Olhos da cidade…

Uma cidade olha para os horizontes livres, para a paisagem bonita ao redor, com os olhos dos miradouros. São lugares abertos, mirantes com pérgolas, com alguns bancos, um recanto oferecido para a visão panorâmica dos arredores citadinos.

Quando uma cidade cresce, subindo e descendo as colinas, cobrindo com o casario as eminências e declives, é natural que o habitante pobre ou rico tenha o direito a uma impressão de beleza, tanto mais rara quanto maior a cidade se torna.

Os moradores ricos escolhem os pontos mais pitorescos e erguem as residências olhando o rio, o mar, a montanha, o infinito. E chamamos a esse elemento A VISTA, isto é, OLHOS. Dizemos:- a casa de fulano tem uma vista lindíssima.

Aqueles que não têm dinheiro ficam obrigados a dispensar a vista sobre os aspectos sugestivos da cidade. Atualmente o direito humano vai alcançando essas prerrogativas que eram privilégios alheios. O morador mais pobre está pedindo também que a Cidade lhe dê uma Vista, um ponto bonito, uma alegria visual, interrompendo a melancolia do labor diário, do trágico-cotidiano, como dizia Maeterlinck.
A valorização dos terrenos ergue a vaidade humana pelas orelhas e a leva até perto das estrelas.

Pelo gosto natural da burguesia não havia jardim público nem parque, nem alameda, nem miradouro. Tudo era terreno-para-construir. Interessa apenas o individual, o dependente da vontade personalíssima. Quem irá lembrar-se do direito de alguém ter diante dos olhos uma paisagem ridente ou um muro banal?

Essa possibilidade está se firmando como um direito natural, uma das prerrogativas de qualquer criatura humana. As cidades começaram a oferecer aos seus moradores as perspectivas indefinidas da paisagem circunjacente. São os Miradouros.

Diga-se que o Miradouro não é um direito oferecido ao turista, ao viajante, ao estrangeiro, mas ao homem da cidade, ao morador, ao habitante, o elemento diário e comum. Possa esse direito afirmar-se ao lado do patrimônio natural da cultura, como um facto visível
e próprio da cidade moderna.


Luís da Câmara Cascudo
Diário de Natal, 5 de janeiro de 1947

Fonte: Anuário Natal 2007 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2008.

Legenda: Câmara Cascudo o maior folclorista do Brasil.

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