O PODER MUNICIPAL E O ESPAÇO DE NATAL NO BRASIL COLÔNIA E IMPÉRIO
Apesar das várias referências do papel do poder municipal na organização e evolução do espaço urbano das localidades, é importante se deter um pouco mais detalhadamente no assunto. Propõem-se, assim, três itens para a análise da atuação institucional do Senado da Câmara e da Câmara Municipal no que diz respeito à formação e organização do espaço urbano. São eles: 1) a atuação do almotacé e do fiscal; 2) a legislação concebida pelo Senado da Câmara e pela Câmara Municipal sobre a organização do espaço urbano das cidades, vilas e povoações; 3) as consequências estético-formais relativas aos dois primeiros itens nas localidades estudadas.
O almotacé e o fiscal: agentes da intervenção no espaço urbano
Dentre as atribuições do antigo Senado da Câmara, expostas anteriormente, se encontravam aquelas que diziam respeito à organização e controle do espaço urbano. Dos membros do Senado, o almotacé era o responsável direto pela aplicação das Posturas Municipais referentes ao assunto. Por esse motivo, a compreensão do seu papel é importante para uma análise da atuação do Senado da Câmara no que tange às questões urbanas.
As fontes disponíveis sobre a atuação do almotacé no Rio Grande do Norte são escassas, algo que decorre de pelo menos dois fatores. Primeiramente, a ausência de fontes documentais pode ser um reflexo da precariedade das aglomerações urbanas numa sociedade profundamente rural como a da capitania até fins do século XVIII.
O segundo fator que contribui para a impressão de que não existia uma atuação mais contundente do almotacé pode ter a ver com uma simples questão de eventual extravio das fontes documentais a seu respeito. Em outras palavras, não somente ele atuava pouco devido à pequena importância da vida urbana, mas os poucos registros de sua atuação podem ter sido extraviados, algo perfeitamente possível de conjeturar levando-se em conta, principalmente, a dificuldade de arquivamento em condições apropriadas dos antigos manuscritos, uma realidade que é lamentavelmente presente no Rio Grande do Norte.
Um sintoma da pouca participação e controle do poder instituído no que diz respeito às questões urbanas e da organização do espaço das localidades em particular se revela no fato de que os detentores de cargos públicos, notadamente os oficiais do Senado da Câmara, moravam frequentemente fora e longe da aglomeração pelas quais eles eram em princípio responsáveis.
Assim, Antônio Gomes Torres, que tinha servido em vários cargos, como o de juiz ordinário do Senado da Câmara, requereu, em 1688, que não fosse mais solicitado a ocupá-los. Ele alegou estar velho para tal e de viver em suas terras “[…] a 13 léguas da praça”, isto é,
a 68,64 km de distância da cidade do Natal, motivo pelo qual ele estava tendo prejuízos em seus negócios.
Mais significativo ainda é afirmação do capitão-mor José Pereira da Fonseca, num episódio em que ele se defendia das acusações de Bento Ferreira Mouzinho, o secretário da Câmara, concernentes à liberação que ele fizera de alguns prisioneiros. O capitão-mor declara, numa carta datada de 25 de julho de 1725, os motivos pelos quais ele os libertou e acusa o juiz ordinário da Câmara, um parente do secretário, de não ter exercido sua função de juiz neste caso, relacionado a escravos
Império
A Lei Imperial de primeiro de outubro 1828, que regulamentou a atuação da Câmara Municipal, que havia sido criada com a Constituição de 1824 em substituição ao antigo Senado, fixa as atribuições da Câmara e de cada um de seus membros. Definidas no Título II da mesma lei, tais atribuições têm inúmeras implicações para a vida da comunidade. A sua leitura nos faz crer que nada, ou quase nada lhes escapa: do alinhamento das ruas à atividade comercial e à verificação dos pesos e medidas, dos espetáculos públicos à segurança policial, entre muitos outros, as atribuições da Câmara são efetivamente extensas. Tal amplitude é em parte compreensível, tendo em vista que se tratava de uma lei geral, válida para todo o país.
No que se refere às atribuições diretamente relacionadas ao espaço e à forma urbana, elas são essencialmente as seguintes: alinhamento, limpeza, iluminação, desobstrução, manutenção e reparação das ruas, cais, muralhas, fontes, prisões e outras construções, para o benefício dos habitantes, para o decoro e “ornamento” das povoações; regulamentação quanto ao estabelecimento dos cemitérios separados das igrejas e sobre vários outros edifícios com funções precisas (estábulos, matadouros e mercados, casas de caridade, escolas); sobre a agricultura e o criatório, inclusive na área urbana; sobre o direito de impor penas aos que as transgredissem.
O fiscal
Durante o Império, os grandes responsáveis pela imposição das posturas que regulam sobre o espaço urbano são os fiscais, ajudados por auxiliares, de acordo com a lei. O fiscal é, portanto, o substituto do almotacé do Período Colonial.
Ele é responsável essencialmente pela fiscalização e execução das Posturas Municipais, por alertar e multar os que não as respeitam e por apresentar regularmente um relatório de seu trabalho à Câmara. Em caso de negligência, o fiscal é por sua vez passível de uma contravenção penal. As fontes de dados disponíveis levam a crer que o fiscal foi muito ativo no Rio Grande do Norte.
Nas atas das Câmaras Municipais do Rio Grande do Norte, é possível constatar diversas intervenções por parte do fiscal. Os moradores não podiam construir ou interferir no espaço da localidade sem a devida licença da Câmara, outorgada pelo fiscal.
Um exemplo disso se encontra na ata de 23 de março de 1870, da Câmara de Mossoró: “[…] o fiscal botou abaixo a dita cerca, dizendo que o faria por não ter o suplicante tirado a competente licença da Câmara – pelo que vinha o suplicante requerer lhe concedesse licença para afixar seu dito cercado”.
Fonte consultada: O poder municipal e as casas de câmara e cadeia: semelhanças e especificidades do caso
potiguar / Rubenilson Brazão Teixeira. – Natal, RN : EDUFRN , 2012.