A Repartição de Serviços Urbanos de Natal
De acordo com matéria d’A Republica, as propostas apresentadas para concorrer à concessão dos serviços não ofereciam vantagens, o que levou o governador a rescindir o contrato com a E. T. F. e Luz de Natal, sob a alegação de a mesma não cumprir com suas obrigações e prevalecer-se das vantagens que lhe oferecia o contrato. A empresa “se oppunha ao menor beneficio no sentido de garantir á população algum conforto”. O material de propriedade do Estado concedido à empresa estava “em tão precarias condições que só foi possivel á custa de enorme difficuldade, continuar a manter serviços de illuminação publica e particular e de abastecimento d’água”. Evidenciou-se a necessidade de uma remodelação na usina, para a qual os equipamentos em sua maioria viriam do estrangeiro e custariam alto ao cofre do Estado (TRAFEGO Urbano. A Republica. 13 set.1923, p. 1.). Com esses argumentos, o governador Antonio de Souza organizou a Repartição de Serviços Urbanos de Natal, com a qual os serviços urbanos passaram ao controle e administração do Estado.
Em setembro de 1923 o problema parece afinal encontrar uma solução. O intendente natalense Sr. Antônio de Souza, em colaboração com o Governo do Estado, forma nesse ano a Repartição de Serviços Urbanos de Natal, diretamente subordinada ao Tesouro e nova responsável pela administração do fornecimento de luz elétrica e do transporte por bondes na cidade.
A direção técnica da Repartição é passada à competência do engenheiro Ulysses Carneiro Leão, tomando notável impulso as obras de remodelação da Usina, o que torna possível o restabelecimento do “trafego dos bonds nas linhas do circuito Petrópolis, Tyrol e Alecrim” (OBRAS, 1923). O retorno do serviço, após dois anos de paralisação, ocasiona diversas manifestações de enaltecimento do veículo, como elemento essencial ao funcionamento da vida urbana. Diversas crônicas passam a ser publicadas nos periódicos em circulação celebrando a volta do sistema de transporte e enfatizando a sua importância, como escreve o repórter de “A República” no trecho abaixo.
[…] Desejaria que os dias fossem longos e as noites […] interminaveis, para gosal-os nesses veiculos, bons ou maos (que importava?) contando que estivesse a cada momento e a cada instante vendo e em contacto com toda a cidade, com todos os seus habitantes, com os que viessem de perto ou de longe. […]. Uma cidade sem bond é uma cidade sem vida, porque o bond é a alma das cidades. […]. Tudo se encontra ali. […]. O bond acolhe a todos sem distinção de classe, de côr, ou de politica. […] o bond, além da alma, é o pulso das cidades: pelas ruas percussões, isto é, pelo movimento dos bonds advinha-se os estados de excitação ou epressão em que ellas se encontram. […]. Não! Uma cidade não pode existir sem o seu bond. Nei sei como podemos viver tanto tempo sem elle! Dentro em pouco, os bonds serão indicados como um dos mais efficazes agentes therapeuticos para as molestias do systema nervoso. […]. Oh! A ideia de que elles abreviam as distancias e nos levam, commodamente, facilmente, aos nossos lindos arredores: que poderemos, quando nos agrade, passar 30 minutos a uma hora longe dessas feias ruas […]. Tudo isto e mais alguma coisa fazem com que amemos grandemente, sinceramente, esses modestos vehiculos. […] com toda sorte de passageiros, com as suas palestras, informações, bisbilhotices, além dos seus conductores e motoristas, tem incontestavelmente a sua funcção social. Faz-se, por elle, com facilidade a psycologia de uma população… (O BOND. A Republica, Natal, 23 set. 1923.).
A excitação provocada pela volta dos bondes é sentida no restabelecimento do ritmo da cidade, ainda tão dependente do seu funcionamento. Porém, esse novo impulso que perdurará por mais alguns anos – o que culminará até mesmo com o prolongamento de novas linhas – sofrerá com a introdução de outro recurso de deslocamento urbano: os veículos automotores. Esse novo sistema reconduzirá a maneira de se pensar e planejar a cidade, deslocando o fluxo dos investimentos infraestruturais em seu favor.
A construção da nova Avenida Atlântica – importante e longa via, margeando a orla da cidade – que em seu trecho inicial acompanha a linha de bondes que serve o bairro de Petrópolis inicia um processo de atração de população tanto a esse bairro, como ao Tirol. O calçamento das diversas avenidas também fomenta a ocupação da Cidade Nova, agora mais comumente designada por sua respectiva divisão nos dois bairros mencionados. A cidade começa a viver um crescimento até então não experimentado, principalmente a partir da migração de população provinda do interior – consequência do estabelecimento de uma maior relação da capital com a hinterlândia a partir da consolidação das comunicações férreas e rodoviárias.
“Petrópolis e Tirol estão atraindo, irresistivelmente, habitantes para as suas garridas e suas planícies pitorescas. Hão de formar a futura cidade de Natal, com longas avenidas arborizadas e elegantes construções modernas. Iniciaram, na Cidade Nova, os últimos trabalhos levados a efeito na Avenida Atlântica, que acompanha a linha de bondes de Petrópolis, do Hospital Juvino Barreto até o seu término”. (A AVENIDA Atlântica, A República, Natal, 15 jan.1926., p.01.)
Diretamente subordinada ao Tesouro do Estado e confiada ao engenheiro Ulysses Carneiro Leão, essa Repartição atuou à frente dos serviços urbanos durante toda década de 1920. As verbas originadas da arrecadação das tarifas, de transporte urbano, de distribuição de água, coleta de lixo e fornecimento de eletricidade passaram à administração do governo, que tornou mais rígido o sistema de cobranças das taxas, alegando que a inadimplência tornava difícil a realização das reformas necessárias. De acordo com nota de autoria de Cícero Aranha, gerente da Repartição, publicada n’A República em janeiro de 1925, tratando da política de cobrança de taxas e punições aos inadimplentes,
a cobrança das taxas de luz, água, remoção de lixo, força e telefone, será feita à dita pelos arrecadadores nas diversas zonas em que está dividida a cidade, devendo o pagamento das em atraso ate 31 de Dezembro do ano findo, ser efetuado no escritório da Repartição. A cobrança de cada mês será encerrada no dia 25 do mês seguinte, sendo concedido um prazo de 15 dias aos que não tiverem satisfeito o pagamento do mês anterior, findo o qual será suspenso o respectivo fornecimento, sem outro aviso (ARANHA, Cícero. Solicitadas. A Republica, 16 de janeiro de 1925, p. 3.).
Como dito, embora houvesse uma ênfase evidente nas obras de pavimentação e abertura de novas vias, os bondes continuavam sendo o principal meio de transporte da população natalense. Em virtude dessa importância ainda desempenhada pelo sistema de transporte, no dia 09 de fevereiro de 1926 são iniciados, sob a direção do engenheiro Paulo Coriolano – Superintendente da Repartição de Serviços Urbanos – os trabalhos de prolongamento da linha de bondes do Alecrim até o bairro operário de Lagoa Seca, totalizando um percurso de 1500 metros. Após a inauguração da nova linha planejava-se prosseguir uma outra, ligando o Alecrim ao Tirol. A iniciativa é louvada pela imprensa local como obra imprescindível para a população residente em Lagoa Seca, citando também o fato de que as ruas da localidade, pelo fato de não serem pavimentadas, não ofereciam um acesso cômodo aos veículos automotores. A viação do bonde permite aos habitantes de Lagoa Seca uma maior mobilidade e favorece o seu deslocamento ao centro da cidade.
“Dentro de poucos meses estarão trafegando, até o pitoresco povoado de Lagoa Seca, os carros da R. S. U. de Natal. […] Com esse melhoramento, aliás relevante e de vantagens sem conta para a população que ali vive, lutando com extraordinárias dificuldades de transporte, assinala a atual superintendência, de modo promissor, a sua tarefa, dotando Natal de uma grande passeio como precisávamos ter. […] a nossa capital ressentia-se mesmo de um percurso maior de viação urbana, pois aos autos não oferecem as ruas da cidade o acesso necessário, a menos que estivéssemos dispostos a suportar as consequências dos barrancos, dos calçamentos ou das travessias arenosas e incômodas. […] Agora, porém, com o novo ramal prestes a ser inaugurado, com a esperança de avançar ainda mais, até conseguir o bairro do Tirol, vê-se como será coroada dos melhores êxitos iniciativa da atual administração”. (O NOVO Ramal, Diário de Natal, Natal, 28 mar.1926., p.01.)
Manoel Dantas parabenizou as ações do governador Antônio Souza, por seu empenho em organizar os serviços urbanos da capital norte-rio-grandense. Para Dantas os serviços urbanos de tração, água, luz e esgoto, que passaram à administração do governo eram um elemento vital para a cidade, uma necessidade “inadiavel, porque, ou a cidade melhora seus serviços, sobretudo os de tracção, água e luz, ou a cidade morre que em tanto importa a perda de sua actividade” (DANTAS, Manoel. Os serviços da cidade. A Republica, 15de novembro de 1921, p. 1.).
Ligações de energia clandestinas foram combatidas. Em dezembro de 1924 a seção de eletricidade da repartição de Serviços Urbanos localizou uma ligação de luz indevida no bairro da Ribeira. Atestando o fato, a Repartição publicou nota n’A Republica informando que
toda e qualquer ligação de luz, pública ou particular, feita por pêssoa extranha à seccão de eletricidade, ou mesmo por empregado da secção sem a ordem extrahida da Contadoria da Repartição, será considerada clandestina e como tal denunciada ao Departamento da Segurança Pública, que tomará providencias a fim de acabar com irregularidades dessa natureza (INSTALAÇÕES ELECTRICAS CLANDESTINAS. A Republica, 03 de dezembro de 1924, p.1.).
Em MENSAGEM LIDA PERANTE O Congresso Legislativo NA ABERTURA DA PRIMEIRA SESSÃO DA 12a LEGISLATURA em 1° de novembro de 1924, O GOVERNADOR AUGUSTO BEZERRA DE MEDEIROS apresentou um breve relatório sobre os serviços urbanos de Natal. Referindo-se a Repartição de Serviços Urbanos de Natal, diz
no seu relatório o chefe do Departamento de Agricultura e Obras Publicas, Sr. Dr. Antidio de Britto Guerra:
«Pela sua, intensa esphera de acção, embora sobre uma área relativamente limitada; pela completa desordem em que se debatiam alguns raros esforços, sem um alvo definido, pela desordenada despesa que augmentava muito mais depressa do que permittiamas minguadas e mal arrecadadas rendas, desde o principio a Repartição se nos affigurou o que ella effectivamente é: a mais importante e trabalhosa de todas as deste Departamento».
O primeiro cuidado da administração foi levantar o balanço de todos os haveres do Estado ligados á reparticão, e organizar uma escripta, em moldes modernos, de modo a poder o governo inteirar-se com segurança, da marcha geral dos seus negócios. Isso feito, venticou-se que os serviços urbanos de Natal custaram ao estado:
em 1920 ………………………………………….. 70.904$992
em 1921 ………………………………………….. 384.816$390
em 1922 ………………………………………….. 1.314.417$680
em 1923 ………………………………………….. 1.175.775$634
Total ……………………………………………….. 2.945:914$696
Contra uma receita de 826:915$342, o que da uma differença a mais na despesa de 2.118:999$354. Semelhante differença encontra justificativa no facto de ter sido indispensável fazer acquisição de grande quantidade de machinas e utensilios que importaram na quasi total substituição do antigo material, já bsolutamente imprestável. É de estricto dever, entretanto, registrar que no corrente anno a situação da Repartição é ainda de déficit, bastando assignalar que até 19 de Setembro o Thesouro jásupprira a Caixa da Repartição com a quantia de 259:710$659. Cumpre, portanto, examinar cuidadosamente as causas determinantes de semelhante situação que não pode perdurar. E’ assumpto que está preoceupando seriamente o meu governo, contando eu que me dareis am] ia autorisação para organizar os serviços urbanos de Natal sol) uni regimem compatível com os interesses. (https://memoria.bn.br/pdf/720496/per720496_1924_00001.pdf)
A população sem recursos para solicitar legalmente os serviços de eletricidade para suas residências e arcar com os custos das instalações e das tarifas, usava de estratégias, por vezes ilegais, para compartilhar os benefícios e conforto proporcionados pelos serviços de distribuição de eletricidade, escapando ao controle de seus administradores e planejadores.
Tais práticas tornavam ainda mais onerosos os custos com os serviços urbanos da capital, acrescidos com a substituição dos equipamentos existentes. De acordo com matéria d’A Republica, o Estado possuía em 1924 a receita de 626.915$342 contos de réis, para cumprir com as despesas de 2.945:914$696, “o que dá uma diferença A MAIS NA DESPESA DE 2.116.999$354″ (Mensagem (continuação) – SERVIÇOS URBANOS DE NATAL: Chefe do Departamento de agricultura e Obras : Sr. Dr. Antidio de Britto Guerra. A Republica, 13 de novembro de 1924, p. 1.).
No início do ano de 1925, essa Repartição iniciou a reorganização dos serviços urbanos para aumentar a capacidade energética da usina, melhorar a distribuição e esticar a linha de bonde. De acordo, relatório do primeiro ano de governo de José Augusto, para essa reorganização dos serviços realizou-se um balanço patrimonial da usina, oficina e escritório para se prevê as melhorias e recursos necessários. De acordo com o texto do relatório:
Para melhorar o serviço de luz, bondes e abastecimento dagua, foi montada a machina a vapor do fabricante Bellis & Morcon, de força de 750 cavallos, accionada por um jogo de caldeiras tipo Babcock, de 900 tubos adquirida no governo Dr. Antonio de Souza, e feita a instalação de gazogeneo para o serviço dos motores a gaz pobre, os quaes foram quasi todos reformados.
Como serviços outros de melhoramentos feitos na Uzina, contamos a reconstrução do forno de incineração, a construcção de casas de machinas para bombas, a construcção de garage para o caminhão, de carvoeiras, alojamento de machinas, etc.(…)
Concluida a montagem de um motor a gaz pobre, de 225 cavallos, dentro de poucos dias, estará a Uzina habilitada a satisfazer com suficiencia os serviços a seu cargo, estendendo se a rede de luz eletrica a outros pontos da cidade e ampliando o serviço de bondes pela construção de linhas para as Roccas, Limpa e Areia Preta. Para attender a esta ultima parte, está a Repartição tratando de augmentar o numero de carros, aproveitando os antigos bondes da extincta Empreza Tracção, Força e Luz. (…).
Foram tambem iniciados os serviços de reforma da fabrica de gelo e secção de telephones, os quaes serão ampliados em condições de melhor servir ao publico.
A companhia inglesa Beliss & Morcom, fabricante do motor adquirido pela Repartição de Serviços Urbanos, foi uma das mais conhecidas fabricantes de motores a vapor de sua época, por comercializar um motor a vapor de alta velocidade que podia ser diretamente acoplado a um gerador (LEMOS, Chélen Fischer de. O Processo Sociotécnico de Eletrificação na Amazônia: articulações e contradições entre Estado, capital e território (1890 a 1990). 342f. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional), Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007.). De acordo com McDowall, em seu trabalho sobre a atuação da light no Brasil, “todos os produtores de equipamentos elétricos demonstravam grande interesse em internacionalizar suas vendas”. Nesse contexto, o mercado latino americano transformou-se num dos principais alvos, de modo que nesse período toda aparelhagem das redes de eletricidade era importada e instalada por estrangeiros (MCDOWALL. Duncan. Light: A História da empresa que modernizou o Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2008, p. 53.).
Durante toda a década de 1920, eram constantes as queixas publicadas nos jornais locais mencionando a precariedade dos serviços prestados pela Repartição. Em 1925, a empresa abriu um escritório para servir de canal de comunicação recebendo diretamente as reclamações dos consumidores. A novidade era informada pela imprensa:
A Repartição dos Serviços Urbanos de Natal acaba de instalar o escritório da secção de tráfego à rua Coronel Pedro Soares, fronteiro ao ‘Natal Club’. Ali são recebidas reclamações sobre os serviços de luz e água, das 8 às 11 e das 13 às 17 horas; queixas sobre tratamento por parte dos condutores de bondes especiais, etc., a qualquer hora. A partir das 18 horas serão encontrados eletricistas de plantão para qualquer chamado. Há telefone e vendem-se cadernetas de posses comuns (Várias. A Republica. 08 abr. 1925, p. 1.).
As despesas apresentadas foram motivo de discussões sobre os valores das tarifas dos serviços de água, luz e transportes urbanos. Em 1925, as tarifas referentes à energia tiveram um acréscimo, devido ao aumento do preço do Kilowatts/hora (SOLICITADAS, A Republica, 22 de abril de 1925, p.3.).
Assim como o investimento na abertura e calçamento de avenidas e ruas em Natal, o problema da luz elétrica – apesar do sistema ultrapassado – também passou a ser gerido mais “eficazmente” (A REPÚBLICA, Natal, 30 de abril de 1925.). As reformas na antiga instalação – especialmente no maquinário – foram realizadas sob a supervisão do engenheiro Paulo Coriolano, chefe da recém-criada (em 1924) Repartição de Serviços Urbanos, que nesse momento assumia os serviços de força e transportes. Desde o dia 04 de fevereiro de 1925 a Repartição de Serviços Urbanos passou a funcionar na Avenida Tavares de Lyra – ponto de atração de diversos equipamentos urbanos no período – no edifício da Comissão de Saneamento de Natal. As medidas visavam garantir a maior regularidade do fornecimento de energia. O aumento no consumo de energia – 130 mil para 150 mil quilowatts – ocasionou a necessidade urgente de montagem de um novo motor e expansão da rede.
Além das reformas na usina elétrica, diversos reparos também foram efetuados nos antigos bondes pela nova gestão da Repartição de Serviços Urbanos de Natal. Foram reformados seis bondes: três que se encontravam em tráfego e três que estavam fora de circulação (A REPÚBLICA, Natal, 13 de maio de 1925.). O valor da reforma totalizava o investimento de 30.000$000, valor que apenas cobriria a compra de um veículo. Esses veículos, apesar de terem sido adquiridos em 1923, ou seja, dois anos antes das referidas reformas, em 1925 já circulavam em estado que requeria constantes consertos.
Ao mesmo tempo que se fazia na usina a reforma do carroção, cujo serviço foi ultimado, achando-se já em funcionamento, atacava-se também a dum bonde dos antigos que receberá o número 8 e sairá dentro em breve. Assim, contará a Repartição de Serviços Urbanos dentro de poucos dias mais 09 carros em perfeito estado, podendo estabelecer um serviço de viação urbana mais completo, com reservas para os casos de necessidade (A REPÚBLICA, Natal, 15 de maio de
1925, p. 01).
Além das reformas na usina elétrica, diversos reparos também são efetuados nos antigos bondes pela nova gestão da Repartição de Serviços Urbanos de Natal. São reformados seis bondes: três que se encontravam em tráfego e três que estavam fora de circulação (A REPUBLICA, Natal, ano 37, n.107, 01 maio 1925c). O valor da reforma totaliza o investimento de 30.000$000, valor que apenas cobriria a compra de um veículo. Esses veículos, apesar de terem sido adquiridos em 1923, ou seja, dois anos antes das referidas reformas, em 1925 já circulavam em estado lastimável
Ao mesmo tempo que se fazia na usina a reforma do carroção, cujo serviço foi ultimado, achando-se já em funcionamento, atacava-se também a dum bonde dos antigos que receberá o número 8 e sahirá dentro em breve. Assim, contará a Repartição de Serviços Urbanos dentro de poucos dias mais 9 carros em perfeito estado, podendo estabelecer um serviço de viação urbana mais completo, com reservas para os casos de necessidade (A REPUBLICA, Natal, ano 37, n.107, 01 maio 1925c, p. 01).
Embora houvesse uma ênfase evidente nas obras de pavimentação e abertura de novas vias, os bondes continuavam sendo o principal meio de transporte da população natalense. Em virtude dessa importância ainda desempenhada pelo sistema de transporte, no dia 09 de fevereiro de 1926 são iniciados, sob a direção de Paulo Coriolano os trabalhos de prolongamento da linha de bondes do Alecrim até Lagoa Seca, totalizando um percurso de 2.600 metros, que percorreria o trajeto da Avenida Alexandrino de Alencar.
Após a inauguração da nova linha planejava-se prosseguir uma outra, ligando o Alecrim ao Tirol (LINHA DE BONDES: TIROL- LAGOA SECA, A República, Natal, 10 de fevereiro de 1926). A iniciativa foi louvada pela imprensa local como obra imprescindível para a população residente em Lagoa Seca, citando também o fato de que as ruas da localidade, pelo fato de não serem pavimentadas, não ofereciam um acesso cômodo aos veículos automotores. A viação do bonde permitia aos habitantes de Lagoa Seca uma maior mobilidade e favorecia o seu deslocamento ao centro da cidade.
Dentro de poucos meses estarão trafegando, até o pitoresco povoado de Lagoa Seca, os carros da R. S. U. de Natal. […] Com esse melhoramento, aliás relevante e de vantagens sem conta para a população que ali vive, lutando com extraordinárias dificuldades de transporte, assinala a atual superintendência, de modo promissor, a sua tarefa, dotando Natal de uma grande passeio como precisávamos ter. […] a nossa capital ressentia-se mesmo de um percurso maior de viação urbana, pois aos autos não oferecem as ruas da cidade o acesso necessário, a menos que estivéssemos dispostos a suportar as consequências dos barrancos, dos calçamentos ou das travessias arenosas e incômodas. […] Agora, porém, com o novo ramal prestes a ser inaugurado, com a esperança de avançar ainda mais, até conseguir o bairro do Tirol, vê-se como será coroada dos melhores êxitos iniciativa da atual administração (MACEDO, F. A. de, O Novo Ramal, Diário de Natal, Natal, 28 de março de 1926).
Entretanto, embora o benefício fosse real, era reivindicada pelos órgãos de imprensa a diminuição no valor das tarifas do bonde, especialmente no caso do novo ramal à Lagoa Seca, cuja população residente à época era formada majoritariamente por estratos mais pobres da sociedade natalense. O custo relativo ao número de viagens diárias necessárias ao deslocamento da população do bairro, cuja característica operária a tornava dependente desse sistema para ir e vir ao local de trabalho, segundo o jornalista F. A. de Macedo, do “Diário de Natal”, pesaria significativamente no orçamento das famílias e, por isso, era de grande urgência a redução do valor da passagem do bonde.
Um ponto, entretanto, cabe despertar a reflexão do engenheiro Paulo Coriolano: é o preço das passagens para a linha de Lagoa Seca. […] Constituída, toda ela, de gente pobre, de gente operária, que não possui, diariamente, vestimenta nem calçado capaz de se lembrar com os passageiros de gravata, essa gente, que vai ser, na verdade, a mais beneficiada pelo bonde do novo traçado, não pode, absolutamente, dispor de 600 réis dali a Ribeira, ou sejam 1$200 diários, num total de 32$000 mensais. […] E com a mesma confiança que traçamos, domingo, um “suelto” sobre o mesmo assunto, esperamos a inauguração dos carros-reboque de segunda classe e onde as passagens sejam cobradas, tendo em vista a situação financeira daquela população (MACEDO, F. A. de. O Novo Ramal, Diário de Natal, Natal, 28 de março de 1926, grifos nossos).
A linha de bonde à Lagoa Seca representava, dessa forma, um elemento de integração da população que residia nessa fração urbana. O acesso dessas pessoas à
cidade se tornaria intrinsecamente vinculado ao bonde – pelo menos até a intensificação do processo de pavimentação das vias e popularização dos autobus como sistema de transporte público em Natal. Outro fator vinculado à inauguração da linha até Lagoa Seca seria a vetorização do crescimento da cidade pela Avenida Alexandrino de Alencar – onde, como vimos, já se concentravam padrões fundiários de grandes glebas aforadas. A linha direcionaria o adensamento urbano na área atendida, desafogando as áreas às margens do Potengi, ocupadas ostensivamente em momento anterior por populações de menor renda. A zona correspondente ao bairro de Lagoa Seca era também vista como uma área salubre e com grande potencial de valorização futura, como confirma o artigo parcialmente transcrito a seguir.
Obedece a um superior critério o traçado dessa linha, cuja primeira secção vai ter à Lagoa Seca, com um percurso de 2,400 metros. Recuando o adensamento da população à margem do Potengi, vai fazê-la avançar para uma zona da comprovada salubridade. Sobre possuir encantadora topografia, o solo aí se apresenta ubérrimo àqueles que se dedicam ao amanho da terra. […]. Aquele terreno, anteriormente demandado apenas por operários que nele levantavam as suas pequenas casas, está sendo procurado e valorizado consideravelmente, depois do empreendimento da Repartição de Serviços Urbanos. E isto só porque oferece as melhores vantagens nas edificações elegantes e confortáveis e na feracidade e salubridade da região, como porque vai ficar em constante e fácil comunicação com o centro da cidade. Na verdade, o número de bondes em tráfego, posto que por ora seja suficiente, não pode ser aumentado, sobretudo, porque a empresa não dispõe de linhas extensas. Com a próxima ligação do Tirol ao Alecrim, pela nova linha que seguindo nas avenidas Dois e São José, entrará no arrabalde da Lagoa Seca e pelas avenidas Alexandrino de Alencar e Hermes da Fonseca atingirá o Tirol, tudo se remediará. […]. A linha de Petrópolis vai ser igualmente, estendida até Areia Preta (MELHORAMENTOS NA VIAÇÃO URBANA, A República, Natal, 25 de abril de 1926, grifos nossos).
Nem o prolongamento das linhas, nem a compra de novos carros são suficientes para atender a crescente demanda por transporte público na cidade do Natal. É corriqueiro o fato de que em determinadas horas do dia, especialmente naquelas horas de pico, os bondes estejam “já apinhados”. Os carros que procedem da Ribeira em direção à Cidade Alta, antes de chegar a esse destino, já na Praça Augusto Severo estão lotados, especialmente de gente em “direção aos seus pitorescos e populosos subúrbios”. (DIÁRIO DE NATAL, Natal, 03 jun.1926., p.01.)
O preço da passagem de bonde elétrico foi questionado pelo jornal do grupo opositor ao governo, o Diário de Natal. O bonde era único meio de acesso às vastas extensões da cidade, mas, custando $200, tornou-se “inacessivel á bolsa do pobre”, o que levou esse periódico a sugerir que fossem colocados a disposição “carros de segunda classe, ao preço de $100 a passagem, destinados à gente pobre, que também precisa locomover-se, com facilidade, ao longo das nossas principais artérias” (PROBLEMA DE TRANSPORTE. Diário de Natal, 21 de junho de 1926.).
As dificuldades orçamentárias eram fundadas na necessidade de melhorias na infra-estrutura dos serviços, principal alvo dos esforços da Repartição. Em matéria publicada n’A Republica por Amphiloquio Câmara, assessor do governo, comentou-se as realizações do governo de José Augusto, relatando as melhorias realizadas pela Repartição de Serviços Urbanos de Natal com intuito de organizar e ampliar os serviços urbanos baseados na geração e distribuição de eletricidade.
Com o novo motor, a Repartição de Serviços Urbanos de Natal tinha o objetivo de colocar em melhor funcionamento e ampliar a infra-estrutura dos serviços da capital. Nesse intuito, construiu novas linhas de bonde e aumentou a iluminação da cidade, conforme publicou em relatório:
construiu uma nova linha de bondes na capital, numa extensão de 2,500 metros, e se acha em construcção uma outra para Areia Preta, pitoresca praia de banhos, devendo ser inaugurada ainda este ano; executou obras de drenagem em varios pontos considerados insalubres; augmentou a iluminação publica e melhorou consideravelmente os serviços de telephone e abastecimento de água na capital (CAMARA, Amphiloquio. O Rio Grande do Norte de hoje. As realizações do governo José Augusto. Os effeitos de uma boa politica alliada a uma boa administração. (A Republica, 25 de novembro de 1926, p. 1.).
É perceptível que há uma relação da dinâmica na prestação dos serviços de transportes urbanos e as cartas de grandes terrenos concedidas nesse momento. Essas se apresentam em maior número, sobretudo, a partir de 1927 e mais enfaticamente em 1929 e 1930, isto porque, como vimos, até meados da década de 1920 o funcionamento das linhas de bondes da capital vinha enfrentando dificuldades severas, o que se estabilizou mais a partir de 1926, com a inauguração da linha de Lagoa Seca ao longo da Alexandrino e com a regularização do serviço pela Repartição de Serviços Urbanos.
Os bondes elétricos inaugurados em 1911 não iam muito além da região central de Natal, chegando apenas até o início da Cidade Nova, situação que se alteraria em 1926, quando a Repartição de Serviços Urbanos de Natal, chefiada à época pelo engenheiro Paulo Coriolano, projeta a construção de uma nova linha de bonde, indo do Tyrol ao Alecrim. Assim, havia uma “necessidade urgente de estabelecer um serviço regular de viação na cidade”, alcançando os pontos não atendidos pelos bondes da Empresa de Melhoramentos de Natal. Foi por conta disto que a Intendência resolveu contratar o serviço de automóveis, buscando ligação mais rápida com os pontos mais afastados do centro da capital. As condições para a contratação do serviço deveriam ser “especiais”, de modo a não prejudicar o contrato que o governo do Estado tinha com a Empresa de Melhoramentos. Não vimos, porém, qualquer outra resolução que regulamentasse o serviço, nem edital que abrisse a concorrência pública para sua execução. Também, no ano seguinte, de 1913, não encontramos nos jornais matérias que tratem do mesmo, de modo que, certamente, esta resolução não saiu do papel, possivelmente por força da Empresa de Melhoramentos que não deve ter se agradado com a chance de ter um concorrente.
Nesse contexto, seguiram-se inaugurações, reformas, ampliação da rede de fornecimento de energia e das linhas do bonde. As ações realizadas esticaram a linha de bondes do Alecrim, “atingindo um percurso de 1500 metros”, até o bairro de Lagoa Secca (LINHA DE BONDES: TYROL- LAGÔA SECCA. A Republica, 10 de fevereiro de 1926, p. 1.); reformaram bondes que estavam inativos, num total de nove veículos (VÀRIAS. A republica, 13 de maio de 1925, p. 2.); foi concluída nova instalação da estação telegráfica, em cujo prédio funcionava a Repartição, com a chegada do aparelho “Baudot” para correspondência entre Natal e Recife (VÁRIAS. A Republica, 28 de dezembro de 1924, p. 2.); e uma nova sub-estação de energia elétrica na Usina do Oitizeiro foi inaugurada em 1928 com o evento comemorativo realizado na usina de eletricidade. Aproveitou-se a ocasião para realizar uma homenagem ao engenheiro Paulo Coriolano, pelo terceiro ano de sua administração dos serviços urbanos da capital, que recebeu do representante do “operariado natalense, o sr. Josué Silva, (…) diploma de socio benemerito da Liga Operaria” (UZINA eléctrica do oitizeiro. A Republica, 19 de janeiro de 1928, p. 1.).
Como se pode ver em fins da década de 1920, o bonde ainda constituía um mecanismo essencial na mobilidade da população urbana do município de Natal.
Contanto, os valores das passagens não condiziam com a realidade financeira da maior parte dos usuários dos serviços. Concomitantemente, os automotores começavam a se popularizar, passando a atender uma parcela da demanda por transporte público. Os também altos preços das passagens desse tipo de transporte restringiam o acesso às camadas mais pobres, com um agravante: o tipo de combustível utilizado pelos automóveis, derivado do petróleo, justificava a manutenção desse valor, uma vez que o seu preço de mercado era bastante alto nessa época. A mesma justificativa, entretanto, não se aplicava aos bondes, cuja alimentação provinha da própria Usina Elétrica do Oitizeiro, de propriedade do Governo do Estado. Essa discussão apenas se aprofundou nos anos subsequentes, em especial com o processo de sucateamento da estrutura tranviária.
Os esforços da Repartição em organizar os serviços urbanos e as melhorias relatadas não colocaram fim às interrupções constantes do sistema de iluminação e de fornecimento de eletricidade, como ocorrido em novembro de 1925, quando “devido a reparos na corrente de alta tensão” a Ribeira ficou sem energia elétrica das 13h às 15h (ECHOS E FACTOS. Diario de Natal, 18 de novembro de 1925, p. 2.). Também os bondes continuaram a ter a corrida suspensa por necessidade de reparos, conforme se relatou em 30 de novembro de 1929, quando a cidade ficou sem seu movimento por até 11 horas (REPARTIÇÃO dos serviços urbanos de Natal. A Republica, 30 de novembro de 1929, p. 1.).
Nessas circunstâncias se acirraram as críticas acerca dos serviços sob responsabilidade da administração pública durante toda a década de 1920. Nas matérias
com queixas evidencia-se um quadro de desorganização, englobando o fornecimento intermitente de energia e de água, a deficiência do serviço de limpeza pública, precariedade na pavimentação de ruas e praças, a irregularidade do transporte público, entre outros problemas. Neste contexto de crise, os problemas urbanos emergiram como prioridade do governador de Juvenal Lamartine e da administração municipal do engenheiro Omar O´Grady (1924-1930).
Na obra “Meu Governo”, de 1933 (LAMARTINE, Juvenal. [1933]. Meu Governo. Mossoró: Coleção Mossoroense, Série “C”, Volume 807, 1992.), Juvenal Lamartine faz um relato das questões enfrentadas por ele em sua administração frente ao Governo do Estado, tendo sido impedido de escrever o relatório oficial, por ter sido deposto e exilado após a revolução de 1930 no Brasil. Primeiramente, destacou a situação econômica do Rio Grande do Norte, que devia ao desenvolvimento da “lavoura de algodão, determinado pela elevação rápida de seus preços durante a grande guerra, a melhoria da situação econômica do Estado e da arrecadação de seus impostos” (1992 [1933], p. 08). Com relação aos serviços urbanos, Lamartine relaciona as condições deficitárias na prestação dos serviços urbanos nos anos prévios, com o empréstimo realizado por Alberto Maranhão na França em 1910 para a instalação da eletricidade e bondes em Natal, o que gerou dividendos consideráveis ao Tesouro Estadual. Destaca, sobretudo, as dificuldades encontradas na amortização do empréstimo em Paris, o que culminou na não remissão dos valores pelo Estado.
Não me descuidei, entretanto, de procurar uma solução para o empréstimo francês de 1910, tão gravoso aos interesses e ao crédito do Rio Grande do Norte. Por intermédio de homens de valor representativo e sem nenhuma ligação política com o meu partido ou com o meu governo, tentei, por várias vezes, um acordo com os portadores dos nossos títulos, que atenuasse de alguma forma os ônus que esse empréstimo acarretou para o nosso Estado, em cujo Tesouro deixei arquivada toda a correspondência […] Veio, infelizmente o formidável crack da bolsa de New York e a agravação da crise econômico-financeira, que neste momento ainda empolga o mundo inteiro, e não me foi possível realizar uma operação de crédito para resgatar o empréstimo de 1910, que é um formidável peso morto na vida financeira do Estado. O depósito que o Estado possuía no Bank of London & South America, em Paris, foi arrestado por sentença do Tribunal do Sena, perante o qual os credores pleitearam o pagamento em ouro dos juros e amortização dos títulos. A conselho do Dr. Afonso Pena Junior, deixei de remeter, como fizera até então, a importância de 528.000 francos anuais para pagamento dos juros e amortização do empréstimo, uma vez que os credores se recusavam a receber em francos papel, como o Estado sempre pagara anteriormente (LAMARTINE, 1992 [1933], p. 11).
Dentre as ações realizadas, o ex-governador destaca as melhorias dos serviços urbanos, como amortização do empréstimo em Paris, o que culminou na não remissão dos valores pelo Estado.
reparos e collocação de novo ventilador no forno de incineração de lixo; reparos geraes no prédio da sub-estação da rua 13 de Maio; construcção de fossas e conservação de machinas; installação da secção do trafego; construcção de linhas para illuminação do Barro Vermelho, rua Potengy e rua Laranjeiras; substituição do cano geral de abastecimento d’agua da avenida “Nysia Floresta”; reforma radical e substituição de toda installação da chefatura de Policia e residência de delegados; reforma e ampliação das installações elétricas da Escola Normal, Atheneu, Grupo Escolar “Antonio de Souza” e Hospital “Jovino Barreto”; construcção
de novas redes de força para a estação de radio-telegraphica do Refoles; preparação do solo e plantação do capizal para allimentação dos cavallos do Esquadrão de Cavallaria da Policia, nos terrenos anexos aos da Usina (LAMERTINE, Juvenal. O Meu Governo. P. 14.).
Lamartine era um homem em harmonia com as mudanças de seu tempo, vestiase elegantemente, era amante dos esportes, mostrava-se fascinado por aviação, aparecia costumeiramente em revistas em fotografia com situações que traduziam a imagem do homem moderno. Em seu governo fundou o Aero-Club, construiu o estádio que levou seu nome e deu destaque as melhorias na infra-estrutura de serviços urbanos da capital. Tais ações refletem sua personalidade entusiasta com o progresso técnico.
Em seu livro relatou que logo no início de seu governo buscou se informar da situação material da usina geradora de eletricidade da cidade, por considerar os serviços que dependiam da usina como de “importancia vital para uma cidade moderna e civilizada”. De acordo com o ex-governador lá encontrou duas máquinas velhas, uma a vapor e outra a gás pobre, ambas já quase imprestáveis e “que dentro de dois ou trez mezes, cessaria todo o serviço de abastecimento d’agua e luz de capital”. Nessas condições
A illuminação publica e particular da cidade estava sensivelmente reduzida, supprimida a de diversas praças e ruas, reduzido tambem o fornecimento de força para fins industriaes, deficientissimo o abasteciemnto d’agua, e por demais moroso e irregular o serviço de bondes (LAMERTINE, Juvenal. O Meu Governo. P. 14.).
A situação descrita o levou a decretar a extinção do escritório da Repartição de Serviços Urbanos, criando a Recebedoria de Rendas, para recebimento das taxas urbanas. Tomou medidas para consertar o maquinário e impedir que a cidade ficasse sem os serviços enquanto esperava pelas máquinas novas que já haviam sido encomendadas pelo seu antecessor. Para tanto convocou o mecânico Olintho Fernandes, que trabalhara durante 16 anos na usina e havia sido dispensado pelo engenheiro da Repartição, funcionário que conseguiu por em “funccionamento dois motores que iam ser desmontados, por imprestáveis”(LAMERTINE, Juvenal. O Meu Governo. P. 14.).
A situação financeira da usina estava difícil, o rendimento diminuía, o consumo de óleo aumentava e as dívidas se acumulavam. Entre as maiores citou o empréstimo “contrahido com Almeida Lisboa & Cia do Rio de Janeiro, para acquisição de duas caldeiras modernas”. As reformas empreendidas eram apenas paliativas e na opinião de Lamartine, o governo do Estado
não devia, nem podia continuar explorando os serviços de distribuição de força e luz de Natal, que estavam a exigir uma substituição completa dos trilhos, dormentes, material rodante, postes para illuminação publica, fios transmissores de energia e de luz, telephone, etc., cujo orçamento excederia de dois mil contos (LAMERTINE, Juvenal. O Meu Governo. P. 14.).
Verifica-se, a partir do relato de Lamartine, as consequências financeiras que a crise econômica de 1929 gerou, tais como a requisição do banco francês em receber os juros em ouro e não mais em papel moeda. O ex-governador também esclarece as condições que o levaram a extinguir a Repartição de Serviços Urbanos de Natal em 1928 e subordinar seus técnicos ao Departamento de Fazenda e do Tesouro. Lamartine destaca que muitos aspectos dos serviços prestados na capital deixavam a desejar, uma vez que “a iluminação pública e particular da cidade estava sensivelmente reduzida, suprimida e de diversas praças e ruas”. Além disso, a situação do “fornecimento de força para fins industriais” encontrava-se em estado “deficientíssimo”, assim como o abastecimento d’água da cidade e “por demais moroso e irregular o serviço de bondes” (LAMARTINE, 1992 [1933], p. 14).
Segundo Lamartine, a cidade nesse momento apenas contava com duas máquinas para a geração da energia, uma a vapor e outra a gás. Portanto, foi necessário para a melhoria na prestação dos serviços o conserto de dois outros motores “que iam ser desmontados, por imprestáveis: o nº 3, de 500HP, e o nº 5, de 220 HP”, o que fez com que a fosse possível “restabelecer os serviços urbanos de Natal no mesmo pé em que estavam, quando a empresa funcionava com a totalidade de seus motores”. Dessa forma, seria possível aguardar a montagem de novas máquinas que já haviam sido encomendadas por José Augusto de Medeiros. No entanto, seria necessária pela pouca condição do Estado de manter os serviços a contratação de uma companhia privada, o que relata no fragmento a seguir:
O Estado, porém, não devia, nem podia continuar explorando os serviços de distribuição de força e luz em Natal, que estavam exigindo a substituição completa de trilhos, dormentes, material rodante, postes para iluminação pública, fios transmissores de energia […], telefones, etc., cujo orçamento excederia de dois mil contos. Tinha mais que pagar o empréstimo contraído com Almeida Lisboa & Cia. do Rio de Janeiro, para a aquisição de duas caldeiras modernas em substituição das velhas e já emprestáveis máquinas da Usina, cujo rendimento diminuía, de dia para dia, ao mesmo tempo que aumentava o consumo de combustível e de óleo. Autorizado pela Assembleia Legislativa, e, na impossibilidade, sobremaneira, em que o Estado se via, de dotar Natal de serviços urbanos de acordo com o
crescimento de sua população e exigências da indústria nascente, entreguei, por contrato de compra e venda, a exploração desses serviços a uma empresa das mais idôneas que funcionam no Brasil. A única proposta apresenta foi a das “Empresas Elétricas Brasileiras”, com sede no Rio de Janeiro, por intermédio de seu representante no Recife, Dr. Arthur Smith […]. A proposta foi estudada pelo governo, com audiência de técnicos e juristas dos mais acatados do Estado, e convertida em minuta de contrato, que só se tornou efetivo depois que a Assembleia votou uma lei especial autorizando-me a fazer as necessárias concessões para a exploração dos serviços pela referida companhia. O preço de venda, incluindo as suas turbinas ainda não implantadas nem pagas ao tempo do contrato, foi de 2.000:000$000 [Dois mil contos de réis] (LAMARTINE, 1992 [1933], p. 16, grifos nossos).
Destarte, os serviços urbanos em Natal passavam a ser concessionados novamente à iniciativa privada. O seu restabelecimento era uma necessidade inerente ao aumento da complexidade urbana em Natal. A má gestão anterior, entretanto, ocasionava uma série de readaptações e a presença da técnica no planejamento institucional e da cidade nesse momento se mostrava um elemento balizador da supressão de desvantagens ao Estado. Dessa forma, um novo plano urbanístico seria proposto para Natal em 1929 que, embora não implantado, iria fortalecer padrões de definição do traçado urbano nas intervenções futuras.
Nessas circunstâncias, para manter os serviços urbanos em atividade o governo decidiu contratar uma empresa privada para administração e exploração desses serviços. A única proposta recebida foi das “Emprezas Electricas Brasileiras”, com sede no Rio de Janeiro, por intermédio de seu representante em Recife, Dr. Arthur Smith. A concessão dos serviços à empresa foi autorizada pela Assembléia Legislativa por meio de lei especial e aprovada pela Intendência do Municipal de Natal por meio da Resolução n.313 (GOVERNO do Município. A Republica, Natal, 17 de novembro de 1929.).
Desse modo, a exploração dos serviços de eletricidade em Natal passou ao domínio das Empresas Elétricas Brasileiras, subsidiária da empresa americana American & Foreign Power Company – AMFORP, criada em 1923 para gerenciar os negócios do grupo norte-americano Electric Bond & Share Corporation no exterior, especialmente na América Latina. Com sede nos Estados Unidos, essa empresa iniciou suas atividades no Brasil em 1927, buscando instalar-se em centros urbanos fora dos domínios da Light and Power Co. LTD. que monopolizava os serviços de geração e distribuição de eletricidade no Rio de Janeiro e em São Paulo.
O crescimento da demanda pela energia elétrica atraiu os investimentos dessas multinacionais para o mercado brasileiro. Essas empresas competiram pelo monopólio do setor e foram responsáveis pela entrada de capital estrangeiro na construção da infraestrutura das redes de eletricidade do País. De acordo com Lamarão,
na década de 1920 a ligth e a norte-americana Amforp promoveriam um intenso processo de concentração e centralização de concessionárias que culminou, no final do decênio, com a quase completa desnacionalização da indústria de energia elétrica brasileira (LAMARÃO, Op. Cit., p. 41.).
A AMFORP como subsidiária das Empresas Elétricas Brasileiras, depois denominada de Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras – CAEEB, assumiu o controle de onze concessionárias entre os anos de 1927 e 1929, nas cidades de Recife, Salvador, Vitória, Niterói e Petrópolis, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre e Pelotas, Maceió e Natal. Sendo que, para Natal e Maceió, a AMFORP fundou uma única empresa, a Força e Luz do Nordeste do Brasil – CFLNB.
No início de 1930 o crescimento vivenciado por Natal nos últimos anos reitera a condição hierárquica privilegiada da cidade no contexto potiguar. Natal vivia um momento de desenvolvimento urbano intenso nos últimos anos, especialmente com o engenheiro Omar O’Grady à frente da Intendência Municipal, o que só viria a ser reforçado a partir da sua localização geográfica favorável à aviação internacional, tornando-a a “estação onde primeiro tocam os aviões vindos da Europa”. (A REPUBLICA, Natal, ano 42, n.9, 11 jan.1930., p. 01.)
O Relatório do intendente Omar O’Grady referente ao ano anterior de 1929 sobre as realizações feitas em sua gestão no espaço urbano da capital reitera o papel que o novo plano elaborado para a futura cidade, projeto de autoria do arquiteto Giácomo Palumbo, iria desempenhar. (A NOTA, A Republica, Natal, ano 42, 4 fev. 1930.) Esse plano, como bem se sabe, não foi de fato materializado nos anos posteriores, entretanto, serviu como diretriz para as intervenções realizadas ao longo dos anos seguintes, como o Plano de Geral de Obras elaborado pelo Escritório Saturnino de Brito durante a década de 1930.
PAULO CORIOLANO
Numa entrevista com o engenheiro Paulo Coriolano, responsável pela repartição de serviços urbanos de Natal no ano de 1926, aonde este dizia ser necessário “forçar o progresso”, os ideais de progresso e de desenvolvimento continuavam dando a tônica dos discursos dos administradores públicos, da elite dirigente, da imprensa e da elite intelectual da cidade.
Sublinhado com adjetivos como administrador esclarecido, enérgico, devotado, honesto, reto e clarividente, o engenheiro Paulo Coriolano era considerado pelo articulista do jornal “A República” o administrador que “Natal reclama”. Nessa entrevista, mais uma vez, era ratificada a importância dos chamados melhoramentos que traziam para cidade o progresso de que ela tanto necessitava. Segundo o jornalista a atuação de Coriolano
Foi toda ella no sentido de bem corresponder aos reclamos da população de Natal, dar-lhe melhoramentos a que tinha direito e ainda aquelles que lhe poderiam advir com um pouco de esforço e de bôa vontade (Uma administração esclarecida. A República, 12 de dezembro de 1926.).
NELSON DE FARIA
Outro membro da família Lamartine que também aforou lotes do patrimônio municipal foi Nelson de Faria, irmão do ex-governador, que, entre os Bezerra de Medeiros, foi o que apropriou uma maior extensão de patrimônio fundiário municipal, equivalente a mais de 896 habitações populares e a mais de 17 campos de futebol no padrão da FIFA. Nelson exercia o cargo de Superintendente da Repartição de Serviços Urbanos de Natal (CORONEL Nelson Faria. A Republica, Natal, 20 mar. 1929.) e todos os 15 lotes dele foram aforados entre 1926 e 1929, período de maior influência da sua rede de parentela na política local, e todos encontravam-se na região suburbana de Natal, mais um indício que demonstra como na terceira década do século XX os aforamentos concentraram-se na região suburbana.
O irmão de Lamartine atuou no mercado de terras, alienando lotes em busca de diferentes tipos de capitais. Algumas dessas alienações foram efetivadas, inclusive, no mesmo dia da expedição da carta de aforamento do lote transferindo, o que poderia indicar que Nelson apenas legalizou a condição de foreiro dos referidos lotes quando tencionou aliená-los. Em 12 de fevereiro de 1927, por exemplo, Nelson recebeu em enfiteuse um lote de 430 m² no subúrbio, alienado no mesmo dia a Joaquim Pereira, o mesmo caso do lote de 1.125 m², também recebido e alienado no mesmo dia do lote anterior. Ver: NATAL. Prefeitura Municipal do Natal. Carta de aforamento n.1089 S, de 12 de dezembro de 1927. Natal: s.d ; NATAL. Prefeitura Municipal do Natal. Carta de aforamento n.1090 S, de 12 de dezembro de 1927. Natal: s.d.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
A CONSTRUÇÃO DA NATUREZA SAUDÁVEL: NATAL 1900-1930 / ENOQUE GONÇALVES VIEIRA. – NATAL / 2008.
A eletricidade chega à cidade: inovação técnica e a vida urbana em Natal (1911-1940) / Alenuska Kelly Guimarães Andrade. – 2009.
Caminhos que estruturam cidades: redes técnicas de transporte sobre trilhos e a conformação intra-urbana de Natal / Gabriel Leopoldino Paulo de Medeiros. – Natal, RN, 2011.
CIDADE, TERRA E JOGO SOCIAL: APROPRIAÇÃO E USO DO PATRIMÔNIO FUNDIÁRIO NATALENSE E SEU IMPACTO NAS REDES DE PODER LOCAIS (1903-1929) / GABRIELA FERNANDES DE SIQUEIRA. – FORTALEZA, 2019.
Natal, outra cidade! [recurso eletrônico] : o papel da Intendência Municipal no desenvolvimento de uma nova ordem urbana na cidade de Natal (1904-1929) / Renato Marinho Brandão Santos. – Natal, RN : EDUFRN, 2018.
A cidade interligada: legislação urbanística, sistema viário, transportes urbanos e a posse da terra em Natal (1892-1930) / Gabriel Leopoldino Paulo de Medeiros. – Natal,RN, 2017.