A Natal do Café Tyrol de Adauto Câmara

Os indícios de desenvolvimento urbano podem ser percebidos no início do século XX, por meio dos projetos de urbanização elaborados na capital norte-rio-grandense. Nas primeiras décadas do século XX, a cidade ganhou novos ambientes. Vieram os clubes, os cafés, os cinemas, a iluminação elétrica e o transporte por bondes elétricos conferiram uma nova feição à cidade do Natal. Segundo o historiador Raimundo Arrais, mesmo que classificada como uma capital sediada em uma cidade pequena, Natal não se mostrou indiferente às ideias que circulavam no mundo (ARRAIS, Raimundo et. al. Corpo e alma da cidade do Natal entre 1900 a 1930. Op. Cit. p. 27.). A capital norte-rio-grandense foi aos poucos assimilando o espírito de vida moderna, do novo, de progresso.

Observemos a cidade do Natal no ano de 1919: os bondes elétricos trafegando pela cidade e conectando os bairros Alecrim e Cidade Alta; a exibição de espetáculos assistidos no Teatro Carlos Gomes; o advento dos cinemas fixos Royal Cinema e Polytheama; a consolidação plena do telégrafo e o desenvolvimento da imprensa na cidade, viabilizando a rápida comunicação e a difusão das novidades; e a frequência aos demais espaços de reuniões sociais, como os cafés, os bilhares e os clubes esportivos (ARRAIS, Raimundo et. all. O corpo e a alma da cidade: Natal entre 1900 e 1930. Natal: EDUFRN, 2008. p. 127). Temos aqui uma cidade em transformação.

A frequência aos espetáculos no teatro Carlos Gomes, a ida aos cinemas fixos da cidade, os passeios aos cafés, a busca por diversões nos bilhares, os passeios nos bondes elétricos substitutos dos bondes de burros com o surgimento da eletricidade, os bailes promovidos na cidade, os termos estrangeiros contagiando o dialeto potiguar, os automóveis em circulação, entre outras novidades, modificavam os modos de se viver na cidade, bem como constituíam um observador atento a uma ampla gama de estímulos produzidos artificialmente pelas ruas da cidade do Natal.

As descrições da cidade do Natal desenham os séculos anteriores à República como um território inexpressivo e estático. Na capital, de acordo com os discursos criados após o advento do regime republicano, tudo parece ter nascido com a República. O ânimo da pequena capital norte rio-grandense parece ter sido produzido, sobretudo, após a consolidação do grupo familiar Albuquerque Maranhão e de seus correligionários à frente do governo estadual. Indubitavelmente, o regime republicano norte-rio-grandense proporcionou à cidade transformações diversas como, por exemplo: iluminação elétrica, bondes elétricos, políticas sanitaristas, projetos urbanísticos, construção de teatros, praças, clubes recreativos, cinemas, cafés, bilhares. Questionamo-nos se teria sido essa a condição do surgimento da literatura na cidade.

A cidade potiguar, que beirava os anos de 1920, tinha clubes recreativos, sedes esportivas, bailes dançantes, cafés animados, cinemas… Os espaços da cidade eram outros. As formas destinadas à agregação social também. Assim, adversários políticos conviviam, muitas vezes de modo fraterno, em ambientes como cafés, lojas maçônicas e clubes na Natal dos idos do século XX.

A modernização desejada foi marcada, entre outros aspectos, pelas obras de aterramento, pela rede de distribuição de água e esgoto, as construções de praças e jardins públicos, o teatro, a chegada do bonde e da energia elétrica, a abertura de clubes, cinemas, cafés e balneários, a construção de estrada para o tráfego de automóveis, melhoramentos no porto, abertura e alargamento de ruas, “aformoseamento” do espaço urbano, construção da ponte sobre o rio Potengi, introdução da cidade na rota da aviação, construção de uma nova sede para o governo em estilo eclético (o ecletismo importado da Europa vai predominar nas novas edificações), elaboração de propostas urbanísticas, chegada da ferrovia. Os melhoramentos listados são informações com base em pesquisa realizada no jornal A República, órgão oficial da impressa da época, disponíveis em arquivos locais como Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e Arquivo Público Estadual.

Confiança e risco, sedução e medo foram sentimentos surgidos com o uso de inovações técnicas, que tentamos entender compondo a vivência de experiências cotidianas, características do estilo de vida urbano. Esses lugares, bem como as praças, a praia e o próprio bonde tornaram-se espaços de novas sociabilidades, que em sua maioria eram mais movimentados durante a noite. Desse modo, a eletricidade contribuiu com separação do dia e da noite dentro da lógica de separação entre tempo do trabalho e tempo do lazer (MARINHO, Márcia. Op. Cit., 2008).

Um dos marcos que aponta o incentivo do banho de mar para população de Natal se dá após o prolongamento dos trilhos dos bondes da companhia Ferro Carril até a praia de Areia Preta. Esse é um momento que inicia a construção de um novo sentido compartilhado pela coletividade nas praias de Natal (MARINHO, 2008).

Os bondes elétricos inaugurados em 1911 não iam muito além da região central de Natal, chegando apenas até o início da Cidade Nova, situação que se alteraria em 1926, quando a Repartição de Serviços Urbanos de Natal, chefiada à época pelo engenheiro Paulo Coriolano, projeta a construção de uma nova linha de bonde, indo do Tyrol ao Alecrim. Assim, havia uma “necessidade urgente de estabelecer um serviço regular de viação na cidade”, alcançando os pontos não atendidos pelos bondes da Empresa de Melhoramentos de Natal. Foi por conta disto que a Intendência resolveu contratar o serviço de automóveis, buscando ligação mais rápida com os pontos mais afastados do centro da capital.

BOEMIA

No século XIX, a boemia se expressava por meio das serenatas nas portas das casas de família, em becos e ruas escuras ou nas praias em noites de lua cheia, como abordamos anteriormente. No século XX, a boemia ganha novos espaços: os bares e os cafés. As serenatas e as modinhas continuavam fazendo parte do universo boêmio, mas sendo um desdobramento das tertúlias que ocorriam nos bares da cidade. Os bares vendiam grogues, cervejas, fritadas, lombos de porco, galinhas e filés. Sendo os intelectuais e artistas os maiores frequentadores notívagos, os temas prediletos para os diálogos eram as tertúlias literárias, a poesia, o teatro e o jornalismo. Os bares e cafés fechavam suas portas após a meia-noite. Aos sábados, seu horário de funcionamento se estendia até a madrugada

No bairro da Ribeira, centro comercial da cidade, encontrava-se a maior concentração de bares, bilhares e cafés de Natal, especialmente na avenida Tavares de Lyra. Essa aglutinação de estabelecimentos recreativos na Ribeira seria mantida até mesmo nas décadas de 1910 e 1920, quando já se iniciava uma progressiva expansão da vida social da cidade em direção aos bairros de Tyrol e Petrópolis.

CIDADE NOVA

Ainda no século XIX, o governador e médico Pedro Velho, que governou o Rio Grande do Norte nos anos 1892-96, defendia a construção de um terceiro bairro em Natal e que o mesmo fosse denominado de Cidade Nova. A proposta era que o novo bairro fosse construído no cume das dunas que ficavam ao Sul da cidade, longe, portanto, da Cidade do Natal da época da monarquia, e topograficamente mais elevada.

O aspecto simbólico da Cidade Nova, que perpassaria por boa parte da história de Natal, mesmo depois de sua divisão nos bairros de Petrópolis e Tirol, motivou a sua criação já no começo do século XX, mais precisamente no ano de 1902, através da Resolução número 55 da Intendência Municipal.

A Cidade Alta se estende á Cidade Nova, immensa planície, que por sua vez se desdobra nos bairros do Tyrol, Petropolis e Alecrim. Entre Petrópolis e Tyrol não há descontinuidade do solo, que é bastante permeavel, infiltrando se rapidamente as águas de precipitação, de modo que depois das chuvas não há a menor collecção d’agua (CICCO, Januário. Como se Hygienizaria Natal. In: LIMA, Pedro de. Saneamento e modernização em Natal: Januário Cicco, 1920, p.7-8.). O da Ribeira, o da Cidade-Alta, o Ribeirinho. Petropolis, Tyrol e Alecrim não põem entrar no computo porque são recentes. Inda vive quem assistiu a construção da primeira residencia em Tyrol, das primeiras casas em Petropolis (nomes de sitios do governador Alberto Maranhão) quem caçou cotias na atual praça Pedro Velho e jacus na avenida Hermes (CASCUDO, Luís da Câmara. O novo plano da cidade: A cidade. In: ARRAIS, Raimundo (org). Crônicas de origem, Natal: EDURFRN, 2005, p. 139-143.)

A Cidade Nova constou da demarcação e posterior construção de arruamentos paralelos e perpendiculares, com ruas retas, longas e largas, numa perspectiva
arquitetônica que permitia o arejamento do lugar feito pelos ventos marinhos que sopravam por toda aquela área.

Anos mais tarde, o governador Alberto Maranhão que, na época da resolução da criação do bairro, governava o estado, escreveu uma carta ao historiador Câmara
Cascudo, relatando o que o motivou a construir o novo bairro. Na carta, Alberto Maranhão dizia que ao considerar “a beleza da colina, lembrei-me de criar o novo bairro e o fiz pensando na Petrópolis fluminense (…)” (CASCUDO, L. C. Op. cit., p.351) Com essa fala, podemos dizer que era a capital federal a fonte de inspiração que norteava a implantação do novo modelo de cidade que a elite natalense reivindicava.

A Cidade Nova foi implantada, no alto das dunas, próximo ao mar e margeado por densa vegetação que cobria as dunas que ficavam mais ao Sul depois dos limites estipulados pela resolução. Essa localização despertaria no médico Januário Cicco, no ano de 1920, o seguinte comentário:

Ao lado do Alecrim está o Tyrol, o bairro mais saudavel da cidade.(…)
Não ha realmente na cidade paisagem mais bonita: a roupagem que veste as suas collinas de um verde variegado empresta ao conjuncto tão accentuada harmonia, que evocam recordações a quantos sabem admirar a natureza.
Os seus ares são os melhores de Natal; os ventos que agitam aquelas franças veem do oceano bravio, em longas caminhadas atravez das densas ramarias, dando àquela zona um banho de ar purissimo.
Aberto em largas e extensas avenidas. O Tyrol se continúa descendo em procura de Petropolis, cuja linha divisoria ainda não foi limitada,(…).
As mesmas considerações cabem a Petropolis, mais habitado do que o Tyrol.
(CICCO, Januário. Op. Cit. p. 37).

Vê-se, portanto, a partir da visão de Cicco, um dos médicos mais atuantes daquela época, que a construção da Cidade Nova, era além de um ideal simbólico de rompimento com o passado monárquico representado pela antiga Natal, que construída à margem do Potengi, próximo do manguezal e dos charcos que, vez por outra, na parte baixa da cidade, com ruas estreitas, becos e vielas que favoreciam certa promiscuidade entre as classes populares e a elite. A Cidade Nova era também a materialização de um espaço onde “as classes dominantes poderiam se proteger do contato com as péssimas condições ambientais e das epidemias que, então, grassavam pela cidade.” (LIMA, Pedro de. Op. Cit. p.35).

Em 1913, mais uma crônica enfatiza as qualidades da Cidade Nova. Nesse ano, o bairro não era mais apenas um projeto; Tyrol e Petropólis, divisões desse bairro, já se apresentavam delineadas; e é para o Tyrol que o personagem da crônica se encaminhará. Roberto, “o esperto”, estava montado a cavalo e, depois de um pequeno passeio pela cidade, sentiuse entediado com as casas e caras feias com as quais se deparava em seu passeio. É nesse momento que o personagem toma
uma decisão radical: abandonar a cidade. Vai para o Tyrol, enchendo-se de regozijo:

Ah! O Tyrol! Quem não o conhece, fallado como é, com promessas animadoras de bonde electrico e de restaurante art nouveau! […]
Sente-se clara e [palavra ilegível] a “ampla redoma azul do fi rmamento”, no grandioso conjunto dos morros desalinhados […]
Como é bello tudo isto, maravilhoso e sublime. […] (A REPUBLICA, Natal, 19 jun. 1913).

No entanto, precedia à construção da Cidade Nova a contenção de um “Perigo Iminente”, expressão usada pelo jornalista Manuel Dantas, ao se referir às dunas. O perigo iminente nada mais era do que as dunas que margeavam o novo bairro pelos limites ao Sul, e que começavam na famosa praia de Areia Preta e se estendiam até o perder de vista em direção ao interior.

A necessidade de conter as dunas, evitar a invasão das areias e o consequente soterramento da cidade fez com que os poderes públicos estabelecessem políticas a fim de proteger os limites além da Cidade Nova, à margem da planejada Oitava avenida, atual Hermes da Fonseca, que consistiram na plantação de gramíneas e de arbustos nativos da própria duna, no cercamento da área e na colocação de praças do batalhão de segurança para vigilância contínua das dunas, já em outubro de 1901.

O ESTABELECIMENTO

O bairro Cidade Nova também possuiu estabelecimentos como hotéis e cafés, lugares que proporcionavam o estreitamento de relações entres as famílias mais influentes da capital.

O nome dos estabelecimentos comerciais são reveladores das sensações que desejavam provocar em seus clientes. Desse modo, são representativos da construção de símbolos com poder de fixar a identidade de seus habitantes. É nomeando que a sociedade inscreve a sua imagem. Palavras estrangeiras passaram a fazer parte do vocabulário dos habitantes, divulgadas pelos periódicos. O natalense podia pegar o bond e ir de um lugar ao outro, encontrava com o chauffeur, que podia levá-lo ao Natal club ou Aero Club ou, ainda, quem sabe ao Café Tyrol para escutar jazz-band, onde poderia encontrar a “rapaziada” para saber os resultados dos jogos entre ABC Foot-ball Club e América Foot-ball Club no Stadium Juvenal Lamartine (Os termos estrangeiros citados estão presentes em matérias do jornal A Republica).

No bairro da Ribeira, centro comercial da cidade, encontrava-se a maior concentração de bares, bilhares e cafés de Natal, especialmente na avenida Tavares de Lyra. Essa aglutinação de estabelecimentos recreativos na Ribeira seria mantida até mesmo nas décadas de 1910 e 1920, quando já se iniciava uma progressiva expansão da vida social da cidade em direção aos bairros de Tyrol e Petrópolis.

Os anos passavam e os reclames continuavam registrando a vida efêmera dos estabelecimentos recreativos da cidade. Pelas páginas d’A República anunciaram-se inaugurações, incidentes, atrações e reformas do Café Socialista, do Café Centenário, do Café ABC, do Bar América, do Café Avenida, do Bar Antártica, do Café Chile, Do American Bar, do Café Moderno, da Cova da Onça, do Café Popular, do Café Paulista, do Café Tyrol, do Café Petrópolis etc. Convém ressaltar que a escolha dos nomes dos estabelecimentos não obedecia a uma lógica meramente geográfica para localização espacial ou para distingui-los uns dos outros. Por trás de tantos nomes, estavam escondidas paixões, bairrismos, modismos e aspirações.

Outro café existente em Cidade Nova na terceira década do século XX foi o Café Tyrol. Sobre esse estabelecimento urbano foram encontradas poucas notas no jornal A Republica, não se tendo condições de precisar a data de inauguração do mesmo. Todavia, vale ressaltar que a primeira nota sobre o Café Tyrol foi publicada no ano de 1924, o que pode indicar que esse estabelecimento não existia nas décadas anteriores.

Em 26 de julho de 1924, o jornal situacionista publicou uma declaração em que os donos do Café Tyrol, Joaquim Lins (Não foram encontradas informações sobre esse indivíduo) e Adauto Câmara (Adauto Câmara era um nome influente da sociedade natalense. Foi deputado entre 1924 e 1927 e diretor do Departamento de Segurança Pública no governo de Juvenal Lamartine, ver: CARDOSO, Rejane (coord.). 400 nomes de Natal. Op. cit., p.17.), informavam aos fregueses que o café mudaria de endereço, sendo transferido para as proximidades da praia de Areia Preta e do Hospital Juvino Barreto, onde “continuam a satisfazer com presteza e sinceridade à sua numerosa freguesia” (SOLICITADAS. A Republica, Natal, 26 jul. 1924.p.2.). A partir dessa data o estabelecimento também teria seu nome modificado, passando a denominar-se Café Beira Mar. Contudo, parece que a mudança de denominação não foi repentina. Em anúncio publicitário de 02 de agosto de 1924, o café ainda apresentava a denominação Café Tyrol e anunciava a realização de uma festividade com a presença de uma orquestra de jazz, enfatizando que nesse evento seria “vedada a entrada de quem não se achar conveniente” (CAFÉ Tyrol. A Republica, Natal, 02 ago. 1924.).

Para atrair a presença dos jovens, foram acrescentadas às atrações regulares dos cafés os frenéticos ritmos dos anos vinte como o jazz, o fox-trot, e até mesmo o tango, que movimentavam as pistas de dança dos cafés nos finais de semana. Nos cafés também tomaram lugar os famosos chás dançantes. A reunião, comumente chamada de Thédansante, transformou o chá da tarde numa verdadeira festa. (BAR america. A Republica, Natal, 19 mar. 1929; CAFÉ Tyrol, A Republica, Natal, 2 ago. 1924).

Diferentemente do Café Petrópolis, o Café Tyrol não organizava festas destinadas aos populares, ao contrário, seus eventos expressavam a segregação social tão presente em vários equipamentos urbanos de Cidade Nova desde o início do século XX. Poderiam participar das festividades do Café Tyrol somente aqueles indivíduos tidos como “convenientes”, ou seja, que partilhavam gestos, roupas, hábitos, que integravam aquela parcela da sociedade mais abastada e ligada aos grupos que dominavam a política local.

Tentar recuperar informações sobre os clubes e cafés de Natal não é tarefa fácil, já que poucas eram as notícias existentes sobre esse tipo de estabelecimentos nos jornais. A partir de anúncios publicitários e notas jornalísticas, podemos ter uma ideia da localização e ano de funcionamento de alguns dos principais pontos de sociabilidade dos natalenses, nas primeiras décadas do século XX. Entre os quais o Café Tyrol está registrado, 1924, no Tyrol, assim como a Associação dos Professores 1926 Av. Jundiaí-Tyrol e o Aero Club 1928 Av. Hermes da Fonseca Tyrol.

Natal antiga – Rua Jundiaí na lende te Jaeci Emereciano.
Local onde foi construída a Catedral Metropolitana de Natal (Arquidiocese de Natal/RN). Era exatamente a Praça Pio XII, onde se pode ver na lateral a Rua Jundiaí. Era tudo arborizado, que lindo!!!
Foto aérea parcial do Centro de Natal feita por Grevy na qual vemos em destaque a antiga Praça Pio X (Atual Catedral Nova). Destaca-se na paisagem o cruzamento da Avenida Deodoro da Fonseca com a Rua João Pessoa, bem como a Rua Jundiaí e a Avenida Mal. Floreano Peixoto.
Rua Jundiaí, Tirol.
Rua Jundiaí com a Campos Sales, onde foi construída a Escola de Serviço Social, hoje câmara Municipal de Natal. Ano desconhecido.
O atual edifício-sede da Câmara Municipal de Natal é o Palácio Padre Miguelinho, localizado na esquina da rua Jundiaí com a avenida Campos Sales, no bairro do Tirol. Pertence à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que alugou o edifício para o Legislativo Municipal em 1975, quando o presidente da Casa era Érico Hackradt. Antes disso, funcionava no local a Faculdade de Serviço Social da UFRN, que foi transferida para o Campus Central da universidade.
Francisco Justino de Oliveira Cascudo (1863-1935), conhecido como Coronel Cascudo, o pai de Câmara Cascudo, foi um importante foreiro do bairro de Cidade Nova (atuais bairros de Petrópolis e Tirol), também participando do mercado de terras que foi desenvolvido com os terrenos da região. Francisco Cascudo foi morador do bairro, vivendo na denominada Vila Amélia, conhecida pela denominação Principado do Tirol.
Casa do Coronel Cascudo. O Principado do Tirol. Rua Jundiaí X Avenida Rodrigues Alves.
Associação dos Professores. Rua Jundiaí, Tirol (Fundação José Augusto).

ADAUTO CÂMARA

Adauto Miranda Raposo Câmara, natural de Mossoró, nascido a 14 de março de 1898, filho do professor Teódulo Soares da Câmara e de Aura Augusta de Miranda Câmara. Iniciou os estudos em casa, com o pai – Professor Theódulo –, seguindo-se escola pública de sua cidade de origem.

Em dezembro de 1906, aos sete anos de idade, com a família, mudou-se para Natal. Na Capital fez os estudos primários com seu pai, ingressando, em 1909, no curso secundário do Atheneu Norte-riogranddense onde cursou humanidades em cujo corpo docente o professor Teódulo havia ingressado em 1907.

Bacharelou-se em Direito pela Faculdade do recife, em 1923, havendo, porém, colado grau em março de 1942. Em 1912, após o concurso a que se submeteu, foi nomeado praticante de 2ª Classe da extinta Administração dos Correios do Rio Grande do Norte. Em 1916, aprovado em concurso, foi nomeado auxiliar de estações da antiga Repartição Geral dos Telégrafos, tendo sido promovido, em 1918, a telegrafista de 5ª classe, e em 1925, a telegrafista de 4ª classe. Em 1919 foi nomeado para reger, interinamente, a cadeira de História do Brasil do Atheneu. Em virtude de concurso, foi promovido efetivamente na referida cadeira, em 1920.

Além desta disciplina, lecionou, quando da aposentadoria do professor João Tibúrcio, a cadeira de Português. Em 1930, devido aos sucessos políticos conhecidos, foi obrigado a abandonar sua cátedra, que exerceu por 11 anos, tendo sido declarado professor avulso. Representou Natal como Deputado à Assembléia Legislativa, no período de 1924 a 1927. Foi Deputado à Assembléia Constituinte de 1926. Durante a legislatura de que fez parte, serviu como 1º secretário e líder. Em 1928, perdeu o mandato por ter aceitado o cargo de diretor do Departamento de Segurança Pública, no Governo de Juvenal Lamartine, no qual esteve desde 8 de janeiro de 1928 até 5 de outubro de 1930. Entrou para o corpo racional de A República, em 1924. Em 1930, foi nomeado para exercer as funções de diretor de Imprensa Oficial, cumulativamente com as de Chefe de Polícia. Exerceu o cargo de redator-secretário de A Republica, de Natal, de que foi proprietário o Coronel Francisco Cascudo. Nas lides do jornalismo iniciou-se desde muito cedo, quando ainda cursava o Atheneu.

No decurso desse período desenvolveu as atividades de redator chefe de A República e de Professor no Atheneu. Com a Revolução de 1930 (deposição de Washington Luís em 24 de outubro e posse de Getúlio Vargas em 3 de novembro), deixou o cargo e exilou-se voluntariamente no Rio de Janeiro. Começava um período de forte repressão.

No Rio, dedicou-se ao ensino particular e ao trabalho literário, notadamente no campo da história. Já em 1931 escreveria O Ocaso da República Velha no Rio Grande do Norte, “(…) um painel amplo que toma como ação a Revolução de 1930 e sua eclosão em Natal, onde Adauto da Câmara era chefe de Polícia do Governo Juvenal Lamartine” (CÂMARA, p. 142). Este livro foi publicado postumamente, sessenta anos depois, por sua viuva, Wanda Zaremba Câmara, e filhos, Mário e Henrique. Na então capital federal, além dessa obra memorialística, fundou o Colégio Metropolitano (1932), no Méier, dirigindo-o e sendo professor, colaborou na imprensa carioca, sobretudo no “Diário de Notícias”, pronunciou discursos e conferências e publicou, entre 1937 e 1951, cerca de 20 trabalhos: “Há, em seus arquivos pessoais – diz Henrique, seu filho –, inúmeras cartas e anotações sobre suas pesquisas. Páginas e mais páginas sobre suas memórias, sobre sua viagem a Natal, em 1947, além de simples cópias de textos literários de autores a quem admirava, como era o caso de Rui Barbosa e Joaquim Nabuco” (op. cit., p. 139).

Sua produção literária inclui os seguintes títulos: História da Revolução de 1817 no Rio Grande do Norte (1938), Elogio Acadêmico do Padre Miguelinho (1938), História de Nísia Floresta (1941), D. Manoel de Assis Mascarenhas (1944), Câmaras e Miranda-Henriques (1944), Henrique Castriciano (1947), O Último Senador do
Império pelo Rio Grande do Norte (1947), Reminiscências do Atheneu Norte-riograndense – 1909-1916 – (1947), O Padre João Manoel (1949), O Culto de Baraúna (1949), Amaro Cavalcanti, esteio da ordem (1949), Evocações e Memórias (1950), O Rio Grande do Norte na Guerra do Paraguai (1951) e, postumamente, conforme assinalado acima, O Ocaso da Républica Velha no Rio Grande do Norte (1991).

Na Academia Norte-rio-grandense de Letras foi o primeiro ocupante da cadeira 01 que tem como patrono Frei Miguel Joaquim de Almeida e Castro – Padre Miguelinho. É um dos Patronos da Academia Mossoroense de Letras – AMOL na cadeira de nº 22. Colaborou então, nas várias revistas e jornais dos numerosos grêmios de estudantes que havia no Natal daquele tempo. Faleceu no Rio de Janeiro a 17 de outubro de 1952.

Adauto Miranda Raposo Câmara

SOCIABILIDADE

Os sócios do Natal-Club são um exemplo desse tipo de espaço de sociabilidade constituído pela unidade de um grupo que se define pelo exclusivismo baseado no status social dos indivíduos. Se a “Hora Literária” foi um momento que proporcionou interações esporádicas aos homens de letras da cidade, o Natal Club também contribuiu para a promoção de conferências literárias. Elaboramos um quadro, a partir de um levantamento nos jornais da cidade de 1900 a 1930, sobre as conferências realizadas na cidade do Natal. Observemos que Adauto Câmara realizou em 1924 uma conferência nas dependências do Theatro Carlos Gomes.

Os cafés mencionados até o presente momento, a exemplo do Café Chile e o Café Cova da Onça, eram lugares requintados, que exigiam um comportamento contido, sem exageros na bebida. Segundo Guimarães, em 1926, o Café Cova da Onça e o Bar Antártica recebiam, no período diurno, o governador do estado do Rio Grande do Norte, José Augusto, o Diretor do Departamento de Segurança Pública, Adauto Câmara, o desembargador Felipe Guerra e o coronel Francisco Cascudo, rico comerciante e dono de sortido armazém no bairro da Ribeira. Mas, à noite, os cafés transformavam-se em espaços destinados às tertúlias literárias.

Visando aproveitar esse cenário de desenvolvimento da aviação e o local estratégico da capital norte-rio-grandense, o então governador Juvenal Lamartine de Faria criou o Aero Clube do Rio Grande do Norte, cedendo, além de uma contribuição financeira, um terreno na avenida Hermes da Fonseca, em Cidade Nova, no qual seria construído o campo de decolagem e de pouso do clube, bem como sua sede social. A sessão inaugural do clube ocorreu no dia 17 de fevereiro de 1928, no teatro Carlos Gomes, contando com a presença de importantes nomes da sociedade natalense, que eram sócios fundadores do novo clube, tais como Fernando Pedroza (Sócio da empresa Wharton Pedroza S.A), Cícero Aranha (possuía um cargo de destaque no Departamento de Fazenda do estado); Cristóvão Bezerra Dantas (Um dos nove filhos do jornalista e político Manoel Dantas), Adauto Câmara946, Nestor dos Santos Lima (professor de pedagogia da Escola Normal de Natal) e Manoel de Vasconcelos (capitão-tenente, aviador naval que fez curso na Inglaterra no período da Primeira Guerra Mundial e foi indicado pelo Ministro da Marinha para organizar a Aviação Naval brasileira). O presidente da sessão foi o governador Juvenal Lamartine (COSTA, Fernando Hippólyto da. História do Aeroclube do Rio Grande do Norte. Disponível em: . Acesso em: 14 nov. 2013. p.2.)

O Aero Clube também foi utilizado em vários outros eventos, como o chá dançante oferecido aos seus sócios em março de 1929 (O CHÁ dansante de hoje. A Republica, Natal, 10 mar. 1929. p.2); o baile em homenagem às esposas de Varella Santiago, Omar O’Grady e Adauto Câmara, realizado em abril de 1929 (AERO-CLUB. A Republica, Natal, 10 abr. 1929); a recepção em homenagem ao importante empresário Conde Pereira Carneiro, proprietário da empresa Pereira Carneiro & Companhia e presidente da Companhia Condor de Navegação Aérea, promovido também em abril de 1929 (CONDES Pereira Carneiro. A Republica, Natal, 20 abr. 1929. p.1.); a festa em homenagem à Palmyra Wanderley ocorrida em maio de 1929 (UMA homenagem á poetisa Palmyra Wanderley. A Republica, Natal, 28 maio 1929.p.2; A FESTA de hoje em homenagem á poetisa Palmyra Wanderley. A Republica, Natal, 01 jun. 1929. p.1.), divulgando sua nova publicação, o livro de versos Roseira Brava; o baile homenageando o vice-governador do Ceará, Demosthenes de Carvalho, e sua esposa, oferecido em julho de 1929 (O AERO-CLUB homenageará o dr. Demosthenes de Carvalho. A Republica, Natal, 13 jul. 1929. p1.); a festa de Natal celebrada em dezembro de 1929 (O NATAL no Aero Club. A Republica, Natal, 22 dez. 1929. p.1.); a solenidade visando homenagear a cantora Lydia Salgado, docente do Instituto Nacional de Música e Soprano, ocorrida em janeiro de 1930 (UMA Homenagem do Aero Club a d. Lydia Salgado. A Republica, Natal, 01 jan. 1930. p.3.); além de várias outras festividades (AERO-CLUB. A Republica, Natal, 03 maio 1929. p.1; O BAILE de sábado no Aero Club. A Republica, Natal, 07 maio 1929.p.1; AERO-CLUB. A Republica, Natal, 23 maio 1929.p.1; AERO-CLUB do Rio Grande do Norte, A Republica, Natal 14 jun. 1929. p.1; O PROXIMO baile do Aero Club. A Republica, Natal, 10 jul. p.1; O BAILE do Aero-Club. A Republica, Natal, 09 ago. 1929. p.1; O BAILE de hoje, no Aero Club. A Republica, Natal, 07 set. 1929.p.1; AERO-CLUB. A Republica, Natal, 28 set. 1929.p.1.).

OUTROS NEGÓCIOS

Em 13 de abril de 1929 o governo estadual aforou terreno em Cidade Nova (NATAL. Prefeitura Municipal do Natal. Carta de aforamento n.937, de 13 de abril de 1929. Natal: s.d.), que possuía 2.886,72m². Para um terreno dessas dimensões deveria ser cobrada taxa anual de 57.734 réis. Todavia, a carta registrou como foro anual o valor de 14.430 réis, quantia aproximadamente quatro vezes inferior ao que deveria ser pago. Observa-se mais um exemplo em que a Intendência permitia a concessão de uma carta de aforamento que desrespeitava as regras vigentes, beneficiando o governo estadual e prejudicando as receitas do governo municipal. Mais um exemplo de como as relações entre o governador, que nessa época era Juvenal Lamartine de Faria, e o chefe do Executivo municipal, O’Grady, eram fortalecidas com permissões como essas.

Em 11 de maio de 1929, aproximadamente um mês após a expedição da carta de aforamento, o governo do estado alienou o domínio útil do terreno a Adauto Miranda Raposo da Câmara, que pagou a quantia de 500.000 réis (NATAL. Prefeitura Municipal do Natal. Carta de aforamento n.937, de 13 de abril de 1929. Natal: s.d.). Essa transação não foi lucrativa economicamente para o Executivo estadual, demonstrando que se tratou de uma alienação típica de um mercado do tipo pessoal, em que o objetivo não era apenas obter capital econômico. A carta 218D ajuda a demonstrar como a transação entre governo estadual e Adauto Câmara não foi lucrativa economicamente para o Executivo estadual. Essa carta fez menção a um terreno de 1.430m² que foi alienado, em 1921, pela quantia de quatro contos de réis (4:000.000). Observa-se como um terreno de dimensões inferiores ao alienado pelo poder estadual foi transferido por um preço bem superior, o que sustenta a afirmação de que a transação entre estado e Adauto Câmara foi característica de um mercado pessoal, ver: NATAL. Prefeitura Municipal do Natal. Carta de aforamento n.218D, de 29 de abril de 1910. Natal: s.d.

Como já destacado na segunda parte da dissertação, todas as transações de domínios úteis de terrenos aforados implicavam em transferência de capital econômico, já que os foreiros não dispendiam muito dinheiro com o processo de solicitação de enfiteuse. Contudo, o que variava era a quantidade de capital envolvido. Em transações do tipo pessoal o preço não é desprezado, ele existe, mas seu valor não implica em lucros demasiados para o foreiro alienante, a formação do preço é alterada. Nesses tipos de transações o que importa é fortalecer relações sociais, manter cargos políticos, fortalecer laços que poderiam gerar bons negócios, bons casamentos, influência social, entre outros privilégios.

A alienação da terra entre governo estadual e Adauto Câmara exemplifica uma transação do tipo pessoal. Adauto Câmara era um indivíduo de destaque na sociedade natalense. Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Recife, ingressou na política como deputado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte no ano de 1924, cargo em que permaneceu até o ano de 1927. No governo de Juvenal Lamartine foi ainda diretor do Departamento de Segurança Pública e, em 1930, exerceu a função de chefe de Polícia. Foi também redator do jornal A Imprensa.

MEMÓRIAS

O escritor Adauto Câmara, filho de um ex-aluno e ex-professor do antigo ginásio – Teodúlo Câmara – baseado nas memórias paternas resgatou nas páginas da Revista Pedagogium o antigo educandário natalense, descrevendo que Pedro Velho:

Monta o ginásio, provido de excelente e abundante material escolar e didático. Com a energia de sua capacidade dinâmica, prestigio social, a sua competência e respeitabilidade já abonadas na confiança pública, o novel Instituto se viu procurado por numerosos discentes, da Capital e dos municípios vizinhos. Mantinha o curso primário e o secundário. Este último seguia as normas adotadas pela reforma Homem de Melo, que reorganizou o currículo do Imperial Colégio de Pedro II (1881). O ensino era livre, na conformidade da reforma Leôncio de Carvalho (1870). A intervenção do Estado só se admitia para assegurar condições de higiene e moralidade, – conquista que ainda hoje reivindicam nestes mesmos termos, os educadores do Brasil, nos seus congressos bienais, do Rio, de Belo Horizonte e de S. Paulo. (CÂMARA, 1948, p. 09-10).

Lendo o artigo do professor Adauto da Câmara, observamos que o ginásio Norterio-grandense realizava excursões pedagógicas pelos arredores de Natal, na fortaleza dos Reis Magos ou no Belo Monte (atual Bairro de Petrópolis). Passavam-se domingos nas praias ou sob o arvoredo de Guarapes, na Macaíba, em piqueniques ruidosos.

O artigo do professor Adauto da Câmara aponta os nomes dos professores de Tavares de Lyra, no ginásio Rio-Grandense:

Dr. Pedro Velho: de História Natural, Física, Química, e Historia Universal; Seu irmão, Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão, que era também o Vice-Diretor, enérgico e dinâmico. Não tinha título universitário. Era musicista de valor, tendo feito em Paris o seu curso superior de Canto. Línguas; outro irmão […], Augusto Severo […]. Era estudante de engenharia no Rio. Interrompendo o curso, regressou a Natal, onde lecionou Matemáticas; O Dr. Hermógenes Joaquim Barbosa Tinoco, bacharel em Direito, formado em Paris. Pertencia à congregação do Ateneu […]. História e Geografia; João André de Bakker, engenheiro flamengo, radicado na Província, professor de línguas. Substituiu, no Ateneu, o Dr. Gomes da Silva, em 1880, quando este faleceu; João Tibúrcio da Cunha Pinheiro, florão do magistério norte-rio-grandense; português e latim; Monsenhor José Paulino de Andrade: português e latim; Meu Pai, Teódulo Soares Raposo da Câmara, que, sendo dos melhores alunos, foi admitido a dar aulas no curso secundário, iniciando-se, assim, em uma atividade em que permaneceu durante mais de meio século; José Ricardo Lustosa da Câmara, primo-irmão de meu Pai, foi um dos mais jovens elementos recrutados por Pedro Velho, tendo começado pelo Curso Primário, que chegou a dirigir. Faleceu moço; Francisco Belém, de Música. (CÂMARA, 1948, p. 12).

Não sei como esse episódio escapou ao saudoso Adauto da Câmara no seu ensaio sobre “O Rio Grande do Norte na guerra do Paraguai”, (Natal, 1951).

Natal à época da guerra do Paraguai era uma cidade de aproximadamente 6.500 habitantes. No Rio Grande do Norte, o recrutamento foi feito pelo Presidente da Província Olinto Meira, um grande batalhador pelo voluntariado. Muitos autores têm visões opostas sobre a receptividade da população à convocação para fazer parte do Corpo de Voluntários da Pátria. Tavares de Lyra argumenta que a província correspondeu plenamente à convocação de Olinto Meira, fato contestado por Adauto Câmara quando alude a ação de recrutamento feita, em Natal, na noite de 15 de janeiro de 1865. Como chegavam notícias dos acontecimentos na região platina, foi “grande o alarido que faziam mulheres e crianças atrás dos recrutadores”, com noticiou o Jornal do Commercio (apud CÂMARA, 1998, p. 170).

Décio Freitas (apud LOPEZ, 1993, p. 84) afirma que ainda que muitos dos “voluntários” fossem escravos que conquistaram a liberdade em 1866, a maioria lutou na guerra “a fim de que seus senhores ganhassem títulos nobiliárquicos…” Adauto Câmara (1998), ainda que compartilhe o mesmo pensamento de Tavares de Lyra acerca do entusiasmo dos norte-rio-grandenses com a formação dos Voluntários da Pátria, prima por expor a situação de maneira clara, demonstrando o descontentamento dos familiares dos “voluntários”. Na noite do dia 15 de janeiro de 1865, houve em Natal uma ação de recrutamento que espalhou pânico pela cidade. As famílias mais humildes foram o alvo da atividade das autoridades; muitos voluntários jovens recolhidos entre pescadores residentes nas Rocas, no Areal e na Ribeira. O Jornal do Comércio denunciava: “Não é possível imaginar o alarido que faziam mulheres e crianças, atrás dos recrutados” (Apud CÂMARA, 1998, p. 170).

Adauto Câmara (1992), em suas memórias, descreve o inusitado da fuga de governador Lamartine durante o processo que resultou na deflagração da Revolução de 1930. A citação é longa, mas vale a pena conferir:

No dia 20 de outubro, o sr. Juvenal Lamartine chegava ao Rio, a bordo do Flândria. (…) Chegando ao Rio, o sr. Lamartine, guardando o incógnito (sic) tanto quanto o possível, hospedou-se no Hotel Tijuca, distante da cidade, com o sr. Omar O’Grady.20 Dois dias depois passou-se para o Colégio dos Padres Maristas a cuja comunidade pertencia aquele hotel. (…) No Colégio, o presidente potiguar não tomou o hábito religioso, mas, oficialmente, era irmão Antônio Felipe. Sucedeu, porém, que os alunos desconfiaram daquele novo Irmão e, para maior segurança deste, foi deliberado transferi-lo para a rua Haddock Lobo, 206. Fizeram-lhe companhia ali os srs. Omar O’Grady e o deputado Cristóvão Dantas. Na noite de 20 de outubro, tendo o sr. José Augusto sido avisado de que o movimento revolucionário rebentaria, no Rio, na manhã seguinte, providenciou, pelas 23 horas, a mudança do sr. Lamartine, que foi para o Hotel Vera Cruz, à praça Tiradentes, onde ele foi confiado a um amigo. Na manhã de 24, já o movimento sedicioso declarado no Rio, o deputado Álvaro de Vasconcelos foi buscá-lo e o acompanhou até a casa do sr. Vicente Sabóia, à avenida Pasteur. A polícia o procurava por toda a parte. A residência da “Doutora” Berta Lutz esteve guardada três dias, por se suspeitar que ele ali estivesse. A residência do ex-senador José Augusto foi varejada por soldados embalados (…).
A situação do sr. Lamartine era difícil, porque os políticos paraibanos o detestavam por lhe atribuírem participação no levante de Princesa. Urgia pô-lo a salvo de qualquer desacato ou humilhação. (…)
O sr. José Augusto conseguiu que o ex-chanceler Otávio Mangabeira obtivesse para ele um asilo diplomático (…) (CÂMARA, 1992, 129-130).

FONTES SECUNDÁRIAS:

CÂMARA, Adauto. Diversos e Dispersos. Rio de Janeiro: Edição do Autor. 1998.

ARRAIS, Raimundo Pereira Alencar. ANDRADE, Alenuska; MARINHO, Márcia. O corpo e a alma da cidade: Natal entre 1900 e 1930. Natal: EDUFRN, 2008.

CÂMARA, Adauto. Diversos e Dispersos. Rio de Janeiro: Edição do Autor. 1998

CAMARA, Adauto. O Colégio de Pedro Velho. In: Revista Pedagogium. Natal, Tipografia Galhardo, 1948.

CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal. Natal: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1999.

LIMA, Pedro de. O mito da fundação de Natal e a construção da cidade moderna segundo Manoel Dantas. Natal: Sebo Vermelho, 2000.

MARINHO, Márcia M. F. Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na Belle poque natalense (1900-1930). Dissertação de mestrado, Programa de Pós-graduação em História da UFRN, Natal, 2008.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

A construção da natureza saudável: Natal 1900-1930 / Enoque Gonçalves Vieira. – Natal / 2008.

Augusto Tavares de Lyra em vários tons / Francisco Anderson Tavares de Lyra Silva. – Natal, RN, 2012. 146 f.

Cantos de bar: sociabilidades e boemia na cidade de Natal (1946-1960)/Viltany Oliveira Freitas. – 2013.

Cidade, terra e jogo social: apropriação e uso do patrimônio fundiário natalense e seu impacto nas redes de poder locais (1903-1929) / Gabriela Fernandes de Siqueira. – Fortaleza, 2019.

Centelhas de uma cidade turística nos cartões-postais de Jaeci Galvão (1940-1980) / Sylvana Kelly Marques da Silva. – Natal, RN, 2013.

“Em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal”: a vida intelectual natalense (1889-1930) / Maiara Juliana Gonçalves da Silva. – Natal, RN, 2014.

História do Rio Grande do Norte / Sérgio Luiz Bezerra Trindade. – Natal: Editora do IFRN, 2010.

Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na Belle Époque Natalense (1900-1930) / Márcia Maria Fonseca Marinho. – Natal, RN, 2008

Natal, outra cidade! [recurso eletrônico] : o papel da Intendência Municipal no desenvolvimento de uma nova ordem urbana na cidade de Natal (1904-1929) / Renato Marinho Brandão Santos. – Natal, RN : EDUFRN, 2018.

Ordenamento Urbano de Natal: do Plano Polidrelli ao Plano Diretor 2007 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. – Natal: Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2007.

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