Liceu Industrial e Escola Industrial de Natal
Datado do início do século XX, o antigo casarão que abrigou a Escola de Aprendizes Artífices, o Liceu Industrial e a Escola Industrial de Natal foi cedido à instituição de ensino profissional na gestão do governador Alberto Maranhão, em 1913. Em 1914, com a transferência do Batalhão de Segurança para o prédio da Rua Presidente Passo, a escola que funcionava nas antigas instalações do antigo Hospital da Caridade, atual Casa do Estudante de Natal, passou ocupar o prédio de Rua Nova (Av. Rio Branco), 743, Cidade Alta, já com a denominação de Liceu Industrial, oferecendo cursos de desenho, sapataria, marcenaria, funilaria e alfaiataria. O governador do Estado na época era o Desembargador Ferreira Chaves, sucessor de Alberto Maranhão.
Parece-nos oportuno rememorar que, em solenidade realizada na Escola Industrial de Natal (quando de sua transferência para um outro prédio), o Prof. Evaristo Martins de Souza (ex-aluno da primeira turma), a pedido do diretor, proferiu uma palestra intitulada Evocando o Passado de Nossa Escola, em que faz uma incursão na história da instituição, um registro que julgamos ser interessante para este estudo, que também busca reconstruir semelhante percurso:
Naquele tempo, não sendo possível arranjar um prédio condigno para a instalação da Escola de Aprendizes Artífices, e, o governo aproveitando o motivo de ter sido mudado para o Monte hoje Petrópolis, o hospital, lançou mão do prédio em apreço para as referidas instalações. Como estou falando em transferências é-me lícito falar também sobre os motivos da transferência da Escola de Aprendizes Artífices, para o local em que hoje nos encontramos [Av. Rio Branco, nº 743]. Em 1906, o antigo Batalhão de Segurança, hoje Polícia Militar, transportou-se de sua antiga sede da Silva Jardim para o palácio do governo, em virtude de ter a União criado nesta capital os serviços de drenagem da barra que serve de acesso ao porto de Natal, necessitando por isso de um prédio que melhor se adaptasse ao escritório central dos referidos serviços. O que mais se ajustava por ser perto das obras, era aquele em que o batalhão de segurança tinha o seu quartel. Viram-se assim, os natalenses, de um momento para outro, na contingência de não mais ouvirem naquele trecho da antiga Tatajubeira, o toque das cornetas nas alvoradas de seus dias cheios de sol (ESCOLA INDUSTRIAL DE NATAL, 1952).
A escolha da Avenida Rio Branco para sediar a edificação do prédio que iria abrigar a Escola de Aprendizes Artífices reforça a ideia de Modernidade apoiada na crença de que construir prédios (essencialmente os públicos) em área central, de modo a destacá-los na cena urbana, era uma das características do ser moderno. Não foi à toa que os espaços escolares foram sendo organizados buscando contemplar a “racionalidade, eficiência e funcionalidade” (NASCIMENTO, 2004, p.100).
O prédio do Antigo Liceu de Natal, entidade precursora do atual IFRN foi construído provavelmente no início do século atual. O edifício já serviu de quartel e de escola. Trata-se de uma estrutura de expressivo valor arquitetônico, implantado no alinhamento da rua. Construído em forma de U, desenvolve-se em dois pavimentos, possuindo uma fachada sóbria de concepção simétrica. O edifício possui um pórtico de entrada com uma grande porta em arco pleno, superposta por uma sacada e coroada por um frontão. A porta de acesso é acompanhada por 14 janelas ao nível do térreo e de igual número no pavimento superior, sendo todas em vãos de vergas retas. A porta de acesso leva a um hall de entrada, onde se desenrola uma imponente escadaria, a mesma com um belo guarda-corpo de ferro. A construção ainda mantém o antigo assoalho de madeira de lei e mosaicos de bom padrão no piso de alguns de seus anexos. O prédio foi construído com o pé-direito muito alto e ainda preserva algumas de suas portas originais. Estas são de madeira pintada com belas bandeiras trabalhadas com motivos florais.
Tal como indicam as fotos seguintes, os dois pavimentos (superior e térreo) do Liceu Industrial são muito semelhantes, o que proporciona uma distribuição quase que simétrica dos espaços. Aquele destinado ao pavilhão das oficinas, possuía amplas dimensões em atendimento às exigências da legislação em vigor.
A memorialista Leda Marinho Varela (2007, p.92), faz um relato que comprova a importância daquela instituição de ensino na formação dos jovens natalenses:
Ali, em tempos idos, via-se uma intensa movimentação de estudantes, somente do sexo masculino, que desejavam, aprender uma arte, um ofício. A concorrência era grande porque o ensino, além de gratuito, era eficaz. Em regime de semi-internato a escola oferecia quatro oficinas muito bem equipadas para os cursos profissionalizantes de alfaiataria, de carpintaria, de mecânica e de sapataria.
No dia 4 de outubro de 1925 foi instalada, em dependência da Escola de Aprendizes Artífices, uma Escola de Belas Artes (Notícia da solenidade de instalação em A República, 6 de outubro de 1925.) O assunto desapareceu do noticiário dos periódicos, indicando que o empreendimento não obteve êxito. Em uma carta datada de 30 de dezembro de 1925, dirigida ao escritor paulistano Mário de Andrade, Luís da Câmara Cascudo informa que foi convidado para ensinar História da Música (Correspondência entre Cascudo e Mário de Andrade, já referenciada.) Esse fato pode indicar que a Escola de Belas Artes incluía o ensino da música, o que justificaria a a inclusão dessa matéria.
Nesse mesmo ano, em que também ocorreu a mudança na nomenclatura da Escola, que passou a ser denominada de Escola Industrial de Natal, à época sob a direção de Jeremias Pinheiro da Câmara Filho, foram matriculados no curso diurno do Liceu Industrial do Rio Grande do Norte apenas 160 alunos, dois deles ouvintes. Atribuímos a queda no número de matrícula às mudanças operadas na legislação desse nível de ensino. Não só o baixo índice de alunos matriculados nos chamou a atenção nesse ano, mas elevado número de alunos eliminados do Liceu.
Em 12 de julho de 1937, sob a direção de Antonio Carlos Melo Barreto, foram inauguradas as novas instalações da Escola de Aprendizes Artífices, cuja construção havia sido iniciada no ano anterior. À cerimônia de inauguração fizeramse presentes o Governador do Estado, as autoridades federais, estaduais e municipais, bem como a impressa. A presença de autoridades nos principais eventos promovidos pelo Liceu Industrial demonstra a importância estratégica que a instituição tinha no cenário político-econômico do Estado, do qual faziam parte as elites norte-rio-grandenses.
Em 1942, foi promulgada a lei orgânica do ensino industrial e o Liceu passou a ser denominado Escola Industrial de Natal. No ano de 1947, na gestão do professor Jeremias Pinheiro, a União desapropria um terreno de 90 mil m², no então bairro Boa Sorte (Tirol), para construção da nova Escola Industrial de Natal.
Dada a importância que o ensino industrial passou a assumir na formação de mão-de-obra, surge a Lei Orgânica do Ensino Industrial (Decreto nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942), que altera profundamente a organização do ensino profissional do País, inclusive o espírito filosófico de suas diretrizes. O Regulamento dos cursos do ensino industrial foi aprovado pelo Decreto nº 8.673, do dia 3 de fevereiro de 1942 (BRASIL, 2005b).
Em 1959, a escola foi transformada em autarquia e autorizada, através da Lei 3.552/59, a ministrar ensino técnico. No dia 11 de março de 1967, foi inaugurado o novo prédio da Escola Industrial, na Av. Salgado Filho, n° 1.559. Naquele mesmo dia, o antigo prédio da Avenida Rio Branco, o qual abrigou a escola por mais de 50 anos, foi desocupado e, posteriormente, incorporado ao patrimônio da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Com a inauguração das novas instalações da Escola Industrial no bairro de Morro Branco, em 1967, o Ministério da Educação repassou o prédio para o Instituto Nacional do Livro. Posteriormente, sua tutela foi concedida à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que instalou no local, entre outros órgãos, sua Televisão Universitária, ali funcionando de 1976 a 1995. Nesse período, a TVU dividiu o espaço com a Associação dos Funcionários da UFRN (AFURN), a Comperve e o Centro Regional Universitário de Treinamento e Ação (Crutac). O prédio abrigou ainda, entre 1978 e 2008, a Associação dos Veteranos da Força Expedicionária de Natal, a Coopercrutac – cooperativa de artesãos, de 1970 a 2008, e, a partir de 1997, vários grupos artísticos reunidos na Associação República das Artes.
Motivado pela iminência do centenário do então CEFET-RN e pelo estado de abandono em que se encontrava o prédio, a direção geral do Centro Federal de Educação Profissional e Tecnológica, com o apoio da sua comunidade acadêmica e de ex-alunos da antiga Escola Industrial, reivindicou a reintegração de posse do edifício, a qual foi aprovada pelo Conselho Superior da UFRN em novembro de 2007. o ano seguinte, o CEFET-RN inicia sua recuperação, reinaugurando-o em 23 de setembro de 2009 por ocasião das festividades do centenário da instituição, atualmente denominada Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN).
Hoje, a Escola é conhecida por Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), está com a sétima nomenclatura, com uma oferta de cursos bem mais abrangentes, com mais dez unidades no Estado e uma faixa de 11 mil alunos matriculados.
MUDANÇAS
Em 1937, as Escolas de Aprendizes Artífices tornaram-se Liceus Industriais. Neste contexto, no final da década de 1930, o governo brasileiro tinha o interesse em ter profissionais que atendessem ao desenvolvimento industrial que vivia o país.
As leis orgânicas de 1942, promulgadas pelo ministro da Educação Gustavo Capanema, modificaram os currículos, direcionaram ainda mais a educação profissional a uma classe desfavorecida e, por razões econômicas e ideológicas, dividiu o sistema educacional. Nesse mesmo ano, os Liceus Industriais passam a denominar-se Escolas Industriais, ofertando uma educação profissional no ensino médio, envolvendo o 1º e o 2º ciclo. Assim, essas escolas, a partir do Decreto lei nº 4.073/1942, passaram a ofertar uma educação propedêutica, articulada ao ensino industrial.
Em 1959, passaram a serem Escolas Técnicas Federais, adquirindo autonomia e se constituindo em autarquias. É neste contexto que situamos a Escola Industrial de Natal, recorte espacial para este estudo. Ao passar de Liceu Industrial a Escola Industrial de Natal (EIN), em 1942, a nova institucionalidade da instituição coincide com a implantação da Lei Orgânica do Ensino Industrial proposta por Gustavo Capanema, que assegurou a regulamentação do ensino técnico industrial que ate então não eram ofertados por essas instituições e gerou a oferta de cursos a níveis equivalentes ao de primeiro e segundo ciclos que eram ofertados em escolas secundárias propedêuticas.
PRÁTICAS DISCIPLINARES
Junto a essas mudanças, a Escola Industrial implementou “um currículo voltado para a formação de alunos pontuais, assíduos, capazes de cuidar do corpo, respeitosos para com as outras pessoas, cumpridores de seus deveres e aptos a exercer uma atividade profissional” (SILVA, 2012, p. 179).
A presença de uma educação baseada em pilares de formação militar e cívica guiavam as práticas de ensino da Escola Industrial de Natal.
Abaixo observamos um grupo de alunos na abertura de um torneio esportivo e a frente deles a bandeira da escola sendo transportada. Essa atitude tem como objetivo criar um sentimento de respeito à instituição, de orgulho por fazer parte da mesma. Esse desfile era feito antes do inicio do torneio para outras pessoas, que podemos observar junto à parede da escola, incluindo o diretor da escola que na época era Jeremias Pinheiro (marcado com uma seta).
Além desse controle do corpo na atividade de educação física, o controle da mente e do ideário cívico era presente nas práticas da EIN, principalmente em atividades relativas ao ensino de Canto Orfeônico e os desfiles cívicos. Observamos abaixo a professora Lourdes Guilherme em aula de Canto Orfeônico.
Observa-se a professora Lourdes Guilherme em posição mais alta em relação aos alunos e eles em posição ereta, enfileirados, com as mãos para trás e cabeças retas e erguidas, provavelmente, em uma prática de canto do hino nacional, que, para aquela época, era um dos momentos que remetiam ao sentimento patriota dos alunos e se mostrava como um espaço de dominação do corpo.
Outra maneira de disciplinar os alunos na EIN, além do esporte, foi pelas práticas do Corpo de Vigilantes que foi criado pela direção da escola para vigiar e garantir a responsabilidade dos alunos. Ele foi criado na gestão de Jeremias Pinheiro (que foi diretor da escola de 1939, quando ainda era Liceu Industrial, até 1954) e tinha como escolha os alunos de melhor desempenho escolar e das séries mais avançadas.
O Corpo de Vigilantes era composto por nove alunos que revezavam mensalmente a função de chefe e subchefe. O uso do fardamento era alvo de extremo controle e vigilância pelo Corpo de Vigilância, pois representava o símbolo de maior signifcado para a Escola. Os Vigilantes recebiam um distintivo que tinha como símbolo um olho, representando sua função de controle e vigilância, e que era usado sob a farda, preso a manga. Na vidência do cargo, que era de um ano, os alunos do Corpo de Vigilantes eram os primeiros a chegar e os últimos a sair na instituição.
As penalidades de castigo dadas na Escola Industrial de Natal perduraram pelos anos de 1940 e 1950, chegando até a década de 1960, quando da existência da figura do Inspetor de alunos criada para o quadro de funcionário da escola. Desta maneira, as penalidades tinham como objetivo o de reeducar os indivíduos, sendo partes integrantes da disciplina imposta pela escola, que ao fim e a cabo produziam um sujeito dócil e eficiente, domesticado e moralizado.
Como punições para os alunos identificaram a aplicação de multas em situações consideradas leves, a suspensão por um prazo estabelecido e em casos mais graves, até a expulsão com o cancelamento da matrícula do aluno.
No início do ano letivo era apresentada aos alunos, como parte das rotinas escolares diárias, uma agenda de horários das atividades da escola, organizada de forma rígida e controlada.
O respeito e a obediência eram bases da EIN e eles deveriam ser praticados diante o diretor, professores e funcionários da escola. Era prática na EIN que eles deveriam entrar nas oficinas e aulas antes que os professores e mestres e após a chegada deles, deveriam ficar de pé e esperar a indicação para que pudessem sentar.
Outro momento que se destaca na rotina escolar dos alunos da EIN era a Hora Cívica que ocorria todos os sábados pela manhã com as seguintes
atividades: hasteamento da bandeira e canto do hino nacional pelos alunos devidamente posicionados em falas. Ao finalizar essa solenidade, todos
iam para o salão de honra da Escola, que tinha um momento dedicado a apresentação por parte de professores e alunos, antecipadamente elegidos e informados sobre o assunto a ser compartilhado.
A foto acima dá indícios de uma ação vinculada a Hora Cívica. Assim, observamos um comportamento gestual da professora no centro do pátio da EIN, em posição estratégica de superioridade, com os alunos todos enfileirados, com os braços posicionados de acordo ao momento cívico de canto do hino nacional. Ao lado podemos observar alguns alunos num mesmo gesto de segurar as bandeiras. Todos que compunham esse momento deveriam está atendo aos gestos e aparência diante dos outros.
Na figura a seguir, retrata-se o local da seção de trabalhos de madeira, que compreendia as oficinas de carpintaria e marcenaria as quais já estavam inseridas nas novas exigências do último regulamento. O objetivo desse registro fotográfico é mostrar que os espaços destinados às oficinas eram amplos, com iluminação satisfatória e com entradas que permitiam a circulação de ar puro.
Além das exposições anuais, que aconteciam por ocasião do encerramento do ano letivo, a Escola também participava de outros eventos. Assim, sob a direção de Jeremias Pinheiro C. Filho, o Liceu Industrial se fez presente na Exposição Agrícola e Industrial do Rio Grande do Norte, realizada no pavilhão central do edifício, no dia 20 de outubro de 1939. Na oportunidade, puderam ser expostos vários trabalhos dos aprendizes, como noticiou a imprensa: “artefatos de madeira, de mecânica, trabalhos manuais, além de muitos outros produtos confeccionados naquele estabelecimento de ensino profissional […] que muito recomendam a capacidade produtiva de nosso povo” (LICEU INDUSTRIAL DO RIO GRANDE DO NORTE, 1939i, n.2569, p.11).
GALERIA DOS DIRETORES PRESIDENTES
Sua personalidade ativa e determinada, possibilitou-lhe uma atuação exemplar em diversas associações culturais e filantrópicas, em paralelo ao exercídio da profissão de jurista.
O sucessor de Sebastião Fernandes na direção da Escola de Aprendizes Artífices de Natal foi Silvino Bezerra Neto, que assumiu o cargo aos 28 anos e cuja gestão durou de abril de 1915 a março de 1918.
Nascido em Caicó, em 30/04/1887, Silvino formou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife, com apenas 22 anos de idade. Iniciou sua carreira profissional como promotor público e juiz de direito na gestão dos governadores Alberto Maranhão e Joaquim Ferreira Chaves. No governo do seu irmão, José Augusto Bezerra de Medeiros, assumiu as funções de chefe de polícia, procurador geral do Estado, presidente da Seção Regional da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/RN, desembargador do Supremo Tribunal de Justiça e membro do Tribunal Regional de Justiça Eleitoral, órgão no qual se aposentou em 1937.
Faleceu em 1969, aos 81 anos, depois de ocupar importantes cargos públicos e atuar em diversas associações de caráter cultural e filantrópica. Silvino Bezerra foi fundador e primeiro presidente da Associação de Assistência a Psicopatas, entidade que criou o Hospital Colônia, membro da Liga de Ensino do RN, mantenedora da Escola Doméstica de Natal, membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN e sócio fundador do Clube dos Trovadores Potiguares.
Antes de toda a sua trajetória profissional, mais especificamente entre seus 13 aos 16 anos, Silvino Bezerra Neto foi convidado a desempenhar o cargo de auxiliar de redator no escritório do jornal A Republica. Nas palavras do poeta, ele e outro indivíduo – que era conhecido pelo apelido de “Montano”505 – foram convidados a incorporar a redação do A Republica. Em seus escritos, Silvino Bezerra localiza um ponto de encontro dos redatores do periódico na topografia da cidade: a venda de Joaquim Henrique Moura. Em versos, Silvino Bezerra narrava a condição dos auxiliares da redação do periódico oficial:
É uma lembrança grata
Sob árvore secular,
Vários iam se assentar,
Sem palitó, de gravata,
Na rua Doutor Barata,
Frente ao Armazém Potiguar.
Vendia Moura, num bar,
Café, coalhada e nata
Redatores e gerente –
Manuel Dantas, Zé Pinto,
Eu e Montano na frente
Félix, Viveiros, mais gente…
Isto lembrando, não minto,
A gente saudades sente (…)
Os sinais me ensinou
Da revisão doutor Dantas
E nela me colocou.
(Como esquecer tantas?!)
E no jornal me enfronhou.
Ao convite nos fazer,
Para a fôlha oficial,
Disse o fim principal
Na imprensa algo aprender.
Tamos dois receber,
Um vencimento mensal,
Que ao café do jornal
mal dava para moer.
Dezesseis mil réis ganhava,
E no cafá, de coalhada,
quase doze eu gastava.
Quantos, porém, não lucrava?
A boa imprensa trenada
nais do que dinheiro nos dava
BEZERRA, Desembargados Silvino. Nosso ingresso na revisão (1900 a 1903). In: _. Reminiscência de Natal de Outrora. Natal: Tipografia Santa Teresinha, 1963. p. 63-65.
Os versos acima foram escritos por Silvino Bezerra Neto (1887 -1969), indivíduo que atuou no estado como magistrado, ocupando notáveis cargos, como: tesoureiro da Delegacia Fiscal do Tesouro Federal, promotor público, procurador fiscal do Tesouro do Estado, juiz de Direito nas comarcas de Mossoró, Nova Cruz, Acari, Caicó, chefe de polícia e, finalmente, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (CARDOSO, Rejane (Org.). 400 nomes de Natal. Op. Cit. p. 711). Silvino Bezerra ainda atuou como professor e diretor da Escola de Aprendizes Artífices do Rio Grande do Norte e lecionou a disciplina de Geografia no Colégio Diocesano Santo Antônio na cidade do Natal. Nas horas vagas, segundo Câmara Cascudo, o bacharel em Direito era “poeta pela captação incessante dos motivos líricos que têm iluminado sua linda existência moral” (CÂMARA CASCUDO apud CARDOSO, Rejane. Op. Cit. p. 712.).
A introdução de Silvino Bezerra, ainda muito jovem, no corpo redacional do jornal foi realizada por Manuel Dantas, que naquela época era redator do A Republica. O convite demonstra que os redatores também poderiam contratar os auxiliares da redação, apesar do Decreto número 379 indicar que estes últimos eram escolhidos pelo diretor do periódico. O poema dá margens para se refletir acerca das contratações realizadas para a redação do jornal do grupo político situacionista. As palavras de Silvino Bezerra podem indicar que as relações sociais interferiam nos contratos de pessoas para compor a redação do periódico de Pedro Velho, uma vez que os auxiliares de redação em 1900 foram retirados de uma roda de amigos frequentada por Manuel Dantas e pelo gerente do A Republica, José Pinto.
Nos escritos deixados pelo aprendiz de auxiliar de redator, identificamos o valor do salário ofertado aos cargos de auxiliar como equivalente a dezesseis mil réis. Infelizmente, desconhecemos tanto o valor da gratificação dada aos redatores do A Republica no ano de 1900, como ao que esse valor equivalia na época. Logo, não podemos afirmar se o vencimento mensal obtido pelos redatores e auxiliares de redatores correspondiam a salários baixos ou altos. Em contrapartida, por meio dos versos escritos por Silvino Bezerra, suspeitamos que o vencimento mensal do auxiliar de redator correspondia a um pequeno valor, já que o escritor afirma que o pagamento mal dava para pagar as suas despesas, com comidas, obtidas na venda de Joaquim Henrique de Moura.
Alcides Feijó Raupp foi um dos diretores enviados por meio do Serviço de Remodelação do Ensino Profissional Técnico.
Nascido em São Leopoldo/RS, em 8 de março de 1901, filho de Antonio Raupp e Amélia Feijó, Alcides Raupp assumiu a direção da Escola de Aprendizes Artífices de Natal aos 27 anos, tendo sido contratado pelo Serviço de Remodelação do Ensino Profissional Técnico.
Alcides Raupp era contra-mestre de trabalhos em metal, ex-encarregado da seção de forja e serralharia, latoaria e instalações domiciliárias do Instituto Parobê, pertencente à Escola de Engenharia de Porto Alegre, onde se diplomou.
A convite do governador do Estado de Sergipe, Graccho Cardoso (1922-1926), Alcides Raupp instalou e dirigiu, em Aracaju, o Instituto Profissional Coelho e Campos, atual Centro de Tecnologia Coelho e Campos, vinculado ao SENAI/SE.
Com o fim do Governo Graccho Cardoso, em outubro de 1926, Alcides Raupp mudou-se, com a família, para Natal, onde assumiu, em 08 de fevereiro de 1927, a direção da Escola de Aprendizes Artífices de Natal, permanecendo no cargo até 14 de outubro de 1930. Faleceu em São Paulo, em 27 de maio de 1957.
Natural de Belém/PA, nascido a 10/12/1895, o desembargador Floriano Cavalcanti de Albuquerque teve uma das mais breves gestões à frente da Escola de Aprendizes Artífices, menos de um mês. Floriano formou-se bacharel em Direito, pelo Recife, em 1918, além de ter ocupado o posto de juiz de Direito das Comarcas de Pau dos Ferros, Canguaretama e Natal.
Era membro efetivo do Tribunal Eleitoral, corregedor da Justiça Eleitoral, diretor da “Revista do Tribunal de Justiça”, presidente da Associação dos Magistrados do Rio Grande do Norte. Como Deputado Estadual e Deputado à Assembléia Constituinte, elaborou a Carta Política de 1926.
Foi professor do Atheneu Norte-rio-grandense e da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Integrou as Academias Norte-rio-grandense de Letras e de Imprensa e o Instituto Histórico e Geográfico.
Faleceu em Natal a 07 de outubro de 1973.
O engenheiro Antonio Carlos de Mello Barreto foi Diretor da Escola de Aprendizes Artífices do Amazonas entre 1932 e 1935. Logo depois, em 1935, tornou-se Diretor da Escola de Aprendizes Artífices do RN. Em 1937 houve a transformação da escola em Liceu Industrial. Permaneceu no cargo de 16/09/1935 a 16/03/1939.
Formou-se Engenheiro Agrícola pela Escola Agrícola de Lavras. Foi dirigente e atleta do América Futebol e do Paisandu Esporte Clube. Dirigiu ainda o Centro Náutico Potengi e presidiu a Federação Norte-Rio-Grandense de Basquetebol.
Foi durante a sua gestão que a Escola Industrial de Natal adquiriu o terreno de 90 mil m² situado à Avenida Senador Salgado Filho, pelo valor de 810 mil cruzeiros.
Ao término da sua gestão, partiu rumo ao Rio de Janeiro para exercer o cargo de Diretor Assistente da Escola Técnica Nacional.
Fonte: Sr. Luiz Gonzaga Meira Bezerra em entrevista concedida a Ana Larissa Cardoso, em outubro de 2008.
Nasceu no dia 05/11/1894 na cidade de Viana, Maranhão. Ingressou desde a juventude no quadro de funcionários da Empresa de Correios e Telégrafos, tendo trabalhado em São Luís/MA, Fortaleza/CE, Rio de Janeiro – capital federal à época, e Juiz de Fora/MG, cidade na qual se graduou no curso de Farmácia em 10/12/1921.
Nessa empresa, Clodoaldo ocupou as funções de telegrafista, agente postal telegráfico e inspetor, assumindo, em 26/09/1950, a Diretoria Regional dos Correios e Telégrafos do Rio Grande do Norte, cargo que exerceu até 1955.
Clodoaldo de Carvalho também foi prefeito da cidade de Entre-Rios/RJ, atual Três Rios, e professor de História e Geografia. Faleceu no dia 21/04/1981 em Niterói/RJ.
Natural de Caruaru-PE, nasceu em 12/01/1906. Era professor das cadeiras de Cultura Técnica e Desenho Ornamental.
Exerceu, no período de 17/02/1956 a 11/04/1962, o cargo de Diretor da então EIN e, durante longos períodos, o de substituto eventual do Diretor e Diretor Substituto.
Durante sua gestão foi sancionada a Lei n.º 3.352/59 criando a figura do Conselho de Representantes nas Escolas Industriais, que funcionou, na Escola de Natal de 15/02/1961 a 1974. Nessa organização administrativa, o presidente do Conselho de Representantes era o representante legal da instituição, enquanto o diretor cumpria função executiva.
Nessa época, foram implantados os primeiros cursos técnicos da instituição, em 1963, nas áreas de Estradas e Mineração. Foi também Orientador Educacional da EIN em 18/06/1955, enquanto Clodoaldo era Diretor.
Sucessor do irmão Irineu Martins de Lima, quando de sua transferência para a Escola Industrial da Bahia, o professor Pedro Martins de Lima dirigiu a instituição de 1964 a 1968.
Formou-se em mestre de artífices pela Escola Industrial de Natal e participou, em Curitiba, do Curso de Formação de Professores do Ensino Técnico, promovido pela Comissão Brasileiro-Americana de Educação Técnico-Industrial (CBAI). Capacitou-se, no Estado de Nova Orleans (EUA), no curso Intensivo para Formação de Lideranças em países da América Latina, patrocinado pela Organização das Nações Unidas.
Foi admitido como funcionário em 1944, ocupando as funções de artífice diarista e professor chefe do Curso de Forja e Serralheria.
Mais tarde, integrou a Comissão Interventora na Escola Técnica Federal da Bahia, permanecendo por mais de duas décadas à frente da sua Diretoria Didático-pedagógica. Como desportista, chefiou delegações e exerceu a direção de basquete do América Futebol Clube, de cuja modalidade esportiva foi jogador, técnico e juiz.
Faleceu em Aracaju/SE, no dia 18 de agosto de 2007.
FONTES:
CARDOSO, Vicente Licínio (Org.). À margem da História da República. Brasília: editora da Universidade de Brasília, 1981. v.1.
LICEU INDUSTRIAL DO RIO GRANDE DO NORTE. Livro de matrícula do curso diurno do ano de 1941. Natal, 1941b.
NA ESCOLA Industrial de Natal iniciou sua temporada esportiva. A República, Natal, ano LIII, n.3400, 14 maio 1942.
NASCIMENTO, Jorge Carvalho. Práticas escolares e aspectos cotidianos. In: __. Memórias do aprendizado: 80 anos de ensino agrícola em Sergipe. Maceió; Edições Catavento, 2004. p.191-248.
Portal da Memória IFRN – Cronologia – https://centenario.ifrn.edu.br/cronologia – Em 09/05/2022.
SILVA, Maria da Guia de Sousa. Escola para os flhos dos outros: trajetória histórica da Escola Industrial de Natal (1942-1968). 2012. 225f. Tese (Doutorado em Educação) – Centro de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012. Disponível em:. Acesso em: 02 out. 2018.
BIBLIOGRAFIA:
Anuário Natal 2007 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2008.
Anuário Natal 2009 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009.
A trajetória da Escola de Aprendizes Artífices de Natal: República, Trabalho e Educação (1909–1942) / Rita Diana de Freitas Gurgel. – Natal, 2007.
Corpo, disciplina e poder na Escola Industrial de Natal (1942-1968). Wigna Eriony Aparecida de Morais Lustosa. Nina Maria da Guia de Sousa Silva. Olivia Morais de Medeiros Neta.
“Em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal”: a vida intelectual natalense (1889-1930) / Maiara Juliana Gonçalves da Silva. – Natal, RN, 2014.
Natal ontem e hoje / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. – Natal (RN): Departamento de Informação Pesquisa e Estatística, 2006.
O nosso maestro: biografia de Waldemar de Almeida / Claudio Galvão. – Natal: EDUERN, 2019.
Quero parabenizar e agradecer pelo conteúdo desta página. Muito me ajudou, em trabalhos de Pós graduação em Docência na Educação Profissional e Tecnológica. Ao mesmo tempo, me deu a oportunidade de conhecer melhor minha história, enquanto potiguar e ex-aluna da Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte – ETFRN. Esta página aqueça o coração em saber que alguém em algum lugar está preservando a memória de Natal e do RN. Muito obrigada!