Escola de Aprendizes Artífices do Rio Grande do Norte

Em 23 de setembro do ano de 1909, o Presidente da República, Nilo Peçanha, criou as Escolas de Aprendizes Artífices em todo o território nacional através do decreto n° 7.566. Tinham por finalidade admitir alunos, de preferência “desfavorecidos de fortuna”, expressão vigente na época para denominar os miseráveis.

O então presidente Nilo Peçanha cria em 1909, através do Decreto n.º 7.566, 19 Escolas de Aprendizes Artífices no país. A fundação dessas Escolas marca a implantação do ensino profissional federal no Brasil. As 19 Escolas criadas com o objetivo de fornecer “instrução primária e profissionalizante à criança desvalida”, passaram por diversas mudanças tanto de cunho administrativo como pedagógico no decorrer da sua história.

No dia 4 de dezembro do mesmo ano, foi nomeado por decreto do Governo Federal, o Dr. Sebastião Fernandes de Oliveira para diretor da Escola de Aprendizes Artífices do Estado do Rio Grande do Norte. O desembargador Sebastião Fernandes, jurista, humanista e poeta, nasceu em Natal a 11 de março de 1880. Recebeu o grau de bacharel pela Faculdade de Direito do Recife, em 17 de março de 1902. Exerceu o cargo de promotor em duas comarcas do Rio Grande do Norte, além de assumir interinamente a Função de Procurador Geral do Estado, em 1907. Em seguida, assumiu legalmente o cargo de diretor da Escola de Aprendizes e Artífices no nosso Estado, em 30 de dezembro de 1909.

Os Institutos Federais que conhecemos hoje tiveram, em outras épocas, diversas denominações. Sua origem, em 1909, deu-se com a criação das Escolas de Aprendizes Artífices, sendo considerado o acontecimento mais marcante do ensino profissional da Primeira República (CUNHA, 2005, p. 63). Uma das funções dessas escolas era formar operários e contramestres que atendiam às exigências do capital naquele período, atendendo aos interesses da classe dominante.

Essas escolas passaram por diversas modificações até chegarem aos atuais Institutos Federais. Pois, os modelos de escolas acompanham os projetos em disputa vivenciados pela sociedade e atendem ao desenvolvimento produtivo do país.

HOSPITAL DA CARIDADE

O prédio que abrigou foi originalmente construído para sediar o Hospital de Caridade, cuja construção foi concluída em abril de 1856. Depois de ser extinto em 1906, e recriado em 1909, o hospital foi transferido para outro local. Tal fato possibilitou que a partir de 1º de janeiro de 1910 passasse a funcionar neste prédio, situado na Rua Presidente Passos, com as devidas adaptações, a Escola de Aprendizes Artífices (NESI, 1994).

A assistência médico-hospitalar na capital do Rio Grande do Norte, no principio do século passado era prestada unicamente no Hospital de Caridade, chamado de Salgadeira, no lugar onde hoje funciona a Casa do Estudante. Fora criado pelo presidente Passos, por volta de 1856 para enfrentar uma epidemia de peste que assolou a capitania. No pacote foi construído o cemitério do Alecrim com a proibição do enterro de pessoas no chão das capelas e igrejas.

O hospital recebera o nome de Salgadeira por haver sido construído no lugar de uma antiga feira de carnes salgadas, um arremedo de arquitetura de um hospital. – Não era um estabelecimento modelar, mas um depósito de doentes desenganados, moribundos e pestilentos que as famílias abandonavam à própria sorte. Um prático de enfermagem funcionava como anjo da guarda, muito mais ajudando a morrer do que a curar. – (ARAUJO, iaperi. História da Faculdade de Medicina). Era dirigido pelo médico Pedro Soares com o auxilio dos doutores Afonso Barata e Segundo Wanderley.

A situação do hospital era tão critica, que os próprios médicos do corpo clínico, no final de 1905 pediram ao governador Alberto Maranhão a sua desativação, o que foi feito em beneficio dos próprios doentes. Em 1910 foi instalado a Escola de Aprendizes Artífices de Natal no dia 1º de janeiro de 1910 no prédio do antigo Hospital da Caridade, na Cidade Alta, atual Casa do Estudante.

O antigo prédio do Hospital de Caridade foi cedido para a instalação da Escola de Aprendizes Artífices. Todo o material remanescente do hospital foi levado para o Hospital de Caridade Juvino Barreto, sob os cuidados do médico Januário Cicco, médico-cirurgião, e os antigos funcionários tiveram destino diverso: uns foram reaproveitados no novo hospital; outros em repartições; e o restante esteve à disposição do Estado para realocamento funcional. (MEDEIROS, T. de. Op cit., p.39).

Em 1868 era publicado o ATLAS DO IMPÉRIO DO BRASIL, de autoria de Cândido Mendes de Almeida, no qual consta um mapa relativo à então província do Rio Grande do Norte. Encartadas no mesmo mapa, figuram uma planta de Natal e uma topografia do porto (MENDES DE ALMEIDA, Cândido. Atlas do Império do Brasil, mapa VIII). O mapa de 1864 também focaliza os prédios públicos, em número de onze: o Palácio do Governo, na Rua da Conceição, demolido em 1914 para ceder espaço à atual Praça Sete de Setembro; 2 – a Assembleia Provincial, que ocupava o 1º andar de um edifício (demolido em 1865), também na Rua da Conceição, no ponto hoje ocupado pelo Palácio Potengi; 3 – a Câmara Municipal, cujo prédio foi derrubado em 1911, localizada no terreno hoje correspondente à casa nº 604 da Praça André de Albuquerque; 4 – a Tesouraria da Fazenda, cujo edifício foi demolido em 1875. Ficava no local onde hoje existe o Memorial Câmara Cascudo; 5 – a Tesouraria Provincial, ocupando o andar térreo do edifício da então Assembléia Legislativa; 6 – a Alfândega, na atual Rua Chile, no local onde se encontra a Capitania dos Portos; 7 – o Atheneu, no mesmo ponto onde hoje existe a Secretaria Municipal de Finanças, na Avenida Junqueira Aires; 8 – o Quartel de Linha, demolido para construção do Colégio Winston Churchill, na atual Avenida Rio Branco; 9 – o Quartel do Corpo Policial, no mesmo terreno onde funcionou o Banco Nacional, na esquina da Rio Branco com a Rua João Pessoa; 10 – o Hospital Militar, onde hoje fica a Casa do Estudante, na antiga Rua Presidente Passos, atualmente Praça Cel. Lins Caldas; 11 – a Cadeia, que ocupava o andar térreo da então Câmara Municipal.

ANTIGA INTEGRAÇÃO DA CIDADE COM O RIO POTENGI

Em 1866, o Presidente da Província José Meira resolve calçar o Caminho Novo do Dr. Sarmento, antiga Ladeira da Cadeia, visto a extrema importância desta para a integração da cidade com o rio. Só que decide investir em outra ladeira, que passava ao lado do Hospital de Caridade (Atual Casa do Estudante. A rua mantém o mesmo nome: “Passo da Pátria”), segundo o presidente um local mais próximo e com maiores vantagens.

O local foi rebatizado como Passo da Pátria, destinando-se 3:399$000 para o melhoramento da ladeira. O contratado, Roberto Francisco da Silva Barros devia encarregar-se de calçar a ladeira para que melhorasse o trânsito da cidade alta para o rio. Segundo o presidente, essa obra não era apenas um simples embelezamento, era uma importante obra de integração da cidade com o rio:

A necessidade de calçar a ladeira da cadeia, por onde subião as pessôas e se fazia o transporte dos generos, que pelo rio chegavão de differentes
partes á esta Capital, era tão saliente, que bastava examinal-a e ter o mal ligeiro conhecimento das cousas do lugar para comprehendel-a. (Exposição do Presidente José Meira de 01 de outubro de 1866. p. 14-15.)

Croqui feito a partir do plano TopoHidrográfico de 1847. Demarcação em vermelho: Aterro do Salgado e Ladeira da Cadeia. As mercadorias desciam pelo rio Jundiaí e paravam no porto do Passo da Pátria, tradicionalmente utilizado para o abastecimento interno da capital, via Cidade Alta. Fonte: Produção do autor a partir do Plano hydrotopográfico do Rio Grande.

Com o passar do tempo, por um lado, seriam estimulados estudos climáticos e geológicos para prover a população de água durante os períodos de estiagem. Por outro as estradas de ferro receberiam especial atenção como geradoras de renda, através do emprego direto de retirantes nos trabalhos de construção, para levar auxilio às áreas atingidas pelo mal e escoar a produção da região sertaneja, agora importante geradora de renda para os cofres do governo com a ascensão do algodão.

A princípio, os retirantes eram empregados em trabalhos não-especializados, como limpeza de terrenos e transporte de material, a mão-de-obra especializada vinha de fora. Os conhecimentos técnicos gradativamente começam a ser absorvidos pela mão-de-obra local, posteriormente serão repassados dentro do núcleo familiar. Depois apareceriam escolas especializadas para formar mão de obra ferroviária. Entre as primeiras instituições locais que promoviam tais cursos, temos a Escola de Aprendizes Artifices e a Liga Artística Operária de Natal. Aí encontraremos o embrião do proletariado urbano de Natal.

AS CASAS DE EDUCANDOS ARTÍFICES (SÉCULO XIX)

Em todo o país, entre 1840 e 1865, foram criadas 10 Casas de Educandos Artífices (ou Colégios de Educandos Artífices) espalhadas pelas capitais das Províncias, que eram mantidas pelo poder público e adotavam o modelo de aprendizagem de ofícios vigentes no meio militar, inclusive os padrões de hierarquia e disciplina. No ano de 1840, foi criada a Casa de Educandos Artífices do Pará; em 1842, a do Maranhão; em 1844, a de São Paulo; em 1849, a de Piauí; em 1854, a de Alagoas; em 1856, a do Ceará e de Sergipe; em 1858, a do Amazonas e do Rio Grande do Norte e em 1865, a Casa de Educandos da Província da Paraíba (CUNHA, 1979, p. 7-8).

É importante ressalvar que existiram no Brasil Império, a partir da segunda metade do século XIX, outras instituições, os Liceus de Artes e Ofícios, criados com o objetivo de amparar órfãos. O diferencial entre essas instituições e as Casas de Educandos reside no fato de que os Liceus de Artes e Ofícios foram criados pela sociedade civil e sua manutenção era proveniente, primeiramente, das quotas pagas por seus sócios e das doações recebidas. Já as Casas de Educandos, em sua essência, foram criadas (e eram mantidas) pelo Estado. Vale assinalar o fato de que, assim como as escolas primárias, as Casas de Educandos e os Liceus também eram fechados para o ingresso de escravos.

Durante todo o século XIX, o analfabetismo era um tema recorrente nos relatórios presidenciais, tendo em vista que a maior parte da população engrossava as fileiras pela falta de escolas. Em relação ao Rio Grande do Norte, os relatórios da instrução pública apontavam a educação como única saída para resolver o problema do atraso cultural da Província. A instrução seria, por excelência, o único meio que a levaria ao progresso das demais Províncias ditas desenvolvidas.

No intuito de amenizar a situação de mendicância em que se encontravam muitas crianças da Província, a Lei n° 376, de 9 de agosto de 1858, autorizou a criação, em Natal, de uma casa de educação de artífices (RIO GRANDE DO NORTE, Mensagem dirigida à Assembleia Legislativa pelo
presidente da província Benevuto Augusto de Magalhães Taques. Natal, 3 maio, 1859a, p. 113-117). De acordo com essa Lei, o curso no estabelecimento seria composto por uma parte teórica, compreendida pelo ensino de primeiras letras e princípios de Religião Católica Apostólica Romana; Geometria, Mecânica aplicada às artes, Desenho de figura e de escultura; Desenho linear e topografia; Música e instrumentos bélicos e de cordas, além da parte prática dada nas oficinas.

As instituições de ensino destinadas às crianças pobres surgiram no século XIX com o objetivo de prepará-las para desempenhar uma função no mercado de trabalho. Na realidade, foi a forma que o Estado encontrou para remediar a pobreza nas capitais das Províncias, evidenciando seu caráter paliativo na resolução dos problemas sociais. Embora sua natureza fosse pública, o Governo não assumia totalmente as responsabilidades financeiras necessárias, uma vez que se apoiava na arrecadação das vendas dos produtos fabricados nas oficinas pelos educandos.

O Colégio de Educandos da Província do Rio Grande do Norte foi inaugurado no dia 2 de dezembro de 1858, com o número fixo de 20 vagas, decerto insuficiente para a demanda, como provou o seu imediato preenchimento. Inicialmente, o prédio, que abrigou os educandos, não pertencia à instituição, o que levou o poder público a alugar um estabelecimento de propriedade do Sr. José Quintiliano da Silva, situado na Rua Nova (atualmente Av. Rio Branco), por uma quantia que, em pouco tempo, já tinha aumentado de preço. Naquela época, era comum as instituições públicas funcionarem em prédios alugados, visto que o poder público não dispunha de prédios próprios (GURGEL, 2002).

O propósito do Colégio de Educandos era atender os meninos que tivessem idade entre 10 e 15 anos (no máximo), que fossem pobres, desvalidos (o que deveria ser confirmado por atestado fornecido pelo pároco), mas que se encontrassem em condições sanitárias satisfatórias, determinadas a partir do exame de saúde que deveria ser realizado por médico do partido público (RIO GRANDE DO NORTE. Coleção dos Regulamentos expedidos pelo Presidente da Província do Rio Grande do Norte: ano de 1858. Natal: Typ da Temperança no Maranhão, 1859b.). Observamos que os requisitos para a admissão atendiam exatamente ao caráter caritativo de que se revestia o tratamento que era dispensado aos pobres pela instituição.

A administração do Colégio era exercida pelo diretor, que também era o tesoureiro, chefe da escrituração, fiscalização e contabilidade, subordinado ao diretor geral da Instrução Pública. Ele (o diretor) era o único responsável pela guarda, arrecadação e distribuição do dinheiro pertencente ao estabelecimento ou advindo dos rendimentos ou das consignações mensais concedidas pela Assembléia Legislativa, ficando sujeito à prestação e ao ajustamento de contas, na primeira quinzena dos meses de janeiro e julho de cada ano, perante a tesouraria provincial.

Os professores do Colégio de Educandos eram nomeados pelo Presidente da Província. A estes cabia o cumprimento do regulamento da casa em geral. Os vencimentos que recebiam totalizavam a quantia de 600$000 (seiscentos mil réis) para ensinarem no estabelecimento. Eram integrantes da rede pública de ensino; por isso pecavam pela formação que tinham. Mas também não podemos negar que existiram aqueles com bom nível. Mesmo assim, sua formação não correspondia àquela desejada por uma escola que tinha por finalidade formar trabalhadores.

A trajetória do Colégio de Educandos Artífices foi curta, pois seu funcionamento foi encerrado após quatro anos de sua criação, sob a alegação (por
parte do Presidente Pedro Leão Veloso) de que se tornara impossível sua manutenção e de que o estabelecimento “tinha se tornado um foco de imoralidade em vez de uma casa de educação”. Cascudo (1999) revela que conheceu um dos ex-alunos, o professor Joaquim Lourival Soares da Câmara, que contestava as alegações para o encerramento das atividades do Colégio, explicando que as motivações do Presidente foram de cunho econômico, de um lado, e político, do outro.

Não obstante, pouco sabemos sobre as razões que levaram o Presidente Leão Veloso a extinguir o Colégio no ano de 1862, tendo em vista não termos localizado o relatório que menciona os motivos do fechamento da instituição. Apesar disso, ainda foi possível constatarmos, nos relatórios anteriores, que, no item receita e despesas do estabelecimento, existia uma quantia expressiva de saldo em dinheiro proveniente da venda da produção. A partir dessa constatação, ousamos deduzir que não se poderia alegar como motivo para o encerramento das atividades, no interior do Colégio, a questão financeira, vez que a instituição, até a apresentação do balanço de 5 de maio a 30 de junho de 1859, não contabilizava nenhum prejuízo aos cofres provinciais, o que nos leva a acreditar que a interrupção de seu funcionamento deva-se a problemas de natureza política.

A criação dos Liceus de Artes e Ofícios representou uma nova era para o ensino de ofícios no País, objetivando alterar a antiga concepção de se pensar esse nível de ensino.

O ENSINO (1909 – 1942)

A partir da implantação do novo regime político em 1889, houve a necessidade de justificação racional do poder, de sua legitimação e da construção
de valores que demonstrassem sintonia com o processo modernizador. O discurso daqueles que implantaram a República foi fortemente influenciado pelas experiências civilizatórias de países da Europa e pelo modelo americano.

As primeiras experiências de ensino profissional, anteriores a 1909, foram as quatro escolas fundadas nas cidades de Campos, Petrópolis, Niterói e Paraíba do Sul no Rio de Janeiro (via Decreto nº 1.004, de 11 de dezembro de 1906), pelo então Presidente do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha.

Aproximadamente três anos depois das primeiras instituições fundadas no Rio de Janeiro, pelo Decreto n° 7.566, de 23 de setembro de 1909, o então presidente da República Nilo Peçanha criou as 19 Escolas de Aprendizes Artífices, inauguradas no ano de 1910 nas seguintes unidades federativas: Rio Grande do Norte, em 03 de janeiro

Em 10 de janeiro de 1910, instalou-se oficialmente no Estado o novo estabelecimento de ensino que tinha por objetivo ministrar aulas de instrução primária e profissional à infância desvalida. A Escola funcionava em regime de semi-internato, funcionando das 10 horas da manhã às 04 horas da tarde através de oficinas de marcenaria, sapataria, alfaiataria, serralharia e funilaria. Com menos de 90 alunos, a escola oferecia curso primário, de desenho e oficinas de trabalhos manuais (Relatório do Presidente da Província do RN, 1910). Foram colocadas em atividade, inicialmente, cinco oficinas: marcenaria, sapataria, alfaiataria, serralharia e funilaria, em regime de semi-internato.

O desafio era enorme. Para se ter uma ideia do quadro da educação em época posteriores, em 1920, o censo escolar havia revelado que 81% dos 547.000 habitantes do estado eram analfabetos. Na década de 1930, o índice continua praticamente inalterado. Em 1933, por exemplo, por ocasião da Assembleia Constituinte, a população do estado era de 764.571 habitantes, sendo que apenas 18.959 puderam se inscrever para votar. Em 1934, menos de 2% dos 22.000 jovens em idade escolar tinha acesso à escola. No censo de 1940, o índice de analfabetismo continua praticamente o mesmo (80% da população), e algo em torno de 90% das crianças em idade escolar continuavam não tendo acesso à escola […]. (COSTA, 2015, p. 87).

Durante nossa pesquisa no Instituto Histórico e Geográfico, localizamos vários exemplares do jornal A República, que publicavam, no início de cada
semestre letivo, informações sobre os requisitos necessários à matrícula dos meninos. O edital, que circulava em mais de uma edição, informava à população sobre a abertura das matrículas e as exigências aos interessados em ingressar na Escola.

Constatamos, na documentação localizada no CEFET–RN, que a clientela da Escola era, notadamente, constituída de meninos residentes em Natal, o que também já era resultado da migração proporcionada pelas constantes secas que assolaram o Estado. Mas havia ainda aqueles meninos que, tendo moradia fixa no interior do Estado, vinham morar na casa de familiares para estudar na Escola, sempre com a ideia de que, adquirido o ofício, seria mais fácil sua inserção no mercado de trabalho, podendo, dessa forma, melhorar suas condições de vida.

Em 1910, via mensagem apresentada aos deputados, o Governador do Estado do Rio Grande do Norte, Alberto Maranhão, informou que a Escola de Aprendizes Artífices de Natal encontrava-se em funcionamento, com a matrícula de 100 alunos, que recebem o ensino profissional em oficinas, a saber: sapataria, com 12 alunos; marcenaria, com 32 alunos, alfaiataria, com 33 alunos e serralheira com 23 alunos. A 1° de abril foi instalada a 5ª oficina, na seção de funilaria, com 7 alunos, tirados espontaneamente da matrícula geral (RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p. 6-9).

No ano de 1911, a instituição apresentava-se funcionando normalmente com as oficinas de serralheiro, sapateiro, funileiro, marceneiro e alfaiate, com a matrícula total de 86 alunos e freqüência média de 58. Dispõe de aulas de primeiras letras, desenho e música. A escola tem despachado várias encomendas de artefatos para repartições públicas e particulares, no valor de 1:989$000, tendo recolhido no primeiro semestre um saldo de 341$495 (RIO GRANDE DO NORTE, 1911, p. 10).

Boa parte dos artefatos produzidos na instituição destinavam-se tanto a seu usufruto, como também para consumo de terceiros, já que a Escola aceitava encomendas da população. Dentre os artefatos produzidos pelos alunos nas oficinas, em 1911, contabilizavam-se os seguintes objetos: sapatos, botinas, borzeguins (botina cujo cano é fechado com cordões), botas, arreios, bancos para jardim, mesinhas, estantes, aparador e armário, lavatórios, pés para bancos, portões de ferro, grades, cantoneiras, ternos de roupa de brim e de casimira, máquinas para gás acetileno, regadores, formas para doce, banheiras etc. (BRASIL, 2007a). Essa produção era resultado do programa das oficinas de sapataria, marcenaria, funilaria, alfaiataria e serralheria da Escola de Aprendizes Artífices de Natal.

O Decreto de criação das Escolas, em seu artigo 2º, determinava que essas instituições seriam custeadas pela União, entretanto o artigo 10º, do Decreto nº 9.070, de 1911, fez nova exigência: consistirá renda da escola o produto dos artefatos que saírem das oficinas (FONSECA, 1986, v.1). Uma sutil menção ao fato de que as despesas com o orçamento da Escola deveriam ser cobertas pela produção realizada em suas oficinas, o que parece desobrigar a União da responsabilidade que lhe fora atribuída pelo Decreto anteriormente referido.

Em se tratando da Escola de Aprendizes Artífices de Natal, em 1913, o Governador do Estado do Rio Grande do Norte, Alberto Maranhão, comunicou que, sob a direção de Sebastião Fernandes de Oliveira, a Escola estava dando excelentes resultados e que o seu diretor se esforçava para conseguir o possível desenvolvimento a que a Escola se propunha quanto ao ensino profissional que, em suas palavras, era “parte integrante da reforma talvez mais produtiva do operoso governo do vice-presidente Nilo Peçanha” (RIO GRANDE DO NORTE, 1913, p. 13).

Conforme se faz possível verificar, no ano de 1913, funcionavam, na Escola de Aprendizes Artífices de Natal, todas as cinco oficinas criadas. Um outro detalhe, que se recorta na tabela e merece ser mencionado, são as eliminações, procedimento recorrente em toda a trajetória da Escola. A eliminação ocorria por uma série de fatores, dentre os quais, as condições sociais dos alunos e a rígida rotina de trabalhos na instituição. Como tinha uma clientela carente em termos de condições materiais, a Escola deveria oferecer-lhe uma mínima possibilidade de sobrevivência. Mas isso não ocorreu. O regime de externato, a princípio, não fornecia alimentação a seus alunos, embora esses seguissem uma rígida rotina de aulas e produção nas oficinas. Por outro lado, a eliminação era destinada àqueles alunos que atingissem um número excessivo de faltas e apresentassem mau comportamento aos olhos dos professores e diretor da instituição.

Em 15 de novembro de 1914, o Brasil mudava mais uma vez de governante. Assumia a presidência Venceslau Brás Pereira Gomes, que, em pronunciamento no Senado, traçou as diretrizes para o ensino durante seu governo. Vale lembrar que, em 1914, houve a deflagração da Primeira Guerra. Para a classe política e para alguns intelectuais, fazia-se necessário defender o País dos possíveis perigos, tanto externos quanto internos.

No ano de 1914, a matrícula geral da Escola de Aprendizes Artífices de Natal atingiu o número de 136 alunos, distribuídos da seguinte forma, por oficinas: “na oficina de sapataria, 20; na de marcenaria, 36; funilaria, 7; alfaiataria, 39; serralheria, 34” (BRASIL, 2007c, p.107). Embora demonstre o decréscimo de alunos em relação ao ano da inauguração da Escola, esse quadro era reflexo daquele apresentado pelo ensino primário no Rio Grande do Norte, e que não era dos mais animadores. O ensino primário público, no Estado do Rio Grande do Norte, tinha 54 escolas, com 1.949 alunos e 198 escolas privadas, com 4.596 alunos (RIO GRANDE DO NORTE, 1914).

No mencionado relatório, consta que, no ano de 1915, concluíram o aprendizado, na Escola de Natal, cinco alunos, tendo a produção das oficinas
rendido a importância de 1:216$800 (um conto, duzentos e dezesseis mil e oitocentos réis). Nas oficinas, foram produzidos 440 artefatos e realizados 19 consertos (BRASIL, 2007d). Em todas as 19 Escolas de Aprendizes Artífices existentes no País, a matrícula, no ano de 1916, chegou ao número total de 3.111 alunos. Sendo que, na Escola de Natal, apenas 123 alunos foram matriculados. Mesmo assim, a produção dos artefatos nas oficinas apresentou uma renda líquida de 2:031$150 (dois contos, trinta e um mil, cento e cinqüenta réis) (BRASIL, 2007e).

Poucos foram os alunos que chegaram a terminar o curso. A maioria abandonava a escola no fim da terceira série, com o objetivo de empregar-se nas fábricas ou nas oficinas, pois, a essa altura, já se achavam com conhecimentos mínimos para a ocupação de determinados postos de trabalho. A possibilidade de obter algum ganho pode ter contribuído para que eles não permanecessem nas escolas, buscando colocação nas fábricas.

Em 1920, além da Escola de Aprendizes Artífices, vale informarmos que havia também, no Rio Grande do Norte, mais duas escolas profissionalizantes: a Escola Profissional do Alecrim (mantida pelo Governo estadual), anexa ao Grupo Escolar Frei Miguelinho, a qual contava com as oficinas de serralharia, de marcenaria, de sapataria e de funilaria, e a Escola de Agricultura e Zootecnia, com aulas teóricas e práticas no campo de demonstração de Macaíba, na Fazenda Jundiaí, de propriedade do Estado, “onde se praticava agricultura moderna às expensas do orçamento da União” (RIO GRANDE DO NORTE, 1913, p. 13).

A idéia da industrialização das Escolas já vinha acontecendo nos Liceus de Artes e Ofícios, principalmente no de São Paulo, e estava sendo experimentada na Prefeitura do Distrito Federal, mas não nos estabelecimentos federais. Os defensores do projeto de industrialização das Escolas de Aprendizes Artífices alegavam ser essa uma forma de motivar a aprendizagem, que seria repassada em situação real ao aluno possibilitando-lhe a execução de trabalhos de utilidade imediata; além do que (enfatizavam) aliviaria os orçamentos, sempre tão insuficientes, das Escolas.

Em 1937, Gustavo Capanema era Ministro da Educação e Saúde Pública. Nesse ano, a Lei nº 378, de 13 de janeiro, implementou uma reforma, dando nova estruturação ao Ministério. Dentre as alterações à legislação anterior, estava inicialmente a própria denominação do Ministério, que passou a ser chamado de Ministério da Educação e Saúde. A Superintendência do Ensino Profissional foi extinta, passando seus encargos para a Divisão do Ensino Industrial, sob a direção de Francisco Montojos. Além dessas inovações, também, em termos nominais, alterou-se a denominação das Escolas de Aprendizes Artífices, que passaram a ser conhecidas como Liceus Industriais. Nessa época, um amplo programa de edificações foi iniciado, com um orçamento de 8.000 contos para as obras nas Escolas de Aprendizes Artífices já existentes (FONSECA, 1986, v. 1).

Em Natal, nessa mesma época, foi adquirido o terreno da Av. Salgado Filho em Natal para a construção da Escola Industrial do Rio Grande do Norte, onde atualmente funciona o Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Enquanto isso, na Escola de Aprendizes Artífices de Natal (agora Liceu
Industrial do RN), mantinham-se em funcionamento as oficinas de marcenaria, carpintaria, serralharia, mecânica, alfaiataria e sapataria.

Pra quem não sabe, nossa velha CERN, foi a Escola de Aprendizes e Artífices, em 1910.
Imagem do Google Maps em de registro em junho de 2019 copilada em abril de 2022.
Recorte da foto anterior do Antigo Hospital da Caridade, aqui como Escola de Aprendizes Artífices, que, mais tarde, viria a ser sede do Batalhão de Segurança (Polícia Militar) e Casa do Estudante. Acima, margem direita da foto, a Estação da Coroa e a visão do trem chegando sobre os mangues à margem esquerda do Potengi.
Nessa foto, registra-se um dos momentos relativos às festividades de premiação e encerramento dos trabalhos letivos, em 1910. Os alunos da Escola de Aprendizes Artífices se perfilaram para uma homenagem ao Governador Alberto Maranhão e ao Congresso Legislativo do Estado do Rio Grande do Norte, na frente da primeira sede da Escola, situada na Rua Presidente Passos.
Recorte da foto anterior da Escola de Aprendizes Artífices. Os primódios do IFRN. Em 1911. Acervo: IFRN CENTRAL.
Nesta foto, vemos a sala de aula do curso primário da Escola de Aprendizes Artífices de Natal, no prédio do antigo Hospital de Caridade. Em primeiro plano, a professora Abigail Furtado (professora adjunta) e, em segundo plano, a professora Maria do Carmo Navarro. Conforme podemos observar, na sala de aula, há crianças menores e maiores. É provável que o número de alunos nessa sala seja aproximadamente 50. Isso porque, somente para as turmas com essa quantidade de alunos é que se destinava uma professora adjunta, que comprovamos existir nessa sala. Percebemos ainda, que as carteiras escolares são individuais e que, na parede, há gravuras afixadas; provavelmente um dos materiais do ensino intuitivo.

DOCENTES

A Escola de Aprendizes Artífices do Rio Grande do Norte teve como primeiro diretor Sebastião Fernandes de Oliveira (novembro de 1909 a maio de 1915), que se formou em Direito na cidade de Recife e tinha exercido o cargo de Promotor em duas comarcas do Rio Grande do Norte, além de haver assumido interinamente a função de Procurador Geral do Estado, em 1907. Ao longo da trajetória da Escola, percebemos que os laços entre os representantes políticos do Estado do Rio Grande do Norte e os diferentes diretores que administraram a Escola sempre foram estreitos.

Ao ser inaugurada, em janeiro de 1910, além do diretor Sebastião Fernandes, a Escola de Aprendizes Artífices do Rio Grande do Norte teve como primeiros professores e funcionários: Virgílio Vieira de Mello, porteiro contínuo; Maria do Carmo Torres Navarro, professora de ensino primário; Abel Juvino Paes Barreto, professor de Desenho e Ezequias Pegado Cortez, escriturário.

A foto a seguir registra, para a história da instituição, a composição de seu quadro de funcionários. Na fotografia, que retrata os primeiros funcionários e professores da Escola de Aprendizes Artífices de Natal, destacamos uma única presença feminina.

Nos detalhes, captamos o ar de seriedade que envolve o grupo, a maneira austera de se vestir e até um certo recatamento na maneira como posaram diante do fotógrafo.

Todos esses pormenores refletem um modelo de comportamento e postura exigidos pelo contexto social da época, além do que, para se trabalhar numa instituição de ensino, fazia-se necessária uma conduta baseada nos critérios de moralidade e projeção de respeitabilidade perante a sociedade.

Funcionários da Escola de Aprendizes Artífices de Natal no ano de 1913.Acervo CEFET – RN (2006).

DIRETOR

Sebastião Fernandes de Oliveira

Sebastião Fernandes foi o primeiro diretor da Escola que, à sua época, se chamava Escola de Aprendizes Artífices. Em sua homenagem, a ETFRN atribuiu seu nome à biblioteca central do atual Campus Natal Central do IFRN.

Nascido em 11/03/1880, filho de Manuel Fernandes de Oliveira e Francisca Fagundes de Oliveira, o jurista Sebastião Fernandes de Oliveira foi o primeiro diretor da Escola de Aprendizes Artífices de Natal, tendo sido nomeado, aos 32 anos, no dia 04 de novembro de 1909.

Sebastião Fernandes cursou humanidades no tradicional Ateneu Norte-rio-grandense. Aos 17 anos, ingressou na Faculdade de Direito do Recife, de onde saiu bacharel aos 22 anos de idade. Formado, iniciou sua vida profissional como promotor público da Comarca de Mossoró, ponto de partida para toda uma existência dedicada à magistratura, ao jornalismo, às letras e à educação.

Participou de dois momentos ímpares na história da Escola de Aprendizes Artífices: sua instalação, a 03 de janeiro de 1910, no prédio do antigo Hospital da Caridade, atual Casa do Estudante de Natal, e sua transferência para o prédio da Avenida Barão do Rio Branco, em 1914.

Ocupou vários cargos públicos após sua saída da direção da EAA, em maio de 1915: Procurador Geral do Estado, Juiz Distrital, Juiz de Direito, Chefe de Polícia, Secretário Geral do Estado, Desembargador, membro do Supremo Tribunal de Justiça e Presidente da então Corte de Apelação do Estado. Exerceu o magistério no Colégio Diocesano de Mossoró e 7 de setembro, na mesma cidade.

Pertenceu a várias associações lítero-culturais dentro e fora do Estado, colaborando em todos os jornais políticos e literários de sua época: “A República”, “O Diário de Natal”, “A Gazeta do Comércio”, “O Jornal da Manhã” entre outros.

Como poeta publicou “Alma Deserta” livro em versos, e como jurista, “Estudos e Aplicações de Sociologia Criminal”. Como teatrólogo, escreveu o drama histórico nacional “Padre Miguelinho”, que lhe deu ingresso, como sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Escreveu também “Entre o destino e a morte”, episódio dramático e “Sarah”, alta comédia. Em homenagem à sua atuação como humanista, foi escolhido patrono da Biblioteca da Unidade Sede do CEFET-RN.

Faleceu na tarde de 21 de maio de 1941, aos 61 anos de idade.

MUDANÇA

Datado do início do século XX, o antigo casarão que abrigou a Escola de Aprendizes Artífices, o Liceu Industrial e a Escola Industrial de Natal foi cedido à instituição de ensino profissional na gestão do governador Alberto Maranhão, em 1913.

Em 1914, com a transferência do Batalhão de Segurança para o prédio da Rua Presidente Passo, a escola que começara a funcionar nas instalações do antigo Hospital da Caridade, atual Casa do Estudante de Natal, a Escola já com a denominação de Liceu Industrial, passou ocupar o prédio de Rua Nova (Av. Rio Branco), 743, Cidade Alta, que servia de quartel, oferecendo cursos de desenho, sapataria, marcenaria, funilaria e alfaiataria. O governador do Estado na época era o Desembargador Ferreira Chaves, sucessor de Alberto Maranhão. O prédio passou por diferentes reformas, entre as décadas de 20 e 30, encampadas pelo Serviço de Remodelação do Ensino Profissional Técnico, numa das quais ganhou o piso superior e a fachada que o caracteriza.

Liceu Industrial do RN (Av. Rio Branco após reforma de 1937). Fonte: Acervo CEFET-RN (2006).

Desocupada a antiga edificação instalou-se nas suas dependências, no dia 17 de setembro de 1914, o Batalhão de Segurança, precursor da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, naquele que seria seu penúltimo domicílio, “porque, 39 anos mais tarde passaria de modo definitivo, para o grande Quartel da Avenida Rodrigues Alves” (WANDERLEY, 1969, p. 28).

DEFESA CONTRA O LEVANTE COMUNISTA

Em 23 de novembro de 1935, Natal presenciou uma insurreição com a participação de cabos e soldados procedentes do 21º Batalhão de Caçadores – quartel do Exército, localizado onde hoje se encontra o Colégio Winston Churchill. Nesta insurreição, por muitos definida como a Intentona Comunista, o antigo quartel da Polícia Militar, depois do ataque dos rebeldes, ficou crivado de balas. Era o início de um efêmero governo de orientação comunista instalado em Natal, que não ultrapassou o seu terceiro dia de existência (COSTA, 1995).

Prédio do Antigo Batalhão Policial Militar (Atual Casa do Estudante) após o levante comunista de 1935.
Fonte: Natal Ontem e Hoje – SEMURB.
Detalhes das marcas de balas (19 horas de tiroteio) no Quartel da Polícia em Natal, 1935.
Outra imagem do Quartel de Polícia, atual Casa do Estudante

Independentemente das controvérsias, o fato é que o Levante foi executado pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), inspirada na trilogia “Terra, Pão e Liberdade”, com a liderança do seu presidente de honra Luís Carlos Prestes – o “Cavaleiro da Esperança”. Atuava em contraposição ao Movimento Integralista, de característica fascista, e seu objetivo era derrubar o Presidente Getúlio Vargas e instalar um governo socialista no Brasil.

A Revolução Comunista terminou sendo deflagrada apenas em Natal, Recife e Rio de Janeiro. O estopim do Levante decorreu de algumas ações restritivas que o governo Vargas passou a impor aos sindicatos e movimentos populares de esquerda.

Em 1935 Natal tinha 40.000 habitantes, o movimento comercial ainda era concentrado na Ribeira e na Cidade Alta. Havia um considerável movimento portuário devido exportação para a Europa de sal e algodão, voos regulares já eram realizados por hidroaviões da Panair.

O ponto inicial do Levante ocorrido a partir do dia 23 de novembro de 1935 foi o Quartel do 21º Batalhão de Caçadores (BC) localizado na Avenida Rio Branco atual SESC-Colégio Churchill. Os revolucionários contaram com a simpatia dos partidários de João Café Filho e de parcela da população natalense. Eles ocuparam de início os pontos estratégicos da cidade como palácio do governo, a residência do governador, a usina geração elétrica, a estação ferroviária e as centrais telefônica e telegráfi ca. Assaltaram os cofres do Banco do Brasil, da Recebedoria de Rendas e de importantes casas comerciais. Foi decretado bonde de graça para o povo. Mas, rapidamente, três bondes foram depredados e a farra acabou cedo.

Muitos dos adesistas não eram comunistas, julgavam ser um Movimento local para repor o Interventor Mário Câmara. Boa parte da população se confraternizava com os rebeldes. Alguns aderiram por pura farra, fardas dos soldados eram utilizadas por muitos civis após saque realizado no Quartel. O combate ocorreu com muita troca de tiros entre 20 horas do dia 23 de novembro e a tarde do dia seguinte.

Apesar da resistência armada em alguns lugares, como nos quartéis da Polícia, no Pelotão de Cavalaria da Polícia e na Escola de Aprendizes Marinheiros, a cidade ficou em poder dos revoltosos que organizaram um Governo Popular Nacional Revolucionário.

O deficiente mental Luis Gonzaga de Souza que usava botas de soldado da polícia, atravessou o tiroteio e foi atingido por um tiro disparado pelo revolucionário Sizenando Figueiredo, morreu e foi posteriormente transformado nos anos 1970, pela Ditadura Militar, em mártir anticomunista.

Relato do memorialista João Sizenando Filho aborda do confornto: “Meu pai morava nas proximidades do então Quartel da Polícia e me relatou que o tiroteio foi intenso entre os dias 23 e 24 de novembro. As balas passavam por cima da casa, quebrando telhas, e todo mundo era obrigado a ficar debaixo das camas. Já na madrugada do dia 24, ainda no meio de todo um tiroteio que ocorria na cidade, sua irmã mais velha, beata de igreja, Adelaide Adélia, insistia em sair de casa para assistir a missa na Catedral. Ele conta que teve de gritar com a irmã: ‘você quer morrer baleada?’ E que ela na sua ingenuidade característica respondeu ‘eu vou pra missa, porque prometi ao padre e não tenho nada a ver com essa briga que está havendo!'”.

O comando revolucionário perdeu o controle da situação e saques em lojas comerciais foram feitos com e sem a autorização dos líderes. Víveres e equipamentos diversos foram subtraídos. Muitas pessoas passaram a andar fantasiadas de soldados com as fardas retiradas do Quartel da Polícia.

Tropas da Paraíba e do Ceará marcharam contra Natal e destruíram o sonho revolucionário. De acordo com a escritora Flávia de Sá Pedreira, os principais líderes presos sofreram humilhações, 1.039 pessoas foram indiciadas em processos no RN, sendo 695 residentes em Natal. 154 pessoas foram condenadas à prisão, onde conviveram com presos comuns.

Lembrança de 1953, rua João da Mata, cidade alta – na imagem polícia militar cujo quartel era no prédio que era a casa do estudante.Foto do amigo Paulo Eduardo Da Costa .

CASA DO ESTUDANTE

Em 30 de maio de 1953, ocorreu a transferência do antigo Batalhão Policial Militar. Embora fundada em 2 de junho de 1946, até então a Casa do Estudante não possuía sede própria. Funcionava de forma precária em uma casa alugada. “Com a desocupação do imóvel […] iniciou-se uma campanha […] para que ali fosse instalada a Casa do Estudante. Atendido o pleito, a Casa do Estudante iniciou as suas atividades no novo endereço, no dia 22 de agosto de 1956” (NESI, 1994, p.30).

De significativa importância arquitetônica, a edificação que atualmente acolhe a Casa do Estudante, no seu projeto original, possuía apenas um pavimento. Quando da sua utilização como quartel foi ampliada e incorporou mais um andar. Apesar dessa reforma foram preservadas suas características originais, com sua formatação retangular e fachada de aspecto típico do estilo neoclássico. Sua planta de cobertura apresenta quatro águas, contornada por platibanda, apresentando em sua porção central um frontão em forma de triângulo (NESI, 1994).

Prédio de expressivo valor histórico, há mais de 140 anos presente no cenário urbano de Natal, o edifício da Casa do Estudante é tombado a nível estadual. Sua preservação, assim como a de outras edificações de equivalente importância, significa respeito ao nosso patrimônio cultural.

Atual Casa do Estudante – Até 1914 o prédio também abrigou a Escola de Aprendizes Artífices, embrião da futura Escola Técnica, quando a escola migrou para o prédio na Rio Branco.
A edificação está situada na Praça Lins Caldas. Construído em 1856 para abrigar o Hospital de Caridade, a partir de 17 de setembro de 1914 o prédio recebeu a instalação do Batalhão Policial Militar. Em novembro de 1935, o prédio foi palco de intenso combate durante a chamada Intentona Comunista. Desde 22 de agosto de 1956, funciona no local a Casa do Estudante. (Foto: Esdras Rebouças Nobre).
CASA DO ESTUDANTE (Antigo Batalhão da Polícia Militar Bairro Cidade Alta) Foto: Acervo SEMURB
Casa do estudante. Foto: Esdras Rebouças Nobre.

FONTES:

BRASIL. Relatório das Escolas de Aprendizes Artífices: 1917. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2009/000156.html. Acesso em: 05 maio 2007e.

CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. 3. ed. Natal: RN Econômico, 1999.

COSTA, Josimey. A palavra sobreposta: imagens contemporâneas da Segunda Guerra em Natal. Natal: Edufrn, 2015.

CUNHA, Luiz Antônio. O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização. 2. ed. São Paulo: Unesp; Brasília: Flacso, 2005.

CUNHA, Luiz Antonio. O ensino de ofícios manufatureiros em arsenais, asilos e liceus. Forum Educacional, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, p. 3-47, jul./set. 1979.

FONSECA, Celson Suckow da. História do ensino industrial no Brasil. Rio de Janeiro: SENAI/DN/DPEA, 1986. 3v.

GURGEL, Rita Diana de Freitas. O Colégio de Educandos Artífices: educação popular e ensino profissionalizante no Rio Grande do Norte (1858-1862). 2002. 165f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2002.

IFRN comemora 100 anos – Tribuna do Norte – http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/ifrn-comemora-100-anos/126057 – Acesso em 09/04/2022.

Natal – Antigo Liceu Industrial – ipatrimônio – http://www.ipatrimonio.org/natal-antigo-liceu-industrial/#!/map=38329&loc=-5.788327218758891,-35.20760651800919,17 – Acesso em 09/04/2022.

NESI, Jeanne Fonseca Leite. . Natal: Fundação José Augusto; APEC, 1994

MEDEIROS, Tarcísio de. Ontem, Hospital do “Monte”, Hoje “Miguel Couto”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte . Natal, vol.53, 1959, p.33-46.

Portal da Memória IFRN – Cronologia – https://centenario.ifrn.edu.br/cronologia – Em 09/05/2022.

WANDERLEY, Rômulo. História do batalhão de segurança. Natal: Walter Pereira S.A., 1969.

BIBLIOGRAFIA:

A trajetória da Escola de Aprendizes Artífices de Natal: República, Trabalho e Educação (1909–1942) / Rita Diana de Freitas Gurgel. – Natal, 2007.

Anuário Natal 2007 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2008.

Anuário Natal 2009 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009.

Corpo, disciplina e poder na Escola Industrial de Natal (1942-1968). Wigna Eriony Aparecida de Morais Lustosa. Nina Maria da Guia de Sousa Silva. Olivia Morais de Medeiros Neta.

COSTA, Lucas da. Natal: Departamento Estadual de Imprensa, 1997.

Dos bondes ao Hippie Drive-in [recurso eletrônico]: fragmentos do cotidiano da cidade do Natal/ Carlos e Fred Sizenando Rossiter Pinheiro. – Natal, RN: EDUFRN, 2017.

Dos caminhos de água aos caminhos de ferro: a construção da hegemonia de Natal através das vias de transporte (1820-1920) / Wagner do Nascimento Rodrigues. – Natal, RN, 2006. 180 f.

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O Estado Novo no controle da informação cotidiana: o caso da cidade de Natal (1941-1943) a partir do jornal “A República” / Fernanda Carla da
Silva Costa. – João Pessoa, 2019.


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