Manuel Dantas: o homem, a lente e Natal

No início do século XX, dos filhos da terra que se dedicaram a fotografia temos os registros de Manoel Gomes de Medeiros Dantas (1867-1924). Um dos homens mais influentes do seu período, considerado um grande intelectual.

Formação

Bacharelou-se em direito pela Universidade de Recife, tendo antes, desenvolvido estudos em latim, francês, inglês, retórica, aritmética, geometria, história e filosofia. Ocupou importantes e estratégicos cargos públicos: foi juiz e procurador geral do estado.

Dedicou-se à remodelação do sistema educacional local, deu aulas no colégio Atheneu, escreveu contos, participou com assiduidade do jornalismo, foi redator d’A Republica. E, conforme afirma Miranda, “pelo amor ao registro dos fatos e das coisas da cidade que habitava e pela qual tinha o mais extremado afeto”, foi fotógrafo (MIRANDA, João Maurício Fernandes de 380 anos de história foto – gráfica da cidade de Natal 1599 – 1979. Natal, UFRN. ed. Universitária, 1981, p. 10).

O afeto que Manoel Dantas tinha pela cidade, contudo, estava aportado no futuro, em expectativas do que essa poderia vir a ser quando as antigas tradições fossem substituídas pela nova lógica capitalista, industrial e mercadológica, quando atingisse o auge das transformações que vinham sendo implementadas nas grandes cidades. “Não parecia pensar duas vezes em enterrar o passado e preparar a mente dos natalenses para a chegada da modernidade” (MARINHO, Márcia Maria Fonseca. Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na Belle Époque Natalense (1900-1930). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2008., 2008, p 35-39). Contraditoriamente, foi com a conservação de registros do passado, por meio da fotografia, que deixou para as gerações futuras um dos seus maiores legados, os registros imagéticos e únicos de um tempo, ainda circunscrito pelas tradições coloniais.

Exposição

As fotografias de Manoel Dantas revelam a cultura material que se modificava. Chegaram a representar a cidade de Natal na Exposição Nacional de 1908, que era um dos eventos mais importantes do país. Tratava-se de um evento organizado pelo Governo Federal e realizado entre os meses de janeiro e novembro de 1908, na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro.

Esse acontecimento celebrava o processo de inserção de todo o país em um modo de vida urbano, industrial e cosmopolita ( Jornal Diário do Natal, nº 3489, 18 de julho de 1908, Leopoldo Souza sobre a Exposição Nacional de 1908.). A participação de Natal se deu, principalmente, com a apresentação iconográfica da cidade. Foram expostos cartões-postais e fotografias da capital nesse local que servia como vitrine mundial.

Sobre a importância do evento o jornalista Leopoldo Souza destaca: Lá no magestoso certamen está o Brasil inteiro: o Brasil agrícola, industrial e o commercial. Lá também se porá a prova o nosso valor como povo de cérebro.

Os nossos homens de letra, de mérito legitimo, farão jus á honra que lhes hão de tributar […]. Nada faltará, na Exposição. Tudo attestará o nosso grau de cultura mental e a somma de recursos próprios que guardam
as duas zonas. (Diário de Natal, 1908).

A exposição é um dos signos de idealização e construção da cidade
urbana, tendo em vista a transformação da concepção de tempo e espaço proporcionada pela técnica. As fotografias de Dantas revelavam os diferentes meios de intervenção que foram sendo impostos em certos pontos da cidade, mas, de certa maneira, indicava os aspectos coloniais que de punctum nos aparece sobrepondo o studium do fotógrafo. São como uma linha tênue que imprime a ruptura com
a tradição e a defesa do progresso e da modernização da capital.

Visionário

O fotógrafo intelectual, também popular pelo pseudônimo de Braz
Contente, atualmente é mais conhecido e divulgado para a população da cidade por causa de uma conferência, de entusiasmo compartilhado com a elite natalense da época, que realizou no ano de 1909. Nessa conferência, dissertou acerca do futuro que deveria ocorrer com a chegada do progresso na cidade.

A palestra de Dantas tem sido tema de trabalhos acadêmicos e desperta o interesse de áreas como as Ciências Sociais, a História, a Geografia e a Arquitetura. No momento da exposição fez uma projeção do que poderia vir a ser a cidade de Natal nos próximos 50 anos com a chegada do progresso.

A plateia continha aproximadamente 240 pessoas. O palestrante referiu-se a cidade com uma visão futurista, projetando Natal na modernidade revelou seus desejos e seus sonhos em ter uma Natal civilizada, interconectada às principais cidades do mundo, através de avançados meios de
comunicação, dos transportes e do turismo. Não foi à intenção de se consagrar visionário que o levou a escrever sobre o futuro da cidade, mas sim o fato de estar ligado aos padrões últimos e fundamentais imersos em um campo.

Nesse sentido, o discurso de Dantas confirma os ideais projetados por grande parte das elites e intelectuais do Brasil, que acreditavam na técnica e na ciência aplicadas à sociedade, como fatores determinantes para o progresso de uma cidade.

O interesse que tem pelo progresso, pelo desenvolvimento, pela ciência e pelas técnicas, fica evidente em sua produção fotográfica. Até porque, no início do século XX, já existia uma grande camada de aficionados, de classe social bem definida, aproveitando-se do engenho.

Equipamento

De todo modo, o uso do equipamento fotográfico nesse período, mesmo nos locais mais desenvolvidos, exigia investimentos elevados e esbarravam em problemas de ordem material. Essas dificuldades, na sua época, só podiam ser superadas pelas classes mais abastadas.

O custo do equipamento e a carência de materiais fazia com que esses equipamentos fossem armazenados como verdadeiras joias (COSTA, Helouise; SILVA Renato Rodrigues da. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2004.). Muitas técnicas fotográficas que se desenvolviam na Europa, eram lidas por Dantas nas literaturas em inglês e francês.

Leituras que para o aspirante a fotógrafo eram primordiais, visto que os métodos utilizados para obter a fotografia exigiam conhecimentos especializados, principalmente da química. Possivelmente, pela época que viveu em Natal, pela dinâmica da cidade, pela afinidade com a fotografia e pelas relações que teve, Dantas se encontrou com Bougard e pôde ter desenvolvido algum tipo de aproximação, que pode ter contribuído de maneira positiva em relação ao conhecimento e autonomia que Dantas desenvolveu nos usos do equipamento. Dantas e Bougard viveram praticamente na mesma época, em Natal os grupos abastados frequentavam o mesmo ambiente, Bougard fotografou para Albuquerque Maranhão com quem Dantas mantinha relações, por esses indícios acreditamos em algum tipo de relação estabelecida entre esses homens para trocas sobre a fotografia.

Técnica

O fotógrafo Giovanni Sergio comenta sobre a técnica utilizada por Manoel Dantas:

Giovanni Sérgio destaca que entre os residentes de Natal, na época de Manoel Dantas, ele era o único possuidor do equipamento. Em função disso, agrupava em sua casa vários amigos, formava uma plateia para apresentar tudo o que fotografava.

As reuniões contavam, também, com um aparelho ótico de projeção conhecido como lanterna mágica ou estereoscópico, no qual eram exibidos paisagens e retratos fotografados. O estereoscópico foi um passatempo popular entre as classes abastadas em inícios do século XX. Era moda a coleção de pares de fotos para a observação em três dimensões. A tomada das fotografias simultaneamente com afastamento similar aos olhos humanos propiciava a representação da imagem com a sensação de profundidade tridimensional.

A diversão ficava por conta dos olhares lançados as exposições de imagens de mulheres desnudas e sensuais. “Dantas fazia essas fotografias e isso morre com ele, acabou pelo moralismo em
Natal”.

São personagens pioneiros e responsáveis pelos primeiros registros
fotográficos das primeiras transformações urbanas que chegaram até Natal: Bruno Bougard e Manoel Dantas. A fotografia imortalizou esses homens na história de Natal, mas esses homens que dividiram os mesmos espaços, viveram lógicas opostas.

Das grandes metrópoles às províncias, Bougard foi o fotógrafo comerciante, que preso nas teias do capitalismo, já instaurado, precisou migrar e itinerar para viver “melhor”. Dantas, foi o fotógrafo formador de opinião, não buscou sobrevivência econômica na fotografia e sim o interesse de usá-la como aliada técnica e objetiva dos seus ideais. Apresentou o tempo que viu nascer, documentou os espaços que se modificaram.

Centelhas de uma cidade turística nos cartões-postais de Jaeci Galvão (1940-1980) / Sylvana Kelly Marques da Silva. – Natal, RN, 2013.

PRAIA DE AREIA PRETA
Foto: Dr. Manoel Dantas
Primeira década do século XX
#fatosefotosdenatalantiga

Registro da visita da inspetoria de saúde na comunidade praiana no combate sanitário a varíola.
A avenida Junqueira Aires (atual Câmara Cascudo), rua onde se encontra a casa de Câmara Cascudo, atual Ludovicus Instituto Câmara Cascudo. A fotografia registra as comemorações ao centenário da morte do padre Miguelinho, ocorrida em 12 de junho de 1817. Foto: Manoel Dantas. #fatosefotosdenatalantiga #PadreMiguelinho
Praia de Areia Preta

Foto feita por Manoel Dantas, provavelmente na década de vinte. A casa, na Praia de Areia Preta, já não mais existe. Em seu lugar foi construída a Praça da Jangada.

Enviada por Sérgio Augusto Dantas
Rua João Pessoa entre 1910 e 1930 nas imediações da Escola do Commécio de Natal – Cidade Alta – Natal/RN. Fotografia: Manoel Dantas #fatosefotosdenatalantiga
Área da Santa Cruz da Bica, Natal/RN, no início do século XX. Fotografia: Manoel Dantas. #fatosefotosdenatalantiga
BECO DA LAMA (Bairro Cidade Alta). Foto: Dr. Manoel Dantas (1867-1924).
ANTIGA FARMÁCIA TORRES (Rua Ulisses Caldas com Av. Junqueira Aires Bairro Cidade Alta) Foto: Dr. Manoel Dantas (fotógrafo viveu em Natal no período de 1900 até sua morte, em junho de 1924).
RUA PRINCESA ISABEL (Bairro Cidade Alta) Foto: Dr. Manoel Dantas (1867-1924).
ANTIGO MERCADO PÚBLICO (Bairro Ribeira) Foto: Dr. Manoel Dantas (fotógrafo viveu em Natal no período de 1900 até sua morte, em junho de 1924).

O Mercado público da Ribeira estava localizado na rua Ferreira Chaves com a Almino Afonso, 126 (atual sede da STTU) – de Manuel Dantas. Reproduzido de 380 anos de história fotográfica da cidade do Natal: 1579-1979, p 90.
A imagem mostra a redação de A República, tendo a frente, segurando um jornal, o redator chefe Dr. Manoel Dantas.
Na foto vemos o Diretor Geral Manoel Dantas ladeado pelo também intelectual professor Luiz Soares e a professora Carolina Wanderley, que era também uma das escritoras da Revista Pedagogium, e ao fundo os alunos integrantes da primeira turma do Grupo Escolar Frei Miguelinho.
Manoel Dantas: Profissão—Advogado, empregado publico e jornalista.
(7°) Prefeito de Natal: Manoel Dantas
Mandato: 1 de maio de 1924 a  15 de junho de 1924.
Legenda: sede do A República na Av. Tavares de Lira por Manoel Dantas.
ANTIGA AVENIDA JUNQUEIRA AIRES (Atual Avenida Câmara Cascudo Bairro Cidade Alta) Foto: Dr. Manoel Dantas (1867-1924).
PRAÇA ANDRÉ DE ALBUQUERQUE (Vendo-se à direita a Igreja do Rosário dos Pretos – Bairro Cidade Alta) Foto: Dr. Manoel Dantas (fotógrafo viveu em Natal no período de 1900 até sua morte, em junho de 1924).
CASAS DE PESCADORES NA PRAIA DE AREIA PRETA. Possível registro da visita de profissionais de saúde ao local na época da Epidemia da Gripe Espanhola em Natal/RN. Foto: Dr. Manoel Dantas (fotógrafo viveu em Natal no período de 1900 até sua morte, em junho de 1924).
Rua da Conceição – Cidade Alta – Natal/RN Fotografia: Manoel Dantas
Legenda: Manoel Dantas e amigos Seridoenses na Faculdade em 1890. Acervo Instituto Tavares de Lyra – Macaíba.
Fotografia 11: Autorretrato – Manoel Dantas e Dona Maria Francisca. Está em frente ao espelho acionando com o dedo indicador o dispositivo. Fonte: Arquivo Giovanni Sérgio.
Fonte: Arquivo particular de Giovanni Sérgio. Exibido no Encontro Fotoriografia do Norte: Conhecendo a nossa história, realizado em.18/08/ 2012. Aparelhos usados por Manoel Dantas.
Fotografia 12: Reunião – Reunião na casa de José Mariano Pinto (gerente de A Republica). Fonte: Arquivo Giovanni Sérgio. Primeira década do século XX, Vila Vina, Natal. Na esquerda, em primeiro plano Manoel Dantas, Cel. Pedro Soares de Araújo. Em pé da esquerda para a direita Ludovica Medeiros Pinto (esposa de
José Mariano), Otávio Pinto (criança), Francisca Bezerra (esposa de Manoel Dantas), Alberto Roselli e José Mariano. Na mesa Joaquim Ferreira Chaves, Teófilo Cristiano Moreira Brandão, Padre Ulisses e Inês Maranhão, um papagaio no lado superior esquerdo Informações dada por Anderson Tavares,
Historiador e Mestre em educação pela UFRN.
Manuel Dantas das Letras e da pesquisa
#fatosefotosdenatalantiga
Registro fotográfico que retrata um momento que mostra bem a versão do Manoel Dantas, das letras e da pesquisa. Registrado em 1911, sentado em sua escrivaninha lotada de papéis e livros, acompanhado de dois de seus filhos, Leonor e Humberto, vemos o intelectual em seu lugar específico, cercado por suas grandes paixões, a família e a pesquisa.
A escrivaninha lotada de documentos, livros, jornais, e outros papéis, além da máquina de datilografia L.C Smith Typewritter, que aparece na imagem, próximo a M. Dantas, enquanto seu filho segura a capa da máquina.
Manoel Dantas foi um maiores intelectuais do início do século XX no Rio grande do Norte uma vês que se destacou como advogado, juiz, educador, jornalista, político e precursor dos estudos de folclore em seu estado.
Legenda: Acervo particular de Edgard Ramalho Dantas, neto de Manoel Gomes de Medeiros Dantas, imagem cedida para a pesquisa
A atuação de Manoel Dantas na instrução pública Norte-rio grandense (1897-1924) / Isabela Cristina Santos de Morais. -Natal, 2018. 165f.: il.
Frontispício da publicação da conferência. UcUrb.
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