As origens da Fortaleza e da Cidade dos Reis Magos

Nem a Fortaleza foi originalmente construída onde está hoje edificada e muito menos a primeiro aglomerado urbano ocorreu na Cidade Alta. Veja que a estreita relação entre a Cidade de Natal e a Fortaleza dos Reis Magos é muito maior do que se pensava.

Detalhe do mapa do Rio Grande do Norte no Livro que dá Razão ao Estado do Brazil (c. 1616) com a planta do Forte dos Reis Magos.

Antecedentes

Durante o contexto da chamada União das Coroas Ibéricas (1580-1640), no qual Portugal ficou subordinado à Espanha, as Cartas Régias do rei Felipe II, soberano que então dominava as duas nações, determinaram ao governador-geral do Estado do Brasil, Dom Francisco de Souza, a concreta ocupação da Capitania. Coube a Manuel Mascarenhas Homem e Feliciano Coelho de Carvalho, capitães-mores, respectivamente, de Pernambuco e Paraíba, comandarem a empreitada cujos objetivos eram: retomar o controle das terras, ameaçada pela incômoda presença francesa, e fundar uma cidade. Foi a partir de tais determinações que, a 6 de janeiro de 1598, teve início a construção da Fortaleza dos Reis Magos e, a 25 de dezembro do ano seguinte, a fundação da cidade de Natal (MEDEIROS FILHO, 1997).

A construção da Fortaleza, após a realização de acordos de paz que possibilitaram o relativo apaziguamento dos nativos, foi de fundamental importância para a conquista e ocupação da região Norte da outrora colônia lusitana na América (CASCUDO, 1999). Símbolo da colonização portuguesa em nosso litoral, a Fortaleza dos Reis Magos teve sua planta concebida pelo padre jesuíta Gaspar de Samperes, sob as influências da arquitetura italiana que, no século XVI, era considerada a mais avançada concepção arquitetônica direcionada para o uso militar (MEDEIROS
FILHO, 1997).

O Governador Geral Francisco de Sousa (1591-1602) pôs em marcha os planos para expulsar os franceses e apaziguar os índios. Para consolidar a conquista, deveria ser construída uma fortaleza. Para cumprir a missão foram escolhidos, por Carta Régia de 15 de março de 1597, o fidalgo português Manuel de Mascarenhas Homem, Capitão-mor de Pernambuco, e Feliciano Coelho, Capitão-mor da Paraíba, auxiliados pelos irmãos João e Jerônimo de Albuquerque, sobrinhos de Duarte Coelho, primeiro donatário da capitania de Pernambuco.

Segundo Lppes (2003, p. 29), há poucas informações sobre os potiguares nesse período de conquista devido “ao quase abandono da região pelos portugueses” e ao “privilegiamento da exploração das áreas mais propícias à rentabilidade econômica imediata (Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro). Mesmo “os franceses que aportavam na costa do Rio Grande à procura de pau-brasil também não deixaram relatos sobre esse período inicial, principalmente porque aqui estavam como corsários, flibusteiros autorizados pela Coroa Francesa, mas não legais do ponto de vista das relações políticas européias”.

Aliados dos franceses, os índios atacaram a expedição portuguesa próximo à foz do rio Potengi. A situação dos portugueses era muito difícil, devido ao número de baixas na tropa. Para melhor se defenderem, os portugueses ergueram “um entrincheiramento de varas de mangue traçadas e barro socado. Era o primeiro reduto. Dois caravelões examinaram o rio verde. O acampamento se fez tranqüilo. Logo, numa tentativa de guerra relâmpago, trovejaram cinqüenta mosquetes franceses, vanguardeando a multidão indígena que atacava, urrando de ódio. Foram repelidos” (CASCUDO, 1984, p. 23).

A chegada, primeiro, de Francisco Dias de Paiva com uma urca com munições e provisões para o forte que se iniciava e, depois, de Feliciano Coelho, com muitos combatentes, possibilitou a manutenção da posição alcançada. Imediatamente Mascarenhas Homem foi ao encontro de Feliciano Coelho combinar a sistematização do trabalho, feito por equipes em dias alternados, enquanto outros grupos incursionavam pelas áreas próximas visando descobrir e desbaratar as aldeias dos potiguares. Dessas incursões participavam muitos índios, inaugurando na capitania do
Rio Grande uma tática empregada pelo colonizador que se tornaria comum a partir de então: a utilização de indígenas para guerrear indígenas.

Para assegurar a posição conquistada, os portugueses iniciaram, a 06 de janeiro de 1598, a construção da Fortaleza dos Santos Reis, popularmente conhecida como Forte dos Reis Magos, erguido “a setecentos e cinqüenta metros da barra do Potengi, ilhado nas marés altas”. Somente em 24 de junho, dia de São João, “Jerônimo de Albuquerque recebeu solenemente o Forte, com o cerimonial da época, jurando defender e só entregar a praça aos delegados del-Rei” (CASCUDO, 1984, p. 24).

A bela fortaleza, cuja planta se deve ao jesuíta espanhol Gaspar de Samperes, engenheiro na Espanha e em Flandres antes de ingressar na Companhia de Jesus, foi feita originalmente em taipa (barro e varas), pois era uma fortificação provisória, com o mínimo de segurança para abrigar a gente da expedição, protegendo-a contra o inesperado ataque do gentio. Também não foi erguido no arrecife, porque construção daquele tipo não resistiria ao primeiro impacto das águas, pois a área adjacente fica totalmente coberta na maré cheia “seis horas o cobre o mar”, disse o sargento-mor Diogo de Campos. Simples paliçada, na praia, fora do alcance das marés (GALVÃO, 1979, p. 22).

A Fortaleza provisória foi feita “para abrigar a gente da expedição, protegendo-a contra o inesperado ataque do gentio”. Não foi erguida no arrecife, pois de barro e varas, como feita originalmente, não resistiria ao impacto das ondas. Somente em 1603 foram reiniciados os trabalhos, “desta vez em traço definitivo (GALVÃO, 1994, p. 11-12). A fortaleza posteriormente reformada em virtude da precariedade do seu estado. Filipe III ordenou, em 1612, que ela fosse reconstruída, sendo nomeado para executar a empreitada o engenheiro-mor Francisco Frias de Mesquita. Em 1628, a Fortaleza estava terminada, com uma guarnição de quarenta soldados e provida com nove canhões. Era uma construção de pedra realizada a partir de 1614, não havendo modificação alguma no traçado feito pelo padre Gaspar de Samperes (Galvão, 1979, p. 52-53),.

Diz Cascudo (1984, p. 24):

É a forma clássica do Forte marítimo, afetando o modelo do polígono estrelado. O tenalhão abica para o norte, mirando a boca da barra, avançando os dois salientes, raios da estrela. No final, a gola termina por dois baluartes. O da destra, na curvatura, oculta o portão, entrada única, ainda defendida por um cofre de franqueamento, para quatro atiradores e, sobre postos à cortina ou gola, os caminhos de ronda e uma banqueta de mosquetaria. Com sessenta e quatro metros de comprimento, perímetro de duzentos e quarenta, frente e gola
de sessenta metros (…). Construída a fortificação, realizou-se, em 24 de junho de 1598, a primeira missa no território da capitania. A celebração foi oficiada pelos padres jesuítas Gaspar de Samperes e Francisco Lemos e pelos freis João de São Miguel e Bernardino das Neves (MELQUÍADES, 1999, p. 30).


A cidade de Natal foi fundada a 25 de dezembro de 1599. O ato de fundação ocorreu no lugar em que hoje se encontra a Praça André de Albuquerque. O Brasil estava sob domínio espanhol. Porém, antes da fundação de Natal, os colonos agruparam-se próximos à “Fortaleza dos Santos Reis” para melhor se defenderem dos índios, originando uma pequena povoação, posteriormente chamada de “Cidade dos Reis”.

A continuidade da conquista, agora em direção ao norte, passou então a contar com a presença de soldados portugueses seguros no Forte dos Reis Magos como um posto avançado, que garantiria um contingente militar
disponível e melhor posicionado, assim como o repouso e o fornecimento de água e mantimentos para as expedições saídas da Paraíba e Pernambuco (LOPES, 2003, p. 54-55).

Primeira Reforma

De 1633 a 1654, durante o domínio holandês sobre a Capitania do Rio Grande, foram alterados, o topônimo da cidade, modificado para Nova Amsterdã, e da Fortaleza dos Reis Magos, símbolo da conquista portuguesa nos trópicos. “Em vez de Santos Reis, aclamam o Castelo de Ceulen [ou Keulen]” (CASCUDO, 1999, p.65), A denominação era “uma homenagem ao General Mathias Von Keulen, alto conselheiro da Companhia das Índias Ocidentais e que fizera parte da expedição vitoriosa” (NESI, 1994). Tais mudanças, entretanto, foram efêmeras. Quando os holandeses
foram expulsos do Brasil, as tradicionais denominações lusitanas são retomadas.

Na segunda década do século XVII, a fortificação recebeu aditamentos, responsáveis por sua configuração atual, sob a direção de Francisco de Frias de Mesquita, à época, engenheiro-mor do Estado do Brasil (MEDEIROS FILHO, 1997). Em Capítulos de História Colonial Capistrano de Abreu, um dos ícones da historiografia nacional, registra a importância da Fortaleza ao afirmar que “à sua sombra medrou o que é hoje a cidade de Natal” (ABREU, 1998, p. 70). Não obstante, a formação da cidade ocorreu a alguns quilômetros da Fortaleza. Nesse sentido, existe relativo consenso na historiografia norte-rio-grandense acerca de que a região elevada onde atualmente encontra-se a Praça André de Albuquerque, no centro do bairro Cidade Alta, corresponde ao núcleo do sítio histórico de Natal (CASCUDO, 1999).


A Fortaleza dos Reis Magos abriga em seu interior, desde 1976, o chamado Marco de Touros, o mais antigo padrão de posse chantado na antiga colônia portuguesa. Sua origem em território potiguar remonta a 1501, quando aportou no litoral a esquadra responsável pelo “primeiro episódio histórico ocorrido” na outrora Capitania do Rio Grande (MEDEIROS FILHO, 1997).

Sítio de relevante valor artístico,
arquitetônico, cultural, turístico e histórico, onde se encontra a Fortaleza dos Reis Magos. Localizada entre a zona de praia, construída sobre arrecifes adjacentes ao estuário do Potengi, é tombada tombada pela antiga SPHAN (Secretaria do Patrimônio Artístico Nacional), antecessora do atual IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), a “fortificação representa o mais expressivo marco histórico do Rio Grande do Norte, e um dos mais importantes monumentos nacionais” (NESI, 1994).

Fortaleza dos Reis Magos. Sua construção foi iniciada em 6 de janeiro de 1598, dia
consagrado no calendário cristão aos Santos Reis, daí a sua denominação. O projeto arquitetônico é atribuído ao padre Gaspar de Samperes e foi posteriormente aperfeiçoado pelo engenheiro Francisco Frias de Mesquita. Representa o principal monumento histórico do Rio Grande do Norte.(Foto: Esdras Rebouças Nobre).
Praia do Forte. Localizada nas proximidades do encontro do mar com o Rio Potengi,
protegida por arrecifes que formam piscinas naturais, em suas imediações foi construída, em 1598, a Fortaleza dos Reis Magos, marco da colonização lusitana em Natal. (Foto: Esdras Rebouças Nobre).

Referência bibliográficas:

Anuário Natal 2007 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2008.

Anuário Natal 2009 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009.

Fontes primárias

ABREU, Capistrano de. l: 1500 – 1800. Brasília: Senado Federal, 1998.

CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 2 ed. Natal: Fundação José Augusto; Rio de Janeiro: Achiamé, 1984.

CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal. Natal: RN Econômico, 1999.

GALVÃO, Hélio. História da Fortaleza da Barra do Rio Grande. 2 ed. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1979.

GALVÃO, Mailde Pinto. 1964 – Aconteceu em abril. Natal: Clima, 1994.

LOPES, Fátima Martins. Índios, colonos e missionários na colonização da capitania do Rio Grande do Norte. Mossoró: Fundação Vingt-um rosado; Natal: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 2003.

MEDEIROS FILHO, Olavo de.  Natal: Departamento Estadual de Imprensa, 1997.

MELQUÍADES, José. História de Santos Reis: a capela e o bairro. Natal: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1999.

NESI, Jeanne Fonseca Leite. . Natal: Fundação José Augusto; APEC, 1994.

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