A história de amor e ódio ao Bonde na Cidade de Natal

O bonde foi o primeiro serviço de transporte urbano e sua chegada foi narrada como a materialização dos valores da modernidade da época, provocando mudanças na sensibilidade da população, enredada que estava pelo fascínio exercido por uma das vedetes da técnica, a velocidade. Eles começaram a fazer barulho pela cidade de Natal no início do século XX. Foram, em sua maioria, ruas sem calçamento e iluminadas à noite parcamente pelo gás acetileno (em funcionamento desde 1905) que acolheram, em setembro de 1908, os bondes puxados à tração animal.

Os bondes passam a fazer parte do cotidiano natalense a partir de 1908 – ainda à tração animal –, sendo incorporados efetivamente à dinâmica urbana em 1911, com a sua eletrificação e expansão das linhas. Os bondes se tornam, destarte, o primeiro sistema de transporte urbano da cidade, vitais ao deslocamento diário da população urbana natalense.

Antecedentes

Alberto Frederico de Albuquerque Maranhão governou o Estado do Rio Grande do Norte em dois mandatos, o primeiro de 1900 a 1904, e o segundo que vai de 1908 a 1914. Como grande político e administrador instituiu o Conservatório de Música, reformulou o Teatro “Carlos Gomes” que hoje leva seu nome; construiu a Praça “Augusto Severo”, o Hospital “Juvino Barreto” e edificou o segundo Grupo Escolar da cidade denominado “Frei Miguelinho”. Instituiu o Derby Clube – para os apreciadores do hipismo; construiu a Casa de Detenção, onde, atualmente, funciona o Centro de Turismo; edificou o Asilo de Mendicidade; substituiu a iluminação pública do acetileno pela luz elétrica, e os bondes de tração animal passaram a ser movidos à energia elétrica. Intelectualmente, foi chamado “Príncipe Mecenas”, por ser considerado intelectualmente o maior animador de poetas e literatas.

Nesse mesmo momento, ruas eram rasgadas, alargadas, empedradas e arborizadas com mungubeiras, oiticicas e fico benjamin, originando avenidas, alamedas e bulevares, que propiciavam bons ares, facilitavam o trânsito dos bondes, dos automóveis e das pessoas que passaram a trafegar apressadamente, à sombra das árvores, pelas ruas calçadas. E um fato era notório: em sua maioria, esses logradouros, reestruturados pelas obras de melhoramento e aformoseamento, indicavam o caminho para o “Monte Petrópolis”. Nos anos de 1904 e 1905 o jornal “O Diário do Natal” acusava constantemente o governador Tavares de Lyra de desviar as verbas destinadas ao combate à seca para usá-las em obras de aformoseamento da capital e, em especial, nas obras de calçamento das ruas que ligavam a Ribeira e a Cidade Alta ao novo bairro da cidade que, segundo o jornal da oposição, era o lugar de morada da oligarquia Maranhão e seus correligionários.

Os espaços públicos, com o novo traçado urbano foram transformados em locais atraentes, com a construção e embelezamento das praças, quiosques, bosques, e outros equipamentos públicos. Especificamente podemos demonstrar algumas transformações urbanas deste período: em 1904, o Teatro Alberto Maranhão, 1905, a luz a gás acetileno, abastecimento de água para a cidade, culminando com o sistema de água e esgoto em 1935; 1908, os bondes; e em 1911, a luz elétrica.

Quando o Presidente da República Afonso Pena visitou Natal, em Junho de 1906, fez-se a instalação elétrica da Fábrica de Tecidos a casa do Senador Pedro Velho, na atual Junqueira Aires. Sendo privilégio dos ricos, os bairros pobres só conquistaram tal conforto depois de 1911. Com a energia elétrica, o transporte coletivo urbano atingia os limites norte – sul, dos novos bairros de Tirol e Petrópolis (MIRANDA, João Maurício Fernandes de. 380. Anos de história fotográfica da Cidade de Natal: p. 115) sendo instalados os bondes elétricos, em 1911.

Daí em diante, a paisagem urbana foi se modificando, ganhando, enfim, seus primeiros sobrados, belas casas e fachadas, alguns imponentes prédios públicos, calçamentos nas ruas principais, bondes à tração animal e rede de iluminação a gás. Lojas com nomes franceses, armazéns, oficinas e novos estabelecimentos comerciais ocuparam espaço nas ruas do Bairro da Ribeira, centro animador.

As instituições de controle e reprodução social compunham-se de praças ajardinadas, edifícios da administração pública, escolas, hospitais, asilos, e cadeia. Com suas atividades, os estabelecimentos indústrias, bancos e firmas seguradoras, e ainda, as companhias de serviços urbanos como telégrafos, telefones, linhas de bondes e estradas de ferro completavam o conjunto urbanístico da cidade.

Teatro Carlos Gomes (atual Alberto Maranhão) em cartão-postal da década de 1910; as árvores à direita indicam parte da praça Augusto Severo (1913). Fonte: Lyra, 2001, p.45.

Tração animal

Nos que marcaram a passagem do século XIX para o século XX, Natal foi aos poucos se aparelhando com as inovações que, então, caracterizavam a vida moderna. Na tentativa de se estabelecer uma ou várias linhas de bondes, em Natal e subúrbios, apareceu o decreto de 06 de novembro de 1890, concedendo um privilégio por trinta anos a Ângelo Rosseli, mas, nada foi feito.

Sem estrutura administrativa e recursos financeiros suficientes, tanto na esfera de governo estadual quanto municipal, para executar os serviços e obras idealizados, o governo de Alberto Maranhão valeu-se de duas medidas básicas. Primeiro, contratou – ou mesmo incentivou a criação de – diversas empresas que os realizassem, como a empresa para os melhoramentos do porto, a Companhia Ferro Carril de Natal, criada em 1908, para transporte, com bondes à tração animal, de cargas e passageiros dentro do perímetro urbano da cidade, e a Empresa de Melhoramentos de Natal, a qual foi entregue a maioria dos serviços urbanos anteriormente a cargo do Estado (a gerência da concessão de aforamentos, do abastecimento d’água, a construção da usina elétrica, em 1911, e, em consequência, a organização do sistema de iluminação e do bonde elétricos).

Portanto, só após dezoito anos da primeira tentativa de se estabelecer o transporte coletivo, ou seja, em 29 de março de 1908, no governo de Alberto Maranhão, instalou-se a Companhia Ferro Carril do Natal S.A., sediada na rua Dr. Barata esquina com a travessa Aureliano de Medeiros. Os bondes eram puxados por uma parelha de burros e foram comprados no Belém do Pará (CASCUDO, 2010, p. 382). Cada burro custou 250$. A lotação dos bondes era de 24 passageiros pagando cada um, cem réis.

Em 1908, Romualdo Galvão, assume o cargo de deputado do Congresso estadual do Rio Grande do Norte e, nesse mesmo ano, torna-se o primeiro presidente da Companhia Ferro-Carril do Natal, responsável pela implantação dos bondes na cidade, contando também com financiamento do Governo do Estado. Entre outros, tomaram a frente da companhia na sua fase de organização e venda das ações, Manoel Dantas, Olympio Tavares e Angelo Roselli. O engenheiro Sá Barreto, técnico responsável pela obra, a, que em meados de junho de 1908, encontra-se em plena evolução.

Assim, a cidade foi crescendo, desenvolvendo-se e com isto vieram as transformações urbanas, empreendidas no intuito da “modernização da cidade”. Um dos exemplos que podemos citar foi o funcionamento da primeira linha de bondes, puxados por animais, ligando a Cidade Alta à Ribeira, em 1908 (EMERICIANO, 2007).

A integração da estação com o transporte intra-urbano dos bondes se concretiza em 1908, pela inauguração da primeira linha, ainda de tração animal, instalada pela Companhia Ferro Carril. O serviço é inaugurado no dia 07 de setembro de 1908, pelo governador Alberto Maranhão, e é comemorado pelos periódicos em circulação à época como um importante melhoramento, imprescindível ao desenvolvimento da cidade.

Essa primeira linha partia da Rua Doutor Barata, de frente da estação da Great Western, na Praça Augusto Severo, no bairro da Ribeira , e subia a Avenida Junqueira Aires até a Praça André de Albuquerque e a Praça João Maria (ponto final dos bondes), na Cidade Alta (NESI, 1997) e continuava em direção à Praça Sete de Setembro descendo pela Avenida Junqueira Aires e finalizando seu trajeto na Praça das Mães (NESI apud SOUSA, A., 2013).

A concepção desse sistema inseria-se no contexto de modernização firmado durante a primeira gestão do governador Alberto Maranhão, responsável pela concretização de diversos melhoramentos estéticos e urbanos na capital. A compra do material – carros e animais – foi feita à cidade de Belém do Pará, que já havia eletrificado as suas linhas de bonde (SANTOS, 1994). Esse período pode ser classificado como o “primeiro momento de modernização” de Natal.

O trajeto logo seria prolongado até a Cidade Nova, no final de 1908, passando pelas atuais avenidas João Pessoa e Jundiaí, se estendendo à Avenida Hermes da Fonseca, onde se localizava a então residência do ex-governador Pedro Velho Albuquerque Maranhão, o sítio “Solidão”. É interessante notar que, apesar de haver o parcelamento bem definido – lotes grandes, de frente máxima de 30 metros de largura, destinados às classes mais abastadas – a Cidade Nova nessa época ainda não havia sido efetivamente ocupada. Entretanto, já contava com a linha do bonde, enquanto que outras áreas mais densamente ocupadas – porém que ainda formalmente não compunham a considerada zona urbana da cidade, como o Alecrim, não desfrutavam de um benefício como esse. A expansão das linhas permitiu, posteriormente, uma ocupação mais extensiva da Cidade Nova, com atração de população residente e construção de novos edifícios.

As zonas centrais requeriam o bonde devido a uma demanda existente. Outras áreas necessitavam das linhas para estimular a sua ocupação. Em algumas, o bonde se tornou quase que exclusivamente o único meio de comunicação com o restante da área urbana. Um fator que pode ser associado ao bonde no período do início do século XX é que ele se tornou um elemento também de valorização fundiária. A linha de bonde significava mobilidade urbana e, destarte, acessibilidade ao centro e zonas importantes. Quanto mais acessível determinado imóvel é, mais valiosa é sua localização.

Desentendimentos, rivalidades, entre xarias, da Cidade Alta, não se entendiam com os canguleiros, da Ribeira, desaparecem aos poucos, na medida em que esses espaços vão se ligando, especialmente a partir da chegada do bonde, em 1908. O historiador Raimundo Arrais ao tratar da questão do surgimento do natalense, cita uma passagem do livro História da Cidade do Natal de Câmara Cascudo quando este afirma que, com a implantação da linha de bondes em 1908, um dos mais enaltecidos “melhoramentos” para a cidade, que ligava os bairros da Ribeira e da Cidade alta, “Cascudo sentencia: ‘Xarias e canguleiros morreram. Ficou o natalense’”. Ver ARRAIS, R. Crônicas de origem: a cidade de Natal nas crônicas Cascudianas dos anos 20. p. 21.

Agora, o assumpto diariamente commentado é a Ferro Carril de Natal.Uma loucura ! – Dizem uns. Como havemos de subir as ladeiras! Exclamam outros, já de agora suados, como se os bondes tivessem de ser puxados por elles… Alguns fazem cálculos, contam as passagens nos dedos e gesticulam negativamente, tal como futuros conductores a quem o gerente da companhia não quizesse pagar. No entanto, os incorporadores estão animados; apparecem, confiantes, inesperados accionistas; pedem-se informações que chegam satisfactorias; e tudo leva a crer que dentro em breve, essa idéia do eminente Dr. Alberto Maranhão será uma realidade. Mas fallemos sérios. Natal pode, sem receio tentar a realização do utilíssimo emprehendimento. O hábito de andar em Bond ficará logo nos costumes da população que tende a augmentar, e muito. Dentro de pouco tempo, se crearem vehiculos de segunda classe, verão dentro delles até os mendigos. (O texto apresenta grafia da época (publicado no jornal “A República”, em 04/03/1908 – A ESMO – João Cláudio – Pseudônimo de Henrique Castriciano (1874-1947)).

Em 1909, vemos a crônica publicada n’A Republica. Nela, um personagem denominado Epaminondas, diante do calor escaldante que fazia em Natal, toma o seu chapéu e, resoluto, embarca no primeiro bonde que desce pela sua rua. De imediato, Epaminondas se encanta por uma senhora sentada à sua frente, que exalava delicioso perfume. Logo, esse personagem descobre, atento à conversa da dita senhora, que ela era passageira do Acre ancorado no porto de Natal. Com a curiosidade de uma touriste smart, a elegante dama, nascida e criada na capital federal, desejava conhecer a cidade que visitava. Mas, no bonde repleto, nenhuma alma aparecia que se dispusesse a ciceronear a dama, o que profundamente incomodava Epaminondas. Não mais se contendo, esse personagem se volta para a senhora e lhe faz um convite reticente: “Si v. exa. permitisse…”, ao que ela responde “Mostrar-me-ia todas as bellezas de sua terra, não é assim? Com muito prazer […]”.

A partir daí, Epaminondas põe-se a apresentar o que Natal tinha de mais encantador. A cidade, dirá ele à touriste smart, progredia e em dez anos apenas havia sido transformada por várias obras, não sendo exagero dizer, segundo esse personagem, que se tratava de “uma cidade quasi nova…”.

Os animais passaram poucos anos servindo de tração aos bondes em Natal: dois anos após a inauguração dos carris urbanos, publicou-se em Mensagem de governo a intenção de promover a substituição da linha existente por outra movida à eletricidade e que servisse a todos os bairros; do mesmo modo a substituição da iluminação a acetileno por iluminação elétrica, sob a alegação de que aumentaria a intensidade da luz. Porém a “crise” era expressa nas críticas acerbas que punham em xeque a forma como se dava – ou às vezes mesmo a necessidade de – o processo de modernização. Para quê o bonde e a energia elétrica, se a cidade não tinha condições de mantê-los, questionavam alguns editoriais do Diário de Natal em 1910.

A 02 de outubro de 1911, surgiram os bondes elétricos, sob a incumbência da Empresa de Melhoramentos do Natal, Vale Miranda & Domingos Barros. Posteriormente, com a rescisão de contrato, o serviço de viação urbana; luz, telefones e abastecimento de água passou para a Empresa de tração Força e Luz.

O bonde durante as primeiras décadas do século XX era o transporte urbano por excelência, sendo o veículo de locomoção de grande parcela da população. A implantação das primeiras linhas na cidade geralmente seguia a disposição coerente: primeiramente eram instaladas nos espaços consolidados e, posteriormente, em suas zonas de expansão.

Natal transforma-se lentamente, porém não na velocidade proposta por Manoel Dantas, procurando adequar seu traçado às demandas do tempo da Companhia Ferro Carril do Natal e seus bondes puxados a burros.

Nas imagens abaixo pode-se imaginar a Natal do bonde puxado a burro, época em que acompanhar um cortejo fúnebre não era tarefa fácil, e, em muitos casos quando o morto residia na Ribeira havia necessidade de ir de trem até o antigo Oitizeiro. Vê estas fotos é para a geração atual um convite à reflexão, sobre os caminhos e descaminhos da cidade dos Potiguaras.

Bonde puxado por burros na avenida Hermes da Fonseca, entre os sítios Senegal (Joaquim Manoel Teixeira de Moura) e Covadonga (Alberto Maranhão). Foto de Manoel Nazareno Teixeira de Moura.
Manoel (“Nezinho”) Borges (paletó escuro) no bonde puxado por burros. Natal 1918.
Espacialização das linhas de bonde construídas em 1908. Fonte: Acervo HCUrb. Nota: Elaboração do autor sobre o mapa do Plano de Sistematização de Henrique de Novaes para Natal, de 1924. Cidade Nova destacada em laranja.
Vista da praça André de Albuquerque sendo bastante utilizada pelos moradores.

Inauguração do Bonde elétrico

A inauguração foi programada para o dia do aniversário do governador Alberto Maranhão, com presença do governador e demais autoridades. E pelas mãos de Alberto Maranhão o “comutador lançou a corrente elétrica nos circuitos da Força e Luz”, marcando a inauguração dos serviços de bonde e luz elétrica, pelas suas mãos foi acionado o foco de modernidade que irradiaria Natal (A Republica, n. 214, 1911.).

Quatro bondes ficaram à disposição dos convidados, conduzindo-os até o Palácio do Governo. O serviço de bonde e de iluminação pública celebrados atingiam um pequeno trecho da cidade. De acordo com nota em jornal publicada pela empresa, correspondia “somente da avenida Rio Branco à Ribeira” (EMPREZA de Melhoramentos. Diário de Natal, 3 de outubro de 1911, p. 1.).

Em evento de relevância realizado pelo Natal-Club foi o carnaval de 1911. Manoel Dantas e José Pinto, então presidente do club, foram pessoalmente à residência do Dr. Alberto Maranhão, governador do Estado, para convidá-lo a comparecer ao baile que estavam organizando com toda energia. O governador aceitou prontamente o convite (A REPUBLICA, Natal, 22 fev. 1911.) Afinal, o evento comemorava não só o período carnavalesco, como também o festejo pelos melhoramentos pelos quais a cidade vinha passando, como a iluminação e os bondes elétricos, e a inauguração da Avenida Hermes da Fonseca (a avenida oitava no plano de Cidade Nova), obras patrocinadas pelo Estado.

Dois meses após a instalação do bonde elétrico, mais material rodante e trilhos para serem assentados chegavam ao porto de Natal. Em 25 de março desse ano o ancoradouro Martha I aporta na cidade carregando o material a ser empregado nas obras de melhoramentos – 1.500 toneladas e 5 km de trilhos para bondes. A compra do material ocasiona diversas discussões acerca dos gastos nas obras. O periódico “Diário de Natal”, editado e publicado por membros da oposição da oligarquia Albuquerque Maranhão, critica o uso do montante adquirido por empréstimo estrangeiro por parte do Estado para custear as obras, e também o fato de que os empreiteiros Domingos Barros e Vale Miranda não pagaram a devida caução ao governo pelo empréstimo realizado. Parte desse material que chega ao porto é transportado por desvio da linha da Great Western. Nesse período, as obras da Usina Elétrica do Oitizeiro também se encontravam a todo vapor.

As obras são oficialmente inauguradas no dia 03 de outubro de 1911. Os serviços, entretanto, se limitaram apenas a uma restrita parte da cidade: “[…] Os bondes funccionaram regularmente, a área actualmente servida é muito pequena. E’ somente da avenida Rio Branco à Ribeira” (EMPREZA…, 1911, p.01). Nesse momento três inaugurações acontecem: a da usina de energia, do bonde elétrico e da iluminação elétrica pública. Além da realização das obras, o novo edifício-sede da Empresa de Melhoramentos de Natal – assim como o prédio da estação telefônica – tem a sua construção iniciada na Avenida Tavares de Lyra.

A própria estrutura da iluminação pública e dos carris elétricos foi feita sobre a estrutura anterior. Inaugurada em 1905, a rede da iluminação baseada no gás acetileno foi praticamente aproveitada em sua totalidade para a rede elétrica. A lógica dos caminhos do bonde à tração animal serviu também para as linhas eletrificadas.

No ano de 1911, o serviço de bondes da capital sofre um novo impulso com a eletrificação das linhas. A inserção dos bondes elétricos faz parte do projeto modernizador do governador Alberto Maranhão, em segundo mandato. O bonde é retratado pelos periódicos locais como o mecanismo propagador do progresso nas ruas e avenidas da capital. Em conversa com o repórter de “A República”, um dos sócios da Empresa de Melhoramentos de Natal – concessionários dos serviços – o Sr. Domingos de Barros, comenta sobre a implantação dos bondes elétricos e as mudanças ocasionadas, já antevendo a ampliação dos serviços de bondes elétricos na Cidade Nova.

O sistema básico da Usina do Oitizeiro, conforme os dados da inauguração, em 1911, assentava-se em dois motores a vapor que produziriam o equivalente a 225 cavalos de força (aproximadamente 165 kW). O intento da Empresa de Melhoramentos era que, em caso de falha de um dos motores, o segundo manteria o abastecimento normal. Ressalte-se também que os dínamos para as maiores cargas do sistema – iluminação pública e circulação dos bondes – eram independente, o que evitaria, a princípio, quedas completas de energia e variação excessiva da luminância. (Araújo, 2010)

E, pelo registro dos periódicos locais, percebe-se um aumento da demanda, principalmente por meio da expansão da linha dos bondes, cujo posteamento permitia também a distribuição da energia elétrica. Isso logo levaria ao limite a capacidade instalada na Usina elétrica do Oitizeiro, exigindo aditivos constantes ao contrato inicial de concessão e promessas contínuas de melhoramentos e aquisição de novos materiais. (Cf. Medeiros, 2011, p.115-137.).

As novas linhas elétricas passaram a abranger uma maior área da cidade: primeiramente os bairros da Ribeira, Cidade Alta e Cidade Nova, atingindo também nesse mesmo ano o Alecrim.

Vista do Centro de Natal a partir da torre da Igreja Matriz para a Praça Padre João Maria. O ano é 1911 (ano em que foram instalados os primeiros bondes elétricos) e 1913 (ano da publicação da foto).
Espacialização das linhas de bonde construídas em 1911. Fonte: Acervo HCUrb. Nota: Elaboração do autor sobre o mapa do Plano de Sistematização de Henrique de Novaes para Natal, de 1924. Cidade Nova destacada em laranja.
Avenida Junqueira Aires, com detalhe para o relógio movido à eletricidade e suas luminárias. Na seqüência, a balaustrada. Fonte: CD Natal 400 anos. A solenidade realizou-se às 17h, no mesmo dia festivo de inauguração da usina de energia elétrica e da instalação dos bondes elétricos, dia 02 de outubro de 1911 (aniversário do governador) MENSAGEM APRESENTADA AO CONGRESSO LEGISLATIVO, em 1° de novembro de 1911, pelo governador Alberto Maranhão. Typographia d’A Republica, Natal, 1911.
Das empresas exploraram esse meio de transporte em Natal, a primeira foi a Ferro Carril de Natal. E isso foi nos fins de Março de 1908, sob o governo de Alberto Maranhão. Bondes da empresa Ferro Carril Carioca. Foto: Tramz.
Ainda no final do Século XIX, a Great Western ligou Nova Cruz a Natal e daí à rede ferroviária do estado. Em 1950, encerrou suas atividades no Brasil, sendo sucedida pela Rede Ferroviária do Nordeste, antecessora da Rede Ferroviária Federal S. A. (RFFSA).
Avenida Deodoro com João Pessoa

Alecrim

Os bondes elétricos inaugurados em 1911 não iam muito além da região central de Natal, chegando apenas até o início da Cidade Nova, situação que se alteraria em 1926, quando a Repartição de Serviços Urbanos de Natal, chefiada à época pelo engenheiro Paulo Coriolano, projeta a construção de uma nova linha de bonde, indo do Tyrol ao Alecrim.

O bonde do alto de Petrópolis, olhando o mar e encantando os passageiros, símbolo desse novo tempo, encurtando as distâncias, chegou em novembro de 1911 (CASCUDO, 2010, p.384), ao Alecrim nas proximidades do antigo Hospital de Alienados (hoje Centro de Saúde Reprodutiva), é lembrado na poesia modernista de Jorge Fernandes (1970):

O Bonde Novo
O bonde que inauguraram
É amarelo e muito claro…
Sua campa bate alegre e diferente das outras…
E seus olhos vermelhos indicam Petrópolis…
Anda sempre cheio porque é novo…
Chega na balaustrada espia o mar…
E os passageiros todos nem olham pro mar…
Só vêem o bonde novo…
Só ouvem a campa nova…
Aquele bonde só devia sair aos domingos
Pois ele é a roupa domingueira
Da repartição dos Serviços Urbanos…

Mas em outubro de 1911 era criado, por força de lei, o bairro do Alecrim, e isso ocorria três semanas depois da inauguração solene de um conjunto de melhoramentos para a cidade, compreendendo luz elétrica, bondes elétricos e telefone, pelo governador Alberto Maranhão. A inauguração solene desses melhoramentos por parte do governador Alberto Maranhão ocorreu no dia 2 de outubro de 1911. Cf. ARRAIS, Raimundo; ANDRADE, Alenuska; MARINHO, Márcia. O corpo e a alma da cidade.Natal: EDUFRN, 2008, p. 98. Em novembro daquele ano os trilhos do bonde elétrico chegaram até o Alecrim. Daí em diante a história do bairro estaria sempre associado à evolução dos meios de transporte da cidade. A relação entre o crescimento do bairro e a linha de bondes é evidenciada pela matéria do jornal A Republica, de 1912:

O Alecrim é o bairro do futuro. Disto, acabamos por se convencer ontem, quantos estiveram presentes à inauguração do ramal elétrico que fica magnificamente a servir. Uma linhazinha de Tramways rápidos, cômodos e baratos, estavam a calhar: os senhores verão como aquilo vai prosperar ainda mais, aumentando extraordinariamente o número de habitações nas vizinhanças do Cemitério Venerável . (A República, 1911).

A linha de bonde elétrico, estendida até o Alecrim, percorria uma extensão de 1.150 metros (COSTA, 1998, p. 122). Para os moradores, as vantagens desse serviço eram indiscutíveis. O bonde elétrico permitia um deslocamento mais rápido e mais cômodo das pessoas que iam do Alecrim a outras partes de Natal. Mas não era apenas a economia de tempo que interessava às pessoas. Especialmente os proprietários, percebiam que a linha de bondes contribuía para a valorização fundiária do Alecrim, pois os transportes urbanos incorporavam valor aos seus terrenos. Assim, nos anúncios de compra e venda de terrenos, publicados nos jornais, eles não esqueciam de apontar as vantagens de uma propriedade situada nas proximidades da linha do bonde. Eis uma amostra desses anúncios, de 1925:

ALECRIM – Optima vivenda para grande família, construcção nova, com installações hygienicas, agua e luz electrica. Situada à rua Coronel Estevam, próxima a linha de bondes e em frente ao Grupo Escolar Frei Miguelinho (ALPHABETICOS, 1925).

Os bondes, apesar das obras de prolongamento das linhas, começam já em 1912 a apresentar problemas técnicos significativos, especialmente na linha em direção ao Alecrim. O bairro possuía como um elemento delimitador que o separava da cidade a região do riacho do Baldo, que alagava constantemente durante os períodos de chuva, ocasionando a interrupção do serviço de bondes ao Alecrim. Esse elemento natural, portanto, oferecia um importante obstáculo ao acesso das populações a essa zona da cidade . Em 23 de maio de 1912 é noticiada a suspensão dos serviços em virtude desse motivo.

O suplício terminou em 1912, quando a Empresa de Melhoramentos instalou o serviço de bonde elétrico. Ela estendeu um serviço funerário até o cemitério, oferecendo serviços de primeira e segunda classe As tarifas da primeira classe eram de 45 mil réis, (45#000) e a companhia assegurava:

“O coche funebre é rebocado por um carro especial de 1º classe comportando 36 pessoas com direito a serem conduzidas a qualquer ponto do circuito”. E, no mesmo comunicado, deixa perceber que os cortejos inscreviam- em uma situação excepcional dentro do bairro. Não apenas porque introduziam entre os moradores, a lembrança inelutável da morte, mas porque introduzia uma movimentação incomum nas ruas do bairro. Assim, precavida, a companhia avisava: “Para não perturbar o trafego, o coche funebre que estará em um dos quatro desvios do circuito, sahida pontualmente na hora combinada” (EMPREZ A…,1912).

É claro que diversos outros fatores foram determinantes no aumento populacional experimentado pelo Alecrim nas primeiras décadas do século XX, tais como o incremento comercial de sua feira e as transações de produtos realizadas com comerciantes vindos do interior pela rodovia que interligava Natal a Macaíba e dali ao sertão, porém cabe destacar que a aproximação proporcionada pelas linhas de bonde, motivou um grande êxodo populacional das camadas menos favorecidas para essa área.

Conforme a historiadora Madsleine Leandro da Costa, em 1955 os bondes seriam extintos (COSTA, 1998, p. 152)). Em pouco tempo, nada mais restava deles senão a recordação dos serviços que ele prestara aos moradores. A memória dos atuais moradores do Alecrim alcança o início do serviço de transporte feito pelos ônibus, mas raros são os que são capazes de se lembrar dos bondes antigos.

“Olhe, a minha infância foi muito feliz. O Alecrim da época de minha infância era um bairro muito tranquilo. Não sei se vocês ouviram falar, mas existia bonde, vocês sabem o que é bonde? Era um tipo de transporte que aqui no Alecrim passavam duas linhas, a linha se Lagoa Seca Alecrim e a linha do Alecrim à Ribeira. Então, automóvel na época era muito difícil, no bairro do Alecrim a gente sabia quem tinha automóvel, ‘fulano’, ‘fulano’ e ‘fulano’ tem automóvel. O restante para se deslocar de um bairro para outro era ou de bonde ou de carro praça. Na época não existia ‘taxi’, a palavra ‘taxi’ veio bem depois, o ‘taxímetro’ também veio bem depois, a palavra ‘táxi’ só começou a ser usada quando chegaram os ‘taxímetros’, até então era carro de praça”.
Magno Fernando Vila

Grupo Frei Miguelinho no Alecrim. À frente do edifício, se pode ver a linha de bonde que servia o bairro. Fonte: CAMARA, Amphiloquio. Scenarios norte-riograndenses (1923). Rio de Janeira: Editora “O Norte”.
Vista da Av. Presidente Bandeira (Av. 2), detalhe para os trilhos do bonde. Início da década de 1960. Acervo Família Galvão.
Vista do antigo Quitandilha. Foto: Grevy. Detalhe para a linha do Bonde em concorrência com os ônibus.
Os automóveis concorrem com o Bonde na Rua Amaro Barreto, Alecrim, 1949.
Imagem anterior a década de 60 da praça Almirante Tamandaré no Alecrim. É perceptível os trilhos dos bondes que linterligavam o bairro ao centro de Natal. Ao fundo nota-se a torre da igreja de São Pedro. O prédio à direita hoje funciona o Sintro (Sindicato dos Rodoviários) que na época não havia ainda o primeiro andar. Autor desconhecido.

Curto circuito movido a críticas

Os bondes foram possivelmente a melhor expressão dessa “crise”, tornando-se matéria constante nos periódicos, principalmente depois da eletrificação das linhas, em 1911.

Em meados de 1912 é inaugurada mais uma linha ao monte de Petrópolis e os trilhos alcançam o Tirol, parando na residência de Alberto Maranhão. Neste mesmo ano havia cinco bondes elétricos em tráfego, descritos pela empresa responsável pelo serviço como “sólidos, confortáveis e possantes, providos de aparelhos elétricos os mais modernos, e profusamente iluminados” (A Republica, n. 12, 1912.). Essa descrição dos bondes concilia elementos emblemáticos da modernidade urbana daquele início de século. Um passeio pelo bonde materializava os emblemas da modernidade, descritos pelas sensações de força e conforto.

Ainda em 1912, as matérias referentes ao assunto traduzem uma grande insatisfação acerca da precariedade dos serviços prestados por essa empresa. As reclamações se deram em relação às irregularidades nos horários dos Tramways ou Elétricos (denominações que também recebiam os bondes), por estes apresentarem defeitos, ou ainda em relação aos pontos de parada, ao valor das passagens e pelo número de acidentes causados pelos Bondes (Ver, por exemplo, o Jornal A Republica do ano de 1912 e Diário do Natal de 1912).

A Praia de Areia Preta era o local de chegada dos bondes elétricos, que desciam o morro de Petrópolis para o deleite daqueles que gostavam da brisa do mar. Mas, isto era, em 1912, segundo Cascudo (1999), o mais delicioso passeio da época. Podemos imaginar.

Os bondes, durante o tempo que estiveram em funcionamento em Natal, inspiraram não só crônicas entusiasmadas, mas também muitas queixas.

Eram noticiados o “ambiente de risco” em jornais da oposição ao governo, por exemplo, o Diário de Natal, que noticiou vários acidentes com os bondes, sobretudo choques e atropelamentos desses equipamentos que se movimentavam pelas ruas da cidade “em vertiginosa disparada sem dar pelo break” (O BONDE. Diário de Natal, n. 4.209, 13 de junho de 1911, p. 1.).Desde a inauguração dos serviços de transporte que a ocorrência de acidentes ganhou espaço na imprensa local. Por exemplo, uma notícia de março de 1912 sobre um choque entre dois bondes na Avenida Sachet atribuía tal fato “à imperícia do motorista Severiano”. Por isso, afirmava o jornal, não era prudente confiar esta função a “empregados que não têm a precisa prática e que, em ocasiões tais, não sabem fazer uso do guarda freio automático que têm os veículos”

O mau funcionamento ou imprudência na condução resultavam em acidentes. A sensação de que de repente o bonde podia surgir numa esquina e causar um desastre promoveu a modificação das percepções das pessoas ao caminhar pela cidade. Elas tinham
que reaprender a andar por ela, tendo em vista que agora existiam espaços distintos para pedestres e os meios de transporte.

Em maio de 1912, é dissolvida a sociedade entre Domingos Barros e Valle Miranda. Segundo a nota, todo o ativo e o passivo passam a ser de responsabilidade única do senhor Francisco Gomes Valle Miranda (A PRAÇA, 1912). A empresa passaria em setembro do mesmo ano das mãos do Sr. Valle Miranda para a responsabilidade de “um grupo de capitalistas” paulistas (REPAROS…, 1912a).

As irregularidades ocasionadas, entretanto, não impediriam a continuidade nas obras de prolongamento. Em 05 de agosto de 1912 é inaugurada a linha de bonde elétrico até o Monte Petrópolis pela Empresa de Melhoramentos. A viagem inaugural contou com a presença do Governador do Estado e outras autoridades, que ao chegarem ao destino visitaram o Hospital Juvino Barreto. Com essa linha, a residência do governador, a Vila Cincinato, passava também a ser servida pelos bondes (EMPREZA…, 1912c). A importância dos bondes nos discursos dos periódicos passa cada vez mais a estar relacionada ao direcionamento do crescimento da cidade.

Os espaços para pedestres foram delimitados e a população teve que aprender a andar pelas calçadas, a programar suas atividades diárias tendo em vista o horário dos bondes, a ler os códigos e sinais relacionados ao uso do transporte urbano, como as “cintas brancas” que indicavam os pontos de parada do bonde ao longo das linhas, local de onde os passageiros deviam pedir sinal de parada “uns quinze metros antes do ponto em que se desejam descer” de acordo com aviso publicado pela empresa concessionária. (AVISO. A Republica, 08 de outubro de 1912, p. 3.).

Com o crescimento das linhas e o aumento do número de usuários, aqueles que defendiam a implantação dos bondes criticam os que afirmavam que não havia demanda suficiente, ainda na época dos bondes à tração animal (REPAROS, 1912c). A expansão das linhas dos elétricos, atendendo, destarte, uma maior parcela da população, torna o bonde um novo elemento no cotidiano dos que habitam Natal, apesar do mau serviço. As irregularidades no material rodante e nas condições infraestruturais das linhas é um aspecto que desde os primeiros anos de funcionamento será recorrente nos serviços de bonde da capital. Apesar dos investimentos paulatinos, a má conservação e a insuficiência no número de carros ocasionam constantes reclamações por parte da população e dos periódicos em circulação.

Essas críticas foram valorosas fontes para nosso conhecimento dos fatos e motivações que moveram as atuações das empresas responsáveis pelos serviços de eletricidade em Natal. Dentre eles, o rompimento da sociedade entre Francisco Valle Miranda e Domingos Barros, ocorrida no ano seguinte à inauguração dos serviços de iluminação e bondes elétricos, tendo permanecido a Empresa sob a propriedade de Valle Miranda. Sem o sócio, o proprietário da Empresa de Melhoramentos de Natal não conseguiu levar à frente os negócios.

Chegado do bonde ao Monte Petrópolis em 1912. Cartão-postal. Local que já foi a Vila Severo, o Hospital Justino Barreto, Miguel Couto e Hoje é o hospital das Clínicas, era composto pelas instalações do Café Petrópolis e do bonde elétrico que se inaugurava. O serviço da Estação dos Bondes Elétricos “Great Western” que circularam em Natal foi inaugurado no dia 7 de setembro de 1908. FONTE: Diário de Natal, 25/26 dez. 1999. p. 6.
Espacialização das linhas de bonde construídas até 1912. Fonte: Acervo HCUrb. Nota: Elaboração do autor sobre o mapa do Plano de Sistematização de Henrique de Novaes para Natal, de 1924. Cidade Nova destacada em laranja. Linha para o Monte Petrópolis em cor magenta. Observação: O projeto para o bairro Cidade Nova foi elaborado em 1901 pelo agrimensor Antonio Polidrelli, durante o Governo de Pedro Velho Albuquerque Maranhão à frente da gestão do Estado. A Cidade Nova daria origem, posteriormente, a dois bairros: Petropólis e Tirol.
Parada do Bonde Elétrico no Monte Petrópolis. Permaneceu com o proprietário Vale Miranda. FONTE: NOBRE, Esdras Rebouças. CD ROM 002. Natal 400 anos de história, turismo e emoção. Serigraf., Sonopress- Rimo Indústria e Comércio fonográfico Ltda.

Mudanças, modernidade e revolta

Em 1913, a Empresa de Melhoramentos de Natal é comprada pelo Coronel Solon que, aliado aos investimentos paulistas, passa a denomina-la Empresa Tracção, Força e Luz Eléctrica de Natal, com sede em São Paulo. Ainda adquiriu, igualmente, a concessão para exploração de outros serviços urbanos em Natal, como abastecimento de água, coleta e incineração de lixo, serviços de telefonia, fábrica de gelo e uma salina do outro lado do Potengi, com capacidade para produzir cerca de cem mil alqueires.

Apesar da crescente importância que o bonde vai assumindo no contexto urbano, os serviços, embora ampliados, continuam a apresentar condições precárias de funcionamento. No dia 14 de abril de 1914 é publicada no periódico “A República” uma reclamação em relação à “péssima” condição da linha de bondes que serve o bairro do Alecrim. É interessante ressaltar que o artigo enfatiza o fato de que os habitantes do bairro são dependentes dos serviços do bonde e designa-os como “passageiros obrigados” da linha.

O bonde “continua expandindo o serviço, de modo que em 1915 alcança Areia Preta, a praia elegante da cidade” (ARRAIS, 2009, p. 173). Um dos marcos que aponta o incentivo do banho de mar para população de Natal se dá após o prolongamento dos trilhos dos bondes da companhia Ferro Carril em 1915 até a praia de Areia Preta. Esse é um momento que inicia a construção de um novo sentido compartilhado pela coletividade nas praias de Natal (MARINHO, 2008) ligando a Cidade Alta e a Ribeira à praia de Areia Preta (MIRANDA, J. Op cit., p.63).

A partir de 1915, as alterações limitavam-se a mudança de trajeto em razão de algum reparo ou festa, reformas e adaptação dos carros, manutenção. A Empresa Tração Força e Luz relega o serviço de bonde a um segundo plano, permitindo que a qualidade do transporte fosse caindo progressivamente (COSTA, 1998, p. 128).

Foi retomado os trabalhos na melhoria da infraestrutura do transporte em 1915 e sua intensificação em 1916, entretanto, não foi complementada rapidamente como se esperava.

Em 1916 Natal tinha 26. 000 habitantes, os bondes puxados por burros ainda estavam sendo utilizados e integravam os Bairros da Ribeira e Cidade Alta, se estendendo até as imediações do atual Aero Clube e depois ao “Monte” de Petrópolis. O Jornal “A República”, em diversas ocasiões, criticava o sofrimento dos animais (mesmo sendo de raça e fortes) que eram submetidos a esforços excessivos com o bonde lotado subindo ladeiras. Mas o governador Alberto Maranhão acabara de implantar a energia elétrica na cidade e o bonde elétrico surgia como grande novidade que já alcançava o novo Bairro de Petrópolis. O bonde elétrico embora tenha sido grande novidade, ainda era muito lento. Quando o chapéu de um passageiro caía fora, dava tempo do mesmo descer, apanhá-lo e correndo ainda pegar de volta o bonde.

O bonde elétrico foi também importante na ampliação das possibilidades de uso da cidade à noite. Alguns relatos sobre festas mencionavam a presença desses dois elementos, iluminação e bondes, como tendo concorrido para o sucesso do evento. Em agosto de 1916, sobre um pic-nic em Petrópolis, comentou-se que “dançou-se animadamente até alta noite”. No dia desse pic-nic de “meio dia em deante, os bondes da linha de Petropolis trafegaram sempre cheios de senhoras e cavalheiros que iam tomar parte e apreciar o pic-nic (…)” (O PIC NIC Petropolis. A Republica. 12 ago de 1916. p. 2.).

Era hábito em Natal as famílias realizarem piqueniques aos domingos. Além de pontos na margem oposta do Rio Potengi, um outro local de atração era o “Monte”, onde atualmente funciona o Hospital Onofre Lopes. Para chegar ao topo do “Monte” as pessoas iam a pé através de uma estrada estreita e arenosa, mas a partir de 1916, esse local passou a ser o ponto terminal da linha de bondes.

Faltaram bondes para a quantidade de pessoas que passou pelo bairro do Alecrim nas festividades natalinas de 1916, localidade que era considerada o limite da área urbana até 1908 e que foi oficialmente considerado como bairro em 1911, de acordo com Resolução Municipal. Areia Preta destacou-se como recanto elegante das festividades natalinas do ano de 1916, evento que marcava a abertura do período de veraneio na cidade, que tinha essa praia como um dos lugares mais concorridos desde a ocupação do bairro Cidade Nova. Sendo assim, desde outubro desse ano a gerência da E.T.F. e Luz Elétrica de Natal anunciou que os “bonds da linha de Petropolis que partem da Ribeira até 10, 57 e de 3,27 avante, irão á Areia Preta, emquanto durar a estação de banhos de mar” (E.T.F. e Luz Elétrica de Natal/Bonds. A Republica. 09 out. 1916.).

Tornou-se um dos símbolos da modernização da cidade, diminuiu as distâncias e proporcionou aos seus usuários a sensação de experimentar velocidades nunca antes vivenciadas. Como afirmou o cronista Antônio, seu movimento “saccode os nervos mais sadios” (Ex-bonde. A Imprensa, 1916).

Os atrasos e acidentes envolvendo os bondes construíram um ambiente de desconfiança e esses equipamentos passaram a ser acusados de “indecentes e imprestaveis que ainda se arrastam, mercê de Deus, (…) não merecem a menor confiança” (A Imprensa, n. 531, p. 01, 1916).

Em 1916 a concessão dos serviços elétricos em Natal muda novamente de mãos, apesar de a empresa concessionária continuar se chamando Tração, Força e Luz. Em 02 de dezembro de 1916 é publicada em “A República” uma comunicação de A. de San Juan, novo engenheiro chefe da Empresa de Tração, Força e Luz, ao governador Ferreira Chaves acerca da situação do equipamento herdado pela Empresa Tração, Força e Luz e os melhoramentos efetuados depois. Entre as melhorias empreendidas cabe destacar a compra de novos geradores com potência bem superior tanto para iluminação pública, como para alimentar os bondes em circulação, além da expansão das linhas de tramways pela cidade. Esses trabalhos haviam sido iniciados na gestão anterior, em março de 1915.

Em 18 de dezembro de 1917, em virtude das revoltas populares contra a prestação de serviços realizada pela empresa, é ordenada pelo Governo do Estado uma vistoria à Empresa Tração, Força e Luz. A vistoria, realizada por uma comissão de engenheiros formada pelos senhores José Domingues, Gonçalves de Almeida e Eduardo Parisot, foi incumbida em verificar se os serviços estavam sendo realizados com segurança (EMPREZA…, 1917a). Entre os quesitos avaliados encontravam-se a condição dos freios e dos carros das linhas de bonde. Enquanto que os freios são considerados em bom estado, a conservação dos bondes em si é considerada precária. No momento da inspeção apenas 3 carros encontravam-se em tráfego.

Capa do contrato com a empresa Tração, Força e Luz Elétrica de Natal. Fonte: Acervo do Centro Norte Rio-grandense, Rio de Janeiro.
Quadro com os horários de saída e chegada dos bondes, em todas as
linhas em circulação na cidade, publicado diariamente pelo periódico “A República”. Fonte: A República, 1913
Poste elétrico na Avenida Junqueira Aires em 1914. Observa-se a linha dos bondes. Fonte: MIRANDA, 1981.
Local da Praça Padre João Maria em 1916.
Cavalaria perfilada na Parada de 7 de Setembro na Ribeira, 1917.
Avenida Deodoro da Fonseca, 1917

Tentativas e erros

Além dos melhoramentos materiais já mencionados na administração de Ferreira Chaves, outros também se faziam sentir tanto em relação à organização territorial do estado – como a continuidade do prolongamento da Central – como a nível intra-urbano com a ligação da estrada com a Estação Central nas Rocas e a construção do cais (A REPUBLICA, 1919d). Apesar de todo o avanço nas diversas áreas, a crítica à situação dos serviços a Tração Força e Luz retorna com veemência. O governador argumenta que os problemas nesses serviços decorrem do contrato firmado no governo passado e da eclosão da Primeira Guerra. O próprio periódico “A República”, defensor dos interesses da situação, não pode evitar as críticas ao estado lamentável do transporte por bondes em Natal.

Os bondes, além de não atenderem a demanda, desmanchavam-se ao longo dos trajetos, deitando por terra a sua fiação elétrica, trazendo riscos à vida dos pedestres e usuários dos veículos (“Tópicos & Notícias”, A Imprensa , n.1416, p.02, 19 out. 1919; Mello e Souza, 1920, p.40.).

Vinculando diretamente a problemática da saúde pública às reformas urbanas e, consequentemente, a um projeto de modernização social e econômica, a descrição, a narrativa e o diagnóstico construídos pelo médico Januário Cicco estabelecem, para o pesquisador atual, um importante documento sobre a cidade de Natal na virada para os anos 1920.

Quadro que, desde a inconstância dos serviços de abastecimento d’água e de energia elétrica, dos atrasos constantes na circulação dos bondes, da precariedade do calçamento e da insuficiência da coleta do lixo, até a falta de hábitos higiênicos, de educação alimentar ou mesmo de regras de comportamento – no teatro, na biblioteca, nos bondes, nas ruas, nas praças e passeios públicos –, ilustrou e conformou todo um conjunto de temas que foi mobilizado para estabelecer novas bases e questões que justificassem e reestruturassem as reformas urbanas que se julgavam e se defendiam como necessárias à cidade. Uma constante na imprensa periódica local desde meados da década de 1910, pelo menos, essas representações de uma “crise” urbana são, portanto, um ponto de partida para compreender o projeto de modernização para Natal articulado durante os anos 1920.

Mesmo assim, a administração pública multou a empresa em 2:400$000 (dois contos e quatrocentos mil réis) por descumprimento das cláusulas do contrato com relação aos bondes (Governo do Estado. Notas Officiaes. A Republica, 14 de janeiro de 1920.).

Para agravar a situação, os serviços urbanos, a cargo da Empresa de Tração Força e Luz , “alem de defficientes, [eram] também onerosos”. Frente ao não cumprimento das exigências contratuais, do não atendimento aos prazos para melhoria dos serviços, o governo estadual decidiu rescindir o contrato de cessão dos direitos de exploração dos serviços urbanos e penhorar os bens e as rendas da empresa para pagamento das multas. Com o abandono da direção da Empresa de Tração Força e Luz antes da execução judicial, a administração se viu obrigada a providenciar, às pressas, condições para o funcionamento mínimo dos serviços de abastecimento de água, de iluminação elétrica e do transporte coletivo, com os bondes elétricos. (Mello e Souza (Mensagem de Governo do RN), 1920, p.37, 39-41.).

As mudanças na cidade não se encerraram na substituição da iluminação dos espaços públicos da cidade: o trilho do bonde e os postes de energia elétrica levavam consigo o ar de progresso às ruas da cidade, compondo uma paisagem que se fazia onipresente em meio à estrutura urbana ainda colonial. Contudo, a insuficiência do sistema para sustentar a demanda, a limitação dos recursos, a falta de mercado consumidor, as dificuldades de manutenção, dentre outros fatores, marcam um processo de crise que atravessou os anos 1910, pondo em xeque os elementos de modernidade, o que culminaria na interrupção da concessão dos serviços urbanos junto à Empresa Tração, Força e Luz, em 1920.

Bonde passando em frente ao coreto da Praça André de Albuquerque, 1918. F (Arquivo HCUrb). Autor desconhecido. Fonte: Acervo Diário de Natal
Bonde passando em frente à Prefeitura, 1922 (Foto do acervo de José Estácio de Aquino Filho).
Terrenos de propriedade da ETFL, no Baldo. Fonte: Cicco, 1920.
A Foto da sede da Intendência, tirada por Manuel Dantas na década de 1910. À direita, na imagem, vê-se o prédio da farmácia Torres. Na década de 1920,essa sede, modesta em suas formas, dará lugar a um prédio mais imponente, de estilo eclético, que ainda hoje sedia a prefeitura da cidade. No lado direito da imagem nota-se um bonde.
Bonde elétrico passando pela Avenida Junqueira Aires, Natal 1920.
A cidade oficial documentada pelo historiador Rocha Pombo – a praça André de Albuquerque, Cidade Alta, vista do alto da torre da Matriz Fonte: Pombo, 1922. Praça André de Albuquerque – 1920 (fonte: Como se higienizaria Natal.)

Crise financeira

As crescentes dificuldades financeiras do estado e do município impediam, justificava-se, o pleno restabelecimento do fornecimento dos serviços; o tráfego dos bondes era cada vez mais irregular e, por vezes, nem mesmo acontecia. Ao longo de 1921, o governo estadual tentou, sem sucesso, a contratação de uma nova empresa concessionária (para os serviços urbanos de viação, iluminação pública e particular, telefonia, abastecimento d’água, remoção de lixo, drenagem das águas pluviais e fábrica de gelo) por meio dos reiterados editais de concorrência pública. Por fim, decidiu abrir um crédito extraordinário de 600 contos de réis por meio do decreto n.º 150, de 8 de setembro de 1921, encaminhado ad referendum do congresso legislativo, com o intuito de viabilizar a operação dos serviços básicos por parte da administração pública, reparando a maquinaria da usina elétrica e adquirindo o material necessário – fios de transmissão de energia, dormentes, motores e carros novos – à normalização do tráfego dos bondes. (“Editais”, A República, Natal, n.145, p.2, 08 jul. 1921; Mello e Souza (Mensagem de Governo do RN), 1921, p.32-33).

Não podendo, como disse, fazer a encomenda do novo motor a vapor, que a comissão de engenharia julgava imprescindível para assegurar a regularidade dos serviços dos bondes, encomendei, em começo de Janeiro, todas as peças necessárias para a restauração completa de um dos motores existentes, projetando, logo que estas chegassem e verificassem o resultado, encomendar as do outro. A casa fornecedora, que é representante da fabrica alemã, pediu um prazo de 4 a 5 meses para a entrega no porto de Hamburgo, e dez meses depois esse material ainda não chegou, apesar das reiteradas solicitações para apressar a remessa. Os bondes, quatro apenas, porque não havia recurso para maior numero, e porque espero reparar os motores dos antigos, estão comprados e pagos, inclusive o frete do Rio de Janeiro, onde foram adquiridos, para aqui: as linhas de trilhos, que foi preciso reconstruir inteiramente, estão em grande parte prontas, mas sem material há pouco referido nada é possível fazer. (Serviços…, A República, 24 nov. 1922.)

Dentre esses embaraços, os principais eram atribuídos às dificuldades de importação, aos atrasos na entrega dos materiais adquiridos – as peças de reposição dos motores, os carros novos, os fios de cobre da rede de suspensão dos bondes –, ou mesmo o desinteresse das grandes fábricas em atender solicitações de pouca monta como as que eram necessárias para Natal (Mello e Souza (Mensagem de Governo do RN), 1922, p.46-47).

A constatação técnica da precariedade serviu, ao definir prioridades, pelo menos para direcionar melhor os esforços e os poucos recursos disponíveis. Mesmo assim, o processo era muito lento e estava sujeito aos “embaraços de toda espécie, entre os quais o da falta de recursos não é o mais incômodo”, o que impedia a administração e o seu corpo técnico de atender a “paciente expectativa” dos natalenses. Dentre esses embaraços, os principais eram atribuídos às dificuldades de importação, aos atrasos na entrega dos materiais adquiridos – as peças de reposição dos motores, os carros novos, os fios de cobre da rede de suspensão dos bondes –, ou mesmo o desinteresse das grandes fábricas em atender solicitações de pouca monta como as que eram necessárias para Natal. (Rio Grande do Norte, Mensagem de Governo, 1922, p.46-47.)

Se os bondes eram para alguns a “alma da cidade”, dessa nova cidade em transformação, por meio dos quais era possível senti-la pulsar, vibrar, adivinhar-lhe os estados de espírito, acolhendo a todos “sem distinção de classe, de cor ou de política”, enfim, sem os quais a nova cidade não tinha vida (“O bond”. A República, Natal, n.217, p.01, 23 set. 1923.); o seu funcionamento constantemente precário era, por conseguinte, constitutivo da “crise” da cidade em formação.

E assim foi até que, em 1920, a empresa recebeu execução judicial e os serviços foram assumidos pelo estado a partir de 14 de setembro de 1923 (COSTA, 1998, p. 130).

A cidade oficial documentada pelo historiador Rocha Pombo – A “chjc” Avenida Tavares de Lyra, Ribeira. Fonte: Pombo, 1922. Em destaque, detalhe do adorno Art Nouveau do poste de eletricidade, ao lado a rede de telegrafo. Fonte: DANTAS, 1998.
A cidade oficial documentada pelo historiador Rocha Pombo – a praça da Alegria (atual Padre João Maria) vista do alto da torre da Matriz
Fonte: Pombo, 1922.
Foto da lateral da nova sede da Intendência Municipal, inaugurada em 1922. Observa-se a linha do bande em seus dois sentidos de trafego. Acervo HCUrb.
foto da sede nova intendência de Natal em 1922 feita por João Galvão.
Av. Ulisses Caldas. Prefeitura Municipal de Natal na Av. Ulisses Caldas, em dia de solenidade cívica, no início do século XX. Este prédio foi inaugurado em 7 de setembro de 1922 por ocasião dos festejos comemorativos ao centenário da independência do Brasil, tendo sido projetado pelo arquiteto italiano Miguel Micussi, em estilo eclético. Vista da Av. Ulisses Caldas, descendo para a Av. Junqueira Aires, onde podem ser vistos os trilhos dos bondes. A instalação desses trilhos ocorreu em 1908. Acervo do Memorial Câmara Cascudo. Enviada por Daliana Cascudo. Legenda: Daliana Cascudo com colaboração de Jeanne Nesi.

Intervenção

Os relatos esparsos ou a falta daqueles que esta pesquisa não conseguiu ter acesso não nos permitem acompanhar as minudências dos esforços pela superação da “crise” urbana instaurada da cidade; deste modo, sabe-se que apenas em setembro de 1923 o tráfego dos bondes foi finalmente regularizado, ainda assim para o principal circuito (Alecrim-PetrópolisTirol-Cidade Alta). Tal fato só se tornou possível depois da criação, nesse mesmo ano, da Repartição de Serviços Urbanos (RSU), vinculada diretamente à secretaria do tesouro estadual e dirigida pelo engenheiro mecânico e eletricista Ulisses Carneiro Leão. Contudo, e apesar dos mais de 400 contos de réis despendidos apenas no reaparelhamento dos carros, o restabelecimento pleno dos serviços ainda estava distante no horizonte e dependia da expansão da capacidade de fornecimento da energia que, com poucas alterações, ainda era a mesma de 1911. (“Trafego urbano”, A República, Natal, n.208, p.1, 13 set. 1923; Mello e Souza (Mensagem de Governo do RN), 1923, p.45-).

Apenas em setembro de 1923 o tráfego dos bondes foi finalmente regularizado, ainda assim para o principal circuito (Alecrim-Petrópolis-Tirol-Cidade Alta). Tal fato só se tornou possível depois da criação, nesse mesmo ano, da Repartição de Serviços Urbanos (RSU), vinculada diretamente à secretaria do tesouro estadual e dirigida pelo engenheiro mecânico e eletricista Ulisses Carneiro Leão. Contudo, e apesar dos mais de 400 contos de réis despendidos apenas no reaparelhamento dos carros, o restabelecimento pleno dos serviços ainda estava distante no horizonte e dependia da expansão da capacidade de fornecimento da energia que, com poucas alterações, ainda era a mesma de 1916. “Trafego urbano”, A República, Natal, n.208, p.1, 13 set. 1923; Rio Grande do Norte, Mensagem de Governo do RN, 1923, p.45-49; houve um incremento significativo nos recursos estaduais destinados aos “serviços urbanos”: de apenas 70 contos de réis, em 1920, para 384, em 1922, 1.314, em 1922, e 1.235 contos de réis, em 1923 (Cf. Rio Grande do Norte, Mensagem de Governo 1924, p.59-61).

A Intendência Municipal de Natal passou a atuar diretamente sob a questão da eletricidade apenas a partir da administração de Omar O’Grady (1924-1930), revertendo um quadro de investimentos em obras públicas e serviços urbanos até então de responsabilidade do governo estadual. Contudo, antes dessa nova administração, em 1923, promoveu-se, em parceria com o Governo do Estado, a reestruturação da Repartição de Serviços Urbanos da cidade (Rio Grande do Norte, Mensagem de Governo, 1925.), a qual foram vinculados, entre outras funções, os serviços de bondes e de geração e distribuição de energia elétrica.

No início do ano de 1925, a Repartição de Serviços Urbanos de Natal iniciou a reorganização dos serviços urbanos para aumentar a capacidade energética da usina, melhorar a distribuição e esticar a linha de bonde. De acordo, relatório do primeiro ano de governo de José Augusto, para essa reorganização dos serviços realizou-se um balanço patrimonial da usina, oficina e escritório para se prevê as melhorias e recursos necessários. A Repartição de Serviços Urbanos de Natal tinha o objetivo de colocar em melhor funcionamento e ampliar a infra-estrutura dos serviços da capital. Nesse intuito, construiu novas linhas de bonde e aumentou a iluminação da cidade.

As ações realizadas esticaram a linha de bondes do Alecrim, “atingindo um percurso de 1500 metros”, até o bairro de Lagoa Secca (LINHA DE BONDES: TYROL- LAGÔA SECCA. A Republica, 10 de fevereiro de 1926, p. 1.); reformaram bondes que estavam inativos, num total de nove veículos (VÀRIAS. A republica, 13 de maio de 1925, p. 2.).

Avenida Tavares de Lyra, Ribeira. FONTE: Revista Cigarra, 1929,, ano II, nº 4, p. 65. Avenida Tavares de Lira (atual Avenida Câmara Cascudo) presenta-se uma nova organização urbana na qual estão presentes elementos e uma estruturação diferentes: extensa e ampla avenida, a qual possibilitava a passagem de muitos carros e bondes, tráfego de veículos, diferenciação entre espaço para os automóveis e espaços para os pedestres, ambos devidamente calçados. Os prédios seguem uma padronização nas dimensões das fachadas e a presença dos postes de iluminação elétrica. A avenida Tavares de Lyra foi um exemplo da concretização do desejo de modernização da cidade.
Imagens da Avenida Atlântica após a sua inauguração. A Avenida Atlântica, obra de grande vulto delineada de forma a margear o oceano, tem a sua construção iniciada em junho de 1925 (A REPUBLICA, 1925e). O percurso da avenida é traçado partindo do Laboratório de Análises do Estado até a
chamada Rua das Dunas, passando por Areia Preta, contabilizando uma extensão total de 800 metros. Os bondes são previstos para passar logo após a conclusão da avenida: “a linha de bondes será extensiva á avenida, logo que o permitta o andamento de suas obras” (A REPUBLICA, 1925e, p. 01).

Expanção

O crescimento horizontal da cidade e o consequente aumento das distâncias a percorrer entre os locais de moradia e de trabalho (em sua maioria localizados nas áreas centrais, como o porto, o comércio, os serviços públicos, as fábricas) exacerbaram as dificuldades de sobrevivência da população mais carente. Os trabalhos, a cargo da RSU, de prolongamento da linha de bondes do Alecrim até – o que seria depois – o bairro de Lagoa Seca, no início de 1926, (“Linha de bondes: Tyrol-Lagoa Secca”, A República, n.33, p.1, 10 fev. 1926.) suscitou uma série de reflexões sobre o problema do transporte em Natal e apontou, ainda que de forma tímida, para algumas possíveis soluções.

Em virtude dessa importância ainda desempenhada pelo sistema de transporte, no dia 09 de fevereiro de 1926 são iniciados, sob a direção do engenheiro Paulo Coriolano – Superintendente da Repartição de Serviços Urbanos – os trabalhos de prolongamento da linha de bondes do Alecrim até Lagoa Seca, totalizando um percurso de 1500 metros. Após a inauguração da nova linha planejavase prosseguir uma outra, ligando o Alecrim ao Tirol (LINHA…1926). A iniciativa é louvada pela imprensa local como obra imprescindível para a população residente em Lagoa Seca, citando também o fato de que as ruas da localidade, pelo fato de não serem pavimentadas, não ofereciam um acesso cômodo aos veículos automotores. A viação do bonde permite aos habitantes de Lagoa Seca uma maior mobilidade e favorece o seu deslocamento ao centro da cidade.

Em 1926, o governador José Augusto Bezerra de Medeiros ampliou a linha de bonde até Lagoa Seca, transferindo o ponto final para o trecho localizado no cruzamento da Rua Amaro Barreto com a Avenida Presidente Bandeira. Os bondes começavam a circular por volta das 5 horas da manhã, indo até Lagoa Seca e retornando para a Ribeira (CARVALHO, 2004, p. 63).

Nem o prolongamento das linhas, nem a compra de novos carros são suficientes para atender a crescente demanda por transporte público na cidade do Natal. É corriqueiro o fato de que em determinadas horas do dia, especialmente naquelas horas de pico, os bondes estejam “já apinhados”. Os carros que procedem da Ribeira em direção à Cidade Alta, antes de chegar a esse destino, já na Praça Augusto Severo estão lotados, especialmente de gente em “direção aos seus pittorescos e populosos subúrbios” (DIÁRIO DE NATAL, 1926, p.01).

O preço da passagem de bonde elétrico foi questionado pelo jornal do grupo opositor ao governo, o Diário de Natal. O bonde era único meio de acesso às vastas extensões da cidade, mas, custando $200, tornou-se “inacessivel á bolsa do pobre”, o que levou esse periódico a sugerir que fossem colocados a disposição “carros de segunda classe, ao preço de $100 a passagem, destinados à gente pobre, que também precisa locomover-se, com facilidade, ao longo das nossas principais artérias” (PROBLEMA DE TRANSPORTE. Diário de Natal, 21 de junho de 1926.).

Entretanto, embora o benefício fosse real, é reivindicada pelos órgãos de imprensa a diminuição no valor das tarifas do bonde, especialmente no caso do novo ramal à Lagoa Seca, cuja população residente à época era formada majoritariamente por extratos mais pobres da sociedade natalense.

O aumento do tráfego urbano, de bondes e automóveis, exigiu da Intendência a proposição de algumas normas básicas que estabelecessem signos comuns de sinalização – indicando mudança de trajetos, paradas, retornos, curvas – para os “chauffers”, além da delimitação de pontos de estacionamento e dos limites de velocidade na zona urbana – 20 km/h e, nos locais mais movimentados, 10 km/h; discutia-se, ainda, formas para evitar a lotação dos bondes em “certas horas do dia”. (“Echos e fatos”, Diário de Natal, n.259, p.2, 15 nov. 1925; “Em beneficio do trafego e do publico”, Diário de Natal, n.125,p.1, 03 jun. 1926.).

As aquisições em termos de transporte público nesse momento voltam a ter como foco os veículos tipo auto-ônibus, o que de certa maneira cristaliza a rede de bondes na cidade, cujo último prolongamento acontece ainda no ano de 1926, em direção a Lagoa Seca.

O preço da passagem era de 100 (cem réis). O equivalente* hoje a R$ 9,84.
Espacialização das linhas de bonde em 1926.Fonte: Acervo HCUrb. Nota: Elaboração do autor sobre o mapa do Plano de Sistematização de Henrique de Novaes para Natal, de 1924. Cidade Nova destacada em laranja. Destaque para a linha até Lagoa Seca (em vermelho), inaugurada em 1926.
Panorama apanhado da Rua das Dunas, término da balaustrada da Avenida Atlântica, concluída em 1926.
Aspecto do novo calçamento da Praça Augusto Severo, concluído em outubro de 1926.
Aspecto do bairro da Ribeira em Natal no ano de 1926. A esquerda a estação ferroviária de Natal a época administrada pela GWBR, a direita em frente a estação a praça Augusto Severo, a foto mostra ainda os trilhos dos bondes de Natal. Foto e Fonte: Estradas de Ferro do Nordeste

A relação com o Natalense

O bonde passa a ser parte do cotidiano do natalense. O quadro de horários de trânsito dos veículos em suas respectivas linhas é publicado diariamente nos jornais. As principais avenidas da cidade passam a ter como elemento caracterizante o deslocamento dos bondes, tanto esteticamente nas fotografias e cartões-postais da cidade, como em relação ao constante movimento, imprimindo um novo ritmo a essas artérias. Os serviços de implementação das linhas férreas dos veículos nas ruas também geram problemas – como já mencionado anteriormente – em relação ao acúmulo de detritos nas vias, como por exemplo, na Avenida Tavares de Lyra, uma das mais movimentadas da cidade, defronte ao Cais Tavares de Lyra.

O progresso “chegava” de bonde, transformando e redesenhado a cidade, as dunas, o Potengi e as praias – belezas naturais da terra de Câmara Cascudo, por algum tempo ficaram como despercebidas dos cidadãos desejosos do moderno. As letras natalenses registram, este novo momento, como Fernandes (1970, p. 83) em seu “Livro de Poemas”:

O BONDE NOVO
O bonde que inauguraram
É amarelo e muito claro…
Sua campa bate alegre e diferente das outras…
E seus olhos vermelhos indicam Petrópolis…
Anda sempre cheio por que é novo…
Chega na balaustrada espia o mar…
E os passageiros todos nem olham pro mar…
Só vêem o bonde novo…
Aquele bonde só devia sair aos domingos
Pois ele é a roupa domingueira
Da Repartição dos Serviços Urbanos…
(FERNANDES, 1970, p. 83).

O poeta Jorge Fernandes, neste poema de 1927, saúda o bonde novo, símbolo do progresso, expressando a alegria do natalense em poder utilizar este meio de transporte, assim, a cada inovação que surgia, Natal se distanciava do passado de vila colonial.

A solene sessão inaugural do Aero Club do Rio Grande do Norte teve lugar no Teatro Carlos Gomes a 17 de fevereiro de 1928, e a inauguração propriamente a 29 de dezembro daquele ano, dessa vez em suas próprias instalações. A nova entidade apresentava boas condições para esses eventos, malgrado a “longa distância” em que se encontrava em relação ao centro da cidade, servida por uma linha de bondes e ônibus que percorriam a Avenida Hermes da Fonseca, pouco habitada e sem pavimentação.

Simultaneamente, prosseguia-se com a expansão da rede pública, seja pelo acréscimo de ligações de edificações à mesma, aumento do número de lâmpadas na via pública ou pela instalação de novos caminhos eletrificados para os bondes (Rio Grande do Norte, Mensagem de Governo, 1928.). A defasagem entre geração e consumo tornava a gestão do serviço de iluminação cada vez mais onerosa ao Governo do Estado, que em 1929 propõe, novamente, a concessão desse tipo de atividade a terceiros (Rio Grande do Norte, Mensagem de Governo, 1929.), repassando-o a Companhia Brasileira de Energia Elétrica, subsidiária da AMFORP no Brasil.

Durante o dia os olhos das moças, “ricos de lus e segredos”, animavam os pontos de bondes e as avenidas. Nessas avenidas, as elites locais desfilavam sua elegância e sua “spleen” na cidade, nos seus “pontos chics”, seus “centros elegantes e mundanos”. (D’ALBERT, Lucy. Vida social – Av. Tavares de Lyra. A Republica. 19 de janeiro de 1929, p. 2.).

Esses progressos trazidos pelo novo regime não atingiam os chamados “pés no chão”. A República não viera para eles. Analfabetos, eles não votavam. Suas ruas não eram calçadas; o bonde não passava diante de suas casas; eles não iam ao teatro ou cinema; frequentavam as praças ajardinadas, é verdade, mas não eram vistos com bons olhos pelos que as tinham planejado. Se alguns viam progresso em tudo, sofrendo, segundo a oposição, de “progressomania”, as camadas populares da cidade não o podiam enxergar em quase nada. Esse cenário muda apenas na década de 1920, quando algumas obras e serviços chegam ao subúrbio da capital e, ao mesmo tempo, a Intendência começa a se constituir em um campo de representação política, abrindo espaço para grupos que ganhavam destaque na organização social da época.

Praça Augusto Severo e a estação da E. F. Natal a Nova Cruz. Destaque para o bonde
integrando o transporte inter ao intra-urbano. Fonte: Acervo do Centro Norte-Riograndense de Documentação, Rio de Janeiro.
Aspecto do novo calçamento da Avenida Junqueira Ayres, concluído em 1927.A Junqueira Ayres, no final da década de 1920, era a avenida por onde passavam os bondes e os ônibus, desciam as normalistas e estudantes rumo à Escola Doméstica; rumo à Av. Tavares de Lira, iam-se às vitrines à moda parisiense, aos cafés e rotisseries e aos pontos chics de reunião, passear a elegância e o spleen de Natal; assistir as regatas no rio Potengi ou aos espetáculos e filmes do Cine-theatro Carlos Gomes e do Politheama.
Espacialização das linhas férreas, Central e Great Western, das linhas de bonde e da proposta de acesso ao parque da Central por linha própria, contornando a cidade. Fonte: Acervo HCUrb. Nota: Elaboração do autor sobre o mapa do Plano de Sistematização de Henrique de Novaes para Natal, de A Cidade Nova está demarcada em laranja.
Problemas no transporte público parecem ser mais antigos do que pensamos. O registro fotográfico foi realizado na avenida Tavares de Lira na Ribeira nas imediações do Grande Hotel ao fundo. O bonde lotado com pessoas subindo e descendo… Tem jeito não…

Início do fim

Naqueles anos 1920 o serviço de bonde já andava em declínio, recebendo críticas constantes dos moradores e sofrendo forte campanha nos jornais da cidade, que apontavam os atrasos, a lentidão e os problemas técnicos que apresentavam, acarretando aborrecimentos para os usuários atarefados.

A situação descrita demonstra que a linha de ônibus que a Força e luz pôs a funcionar não foi capaz de resolver os problemas de fluxo na capital. Uma matéria d’A Republica, de 1934, sugeria que mais bondes fossem colocados em movimento, especialmente entre os bairros mais movimentados da cidade, Ribeira e a Cidade Alta, que precisariam de pelo menos três bondes a mais (PROPOSITO / dos trabalhos da empresa Força e Luz e dos bondes para a Ribeira. A Republica, 2 mar. 1934, p. 1.).

A construção da linha própria da E. F. Central, passando pela Rua do Comércio – atual Rua Chile – resolveu parcialmente a questão do acesso ao complexo ferroviário. Entretanto, devido ao fato de nessa artéria se localizarem importantes equipamentos, entre eles as casas de prensagem do algodão, o acesso por esse trecho se tornava “quase impossível de atravessar durante o dia”, o que, portanto, o que fazia com que os trens saíssem e chegassem à estação de Natal nos horários iniciais e finais do dia (ESTRADA…, 1934).

Alguns aspectos inadequados, entretanto, eram decorrentes dessa organização como o cruzamento da linha de bonde do Tirol, na Avenida Jundiaí, bem como, das avenidas Potengi, Seridó e Manoel Dantas. A linha chegou a ser parcialmente construída, tendo o seu leito preparado, porém a solução não foi de fato implementada. Em 1934, a situação ainda gerava acaloradas discussões, em virtude da continuidade na dificuldade de acesso às instalações ferroviárias da Central.

Em meio a tantas acusações, destacamos uma matéria que acusa o bonde de Natal como o “mais defeituoso de todo o Brasil” (MAIS UMA “BÔA” DA CIA. FORÇA E LUZ. A República, Natal, 16 jan. 1935, p. 1.). O bonde ficou lento. Sensações de lentidão e perdas de força figuraram nas percepções que construíram a imagem de seu envelhecimento. Essa imagem aparece forte em uma das primeiras matérias de jornais que deixaram de pedir reformas e melhorias ao relatar as inúmeras queixas, passando a reivindicar o fim do movimento desses veículos, ou um fatal “STOP” como foi publicado n’A Republica em 1935.

As queixas com relação aos transportes públicos denunciavam a demora, a perda de tempo, incompatível com o ritmo de vida moderno. O cronista Danilo escreveu sobre esse tema, sob o título “Enquanto não vem o bonde… (sociaes)”, alegando ser um sofrimento esperar o bonde da linha do Tyrol. A empresa concessionária do serviço de transporte urbano não cumpria com os horários que ela mesma organizou e divulgou em nota nos jornais locais. A espera pelo bonde passava dos vinte minutos, o horário divulgado era “apenas uma tapeação” e o “público que se lixe” (OS BONDES não obedecem a horarios e o publico que se lixe. A Republica. 27 mar. 1935, p. 1.).

As falhas do fornecimento de energia inspiraram o título de matéria d’A Republica, intitulada “Energia a prestação”, fazendo menção ao empacar dos bondes à espera de tração elétrica, mencionando que em algumas linhas faltava energia de “20 em 20 minutos” (OS BONS, HONTEM, TIVERAM ENERGIA “A PRESTAÇÃO”. A Republica. 10 jul. 1935, p. 1.).

Em 1935, o jornal A Republica pediu a aposentadoria dos bondes, com a justificativa de que não atendiam mais as exigências do ritmo da cidade e seu crescimento: os bondes ficaram lentos (CLAMA. A Republica. 12 jul. 1935, p. 2.). Esses elétricos, e aqui estendemos a expressão aos demais serviços e equipamentos acionados por eletricidade, movimentaram a dinâmica da cidade de Natal nas primeiras décadas do século XX, ajudando a elaborar uma sociedade cada vez mais complexa, produzindo consequências materiais para a organização vida uma vida tipicamente urbana.

De sobressalto também se viam meninos “pulando nos estribos dos bondes, morcegando automoveis, gritando jornaes, vendendo roletes, ganhando a vida”. Barbosa, em matéria d’A Republica escreveu que esses meninos que nem sabiam o que era a vida, fossem de Natal ou de outro lugar, davam energia “esfuziante” à cidade. Marcavam o seu ritmo “numa barulhenta marathona”, pulando dos bondes, fazendo o “molho de niqueis tinir, sonoramente” e gritando em “cantinela” os nomes dos jornais e as notícias das “cousas que se passam em lugares que elles nem sabem si são deste mundo ou de outro mundo” (BARBOSA, Edgar. Variações sentimentais – o vendedor de bonecas. A Republica. N° 1558. 22 de março de 1936, p. 6.)

Em fevereiro de 1936, as ruas do Alecrim foram cenário de um acidente noticiado na imprensa:

Hontem, por volta das 11 horas, nas proximidades da Pharmacia Navarro, no Alecrim, o ‘bond’ n. 13, dirigido pelo motorneiro Severino Pinto de Abreu, abalroou com o caminhão 522 – TRN – 1, guiado pelo motorista Cicero Mustino. O caminhão ficou bastante damnificado (O BOND …, 1936).

Contudo, antes deles, outras gerações de meninos do Alecrim brincaram pelas ruas do bairro e chegaram a levar suas vidas aventurosas para territórios distantes, pois em 1936 o cronista Edgar Barbosa, ao mencionar os tipos urbanos de Natal, destacava os meninos que se amontavam na Cidade Alta, os “pequenos vendedores da cidade”, vendendo jornais, roletes de cana e gulodices em tabuleiro, e além deles, “os que vendem bom-bons melados em sacólas e os que pulam dos bondes para a calçada, em piruêtas de circo, sem vender cousa nenhuma”. Alguns desses meninos eram do Alecrim e faziam parte de turmas de meninos pobres que passavam parte do seu tempo em atividades que misturavam trabalho e brincadeira:

Esta nação de meninos que mal têm quinze annos não pertence a Natal: uns vieram de bem longe, do sertão, dos brejos, tangidos com a família pelas seccas; outros saem das Roccas, do Alecrim, da Solidão, desses fins de mundo onde a cidade acaba e começa o matto desconhecido; outros, nem sabem de onde vieram nem por que estão aqui, pulando nos estribos dos bondes, morcegando automoveis, gritando jornaes, vedendo roletes, ganhando a vida (VARIAÇÕES…, 1936).

Os riscos envolvidos com o movimento dos bondes na cidade o levaram às seções policiais das páginas dos jornais. Em matéria do jornal A Republica intitulada “Factos policiaes”, publicada em 1936, relatou-se que o “O bond pegou um caminhão” nas ruas do bairro do Alecrim, deixando o mesmo bastante danificado. Percorrendo da primeira página do jornal, sendo noticiado como símbolo do progresso, às seções policiais publicadas entre as últimas páginas, o imaginário em torno desse equipamento urbano
ganhou novos contornos ao longo das três primeiras décadas de sua presença na cidade. Nesse tempo, é como se o bonde tivesse envelhecido, perdido as forças e o vigor da juventude. Como escreveu o cronista Danilo, o bonde seguia a “marcha reduzida”: levando seu excesso de lotação, ele havia perdido a “vontade de chegar” DANILO. No bonde…. (sociaes). A Republica, 28 de agosto de 1937, p. 12.

A linha de contorno teria sido construída parcialmente nos anos anteriores, com um alongamento de cinco quilômetros. Entretanto, Brandão considerava o trecho muito acidentado, por atravessar grande parte da cidade. A linha é avaliada, portanto, como “condenável pelas suas condições de traçado e pelas inúmeras travessias de nível e cruzamento com linhas de bondes”. As condições técnicas, portanto, são apontadas como o principal motivo para o abandono do traçado, especialmente devido ao fato de existirem, em média, três passagens de nível por quilômetro, apresentando rampas que dificultariam a lotação compensadora das locomotivas.

As crônicas publicadas nos periódicos remetem à importância ainda desempenhada pela Praça, por onde transitam os “vagarosos e barulhentos bondes da Força e Luz”, mas lembrando que “vê-se um pouco de longe, o prédio da Great Western […] que á noite, nas horas da chegada dos trens, ha defficiencia de illuminação na ‘gare’ por si já deteriorada” (CHRONICA…, 1937a, p. 02).

O mau funcionamento da infraestrutura dos bondes faz com que os acidentes se tornem cada vez mais constantes. Em 14 de abril de 1937 é noticiado mais um descarrilamento de bonde no cruzamento entre as avenidas Rio Branco e Ulisses Caldas – trecho pertencente à linha Alecrim – Cais do Porto – ponto movimentado da cidade, devido à falha no freio comum do veículo número 17 (A BONDE…, 1937). Em contrapartida, os automóveis se popularizam. Nesse mesmo mês de abril é inaugurada a primeira agência da Chevrolet em Natal, situada na Avenida Nysia Floresta, antiga Sachet, e de propriedade do Sr. Alves Billa (A REPUBLICA, 1937f). Além disso, é realizada, no Teatro Carlos Gomes, a exposição dos novos modelos de automóveis Ford, modelo V8-1937, pelo representante da marca H. Brounstein, que consistia em um verdadeiro espetáculo, contando com a apresentação de músicos de renome nacional como o violinista Léo Cherniavsky (A REPUBLICA, 1937c).

A cidade cresce e se moderniza. Em 1937, as obras de abastecimento e esgotamento sanitário se encontram em pleno desenvolvimento e são inaugurados diversos novos edifícios pela administração Rafael Fernandes, tais como o da Repartição de Saneamento de Natal, o Mercado Público da Cidade Alta, a Delegacia de Polícia do 1º Distrito, bem como, são efetuadas reformas em edifícios públicos como o Quartel da Força Pública Militar. Enquanto isso, os bondes parecem não mais acompanhar o crescimento urbano de Natal (LUZ…, 1937). A única linha tida como em estado satisfatório de funcionamento é a Alecrim – Cais do Porto.

Até mesmo a afirmação de que a linha Alecrim – Cais do Porto trafegava de maneira satisfatória gera discórdia. A posição do cronista Danilo, de “A República”, ocasiona contestações por parte de outros colaboradores do próprio folhetim, que relatou que essa linha seria uma das mais problemáticas (A REMODELAÇÃO…, 1937). Os bondes dessa linha, de acordo com a réplica, estariam fazendo baldeações impróprias em frente ao cemitério do Alecrim, prejudicando, assim, os usuários que teriam constantemente que trocar de veículo, arriscando-se a ter que pagar nova passagem ou a perder o bonde durante a troca.

A duplicação da linha até o Alecrim reforçava o transporte naquele setor onde o volume de passageiros era o mais considerável, entretanto, Tirol e Petrópolis ressentiam de maiores investimentos na infraestrutura do serviço de transporte que os atendia. Além disso, o mal estado de conservação dos bondes em circulação em Natal passava a se tornar questão de segurança pública, uma vez que os acidentes eram mais constantes e em maiores proporções (PERIGOS…, 1937). Aqueles que possuem automóvel e não dependem do bonde para se locomover são descritos como indivíduos de “sorte”, já que não estão sujeitos aos “perigos” de se transitar nos tramways natalenses. No fragmento a seguir percebe-se também que é lamentado o fato de que a infraestrutura ao invés de ter evoluído, teria decaído consideravelmente no decorrer dos anos, como, por exemplo, a inoperância de linhas anteriormente ativas, como no caso da linha de Areia Preta.

Nos anos 1930 a cidade era percorrida por carroças, bondes, caminhões, automóveis de passeio – uma variedade de meios de locomoção que indicam uma intensificação do tráfego, colocando em choque meios de transporte os mais diversos. Afinal, aos poucos os moradores, inclusive os moradores do Alecrim, foram percebendo que havia um preço a pagar pelo progresso, particularmente nos acidentes que eles testemunhavam.

O bonde e a cidade – descendo a Av. Junqueira Ayres. Fonte: Lyra, 2001. Acervo do HCUrb.
A “civilizada” Ribeira – rua do Commercio (atual rua Chile). Fonte: Acervo Diário de Natal.
Praça Pedro Velho (início do século XX) fonte: CD – Natal 400 anos (data e autor não identificados).
O bonde subindo a Avenida Junqueira Aires, atual Câmara Cascudo, ao fundo a Capitania e o Rio Potengi. Av. Junqueira Ayres, década de 1930 (os ônibus dividem o espaço com o bonde). Fonte: Acervo Diário de Natal. Foto João Galvão.
Bonde no antigo Square Pedro Velho, atual Largo Junqueira Aires, Bairro Cidade Alta. Foto: Autor desconhecido (Acervo IHG/RN). Na larga Avenida Jungueira Aires, principal via de acesso entre a Ribeira e a Cidade Alta (calçada e cortada pelos trilhos do bonde), o cortejo se encontra num momento singular para uma foto. O fotógrafo (não identificado) se posiciona num lugar privilegiado, numa das janelas do então prédio do Atheneu, e consegue enquadrar o rio Potengi (ao fundo e à esquerda), o prédio da Capitania dos Portos (ao fundo e ao centro), o relógio (em primeiro plano à direita) e um panorama da larga Avenida que vai sendo tomada pelo préstito que se aproxima, guiado pelo carro triunfal (ao centro e a esquerda).
A Cidade em obras-construção do novo calçamento da avenida Sachet, na Ribeira.
Praça “Augusto Severo” Era um dos logradouros públicos, construído no inicio do século XX. Extraído do jornal: Tribuna do Norte, 25 Dez 1999. p. 10. Foto Grevy- 73.
coexistência de dois sistemas de iluminação: em primeiro plano os postes da iluminação elétrica; em segundo, os postes de iluminação à gás; em terceiro com a linha dos bondes. Fonte: MIRANDA, 1981.
Jayme Seixas – Avenida Rio Branco – Avenida Rio Branco em 1928.
Rua Cel. Pedro Soares, atual Rua João Pessoa, no final da década de 20. Cartão Postal – coleção O Potiguar.
Panorama da Bahia e Norte da Cidade Natal.
Bonde no Bairro da Ribeira nas imediações da Praça Augusto Severo. Foto: Cartão Postal (autor desconhecido)
Inauguração do 1º sinal na Cidade Alta e início das atividades do Batalhão de Trânsito (Ano não confirmado).
O bonde é incorporado nesse contexto como um elemento participante na vida cultural da cidade e em especial no Alecrim. As comemorações em virtude do centenário de Frei Miguelinho em Natal, e no Alecrim mais especificamente, são marcadas pelas menções ao transporte dos convivas pelos bondes elétricos nos diversos periódicos.
Bonde destruído no levante Comunista de 1935 em Natal
A Avenida Tavares de Lira em duas perspectivas. Pode-se ver os postes de alimentação da viação elétrica e as linhas dos bondes. Na imagem da direita, vê-se o obelisco comemorativo ao fundo, demarcando o Cais Tavares de Lira. Fonte: Acervo do HCUrb.
As principais avenidas da cidade passam a ter como elemento caracterizante o deslocamento dos bondes, tanto esteticamente nas fotografias e cartões-postais da cidade, como em relação ao constante movimento, imprimindo um novo ritmo a essas artérias. Os serviços de implementação das linhas férreas dos veículos nas ruas também geram problemas em relação ao acúmulo de detritos nas vias, como por exemplo, na Avenida Tavares de Lyra, uma das mais movimentadas da cidade, defronte ao Cais Tavares de Lyra.
Homem conversa com motorista de carro parado no cruzamento da Avenida Rio Branco
com a João Pessoa. Natal 1943.
Avenida Tavares de Lira, no bairro da Ribeira, em 1946. Arquivo O Potiguar.

Fim

O bonde elétrico foi o principal meio de transporte urbano entre os anos de 1911 e a década de 1940, período em que gradativamente foi perdendo seu lugar para o ônibus (ARAUJO, Aline D.; FARIAS, Hélio T. M.; FERREIRA, Angela Lúcia A. Ônibus: “moderno, rápido e seguro” – uma imagem projetada. In: Anais… 55ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Recife – PE, 2003. (CD ROM).).

Os carris urbanos que foram na década de 1910 e 1920 grandes elementos de vetorização do crescimento da mancha urbana na cidade – especialmente da áreas que correspondem aos bairros do Alecrim, Tirol e Petrópolis – durante o decorrer da década de 1930 enfrentam um processo de obliteração por meio dos investimentos em prol dos veículos automotores, o que culminaria na sua extinção durante o início da década de 1950.

A descaracterização da Praça Augusto Severo, com a passagem de uma nova avenida partindo-a ao meio de certa maneira simboliza o momento então vivido em Natal: uma concepção urbana calcada nos moldes organizacionais norte-americanos – inclusive já delineados desde o Plano elaborado pelo arquiteto Giácomo Palumbo, em 1929 – onde se é privilegiado a abertura de grandes e largas avenidas destinadas à circulação dos veículos automotores. O bonde apesar de ainda existir perde espaço tanto no sentido do investimento público, como também na pauta da própria empresa responsável pelos serviços, a Companhia Força e Luz do Nordeste do Brasil.

No ano de 1929, a concessão dos serviços elétricos passa da responsabilidade estatal para a Companhia Força e Luz do Nordeste do Brasil, de capital norte-americano e administradora do fornecimento elétrico para outras capitais nordestinas. A Companhia ao assumir os serviços, entretanto, assim como as concessionárias anteriores, não mantém a sua regularidade, tirando alguns bondes de circulação – como, por exemplo, o que atendia ao Tirol – e negligenciando a manutenção e conservação do material rodante e das linhas.

O bonde passa a ser associado ao transporte das massas operárias em fins da década de 1920, uma parcela da população dependente do sistema dos elétricos, porém, que não detinha condições financeiras muitas vezes para custear as passagens. Como o público-alvo das linhas de bonde aparentemente não renderia à empresa os lucros pretendidos, os investimentos de melhoria da infraestrutura passam a ser cada vez mais escassos, o que ocasiona o sucateamento do material rodante e dos trilhos.

Em fevereiro de 1930 a Companhia Força e Luz do Nordeste do Brasil anuncia a compra de novos veículos do tipo “omnibus” junto à firma White Company que seriam “destinados aos serviços de transportes na Cidade de Natal” (NÓVOS…, 1930). No mesmo mês é restabelecido o tráfego do bonde Circular. A Companhia, assim, estabelecia em “oito, provisoriamente, o numero de carros destinados ao transporte da cidade, sendo cinco bondes e três auto-omnibus” (A REPUBLICA, 1930c, p. 02). Em 19 de março de 1930 é noticiado o embarque no vapor “Biboco” dos sete novos autoônibus com destino a Natal encomendados à White Company, para incremento do serviço de transporte da capital. Concomitantemente, também é reiniciado o “novo calçamento a parallelepipedos, da avenida Rio Branco, ali iniciado pela Prefeitura desta Capital” (A REPUBLICA, 1930d).

O bonde embora coexistisse com o transporte dos auto-ônibus, ainda representava, com base nos discursos da época, um importante equipamento na vida urbana de Natal. A nova linha de bondes do Circuito Central é inaugurada em 22 de junho de 1934, materializando, assim, a reivindicação requerida pela população. A viagem inaugural é realizada por uma série de autoridades, tais como o novo gerente da Companhia Força e Luz, o Sr. J. W. Brown, e o interventor Mário Câmara. Durante a inauguração se pôde verificar a qualidade da “excelente linha recentemente construída” (A INAUGURAÇÃO…, 1934, p. 02). A situação favorável nas condições do transporte pelos tramways, entretanto, não dura por muito tempo. Já no início de 1935, o periódico “A República” publica uma dura crítica ao chamado “péssimo” serviço de bondes da capital Natal, taxando a “Força e Luz” de “companhia estrangeira, usurpadora e gananciosa” (O MOMENTO…, 1935). Segundo a reportagem a Companhia não vinha cumprindo com os horários e com as reposições dos veículos de bonde como deveria.

O ano de 1937 corresponde ao período eminente do declínio dos bondes como sistema de transporte público em Natal. Nesse período – década de 1930 –, as ferrovias e os bondes, apesar de estruturas consolidadas, passavam a enfrentar de maneira mais intensa a concorrência oferecida pelos veículos automotores.

É importante perceber que os novos carros, classificados pela imprensa como mais “confortáveis” e “modernos”, são destinados às linhas de transporte das áreas mais centrais e de população mais favorecida – os bairros da Ribeira, Cidade Alta, Petrópolis e Tirol –, até mesmo em virtude do preço da passagem, mais elevado. Essa constatação demonstra como o bonde, o transporte que continuava a atender as zonas do Alecrim e Lagoa Seca, mudava a sua condição, agora sendo visto como um transporte das massas operárias.

A expansão urbana, anteriormente fortemente vinculada ao prolongamento das linhas de bonde, passava também a estar atrelada ao traçado de novas artérias ou ao investimento aplicado nelas, como o calçamento da Avenida Hermes da Fonseca.

Desse modo, em Natal o bonde elétrico foi sendo desvinculado do mundo moderno, deixando de ser representativo do progresso, de ser aquele que seguia vertiginosamente para o futuro. O bonde foi envelhecendo e ganhando lentamente seu lugar no passado. As mudanças de percepção e atitude com relação ao bonde elétrico inserem-se numa dinâmica de valores da modernidade; elogios e queixas, ambos integraram o escopo de reflexões e sensibilidades acerca da vida na Natal que se modernizava no início do século XX. Fortes, quebrados, sem freios, rápidos ou lentos, novos ou velhos, os bondes elétricos ajudaram a configurar os valores da vida urbana moderna.

O último bonde elétrico circulou em Natal no dia 14 de março de 1956.

Depois o tempo passou,
o bonde não voltou mais,
não voltou mais a cidade
do meu tempo de rapaz.
Agora, a cidade antiga
cresce no tempo e no espaço
e o progresso a moderniza,
a cada dia que passa.

( Gurgel, 2005, p.135 )

Essa aí na foto é um bonde da linha do Alecrim em Natal fotografado em 1942. Foto de Robert C. Henning. Fonte: pág. 92 do livro “Eu não sou herói – A história de Emil Petr” de Rostand Medeiros.
Foto da revista “Life” entre 1941 e 1942 mostrando um típico bonde de Natal nos cruzamento das Av. Duque de Caxias e Tavares de Lyra, no bairro da Ribeira.
Avenida Duque de Caxias na Ribeira. Mesmo com bondes circulando movidos a eletricidade. Os jumentos e cavalos ainda se fazia uso entre as massas. Os prédios no lado esquerdo foi construído para sede do Bandern, também foi sede do Procon, hoje em abandono, e do lado direito o prédio onde hoje sedia a Defensoria Pública do RN (prédio original não existe mais). Em primeiro plano um escoteiro prática muito valorizada e difundida na cidade naquela época. Ano? Década de 50 máximo.
Foto do pesquisador norte-americano Allen Morrison, de New York/EUA
Avenida Rio Branco na lente de Jaeci.
Bonde da linha Alecrim-Grande Ponto-Ribeira passando pelo avenida Rio Branco. Nessa época, por volta de fins de 1942 e início de 1943, já tínhamos algumas linhas de auto-ônibus fazendo frente aos velhos e cansados elétricos da Cia. Força e Luz.
Vista do Rio Potengi a partir da Junqueira Aires em 1943. Notem ao fundo três hidroaviões ancorados. Na avenida trilhos dos bondes em destaque para a Capitania dos Portos e o prédio que abrigou em diferentes épocas a sede do Legislativo e Judiciário Estadual/OAB-RN. A foto foi feita a partir da Torre da Igreja Presbiteriana. Autor desconhecido.

Curiosidades

Natal Club – O mais animado mesmo no Natal Club eram os bailes e as programações carnavalescas, todos os sócios fantasiados saíam em um
bonde enfeitado e com a melhor orquestra do estado. Durante os “assaltos” (paradas estratégicas para invadir as casas dos amigos) eram
oferecidos verdadeiros banquetes.

Estudante – No dia do estudante o transporte de bonde era gratuito e os jovens aproveitavam o dia todo para passear pela cidade. Nesses dias havia retretas nas Praças André de Albuquerque e Pedro Velho.

Intentona Comunista – Os revolucionários contaram com a simpatia dos partidários de João Café Filho e de parcela da população natalense. Eles ocuparam de início os pontos estratégicos da cidade como palácio do governo, a residência do governador, a usina geração elétrica, a estação ferroviária e as centrais telefônica e telegráfica. Assaltaram os cofres do Banco do Brasil, da Recebedoria de Rendas e de importantes casas comerciais. Foi decretado bonde de graça para o povo. Mas, rapidamente, três bondes foram depredados e a farra acabou cedo.

Segunda Guerra Mundial – O bonde elétrico era o principal transporte coletivo na cidade, a linha mais extensa percorria o eixo Lagoa Seca – Alecrim – Cidade Alta – Ribeira, duas outras linhas ligavam a Ribeira até os Bairros de Petrópolis (limite na Avenida Getúlio Vargas) e Tirol (Quartel do 16º RI) sempre passando pela Cidade Alta. Lêda Batista Gurgel era menina e lembra dos bondes abarrotados de soldados americanos. Ela e sua irmã Maria Gurgel (atualmente médica em Recife) brincavam de bonecas no abrigo antiaéreo localizado na Praça Pio X (atual Catedral Metropolitana).

Pós-guerra – O pós-guerra é o tempo da ressaca da presença dos americanos em Natal. Já não corre mais o dólar e a cidade está na encruzilhada de opções para se manter em pé com as próprias pernas. A Ribeira ainda é a área principal de encontros e conversas dos intelectuais, boêmios e vagabundos. A cidade alta é a área nova, o modernismo, que começa a aparecer com as lojas implantadas por libaneses e sírios atraídos pelo repentino crescimento da economia. O Bonde transita no Alecrim com a concorrência de automóveis.

Off – Os serviços públicos, de uma maneira geral, eram extremamente ineficientes, se encaminhavam para o colapso total e as reclamações foram se acumulando. Natal chegou a ficar três dias seguidos sem o transporte de bondes.

Brincadeira – Uma brincadeira das crianças em 1921 era passar sabão nos trilhos do bonde da Avenida Junqueira Aires, dessa forma ele deslizava e não subia a ladeira.

Bilhetes – Nos tempos de funcionamento da Estação da Coroa, o prédio que abriga o atual Museu Ferroviário e a CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos – funcionava como ponto de vendas de bilhetes para os viajantes que chegavam pelo bonde da Rua Chile à margem esquerda do Rio Potengi. De posse dos bilhetes, a balsa era o único meio de transporte para chegar à estação de onde partia o trem, no outro lado do rio (NATAL, 2003).

Acidente – O primeiro acidente fatal por causa dos bondes, do Sr. Francisco Jacú, morador do outro lado do rio e noticiado por “A República” em 22 de abril de 1912, demonstra bem o choque que a nova dinâmica dos movimentos dos bondes impôs à cidade. A reportagem aborda o acontecimento em um tom satírico, contrapondo o homem simples e ainda desconhecedor da “modernidade” e o bonde, veículo moderno. É encerrada com a frase “victima no holocausto ao deus poderoso que é o Progresso” (LINHAS…, 1912, p. 01). O acidente ocorreu no cruzamento entre a Rua do Comércio e a Avenida Tavares de Lyra e de certa maneira ilustra o embate entre a modernidade do veículo elétrico e a velocidade dos habitantes ainda acostumados à lentidão dos ritmos “coloniais”.

Passeata de apoio ao Presidente Getúlio Vargas em 1938. Perspectiva da Avenida Sachet (já cortando a Praça Augusto Severo). Grande Hotel ao fundo e Estação da Great Western no canto esquerdo. Fonte: Centro Norte-Riograndense
de Documentação.
Esse ponto corresponde justamente ao cruzamento de duas das principais avenidas da cidade: a Avenida Sachet, construída no triênio de 1905 a 1907, e que interligava a Praça Augusto Severo – onde se localizava o parque da Great Western – à Esplanada Silva Jardim – localização do parque da E. F. Central – e a Avenida Tavares de Lira, importante artéria onde se localizavam vários equipamentos como a sede dos telégrafos, da Repartição de Serviços Urbanos, o Banco do Brasil e o Cais Tavares de Lira. Ambas essas avenidas eram servidas pelo transporte intra-urbano dos bondes elétricos. Relação espacial dos parques e da linha férrea com as avenidas e outros equipamentos urbanos. Fonte: Google Earth (Dezembro/2011).

Fonte:

A CONSTRUÇÃO DA NATUREZA SAUDÁVEL: NATAL 1900-1930. ENOQUE GONÇALVES VIEIRA. NATAL / 2008

A eletricidade chega à cidade: inovação técnica e a vida urbana em Natal (1911-1940) / Alenuska Kelly Guimarães Andrade. – 2009.

A PRAÇA, A Republica, Natal, ano 24, 04 maio 1912

A REPUBLICA, Natal, ano 23, 03 fev. 1911b.

A REPUBLICA, Natal, ano 42, 26 fev. 1930c

A REPUBLICA, Natal, ano 42, 19 mar. 1930d

A REPUBLICA, Natal, ano 37, n.126, 05 jun. 1925e.

ARRAIS, Raimundo. O mundo avança! Os caminhos do Progresso na cidade do Natal no início do século XX. In: BUENO, Almir de Carvalho (Org.) Revisitando a história do Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN, 2009.

A MODERNIZAÇÃO DA CIDADE DO NATAL: O AFORMOSEAMENTO DO BAIRRO DA RIBEIRA (1899-1920). LÍDIA MAIA NETA. NATAL/Dez/2000.

Anuário Natal 2007 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2008.

Anuário Natal 2009 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009.

ANUÁRIO NATAL 2013 / Organizado por: Carlos Eduardo Pereira da Hora, Fernando Antonio Carneiro de Medeiros, Luciano Fábio Dantas Capistrano. – Natal : SEMURB, 2013.

Caminhos que estruturam cidades: redes técnicas de transporte sobre trilhos e a conformação intra-urbana de Natal / Gabriel Leopoldino Paulo de Medeiros. – Natal, RN, 2011.

CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. Natal: EDUFRN, 2010.

Centelhas de uma cidade turística nos cartões-postais de Jaeci Galvão (1940-1980) / Sylvana Kelly Marques da Silva. – Natal, RN, 2013.

CICCO, Januario. Como se hygienizaria Natal: algumas considerações sobre o seu saneamento. Natal: Atelier Typ. M. Victorino, 1920.

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DIÁRIO DE NATAL, Natal, 03 jun.1926.

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