FERRO: A construção da hegemonia de Natal através das vias de comunicação (1820-1920). Wagner do Nascimento Rodrigues. Natal, 31 de Julho de 2006.

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