A batalha do recrutamento potiguar para a Guerra do Paraguai

Faltando o clarim d´imprensa
No Rio grande do Norte,
Poucos sabem que o Nortista
He partido grande e forte,
Que o SULISTA no governo
Lhe move guerra de morte.

Mas como os prelos Cearenses,
Por amor d´humanindade,
Já hoje por nós combatem
(Contra a SULISTA vontade)
Havemos provar ao mundo
Nossa superioridade
(O BRADO NATALENSE, 1849).

A Guerra do Paraguai obrigou ao governo imperial lançar mão de mecanismos que privilegiariam o aumento significativo do contingente militar do Exército, forçando o fortalecimento de uma instituição até então temida. Uma das primeiras ações do governo no sentido de arregimentar soldados foi a criação, por decreto de número 3.371, dos Corpos de Voluntários da Pátria.

Contudo, a partir do alongamento do conflito, o abastecimento de voluntários foi arrefecendo, obrigando o lançamento de medidas mais enérgicas para a manutenção do contingente. Nesse sentido, houve a diferenciação entre os voluntários da pátria que se apresentaram entre 1865-1866 e os que, por vários fatores, foram obrigados a fazê-lo depois desse período.

A mobilização da província do Rio Grande do Norte para a Guerra do Paraguai trouxe várias implicações, notadamente a partir da criação dos Voluntários da Pátria, no cotidiano da população nos anos de 1865-1866, analisando os discursos que reverberavam através de jornais, comícios e ajuntamentos em praças. As formas de recrutamento e de todo o aparato criado em torno deste, incluiam as comissões de recrutamento, a atuação do caçador de recrutas, os responsáveis pelas listas dos possíveis recrutados, bem como as variadas maneiras de resistência ao recrutamento forçado, que atingia, em sua maioria, os homens livres pobres, principalmente a partir de 1867.

A partir do momento em que as tropas aliadas estão estacionadas no Paraguai e a torrente de voluntários se estanca, a atuação do presidente Luiz Barboza da Silva (governo de 1866 a 1867) e do deputado Amaro Bezerra Cavalcanti (mandato de 1866 a 1868) que, através de vários ofícios, tornam possível a busca pelo sertão por soldados e “voluntários”, repercutiu de forma negativa pela população
da província.

Juiz de Paz

Para que seja possível compreender o processo de recrutamento durante a guerra do Paraguai é imprescindível termos em mente que a maior parte do aparato organizacional do recrutamento era feita pelos juízes de paz. Nesse intento, eles organizavam as listas dos potencialmente recrutáveis, levando em consideração suas condutas e falta de apadrinhamento. Muitas vezes, de forma mais direta, presidiam as comissões de recrutamento.

Com a eclosão da guerra, a urgência na recomposição das fileiras aumentou de maneira brusca, bem como a constância da necessidade do cumprimento das cotas. Essa situação fez com que esse cargo ganhasse poder no desenrolar do complexo jogo de fazer soldados. São eles os personagens decisivos da tradução local das levas, perseguindo uns e ocultando outros.

Revolta das mulheres

Levando em consideração que as listas feitas no censo de 1872 foram essenciais para a execução da lei do sorteio, as comissões formadas pelo juiz de paz e o pároco, se encarregavam de, através das listas, fazerem o sorteio. Essa condição demandava maiores poderes aos produtores das listas. A execução da lei, no entanto, sofreu várias reações populares por todo o Império. Na província do Rio Grande do Norte, o movimento que ficou conhecido como Motim das Mulheres, na cidade de Mossoró, foi propagado por toda a província. (Vingt-Un Rosado, 1981.

O Motim das Mulheres, citado anteriormente, pode ser percebido como reação contrária à imposição do Estado ou até mesmo à arbitrariedade de entrarem em seus lares caçando recrutas, pois, com os sorteios, todo homem entre 19 e 35 anos estava apto para o serviço. Nesse momento havia ainda o rescaldo da Guerra do Paraguai e não seria fácil qualquer media relacionada ao recrutamento. Tal processo massificou a percepção que a população livre tinha de que o recrutamento os imporia condições que cada vez mais cerceariam suas liberdades.

Guerra? Quê guerra?

No período mais específico que compreende a Guerra do Paraguai, de 1864 a 1870, a província do Rio Grande do Norte foi governada por doze presidentes, dentre os quais só quatro produziram relatórios, já que após o início do conflito a permanência dos presidentes no governo se tornou algo efêmero. Além dos doze presidentes, temos o impressionante número de seis vice-presidentes que assumiram momentaneamente a província.

Quando iniciado o conflito a província era governada por políticos ligados ao partido liberal, desde 1862, se mantinham com seus gabinetes e ministério no poder. A grande rotatividade na presidência das províncias não era característica exclusiva do período de guerra, mas que agravava a situação, pois, “durante os cinco anos e quatro meses de duração da guerra, a província foi governada por seis presidentes.

Recrutamento

Se nos dias atuais o recrutamento para as forças militares em determinadas circunstâncias é feito, de própria vontade, com orgulho, sendo visto como uma obrigação patriótica e dever de todos os brasileiros, na segunda metade do século XIX ele agia sob aqueles que “não tinham utilidade social, política, ou econômica”, servindo ainda como regenerador dos costumes, da moralidade e da ordem (54Cf. Relatório apresentado pelo presidente José Olintho Meira, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, durante a seção ordinária do ano de 1863).

Na esteira da necessidade de recompor os efetivos, é importante percebemos quais eram os que se encaixavam nas levas para o recrutamento, sendo ponto nevrálgico, nesse caso, a situação dos homens livres pobres. Estes se tornaram-se alvos fáceis para as levas recrutadoras, pois eram os que preencheriam os requisitos, em sua maioria, de não onerar a economia civil.

Entre os homens livres pobres o alvo preferido do recrutamento eram aqueles considerados vadios, que não tinham trabalho regular, não forneciam excedentes, ou até mesmo que não participavam ativamente da economia. Tais homens estavam convencionalmente entre os preferidos, porque, além de não haver pessoa ou legislação que os protegesse, estariam ainda, segundo Olyntho Meira (relatório de 1867), finalmente contribuindo com sua parcela para o engrandecimento da nação.

Para se precaver, então, do recrutamento, uma das maneiras que o homem livre pobre encontra é a sua incorporação ou formação de séquito, que tinha como líder algum fazendeiro influente na região. É preciso ter em mente também que há várias exceções a essa regra, de maneira que dentre a massa de homens pobres sempre havia algum extrato populacional que tencionasse algum ganho com o recrutamento.

A fuga para as matas, serras ou demais localidades distantes de onde o processo de recrutamento estava sendo feito, era, dentre os modos de resistências, o mais contundente e, por isso, era usado em última instância. Em outras palavras, quando esgotadas todas as outras maneiras mais comuns, como apadrinhamento político, participação em séquito, ocupação de cargo público, etc. Tais ações se justificam pela falta de proteção aos recrutas, considerando estes que o risco de se ausentar de suas terras e familiares por alguns dias não seria maior do que o risco de participar de uma guerra que tomava finitudes dramáticas.

Em espaço reservado ao alistamento militar, o presidente Pedro Leão Velloso, em seu relatório, evidencia a tentativa de minimizar o papel do recrutadores, apresentando relação com a legenda “alistaram-se para servir no exército”, diferentemente da que trazia no relatório anterior, nomeada pelo mesmo presidente de “alistamento feito na provincia”. Esses são os números que o presidente traz em seu relatório:

Alistados na província do Rio Grande do Norte no ano de 1862-1863. Fonte: Quadro elaborado por nós a partir de informações contidas no relatório apresentado pelo presidente Pedro Leão Velloso à Assembleia Legislativa, em maio de 1863.

O número de voluntários, conforme se pode verificar, é quase o triplo de recrutados, por isso o destaque quanto aos números apresentados. Desse modo, o serviço das armas seria como o esperado pelo governo imperial, menos oneroso possível.

Na província do Rio Grande do Norte, ainda havia algumas pessoas que isentavam-se do recrutamento mediante pagamento de uma quantia em dinheiro, que servia como contribuição para os negócios da guerra. Há nos relatórios do presidente Luiz Barbosa Silva uma lista de “doadores”.

Tomemos como exemplo o caso de um capitão da guarda nacional “que doou a quantia de1:500$ (um conto e quinhentos mil réis) por si, três genros e um neto” (CÂMARA, 2008, p. 21), cumprindo assim com seus deveres de patriota, não necessitando ir à guerra. Práticas assim tornaram-se comuns, sobretudo a partir de 1868, quando as isenções colocadas acima foram sendo gradativamente suprimidas, à medida que crescia a necessidade de urgência no recrutamento.

Nessa tarefa de angariar recrutas, o pensamento difundido pelo Império, atrelado ao trabalho do Presidente da província nos dois primeiros anos do conflito, Olyntho Meira, proporcionou os números que apresentaremos a seguir:

Números oficiais do Recrutamento para a Guerra do Paraguai na província do Rio Grande do Norte (1865-1866)
Fonte: Dados Retirados do relatório do Presidente de Província do Rio Grande do Norte, Olinhto José Meira, no qual foi apresentado balanço detalhado dos trabalhos feitos durante sua gestão.

Escravos

A participação de escravos na guerra, na condição de recrutados, ou como Voluntários da Pátria é uma questão obscura nos registros históricos. Isso se deve ao seguinte questão: como repor as Forças Armadas com a escravaria, se o campo já se ressentia dessa mão-de-obra que se tornara cada vez mais escassa com o fim do tráfico internacional?

Como consequência desta situação há espécie de esquecimento em todos os presidentes que atuaram durante a guerra do Paraguai, de citarem em seus relatórios pelo menos algum escravo na província. Situação que nos causa estranheza, visto que antes do início das hostilidades, no ano de 1855, fora feito “um trabalho”, organizado pelo então chefe de polícia, Herculano Antônio Pereira da Cunha, pelo qual a população da província, na época, chegava a 132,216 almas, entre os quais 20.244 cativos, sem contar a cidade do Assú e seu termo.

Contudo, há ainda um elemento complicador para a sustentação desse nosso pensamento, referimo-nos ao número de escravos, que aumentou entre os anos de 1855 para 1872, qquando o tráfico e o recrutamento para a guerra deveriam ter diminuído esse número. Devemos ter em mente, primeiro, que os números produzidos no “trabalho” implementado pelo chefe de polícia Herculano Antônio Pereira da Cunha, em 1855, tinham o interesse de minimizar a quantidade de escravos na província, intencionando desfavorecer as políticas de tráfico interprovincial, bem como a importância do trabalho escravo na província.

Em segundo lugar, havia ainda a falta dos números dos escravos da cidade de Assú, que passaram a ser contabilizados no recenseamento de 1872. Sabemos que essas duas vertentes por si só não explicam os números apresentados nos relatórios, contudo, devemos valorizar ainda os interesses da classe agrária, que pretendia, através de indenizações, a paulatina transição da
escravidão para o trabalho livre.

Natal em pé de guerra

Na época da Guerra do Paraguai Mossoró e Natal se destacavam por, além de serem povoamento\cidade portuárias, ainda desenvolverem intenso comércio de manufaturas e vários artigos de primeira necessidade, abastecendo quase toda a província. Eram também passagem obrigatória dos comerciantes e transeuntes que tinham necessidade de ir de uma província a outra, e mesmo daqueles que viviam nos sítios e propriedades rurais distantes, tendo estes de, irremediavelmente, se deslocarem constantemente para essas cidades, tornando estas duas povoações ponto de encontro de comerciantes nas feiras e festejos.

Quando do policiamento das ruas, houve atrito entre moradores de natal e alguns soldados que estavam encarregados das rondas nas ruas da ribeira. As reclamações sobre o fato não aparecem nos relatórios, mas é encontrada nos jornais, como no noticiário do Rio Grandense do Norte, onde se revela a indisposição que os soldados causavam aos moradores daquele local, ou seja, “os cidadãos deste termo são constantemente abbordados sem motivo apparente, as mulheres sao´ obrigadas a grandes impropérios, ninguemesta salvo dessa malta desrespeitosa” ( noticiário do Jornal O Rio Grandense do Norte, 1862, edição de número 0003).

Existia, então, nas províncias do Império brasileiro, diferenciação quanto ao uso de instrumentos formadores de opinião, já que não havia, na época, imprensa formal. As “criações de sentido” não tiveram envergadura em locais como província do Ceará, por exemplo, que se fundamentava através dos periódicos. Já no Rio Grande do Norte, foram feitas principalmente através de comícios, festejos, ajuntamentos, missas e, em menor grau, pela imprensa informa.

No dia 19 de fevereiro de 1865, a partir das 17 horas da tarde, começou um dos primeiros eventos que seria conhecido como “ajuntamento em prol da causa da guerra”. Na província do Rio Grande do Norte, no pátio do Quartel da Companhia de Caçadores, foi feita uma revista da Guarda nacional pelo Tenente-Coronel Bonifácio Francisco Pinheiro da Camara, Comandante Superior.

O fim do começo

Fatalmente, no pós-guerra, o Governo Imperial não deu conta de cumprir, seja por desinteresse ou incapacidade administrativa, com os compromissos e obrigações gerados pelo estado de guerra, o que, de certa maneira, contribuiu para que, logo a seguir, enfrentasse crises políticas severas.

Acabada a guerra, a demanda referente ao recrutamento continuou. Discutia-se a melhor maneira de se organizar o Exército, principalmente no tocante ao processo de formação de contingente. A ideia era fortificar uma instituição essencial na defesa dos interesses do império, para isso foram apresentados, pois, alguns projetos nesse sentido, após o fim do conflito, sendo aprovado o recrutamento, em 1874, por intermédio de sorteio, conforme Lei.número 2.556, de 26 de setembro de 1874.


“Valentes Rio-Grandenses! Às Armas!”: A questão do recrutamento militar na província do Rio Grande do Norte durante a Guerra do Paraguai (1864-1870). Francisco Urbano Alves. João Pessoa – PB. Agosto de 2014.

O historiador Carlos Magno de Souza contou que o Passo da Pátria recebeu este nome pelo então presidente da província José Olinto Meira, que homenageou os natalenses voluntários na Guerra do Paraguai (1864-1870) e ao fato do lugar ser passagem importante, porta de entrada da cidade na época. Fonte Brechando. Foto: IHGRN.
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