Clube Recreio Juvenil

Os indícios de desenvolvimento urbano podem ser percebidos no início do século XX, por meio dos projetos de urbanização elaborados na capital norte-rio-grandense. Nas primeiras décadas do século XX, a cidade ganhou novos ambientes. Vieram os clubes, os cafés, os cinemas, a iluminação elétrica e o transporte por bondes elétricos conferiram uma nova feição à cidade do Natal. Segundo o historiador Raimundo Arrais, mesmo que classificada como uma capital sediada em uma cidade pequena, Natal não se mostrou indiferente às ideias que circulavam no mundo (ARRAIS, Raimundo et. al. Corpo e alma da cidade do Natal entre 1900 a 1930. Op. Cit. p. 27.). A capital norte-rio-grandense foi aos poucos assimilando o espírito de vida moderna, do novo, de progresso.

No populoso bairro do Alecrim encontramos poucos registros sobre locais de sociabilidade. Esse era provavelmente um bairro pouco atraente para as elites de Natal, por se tratar de um bairro habitado em sua maioria por operários, de ruas apertadas que cresciam desuniformes e sem planejamento. Mas ainda assim podemos destacar no mapa do Alecrim a Associação de Escoteiros do Alecrim, a sede do Alecrim Foot-ball Club e o Recreio Juvenil, como lugares de sociabilidade das elites. Eram os clubes e cafés que davam vida às sociabilidades mundanas em Natal. Eles inauguraram um novo ritmo na cidade, mais afrancesado, mais adaptado aos modismos da Europa e da Capital Federal.

GRUPO ESCOLAR FREI MIGUELINHO

Em 1912 foi fundado o Grupo Escolar Frei Miguelinho, pelo governador Alberto Maranhão, dentro de seu projeto de modernização da capital. O decreto estadual cria o grupo com três escolas, duas elementares – uma masculina e outra feminina – e uma escola mista infantil. O Grupo Escolar foi a primeira reforma ação republicana direcionada a educação e provavelmente a mais longa, já que eles são extintos apenas em 1971, por isso eles ainda marcam profundamente a nossa tradição escolar.

Ocupava uma das áreas mais pobres da cidade, o bairro do Alecrim. Sem muito futuro, foi fundado naquela localidade um grupo escolar. Sem ostentação ou brilho, o Frei Miguelinho tinha a proposta de atender às crianças da própria vizinha, em sua maioria sem calçados nem fardamentos. Luiz Soares que chegou no grupo em 1912, e ano seguinte já era seu diretor, constituindo uma espécie de funcionário vitalício daquela instituição. Ele chega ao Alecrim elogiado pelos jornais, que apregoavam sua vocação para a profissão. Especialmente quando faz questão de abrir a escola a noite para a alfabetização de adultos.

Visita das alunas da Escola Doméstica ao Grupo Escolar Frei Miguelinho.
Grupo Frei Miguelinho no Alecrim. À frente do edifício, se pode ver a linha de bonde que servia o bairro. Fonte: CAMARA, Amphiloquio. Scenarios norte-riograndenses (1923). Rio de Janeira: Editora “O Norte”.
Instituto Frei Miguelinho em 1914.
Fotografia do encerramento do ano letivo em 30 de novembro de 1913.
Na foto vemos o Diretor Geral Manoel Dantas ladeado pelo também intelectual professor Luiz Soares e a professora Carolina Wanderley, que era também uma das escritoras da Revista Pedagogium, e ao fundo os alunos integrantes da primeira turma do Grupo Escolar Frei Miguelinho.

Em 1917, o prédio foi reformado e ampliado pela primeira vez pelo governador Joaquim Ferreira Chaves, e graças as ações do prof. Luiz Soares tivemos o nascimento do Grupo de Escoteiros na escola, que casava perfeitamente com os ideias de civismo que a educação escolar reforçava naquele momento.

Obstinado pela tarefa de mudar a realidade das crianças pobres do Alecrim, Luiz Soares foi responsável por encabeçar algumas medidas pioneiras na cidade, como a criação de uma biblioteca infantil, localizada no próprio Grupo, mas que também podia ser frequentada pelas crianças que estavam fora da escola; a criação de um jornal de divulgação das iniciativas da instituição, o Boletim de Instrução, fundado em 1918; a criação do Grupo de Escoteiros do Alecrim; e a criação da “caixa escola”. 

Em 1922, fundou-se no prédio, a Escola Profissional do Alecrim, na qual haviam os cursos de serralheria, marcenaria, sapataria e artes domésticas, a qual é expandida em 1930, no governo de Juvenal Lamartine, já que o foco do Estado Novo era a industrialização do país. Porém, com a instabilidade política do Rio Grande do Norte, o que causava um carrossel de interventores, nenhum projeto conseguiu ser levado a cabo.

Professor Luiz Correia Soares de Araújo, um assuense que se tornou a maior referência do escotismo na terra potiguar. Homem simples e austero, perseverante e dinâmico, com uma singular vocação para educador. Nasceu, em 18 de janeiro de 1888, na cidade de Assu. Concluiu o curso primário no Atheneu Norte-riograndense. Era filho do Cel. Pedro Soares de Araújo e Ana Senhorinha Soares de Araújo. Posteriormente, concluiu a Escola Normal e foi diplomado na primeira turma (1910). Em 1911, foi nomeado diretor do Grupo Escolar Almino Afonso, em Martins. No mesmo ano foi transferido para Assu, com a missão de estruturar e operacionalizar o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, inaugurado naquele ano, sendo o seu primeiro diretor até 1913. Fundou a Policlínica do Alecrim, atualmente Hospital Professor Luiz Soares; bem como a Liga de Esportes de Natal, hoje Federação Norte-riograndense de Esportes; as faculdades de Direito, Farmácia e Odontologia. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, da Academia Potiguar de Letras e do Conselho Estadual de Educação e Cultura do RN. Faleceu no dia 13 de agosto de 1967, em Natal, vítima de ataque cardíaco. O seu cortejo fúnebre foi sob os acordes da Banda de Música dos Escoteiros do Alecrim. Pelo seu trabalho de excelência, várias honrarias lhe foram outogardas por inúmeras instituições. Mais uma personalidade assuense de destaque no âmbito da educação norte-riograndense.
Foto: Antiga fachada da Associação de Escoteiros do Alecrim – Hoje além da sede dos escoteiros funciona a Escola Estadual Padre Miguelinho – Década de 1920 Foto João Galvão – acervo IHGRN.
A Associação de Escoteiros do Alecrim possuía um enorme prestigio em Natal na década de 1920, onde era comum receber visitantes ilustres, como no caso dessa imagem, quando os tripulantes do hidroavião brasileiro JAHU, no ano de 1927.

Em 1962, o prédio do Grupo Escolar foi demolido, e no ano seguinte um novo prédio foi inaugurado. E, no governo de Aluízio Alves, ele foi renomeado Instituto Padre Miguelinho. Abrigando a educação infantil com o Jardim de Infância Prof. Anfióquio Câmara, curso primário no Grupo Escolar Prof. Luís Soares, o curso secundário no Colégio Estadual do Alecrim), contando ainda com cursos profissionalizantes no Ginásio Industrial.

Instituto Padre Miguelinho

O ESTABELECIMANETO

O professor Luís Soares, também responsável pelo grupo de Escoteiros do Alecrim, coordenava as atividades realizadas por aquela casa de diversão que era e vinculado ao grupo escolar Frei Miguelinho. A casa de recreio oferecia aos pequenos integrantes das elites “os mais modernos jogos sãos e lícitos” (UMA OPTIMA instituição no Rio Grande do Norte. A Republica, Natal, 1 ago. 1919.) e contava ainda com a projeção de vistas luminosas todas as quinta-feiras.

O Recreio Juvenil, fundado em 1919, era um clube destinado ao mais jovens membros das elites. As crianças que desejassem possuir o “cartão ingresso” do Recreio Juvenil precisariam persuadir seus pais a pagar uma mensalidade de 500 réis.

A casa, que funcionava no bairro do Alecrim, oferecia diversões saudáveis e próprias para as crianças. Era, enfim, um lugar destinado às “diversões em Natal onde os jovens se divertirão sem o perigo do vicio,” (Ibid.) longe das bebidas e fumos, cuja venda era proibida.

A preocupação com os vícios era uma constante das cidades modernas. Varrer os perigos da cidade foi sem dúvida um desafio tomado por muitos homens na passagem do século XIX. “A cidade vício é sem dúvida, um problema posto, onde tudo está para ser refeito e reorientado numa nova direção, condizente com os princípios da moral, da estética, da higiene ou das exigências da técnica moderna.” (PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões do urbano: paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. p.39.).

Pensando também nos adultos, o Recreio Juvenil oferecia os serviços de um café. No Café Familiar, anexo ao prédio da casa de diversão juvenil, os adultos poderiam saborear guloseimas enquanto esperavam seus pequenos.

O Recreio Juvenil mais uma vez nos permite perceber que a cidade moderna reordenava os seus espaços. As elites construíam assim os espaços destinados à criança dentro da cidade. Sempre sob a vigilância dos adultos, na tentativa de afastar essas crianças dos perigos da rua e dos vícios trazidos pelas más companhias. Essa criança da elite teria, no Recreio Juvenil, um espaço de sociabilidade no qual ela apreenderia valores e práticas da sua classe social, além de conviver com outras crianças, criando assim um ciclo de amizades pelo convívio.

A Praça Gentil Ferreira (Alecrim) no século passado.  Foto de Luiz Grevy.
Natal – rua Amaro Barreto, Alecrim. Foto Luiz Grevy. Década de 50. O Recreio Juvenil foi fundado em 1919 nesta via. Em 1926, o governador José Augusto Bezerra de Medeiros ampliou a linha de bonde até Lagoa Seca, transferindo o ponto final para o trecho localizado no cruzamento da Rua Amaro Barreto com a Avenida Presidente Bandeira. Os bondes começavam a circular por volta das 5 horas da manhã, indo até Lagoa Seca e retornando para a Ribeira (CARVALHO, 2004, p. 63)
Natal – rua Amaro Barreto, Alecrim.
Rua Amaro Barreto/ Alecrim. Década de 50. Natal/RN. Foto: Jaeci Emerenciano.
Cartão postal com vista do cruzamento da Av Presidente Bandeira com rua Amaro Barreto, no bairro do Alecrim. Natal RN. Fotógrafo: Não informado. Ano: Por volta de 1950.
Rua Amaro Barreto – Alecrim – Natal RN – anos 30. Na esquina já era a Casa Sarmento. O fundador Genival Sarmento de Sá, Pai de Fco Derneval e Marcos Aurélio de Sá.
Rua Amaro Barreto, Alecrim. 1949. Natal RN
Avenida Amaro Barreto no Alecrim. Acervo: Eduardo Alexandre
Cartão postal com vista do cruzamento da Av Presidente Bandeira com rua Amaro Barreto, no bairro do Alecrim. Natal RN. Fonte: Acervo IHGRN.
Minha Cidade Natal Antiga. Rua Amaro Barreto. Alecrim. década de 80/90. Crédito da foto Acervo do Memorial.

FONTES SECUNDÁRIAS:

CARVALHO, Evaldo Rodrigues. Alecrim ontem, hoje e sempre. Natal: Nordeste Gráfica, 2004.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

A atuação de Manoel Dantas na instrução pública Norte-rio grandense (1897-1924) / Isabela Cristina Santos de Morais. -Natal, 2018.

Alecrim: Instituto Padre Miguelinho. Natal das Antigas. https://www.nataldasantigas.com.br/blog/instituto-frei-miguelinho. Acesso em 04/01/2023.

Amélia Duarte Machado, a Viúva Machado: a esposa, a viúva e a lenda na Cidade do Natal (1900-1930). / Ariane Liliam da Silva Rodrigues Medeiros – Natal, RN, 2014.

Memória minha comunidade: Alecrim / Carmen M. O. Alveal, Raimundo P. A. Arrais, Luciano F. D. Capistrano, Gabriela F. de Siqueira, Gustavo G. de L. Silva e Thaiany S. Silva – Natal: SEMURB, 2011.

Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na Belle Époque Natalense (1900-1930) / Márcia Maria Fonseca Marinho. – Natal, RN, 2008.

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