Café Socialista

Embora pouco conhecido e mesmo compreendido, o Café Socialista foi um mais renomados estabelecimentos  comerciais no início do século XX em Natal/RN. O nome do estabelecimento até denotar que se tratava de um espaço destinado a frequentadores de um determinado viés político, porém na verdade era um local destinado a socialização dos natalenses sem distinção idade, sexo ou cor da pele. Era para todos e por todos. Um espaço para socializar ideias e ao lazer. Contamos esta história conforme segue.

Os primeiros ‘happy hours’ da vida natalense se desenrolaram entre os bairros da Ribeira e Cidade Alta. Eram esquinas e cruzamentos que se tornaram símbolos de um tempo. Na Ribeira, tudo de melhor acontecia entre a Avenida Tavares de Lira e a Rua Dr. Barata; no centro, a badalação convergia para o ‘Grande Ponto’, como ficou conhecida a área entre a Rua João Pessoa, a Avenida Rio Branco e a Rua Princesa Isabel.

A Ribeira concentrava o maior número de bares, bilhares e cafés da cidade, lugares como o Café Socialista (1903), Café Chile (1916), Cova da Onça (1916) e o Bar Antártica (1921). Durante as primeiras quatro décadas do século XX, a Ribeira era oficialmente o bairro mais elegante de Natal. Esses estabelecimentos eram anunciados em jornais da época como “esteios da civilização”, na linguagem pomposa e exagerada do começo do século passado.

ANÚNCIOS

Aliados à diversão à vontade de modernizar-se, surgiam cada vez com mais frequência anúncios de estabelecimentos recreativos, como o Café Socialista. Inaugurado em 1903, esse café visava à criação de um espaço de reunião que pudesse distrair a população da “vida bisonha que abate-a physica e moralmente” ( A REPUBLICA, Natal, 5 out. 1903.). Os freqüentadores dos clubes e bilhares eram normalmente rapazes, mas homens mais velhos também eram ocasionais freqüentadores. Quanto às moças e senhoras, só entravam nesse tipo de estabelecimento nas noites de festas e bailes.

É caso do comerciante Joaquim Henrique de Moura, mais conhecido como “Moura” que instalou um estabelecimento nos limites da Praça da República (Praça Augusto Severo), cujo nome era “Café Socialista”. Ao tratar da inauguração da reforma do famoso estabelecimento, o jornal “A República” antecipou as novidades do “café” e afirmava, “podemos dizer que o Café Socialista vae ficar um estabelecimento digno da capital” ( Café Socialista. A República, 02 de outubro de 1903.), explicou também que com a reforma o “café” passaria a contar com excelentes jogos de recreio e uma boa confeitaria e especialmente “o inexcedivel conforto das frondozissimas mungubeiras, da Praça da República, que irão ser um dos seus melhores atractivos” ( Idem).

Ao se iniciar a primeira década do século XX, cresce a concorrência na capital do Estado entre as casas de entretenimento e os anúncios passam a ser mais freqüentes. Na intenção de atrair um maior número de fregueses, o Café Socialista anunciava: “Alem do grande sortimento de bolos, doces, café, charutos e bebidas de toda espécie, os gerentes d’este estabelecimento previnem a rapazeada que nos domingos, além de outra diversões, terá O HOMEM DO SACCO 
e a noite retreta” ( SOLICITADAS. A Republica, Natal, 13 abr. 1905).

Os anos passavam e os reclames continuavam registrando a vida efêmera dos estabelecimentos recreativos da cidade. Pelas páginas d’A República anunciaram-se inaugurações, incidentes, atrações e reformas do Café Socialista, do Café Centenário, do Café ABC, do Bar América, do Café Avenida, do Bar Antártica, do Café Chile, Do American Bar, do Café Moderno, da Cova da Onça, do Café Popular, do Café Paulista, do Café Tyrol, do Café Petrópolis etc. Convém ressaltar que a escolha dos nomes dos estabelecimentos não obedecia a uma lógica meramente geográfica para localização espacial ou para distingui-los uns dos outros. Por trás de tantos nomes, estavam escondidas paixões, bairrismos, modismos e aspirações.

QUINTAL

Na segunda-feira, um dia depois da inauguração da reforma do “Café Socialista”, relatava-se que a festa de inauguração havia sido um sucesso e que, a partir  daquela data, o estabelecimento passaria a promover eventos na Praça da República, principalmente, aos domingos, onde iria tocar a “banda de música da segurança” ou a “banda do Heronildes”. No dia 07 de outubro, foi noticiado que o proprietário do “Café Socialista” havia contratado “a música do batalhão de segurança para todos os domingos fazer uma retreta na Praça da Republica das seis horas da tarde às nove da noite, só com o fim de proporcionar aos publico e fregueses, horas de agradavel passatempo” ( Café Socialista. A República, 07 de outubro de 1903.).

A praça era o lugar próprio para o encontro, o lugar para onde as pessoas afluíam nos momentos de ócio, o lugar apropriado para as conversas ou para outros afazeres que não o laboral. Sendo ela esse espaço essencialmente público e de lazer, tal fato favorecia com que alguns comerciantes do ramo do entretenimento investissem nas suas proximidades. 

Além do contrato da banda do batalhão de segurança, era noticiado também que Joaquim Moura pretendia construir “quanto antes, um modesto, mas elegante corêto, para a musica, cuja collocação será feita no centro da praça” ( Idem). 

Praça (da República) Augusto Severo. O Salgado da Ribeira tinha acabado de ser aterrado. A Praça Augusto Severo, antiga Praça da República, começava a receber as primeiras mudas para o ajardinamento, presenteadas pelos natalenses, a pedido de Herculano Ramos, autor do projeto.
Trecho da praça Augusto Severo, ao lado da estação da The Great Western.
Nessa série de postais são comuns aparecerem os postes de iluminação por Acetileno, como os vistos na calçada ao lado.
Villa Barreto onde foi plantada a primeira mangueira rosa de Natal. Fotógrafo: Desconhecido. Ano: Cerca de 1906

FREQUENTADORES

O estabelecimento de Joaquim Moura era um dos mais freqüentados espaços de entretenimento da cidade e, como vimos, o território da praça era uma espécie de “quintal” do “Café Socialista”, tendo o mesmo um apoio irrestrito por parte do corpo jornalístico “d’A República”.

Antes de toda a sua trajetória profissional, mais especificamente entre seus 13 aos 16 anos, Silvino Bezerra Neto (1887 -1969), indivíduo que atuou no estado como magistrado, professor e poeta, foi convidado a desempenhar o cargo de auxiliar de redator no escritório do jornal A Republica. Nas palavras do poeta, ele e outro indivíduo – que era conhecido pelo apelido de “Montano” (Infelizmente não conseguimos desvendar quem seria o outro indivíduo convidado a incorporar a redação do jornal A Republica)  – foram convidados a incorporar a redação do A Republica. Em seus escritos, Silvino Bezerra localiza um ponto de encontro dos redatores do perdiódico na topografia da cidade: a venda de Joaquim Henrique Moura.

Por meio dos versos escritos por Silvino Bezerra, suspeitamos que o vencimento mensal do auxiliar de redator no  jornal A Republica correspondia a um pequeno valor, já que o escritor afirma que o pagamento mal dava para pagar as suas despesas, com comidas, obtidas na venda de Joaquim Henrique de Moura. A redação do Jornal A República (1889 – 1987) funcionava desde em 1901 na Rua Correia Teles, nº 6 (atual Rua Dr. Barata) nas imediações do Café Socialista.

No sábado, 17 de outubro, o jornal intima a sociedade natalense a freqüentar o café, sob pena de a cidade perder o espaço de diversão. Nas palavras do articulista, “amanhã (…) havera retreta de musica (…) em frente ao Café Socialista. É preciso que o público corresponda aos bons desejos do Moura, ao contrário adeus retreta na Praça da Republica” ( Café Socialista. A República, 17 de outubro de 1903.).

LOCAL

Cascudo fascina a seus leitores demonstrando um conhecimento detalhado acerca do antigo traçado da cidade. Ele parece saber exatamente onde se localizava cada coisa na Natal antiga. Esta desaparecera, sobrevivendo, moribunda, apenas através de alguns elementos que iam sumindo da paisagem, mas o autor passava a impressão de preservar um mapa imaginário dela. Cada recôndito escondido, cada rua ou beco, eram descritos e localizados com clareza.

“A Avenida Tavares de Lira, atualmente da Praça José da Penha ao cais Tavares de Lira, interrompia-se pelo prolongamento da Rua Dr. Barata que se estendia, depois do ‘Expresso 56’, esquina, até o prédio de M. Martins & Cia, onde havia um bequinho ligando com a Rua do Comércio.” 
“Este beco denominava-se Beco de José Lucas mas o povo dizia-o, com a licença da palavra, Beco do Mijo. Era cimentado e de mau odor insuportável.” 
“Esse trecho da rua, dividindo a atual Tavares de Lira, constava de algumas casas, sendo a maior residência do Padre Constancio, capelão do Exército. Nesta casa funcionou, muitos anos, A República.” “Diante estavam as grandes gameleiras, dando sombra e pouso para conversa. Ficava a primeira gameleira paralela ao Café Abolicionista, depois batizado por Café Socialista, ponto de boêmia, bebidas e saídas de serenatas, com violões e tenores auto-suficientes.” ( CASCUDO, Luís da Câmara. Avenida Tavares de Lira. A República, 12 de dezembro de 1958.).

Foto da Avenida Tavares de Lira (Foto de 1920/1922). Fonte: Pombo (1922, p. 241).
Avenida Tavares de Lira na década de 1920
Av também foi endereço de grandes carnavais.
Na esquina com a rua Frei Miguelinho existiu uma casa que serviu de residência ao padre Constâncio. Posteriormente foi construído no local, o prédio onde funcionaram as oficinas do Jornal ‘’A República”. Em seu lugar, existem atualmente três prédios.
Na outra esquina com a Frei Miguelinho, existia a “Mercearia Paulista”. Fonte: Foto de Manuel Dantas. A foto encontra-se em MIRANDA, João Maurício Fernandes de. 380 anos de História foto-gráfica da cidade de Natal (1599 – 1979). Natal: EDUFRN, 1981. p. 32.
Av. Tavares de Lyra foi grande polo de comércio de Natal. Foto: João Galvão.
João Galvão – Rua Tavares de Lira – Ribeira.
João Galvão – AVENIDA TAVARES DE LIRA (Bairro Ribeira). Cartão Postal da Avenida Tavares de Lyra produzido por João Galvão.
João Galvão – AVENIDA TAVARES DE LIRA (Bairro Ribeira).
João Galvão – AVENIDA TAVARES DE LIRA (Bairro Ribeira).

O crescimento de espaços de sociabilidade da boemia das classes mais abastadas em Natal se concentrava no bairro da Ribeira. Como vimos exemplos têm-se o Café Socialista, o Café  Chile, o Café Cova da Onça, o Bar Antártica, o Bar Delícia e a Rotisserie Natal.

O bairro de Cidade Alta, predominantemente residencial, abrigava alguns bares frequentados pela boemia, a exemplo do Bar do Oco, do Bar Grande Ponto e do Café Magestic, este último, por sua vez, referenciado como um espaço de encontro dos poetas, jornalistas e escritores potiguares, a exemplo de Luís da Câmara Cascudo, Henrique Castriciano, Othoniel Menezes, Jorge Fernandes, Ezequiel Wanderley e Carlos Siqueira (FREITAS, 2013).

FONTES SECUNDÁRIAS:

FREITAS, V.O. Cantos de bar: sociabilidades e boemia na cidade de Natal. 2013. Dissertação. (Mestrado em História e Espaços) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

“Em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal”: a vida intelectual natalense (1889-1930) / Maiara Juliana Gonçalves da Silva. – Natal, RN, 2014.

A construção da natureza saudável em Natal / Enoque Gonçalves Vieira. – Natal, RN, 2008.

Anais do II Encontro Regional de História da ANPUH-RN, Caicó, 6 a 9 de junho de 2006 /Associação Nacional de História. – Caicó, RN : APUH-RN, 2006.

Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na Belle Époque Natalense (1900-1930) / Márcia Maria Fonseca Marinho. – Natal, RN, 2008.

O alvissareiro : a Natal antiga e a nova Natal nas crônicas cascudianas de 1940-1950 /Carlos Magno dos Santos Souto. — Recife: O Autor, 2009.

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