O Bairro das Rocas

Natal surgiu na “Cidade Alta” onde hoje é a Praça André de Albuquerque. Com o crescimento do Porto que se localiza na Ribeira, na embocadura da barra do Rio Potengi, o núcleo de desenvolvimento urbano de Natal começou a se expandir em direção à “Cidade Baixa”. Assim, a Ribeira passaria à ser um dos primeiros e um dos mais importantes bairros da cidade do Natal. Também, se destacam bairros como Petrópolis e Rocas. Este último, localizado ao Norte da Ribeira.

Duas gravuras de procedência holandesa, intituladas VEROVINGE VAN RIO GRANDE IN BRASIL ANNO 1633 e AFBEELDINGHE VAN T´FORT OP RIO GRANDE ENDE BELEGERINGHE, nos mostram uma certa ponte, existente sobre um riacho provindo da atual Lagoa do Jacó. Tal riacho corta os trechos finais das avenidas Januário Cicco e Engº Hildebrando de Góis, no bairro das Rocas.

Gravura holandesa VEROVINGE VAN RIO GRANDE IN BRAZIL ANO 1633, incluída no livro de Laet.

Lugar de pescadores, a sua ocupação remota ao século XVIII. Em Terra Natalense, o historiador Medeiros Filho (1991) cita documentação, de datas concedidas pelo Senado da Câmara de Natal, registrando a concessão de 50 braços de terra a Antônio de Melo e Alberto de Melo, pescadores, entre os atuais bairros de Santos Reis e Rocas. Luis da Câmara Cascudo, em História da Cidade do Natal, informa que a origem deste topônimo advém do ato das Rocas, lugar de pesca dos homens do mar natalense. Assim descreveu Cascudo (1999, p.246):

Moravam raros pescadores, mais numerosos na parte superior, que se disse Areal, em princípios do século X. Contam que o nome provém do atol das Rocas, pesqueiros afamados e de fácil atração para os pescadores. Os que pescavam nas águas do atol das Rocas denominaram Rocas à morada em terra firme.

O bairro Rocas foi berço do único Potiguar até hoje a chegar à Presidência da República, Café Filho. Lugar de Cultura, destaca-se a sociedade de Danças antigas e Semi-desaparecidas – Araruna, fundada pelo saudoso Cornélio Campina.

Limites do Bairro Rocas.

O nome Rocas provém do Atol das Rocas, referência para os pescadores, que ali realizavam suas atividades. LIMPA – Segundo Lauro Pinto O nome Limpa se deu a uma vasta campina, cuidadosamente plantada e conservada pela antiga Administração do Porto de Natal, com o fim de fixar a areia e impedi-la de chegar ao Rio Potengi e, assim, não aterrar o canal.

foi a partir de meados da década de 1850, que se evidenciam os primeiros registros de intervenção estatal no setor da habitação por meio de legislação, denominados pela imprensa da época como “normas imperiais” (A REPÚBLICA, 1o semestre de 1850): um antecipador dos Códigos de Posturas elaborados e implementados efetivamente a partir da Proclamação da República. A referida “norma” exigiu investimentos na transformação da aparência das moradias, os quais, a população menos favorecida não possuía, obrigando-a a se deslocar para outras áreas, possivelmente para as ocupações periféricas das Rocas, Passo da Pátria e Alecrim, que apresentaram grande crescimento nesta época. Afirmação baseada em artigos publicados nos periódicos da época. Segundo o IBGE, o número de habitações na cidade nesse período era de, aproximadamente, 3.500 unidades.

Décio Freitas (apud LOPEZ, 1993, p. 84) afirma que ainda que muitos dos “voluntários” dos Corpos de Voluntários da Pátria fossem escravos que conquistaram a liberdade em 1866, a maioria lutou na guerra do Paraguai “a fim de que seus senhores ganhassem títulos nobiliárquicos…” Adauto Câmara (1998), ainda que compartilhe o mesmo pensamento de Tavares de Lyra acerca do entusiasmo dos norte-rio-grandenses com a formação dos Voluntários da Pátria, prima por expor a situação de maneira clara, demonstrando o descontentamento dos familiares dos “voluntários”. Na noite do dia 15 de janeiro de 1865, houve em Natal uma ação de recrutamento que espalhou pânico pela cidade. As famílias mais humildes foram o alvo da atividade das autoridades; muitos voluntários jovens recolhidos entre pescadores residentes nas Rocas, no Areal e na Ribeira. O Jornal do Comércio denunciava: “Não é possível imaginar o alarido que faziam mulheres e crianças, atrás dos recrutados” (Apud CÂMARA, 1998, p. 170).

O Bairro das Rocas está localizado na Zona Leste da cidade do Natal. Ele é o mais antigo dos bairros da cidade, depois da Cidade Alta e Ribeira, conhecido inicialmente como Limpa, pelo menos até 1877. Na região moravam raros pescadores e, é por causa deles, segundo Câmara Cascudo, que ocorre a mudança do nome. O nome Rocas provém do Atol das Rocas, região de pesca afamada no litoral potiguar. Com a expansão do porto da cidade, por volta de 1897, a região começou a crescer. Todos os empregados portuários, precisando viver próximo ao trabalho, impulsionaram o crescimento das Rocas. Os trabalhadores do porto ainda, em sua construção, deram um outro nome a Limpa, Montagem. Esse nome deriva de ser na região, a sombra das gameleiras que cresciam na Esplanada Silva Jardim, que as grandes estruturas de ferro para a construção do porto serem soldadas e montadas.

Mesmo após a sua fundação, a cidade de Natal teve um crescimento populacional bastante lento. De acordo com Cascudo (1968, p. 217), o bairro da Ribeira, onde se localizava o porto da cidade, era o principal centro comercial de Natal, que “não tinha indústrias e seu porto valia como escoadouro legal, sempre preterido pela sonegação de pontos de embarque clandestino para Pernambuco”. Então podemos afirmar que a cidade resumia a uma pequena área. Com o passar dos anos, no fim do século XIX, teve início a industrialização em Natal, voltada para o comércio externo, no qual começaram a ocorrer as instalações das primeiras fábricas, o equipamento do porto, infraestrutura urbana e os setores de transportes ferroviários, marítimos e terrestres. Com isso, ressaltamos as modificações advindas das tendências expansionistas das cidades, conforme Cascudo (1968, p. 227):

Ao aparelhamento do porto, a fiscalização, como programas complexos, empregando operários de várias especialidades, mergulhadores, ferreiros, carpinteiros, calafates, pedreiros, armadores de botes e de pontões, todos com salários regulares e tendo necessidade de viver próximo as obras, impulsionaram as Rocas.

A cidade de Natal começou a atrair inúmeros imigrantes, principalmente do interior do Estado, devido às recentes transformações, principalmente pela abertura de novas vias de circulação, aumento da malha ferroviária, dos trilhos de bonde, no qual formaram pequenos aglomerados, que por consequente deu origem a novos bairros da cidade, tais como: as Rocas, Alecrim e outros. Vale ressaltar que essas transformações ocorridas nesse período não foram feitas pelo poder público, como destaca Furtado (2008, p. 46):

Deve-se aqui ressaltar que as intervenções públicas anteriormente apontadas e a busca pela dinamização da economia urbana não foram capazes de promover transformações no ordenamento nem tampouco na estrutura viária da cidade, ficando estas (transformações) por conta das necessidades provenientes da base militar norte-americana.

Nas últimas décadas do século XIX, as regiões povoadas na capital norte-riograndense equivaliam basicamente aos bairros de Cidade Alta, núcleo originário da cidade, área comercial e residencial dos primeiros sobrados e dos moradores ilustres, e ao bairro da Ribeira, conformado por sítios, plantações e pela zona portuária. Havia ainda dois agrupamentos exteriores (as Rocas, povoado de pescadores, e o Passo da Pátria, provavelmente zona de meretrício da época), além de algumas poucas comunidades localizadas na zona periférica, tais como: Refoles, uma zona agrícola; Alecrim; Quintas, conformada por pequenas granjas; Barro Vermelho, região de casas de veraneio; e Guarapes, às margens do rio Jundiaí, no caminho que levava ao sertão51 (CASCUDO, 1999/COSTA, 1998).

Bairros de Natal no século XIX – Cidade Alta e Ribeira. Fonte: MIRANDA, 1981.

A área urbana da cidade dividir-se-ia, grosso modo, entre a Cidade Baixa ou Ribeira e Cidade Alta. Contígua à primeira, mais ao norte e separada apenas por uma faixa de 400 metros – sobre a qual seria expandida a Ribeira, a partir do Plano Geral de Sistematização –, fica o bairro das Rocas. A Cidade Alta, o platô elevado de ocupação primeira da cidade, estende-se a leste até a Cidade Nova, desdobrando nos bairros de Petrópolis e Tirol, e ao sul até o Alecrim; este último, por sua vez, podia ser subdividido em Baixa da Beleza, Boa Vista e Refoles. (Cicco, 1920, p.04; este Regulamento foi sancionado pelo Decreto Federal n.º 10.821, de 18 de março de 1914, p.07-08.).

A expansão da cidade do Natal, tanto urbana como demográfica, ocorreu a passos lentos. A ocupação urbana ocorreu, de início, nos bairros da Cidade Alta e Ribeira, em “cujo perímetro surgiram as primeiras residências, prédios oficiais, armazéns, casas de comércio, Igrejas, palácios. Enfim, as primeiras ruas da cidade” (SOUSA, 1976, p. 17). Esses eram os bairros onde residia a população de melhor poder aquisitivo; os de menor renda costumavam habitar os bairros das Rocas e do Alecrim:

“No final do século passado [séc. XIX] até os anos vinte foi se desenhando o primeiro esboço da distribuição sócio-espacial da população na cidade. Os grupos de rendas mais altas habitavam a Ribeira e, principalmente, a Cidade Alta. Os trabalhadores e a população pobre em geral, em sua maior parte, estavam localizados nas aldeias de pescadores ou se dispersavam em assentamentos periféricos, sobretudo nas Rocas. O bairro do Alecrim, ainda em processo de formação, abrigava então viajantes, camponeses e operários ligados às estradas de ferro” (SANTOS, 1998, p. 33).

Corria de sul a leste, o canavial cerrado; após, com bruscos trechos de areia lodosa, o coqueiral, espanando palmas até as encostas de Areal e Rocas. Cercadas, pelas dunas e pelos coqueiros, cinqüenta ou cem casas tímidas e espaçadas anunciavam a cidade. Gameleiras, tatajubeiras, mungubeiras davam o lugar das prosas. Era a Ribeira, pequena, triste, atufada em brejos, circundada de lagoas, de atoleiros, de pântanos. Era o alvo das rajadas do cólera e bexigas. Lugar enfim onde moravam a pobreza, a indigência e a miséria – gritava, em 1850, João Carlos Wanderley no relatório à Assembléia.

Na passagem do século Natal possuía vinte mil habitantes que habitavam os bairros da Ribeira e Cidade Alta ou concentravam-se em áreas atualmente denominadas de Passo da Pátria, Baldo, Barro Vermelho, Rocas, Alecrim e Quintas.

A Esplanada Silva Jardim, está localizada no bairro da Ribeira, perpendicular à avenida Duque de Caxias, na fronteira com o bairro das Rocas. Perpendicular a rua Duque de Caxias, está localizada a Esplanada Silva Jardim, fronteira com o bairro das Rocas, aberta em data posterior ao ano de 1868, quando ocorreu a expansão do bairro da Ribeira É importante notificar que o bairro da Ribeira terminava na atual rua Ferreira Chaves e no Beco da Quarentena conforme um mapa da cidade do Natal desenhado na sétima década do século passado (NESI, Jeanne Fonseca Leites Praça Augusto Severo, em Natal, p. 14.). Frequentemente as marés alagavam todo o espaço ocupado pelas Rocas, chegando à atual Silva Jardim, o que obrigava os seus moradores a percorrer uma grande curva, procurando os terrenos mais elevados, quando pretendiam se locomover para outros pontos da cidade.

FIXAÇÃO DAS DUNAS

Os conflitos em torno das desapropriações dos moradores, em prol do processo de organização do espaço portuário, não se restringiriam a avenida idealizada por Pedro Velho. O local denominado de Rocas Baixa, também gerou disputas, envolvendo instituições importantes como a intendência e a comissão de melhoramentos do porto. Os terrenos das “Rocas Baixa”, situados no bairro da Ribeira na região próxima ao porto, haviam sido cedidos, nos primeiros anos de gestão da comissão, aos operários dos melhoramentos do porto e aos flagelados da seca. A concessão desses terrenos era uma das medidas adotadas pela comissão para realizar um dos primeiros e fundamentais serviços a serem empreendidos no porto: a fixação das dunas.

Segundo o relatório do engenheiro Souza Gomes, feito a partir de sua inspeção ao porto em 1890, era necessário realizar urgentemente o serviço de fixação das dunas que cercavam a cidade, pois a areia proveniente das dunas se espalhavam pelo leito do rio Potengi, obstruindo cada vez mais, os poucos canais de navegação disponíveis para as embarcações que desejavam atracar no porto (SOUZA GOMES. op., cit.,p.4.).

Para fixar as dunas, foi recomendado o cultivo de plantas, provenientes da própria flora potiguar, como um meio para conter o seu avanço sobre o rio Potengi. Além de promover o cultivo de uma vegetação nas dunas, a comissão de melhoramentos também incentivou o estabelecimento de moradias na região, denominada de “Rocas Baixa”. Pequenos trapiches e moradias foram montados, abrigando trabalhadores envolvidos nas obras do porto além de indivíduos oriundos das camadas menos abastadas da cidade.

No começo do século XX, Rocas era um bairro acomodado em uma colina de areia, sendo a continuação geográfica da Ribeira. Era habitado por pescadores, operários do porto, pedreiros etc. O nome, ainda de acordo com Cascudo (1980), provém do Atol das Rocas, aqueles que pescavam nas águas do renomado atol denominaram o bairro de Rocas. A esse respeito, revela o folclorista:

O mais antigo dos bairros exteriores é Rocas. Povoa o casario a lombada de morros paralelos à última linha da velha cidade, a rua da Praia, Silva Jardim. Sobe para as colinas de areia e se derrama na pista de Petrópolis, sempre no areal solto que enrola as dunas da praia no lado do rio e do mar. A projeção de ruas contínuas, em conjunto harmônico, já alcança reta em parelha à avenida Getúlio Vargas no fim de Petrópolis, seguindo-a na parte baixa, ao pé dos morros, como uma réplica popular e pobre à zona residencial e rica (CASCUDO, 1980, p. 227).

As Rocas, a princípio, era um extensão da Ribeira, que findava na Rua da Praia, a atual Silva Jardim. Era a região encravada entre o rio, o mar e os morros que levavam à Cidade Nova (Petrópolis). Região de pescadores que moravam pertinho do rio, uma área de ruelas e travessas que ficavam alagadas nas horas de maré alta. Para irem à Cidade Alta e parte da Ribeira, era preciso que os moradores subissem as colinas que iam dar na Rua do Jacó. Até 1877 o povoado era chamado de “Campina do Forte”, estendendo-se até a Limpa.

ORIGENS

Com a instalação da comissão de obras do Porto, em 1892, especialmente, a partir de 1902, com o engenheiro Antônio Pereira Simões, o povoamento da zona norte e leste da Ribeira, Rocas, Areai e Montagem, deu impulso aos trabalhadores que aí se estabeleceram, fazendo o bairro da Ribeira se expandir (CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal, p 136.).

Apesar de Natal, em 1909, ser uma cidade muito pequena, cuja população se distribuía pelos bairros da Ribeira e Cidade Alta (os bairros como Rocas e Alecrim ainda se encontrarem em formação), como afirma Lima (2000), ela não ficou imune ao pensamento dominante que se traduzia no desejo de entrar num mundo moderno.

Desenrola-se na cidade, nesse período, um processo de segregação espacial. Primeiro e único bairro projetado da cidade, no início do século XX, Cidade Nova, com suas amplas avenidas e ruas largas, ornamentadas por palmeiras imperiais, foi pensada e planejada para ser o bairro da elite potiguar, e não das camadas populares, que deveriam habitar bairros suburbanos como as Rocas, o Alecrim, bairro operário, ou, então, o Passo da Pátria. Foi em virtude disso que essas camadas, cujos costumes eram vistos pela elite como incompatíveis com o grau de civilização que ela almejava para Natal, foram desalojadas da região em que se construiria uma “nova cidade”.

Depois, surgiram as feiras do ‘Passo da Pátria’ hoje, extinta; a do ‘Alecrim’, e das ‘Rocas’. A indústria alimentícia foi incentivada pela Lei n° 275, de 24 de novembro de 1909, (privilégios de fiscais para indústrias de açúcar, pesca, laticínios e doces que viessem a se estabelecer no Estado) e Lei 287, de 23 de novembro de 1910 (os mesmos privilégios para indústrias de vinhos, licores, vinagres e conservas de frutas e legumes). (LIMA, Hermano Machado Ferreira. História Político – Administrativa da Agricultura do Rio Grande do Norte: 1892-1930, p. 59.). Conforme o Artigo 9o — “os gêneros, inclusive aguardente, transportadas para a capital pela ferrovia [estavam] sujeitas ao pagamento do imposto respectivo, conforme sua qualidade e quantidade nos termos especificados nos parágrafos 8-9- 11 -12-13 -14 e 15 do artigo 117 do código de posturas ” (ARTIGOS adicionais da Câmara Municipal de Natal: 1885, Pasta 119.).

A região das Rocas foi um desmembramento do bairro Ribeira. O nome do bairro fazia referência ao Atol das Rocas, pesqueiros que tinham fama entre os pescadores natalenses. A ocupação da área foi impulsionada com as obras de melhoramento do Porto iniciadas em 1893, já que os ferreiros, carpinteiros, pedreiros, armadores de botes, e outros trabalhadores de diferentes especialidades passaram a estabelecer moradia na região, que era próxima ao local de trabalho (CASCUDO, Câmara. História da Cidade do Natal. Op. cit., p.227.). Em 1909, Rocas contou com novo impulso, com a construção de prédios (armazéns, oficinas, almoxarifado, rotunda, entre outros) da Estrada de Ferro Central do Brasil na região (SOUZA, Itamar de. Nova História de Natal. Op. cit., p.320.).

Com isso Houveram várias obras nesse bairro que facilitou para o povoamento e desenvolvimento do local, como também o fator importante que ocorreu em 1906, onde houve uma grande seca e fez com que vários mendigos que viviam no centro da cidade de Natal se locomovessem para o bairro das Rocas, tendo em vista a urbanização do local.

PODREZA E DESOLAÇÃO

O desejo da elite local em se fazer uma cidade moderna, entretanto, não alcançava todos os bairros da cidade. O anseio pela europeização, seja na adoção de novos costumes ou nos diversos melhoramentos de infraestrutura ocorridos na cidade, restringiu-se aos principais bairros da cidade, moradia das famílias mais abastadas de Natal. Povoados populares como o Passo da Pátria e Rocas assistiriam essa fase de modernização na cidade sem grandes melhorias urbanas. A menção a ambos não é gratuita. No Passo da Pátria funcionava até o início do século XX a principal feira da cidade. As Rocas recebiam parte significativa dos trabalhadores do porto e do comércio, do bairro vizinho da Ribeira.

Ampliação do sistema de iluminação a gás acetileno em 1907.

Segundo o memorialista Lauro Pinto (Pinto nasceu em 1905 e, em 1971, publicou o livro Natal que eu vi, registro de suas memórias a respeito das transformações da capital norte-rio-grandense), Rocas era uma área habitada pela gente “mais pobre e abandonada de Natal”, um local “esquecido, triste, sujo e mal afamado e somente lembrado no dia 6 de janeiro de cada ano – DIA DE REIS – quando todos de Natal se irmanavam religiosamente com os pobres das Rocas para os festejos na Capelinha” (PINTO, Lauro. Natal que eu vi. Op. cit., p.23-24.). A região enfrentava constantemente problemas de alagamento, o que a isolava e dificultava o acesso à Ribeira e à Cidade Alta. O isolamento ainda que temporário, segundo Cascudo, foi capaz de fazer com que a população das Rocas tivesse um “espírito comum de solidarismo que só desapareceu ou diminuiu com a maior extensão do bairro, multiplicidade de profissões e de temperamentos”. Nota-se como Cascudo também parecia desconhecer que a região ainda não era oficialmente bairro de Natal no início do século XX, e como o autor reconhecia o caráter popular de seus habitantes.

Foram encontrados indícios que atestam a presença de populares em Cidade Nova e nos demais bairros da área urbana da capital nas duas primeiras décadas do século XX. Não se pode afirmar com segurança se esses indivíduos que permaneceram na área central da cidade eram os donos de alguns desses casebres que a Intendência tentava demolir. Conjectura-se que a maior parte dos populares que morava nos casebres derrubados em Cidade Nova foi realocada para áreas como Alecrim, Passo da Pátria ou Rocas.

Para Pedro de Lima, até meados do século XIX a capital potiguar era uma cidade muito pequena, com um modesto casario que se organizava em torno da praça André de Albuquerque, na Cidade Alta, não existindo uma divisão nítida do espaço por grupos sociais. Os pobres ocupavam espaços contíguos aos ricos ou habitavam as residências dos ricos como agregados ou empregados. Baseando-se em Cascudo, Lima destacou que somente em meados do século XIX, quando o algodão se tornou o produto de destaque da economia norte-rio-grandense, Natal começou a sofrer um processo de urbanização mais acelerado. Esse processo provocou uma simultânea diferenciação social, uma vez que começaram a ser realizadas obras públicas voltadas para ordenação, saneamento e embelezamento da capital resultando, consequentemente, na formação de áreas socialmente exclusivas. A segregação espacial foi ampliada no século XX, quando a maior parte da população pobre passou a residir no “bairro das Rocas e em outras aldeias de pescadores” (LIMA, Pedro de. Luís da Câmara Cascudo e a questão urbana em Natal. Natal: Editora da UFRN, 2006. p.105.).

Lima relacionou a segregação espacial à intensificação da urbanização e da modernização de Natal. O autor referiu-se a Rocas como bairro. Contudo, a região de Rocas somente foi oficializada como bairro pela administração em 1947. É comum observar nas matérias dos jornais A Republica e Diario do Natal referências a regiões como Petrópolis, Tirol, Rocas, Quintas, entre outras localidades que, oficialmente, somente foram instituídas enquanto bairros da cidade em 1947, conforme destacado no Projeto de Lei 251, de 20 de julho de 1947 (NATAL. Câmara Municipal. Projeto de Lei 251, de 20 de julho de 1947. Natal: 1947.).

Apesar da indefinição, as matérias dos periódicos que circulavam pela capital destacavam a existência de outras áreas, muitas delas mencionadas como povoação, que integravam a cidade. Como essas áreas não estavam incluídas nos limites da zona urbana definidos pelas resoluções citadas, pode-se conjecturar que deveriam integrar os subúrbios natalenses. Em outubro de 1909, foi publicado um edital de solicitação de enfiteuse que destacava um requerimento no lugar “denominado Rocas do bairro da Ribeira” (A REPUBLICA, Natal, 14 out. 1909.).

Os jornais de maior circulação da cidade noticiavam assassinatos, brigas, acidentes e jogos ilícitos sobretudo na região das Rocas, Passo da Pátria e Alecrim. Muito provavelmente foi também nessas regiões que se estabeleceram a maior parte dos desapropriados em função do processo de modernização da cidade.

Rocas

O folclorista Luís da Câmara Cascudo deu a dimensão das Rocas naquela época:

(…)

Na rua Silva Jardim, na sombra das gameleiras, sempre houvera estaleiros de construção naval. Botes de pesca, pontões, canoas, eram construídas ininterruptamente.

Era o estaleiro de Felipe Benício da Silva que faleceu em Vila Nova, a 10 de novembro de 1906, indo para o Recife, deixando a tradição de um grande construtor, tendo a intuição, a pré-ciência da técnica mais viável, pondo n’água as embarcações de todos os portes, prestigiadas pela confiança de todos, desde o pescador que lhe resgateava o paquete até o engenheiro-chefe das Obras do Porto que lhe encomendava o pontão enorme para agüentar toneladas.

As marés alagando o espaço entre Rocas e Silva Jardim, isolando o bairro durante horas, obrigando os moradores a uma curva imensa de percurso pelo cimo das colinas no rumo da rua do Jacob, para Ribeira ou Cidade Alta, deu à população um espírito comum de solidarismo que só desapareceu ou diminuiu com a maior extensão do bairro, multiplicidade de profissões e de temperamentos.

Ainda alcancei, por 1910 e 1912, Rocas inteiramente dirigida por três ou quatro moradores, barcaceiros, pequenos negociantes, maquinistas da Central ou do Melhoramento do Porto.

Rocas atravessa a fase inicial do Alecrim, embora sem as possibilidades de uma ascensão como as do bairro do sul.

(…)

Representação aproximada de bairros e localidades de Natal no início do século XX. Fonte: Adaptação (marcações e legenda) elaborada pela autora no mapa encontrado em: FERREIRA, Angela Lúcia et al. Uma cidade sã e bela: a trajetória do saneamento de Natal (1850-1969). Natal:
IAB, 2008. p.63.Essa representação cartográfica utilizou como base a Planta cadastral e topográfica de Natal produzida por Henrique de Novaes quando da elaboração do Plano de Sistematização da cidade em 1924.

XARIAS X CANGULEIROS

Vá tapar o nariz na casa da mãe, xarias! Era assim que eram recebidos todos aqueles que ousassem tapar o nariz quando passassem pelos bairros da Ribeira e das Rocas, em Natal. Apesar da catinga de mangue, cheiro de restos de comida e detritos caseiros que se espalhavam no ar, tapar o nariz para evitar a podridão era visto pelos moradores locais como uma afronta. Quem o fizesse, era melhor correr, pois saía do bairro expulso sob palavras pouco amigáveis e pedradas no quengo.

A palavra “xarias” era o xingamento supremo na cartilha dos palavrões. Significava o morador do bairro Cidade Alta, urbano, próspero, comedor de xaréu, peixe que era, na época, proibido à fome do humilde povo das Rocas e da Ribeira, que o pescava e ia vendê-lo no mercado da Cidade Alta.

Para a classe mais pobre sobrava outro tipo de peixe, o cangulo. Peixe miúdo, cheio de espinhas e comedor dos cocôs que boiavam livremente pelo Rio Potengi. Era o prato da resistência.

As duas tribos, de dois mundos completamente diferentes, se xingavam ente si dessa forma. Pergunte a algum parente mais antigo que morou por aquelas bandas o que significa as expressões “xarias” e “canguleiro” que ele vai te confirmar essa história. Talvez ele tenha até ouvido falar de brigas que resultaram em morte em tempos bem remotos.

A rixa era séria mesmo, um problema para a segurança pública da época. Não eram raros os casos de cacete, morte por faca e pedradas na cabeça. A Polícia Militar fazia rondas noturnas nas Rocas e o pau cantava nas costas dos moradores. Aquilo era visto sempre como vingança de xarias.

No livro Cabra das Rocas (1980), do jornalista Homero Homem, ele dá uma ideia do que se contava sobre o que acontecia em tempos passados nas Rocas. “Antes do meu nascimento, contavam, havia rixas tremendas nas Rocas. O cacete, a peixeira, a quicé afiada entravam nessas disputas que resultavam sempre em cabeças partidas e barrigas vazadas. Sangue, miolo e fezes servindo de repasto às mutucas enormes, principais beneficiárias daquelas escaramuças”.

Uma das frases que representava a rivalidade entre as classes sociais da época era a seguinte: “Em conversa de homem, xarias, mulher e menino ficam de fora”. O saudoso jornalista Ticiano Duarte, um xarias declarado, falecido em 2015, escreveu em artigo na Tribuna do Norte que essas rixas se passaram antes da segunda guerra, pois quando era menino, na década de 40, as rixas entre xarias e canguleiros já eram coisas do passado.

Voltando ao livro Cabra das Rocas, Homero Homem conta várias histórias que se passam nos bairros das Rocas e Ribeira, mas em um contexto não exatamente especificado em datas. No entanto, é em um fragmento da “Revista Illustrada” do Rio de Janeiro, edição de 26 de julho de 1879 que se consegue precisar a década exata em que acontecia o auge dessa rivalidade.

Os “cangulos” ditos na nota eram os canguleiros das Rocas e da Ribeira e a data, veja só, 1879, quase 140 anos atrás.

ROCAS NA VISÃO FUTURISTA DE MANOEL DANTAS

Quando da realização da conferência Natal Daqui a Cinqüenta Anos, em 1909, Natal ainda era uma cidade muito pequena, cuja população se distribuía pelos bairros da Ribeira e Cidade Alta. Os bairros das Rocas e do Alecrim ainda se encontravam em formação. E o Plano da Cidade Nova, que hoje compreende os bairros de Petrópolis e Tirol estava apenas iniciando a sua implementação.

A palestra de Manoel Dantas foi realizada no dia 25 de março, quase um mês depois da palestra proferida por Elói de Souza (1996) – sobre os costumes Locais -, que aconteceu no dia 20 de fevereiro. Este, além de proceder à uma avaliação da situação vivida por Natal naquele momento, criou as condições, digamos, psicológicas para a prospecção que, dias depois, Manoel Dantas faria sobre a Natal do futuro.

Será justamente na Intendência do nobre Manoel Dantas e, especialmente, na do seu genro, o engenheiro Omar O’Grady, que a cidade do Natal terá o seu maior desenvolvimento, com obras que tomarão conta de boa parte da cidade, chegando mesmo a atingir a região suburbana, em especial o bairro popular das Rocas.
Mas isso é outra história, outra camada, queremos dizer, da qual ainda trataremos mais à frente.

A descrição de Manoel Dantas da Natal depois de cinquenta anos cristalizava de fato um processo de segregação sócio-espacial que, no momento de sua conferência, apenas se insinuava. No lugar do aglomerado popular das Rocas, um novo “bairro das Dunas, cingido (…) pela avenida BeiraMar”, destinado à população cosmopolita organizada em torno do porto (Dantas, M., 1909, p.32-35.).

Algumas dessas idéias se transformariam em propostas ou seriam concretizadas nos anos e décadas seguintes. O bairro das Dunas no lugar das Rocas, por exemplo, reapareceria como um “bairro operário” no Plano Geral das Obras de Saneamento de Natal do engenheiro Henrique de Novaes, em 1924; e como um “bairro-jardim” no Plano Geral de Sistematização do arquiteto Giacomo Palumbo, entre 1929 e 1930, que Cascudo sintomaticamente chamaria de “cidade novíssima das Dunas”, numa provável reminiscência da conferência de Manoel Dantas (Cf. Cascudo, 1929c; em artigo anterior (1929b), Cascudo já havia citado explicitamente a conferência de Dantas ao falar sobre a Ribeira).

A cidade do Natal, no ano de 1959, estava longe de ser a “metrópole do Oriente da América” que Manoel Dantas (1867-1924) previu na sua histórica conferência Natal daqui a cinqüenta anos, proferida no salão nobre do palácio do Governo do Estado, no dia 21 de março de 1909, e que segundo o poeta Jota Medeiros constitui o marco do Futurismo, antecedendo o manifesto de Marinetti.

Com uma população de aproximadamente 167.202 habitantes distribuídos em doze bairros – Santos Reis, Rocas, Ribeira, Cidade Alta, Petrópolis, Tirol, Alecrim, Lagoa Seca, Lagoa Nova, Dix-Sept Rosado, Quintas e Mãe Luiza – Natal apresentava insuficiência urbanística caracterizada pela modéstia das edificações, precariedade da malha viária, transportes coletivos obsoletos e, sobretudo, ausência de indústrias.

PARQUE FERROVIÁRIO

Um outro elemento interessante, é que a região entre as Rocas e a Ribeira, hoje ocupada pela avenida Duque de Caxias e Eng. Hildebrando de Góis eram inundadas pela maré, isolando o bairro do resto da cidade por horas. É só no início do século XX que um novo projeto de urbanização tenta resolver esse problema. É essa nova cidade moderna e republicana, a chamada Belle Époque, que vê as Rocas se tornar um bairro periférico. Um destes importantes elementos de modernização instalados no bairro é a a Estrada de Ferro Central Brasil, que instala sua estação na Esplanada Silva Jardim, em 1911.

Em 1913 os terrenos ocupados pelo parque ferroviário eram antigas zonas alagadas que separavam o bairro da Ribeira e a comunidade – até então não reconhecida como bairro oficial da zona urbana – das Rocas, antiga vila de pescadores e, posteriormente, residência de grande parte da população operária da cidade, principalmente, de ferroviários.

Alem dessas preocupações que evidenciam a capacidade do administrador, sob a sua vigilante actividade têm tomado grande impulso a construcção da estação central, nos antigos terrenos alagados nas proximidades das Rocas e da rotunda destinada ao abrigo das locomotivas e officinas. Um dos mais belos serviços já concluídos é da ponte caes de 200 metros de extensão, montada sobre columnas metálicas com parafusos Mitchell, permittindo a atracação de navios até 18 pés de calado, com apparelhamento completo para carga e descarga. É este um dos melhoramentos mais uteis ultimados pela administração da Central, ainda ignorado por muitos dos que aqui habitam, mal informados da transformação por que tem passado a cidade, na parte comprehendida entre as Rocas e o antigo Canto, abrigo das nossas jangadas desapparecidas (ESTRADA de Ferro Central do Rio Grande do Norte, A Republica, Natal, ano 25, n.8, 11 jan. 1913., p. 01).

Em 2 de outubro de 1911, sob protestos do Engenheiro Fiscal da EFCRGN, a Intendência Municipal de Natal concede aforamentos de terrenos situados nas “Rocas de Baixo” a Joaquim Lopes Teixeira e Angelo Roselli. O engenheiro vê que esses aforamentos trariam problemas no futuro e faz recomendações ao Delegado Fiscal:

venho disto scientificar-vos e pedir que vos digneis mandar sustar os processos de aforamentos dos terrenos alludidos, como tambem de outro qualquer que fique comprehendido entre o “Refoles” e as “Rocas”, pois não parece razoavel que indo o Governo precisar de todos esses terrenos, os afore agora para desaproprial-os depois. (Correspondência de Luciano Martins Veras, Engenheiro Fiscal da EFCRGN, 1911, Arquivo Nacional, Ministério dos Transportes, Caixa 4B-417).

Apesar dos protestos do Engenheiro Fiscal, a concessão será dada a Angelo Roselli em 1911, em terrenos onde já estavam se desenvolvendo as obras do parque ferroviário desde 7 de setembro de 1909. Em 1914, Angelo Roselli pede a paralisação das obras da esplanada, sob alegação que estariam usando seu terreno, reivindicando indenizações do poder público. Em 12 de março de 1915 o Juiz Federal manda paralisar as obras do parque, atrasando o seu andamento em mais de 4 anos.

Mais uma vez aqui as relações pessoais entre os poderes locais influenciariam na trajetória dos investimentos públicos federais. Angelo Roselli era amigo do Intendente Municipal Joaquim Manoel Teixeira de Moura, cuja filha havia se casado com o filho do comerciante em 1908. (BRANCO SOBRINHO, 1959). Esse conflito traria à tona a indefinição da posse desses e de outros terrenos situados nas Rocas.

Em 1908, três anos após a inauguração da praça Augusto Severo, Henrique Castriciano menciona a falta de abundantes formas de sociabilidades destinadas à população “civilizada”. Os populares que freqüentavam o jardim público eram possivelmente oriundos de bairros e lugarejos periféricos, como as Rocas e o Passo da Pátria.

A nota de Henrique Castriciano nos indica, que as imposições impostas pelas elites, como regras de conduta e vestimenta adequadas, não intimou todos os populares, que ao que parece, sentiam-se também no direito de usufruir o novo jardim. Tal qual no caso britânico, a música e o jardim como instrumentos pedagógicos poderiam exercer a dupla função de alegrar e educar os menos afortunados, afastando-os dos vícios e perigos e maus hábitos. (CASTRICIANO, Henrique. A esmo. In: ALBUQUERQUE, José Geraldo de (Org.). Seleta: textos e poesia. Natal: [s.n.], 1994. v. 2, p. 105-106.).

No dia 1º de fevereiro de 1912, 155 moradores das Rocas publicariam um protesto no jornal A República, pois a área concedida ao comerciante Angelo Roselli abarcava também suas casas, e seriam diretamente prejudicados pela concessão. O comerciante enviaria correspondência logo em seguida para Comissão de Melhoramentos dos Portos, alegando que a área concedida era devoluta, sendo constituída apenas de “areia e capim, sem bem feitorias” e que as assinaturas dos moradores eram apócrifas.

A situação das áreas de instalação e de influência do do parque da Central na Esplanada Silva Jardim gerou diversas disputas fundiárias. Inicialmente relativas à venda de casas e terrenos à população que migrava à comunidade das Rocas, entre Angelo Roselli, que defendia a posse dos títulos de aforamento da área, e o capitão José da Penha, que vinha realizando essa prática (O CASO Rocas, A Republica, Natal, ano 25, n.28, 06 fev. 1913., p. 02). As casas alugadas na área estavam sendo vendidas, segundo Roselli, sem o seu consentimento e, portanto, sem título de propriedade e sem “direitos de transmissão”. Em virtude da sua resistência à venda das casas, foi feito um movimento contra Roselli – segundo ele, incitado pelo capitão Penha – no qual se pretendia até mesmo atentar contra a sua vida (O CASO Rocas, A Republica, Natal, ano 25, n.28, 06 fev. 1913., p. 02). As condições de posse dos títulos de aforamentos viriam a ter desdobramentos posteriores, como veremos à frente.

Panorâmica dos bairros da Ribeira e Rocas, c. 1910s. Fonte: Lyra, 2001, p.24.

Além da questão das relações de poder que envolviam essa apropriação do solo urbano, outro ponto importante deve ser considerado nestes conflitos envolvendo o comerciante e os moradores das rocas baixas. O desejo de expulsar, da cidade, as figuras tidas como indesejáveis no espaço urbano, e que eram vistas pelas elites locais, como um empecilho a imagem de progresso que se buscava construir na paisagem citadina. Como vimos, o porto deveria ser para os grupos dirigentes locais, a sala de espera da cidade, a primeira impressão para os viajantes que visassem chegar à capital pela via marítima. Por isso, a sala de espera não poderia comportar figuras indesejadas, que não compartilhariam dos códigos e valores adequados à frequentação neste espaço. Tal prática, de “expulsão das figuras indesejáveis” não foi restrita ao porto, sendo uma ação recorrente na cidade, nesse momento, em que os grupos dirigentes locais buscavam modernizar a capital.

Enquanto que a instalação do parque da Central na Esplanada Silva Jardim demandava discussões acerca da propriedade das terras sob sua influência e aprofundava a segmentação espacial entre as Rocas e a Ribeira – uma vez que representava um novo elemento de fronteira entre as duas frações urbanas –, a consolidação do parque e da linha da Great Western no traçado urbano de Natal vinha ocasionando consequências significativas.

No ano posterior – 1917 – é inaugurado o complexo ferroviário da Estrada de Ferro Central. A inauguração de ambas essas estruturas permitiram a chegada dos trens dessa ferrovia diretamente à capital, bem como a sua integração com o porto. A construção do parque demandou o aterro de parte dos alagadiços entre a Ribeira e as Rocas e as obras de melhoramentos portuárias, pela proximidade com o parque, tiveram grande parte do seu material transportado pelas locomotivas da Central.

Rocas vista da torre da Inspetoria Federal de Obras contra as Secas. Na fotografia aparecem as habitações concedidas pela Comissão de Melhoramentos do porto de Natal à população pobre da cidade. Notar o alinhamento das casas e da vegetação nos quintais. As ruas continuam com certa regularidade até a área conhecida como “Limpa”. Em primeiro plano temos as Oficinas de Marcenaria da EFCRGN com alguns vagões em manutenção, o local de abastecimento das locomotivas com a Caixa-d’água e a Carvoeira (plataforma de onde era colocado o carvão para abastecer a locomotiva). Notar que o alagado ainda não havia sido aterrado, apenas a parte relativa às instalações do parque ferroviário. A fotografia foi tirada da torre da Estação, que na ocasião abrigava a sede da Inspetoria Federal de Obras contra as secas – IFOCS. Fonte: NOVAES, Henrique de. Comissão de saneamento de Natal – Relatório de Abril de 1924. (Banco de Imagens HCURB/UFRN)Acervo HCUrb. Nota: Detalhe para o alagadiço ainda não aterrado, separando a comunidade do parque. Pode-se ver na imagem as oficinas de marcenaria e a caixa d’água.
– Postal das Obras de implantação da ponte de atracação da EFCRGN e da “Barra Dunas”. A interação entre as obras portuárias e ferroviárias na modificação da paisagem é visível nesse postal do início do século XX. Essa ponte seria o futuro atracadouro do porto de Natal, cujos armazéns seriam construídos apenas em 1928, no local do alagadiço onde estão atracadas pequenas embarcações. Já a “Barra Dunas” é a fileira de casas das Rocas que permitiram a fixação das dunas da Limpa. Nesse postal, que pretende propagandear as obras da Estrada de Ferro e da Comissão de Melhoramentos do Porto de Natal, os casebres dos retirantes aparecem como uma importante obra modernizadora da engenharia portuária e não como uma ocupação insalubre e indesejada.

As populações pobres fixam sua residência às margens das ferrovias, zonificando, assim, a sua situação no contexto da cidade. É interessante notar como o mecanismo da via férrea, até fins da primeira metade do século XX, de certa maneira direciona a ocupação das zonas pobres em Natal. O mapa abaixo, do ano de 1924, especializa essa condição. Pode-se ver que as camadas pobres se fixam, sobretudo, nesse momento nas regiões do Passo da Pátria, da Guarita, das Rocas e do Alecrim, todas áreas limítrofes a estruturas ferroviárias.

Espacialização das áreas adjacentes às ferrovias em Natal. Acervo HCUrb. Nota: Elaboração do autor sobre o mapa do Plano de Sistematização de Henrique de Novaes para Natal, de 1924. O traçado da Cidade Nova está demarcado em laranja.

Outros equipamentos de grande importância, como a sede dos Correios na cidade, também eram atraídos às imediações da linha férrea (A REPUBLICA, 1922b). Um problema recorrente na organização das linhas de trem no ambiente urbano de Natal se dava em virtude da utilização de um trecho da mesma linha pelas duas estradas de ferro, compreendido entre a localidade de Refoles e a Ribeira. Por não possuir uma linha margeando o rio para dar em seu complexo localizado entre a Ribeira e as Rocas, a Estrada de Ferro Central passou a fazer uso do referido trecho, de propriedade da Great Western.

O complexo da E. F. Central de certa maneira, depois de consolidado, passa a exercer o papel de limite entre a Ribeira e as Rocas. Esse fato é reforçado quando é noticiado em outubro de 1925 o novo sistema de numeração das edificações na área urbana da cidade. Nele, é estabelecido como referência dois eixos imaginários formados pela Rua Silva Jardim e o seu prolongamento – norte-sul – e outro perpendicular à Silva Jardim tangenciando o Cais Tavares de Lyra – leste-oeste (NUMERAÇÃO…,1925). Como a nova numeração iniciava-se a partir da Rua Silva Jardim, pode-se inferir que ela – onde se localizava o complexo da Central – representava o limite urbano da cidade, tornando-se assim o limiar entre a parte urbana e suburbana – Rocas. O complexo ferroviário e suas linhas reforçava esse papel. A comunidade das Rocas era uma fração urbana tão segmentada que apenas no ano de 1925 é que é inaugurada a energia elétrica em suas residências e logradouros, quatorze anos após a inauguração do serviço nos bairros oficiais natalenses. A solenidade do início do funcionamento da luz elétrica no “subúrbio” das Rocas, conta com a presença do então Governador do Estado José Augusto.

As ferrovias representavam um importante papel nesse processo por serem elementos delimitadores e segmentadores de certas frações da cidade. Zonas pobres como o Passo da Pátria e a Guarita eram delimitadas pela estrada de ferro. Outras áreas sofriam com a segmentação imposta por seus equipamentos, como no caso do bairro das Rocas.

Os terrenos ocupados pelo parque ferroviário eram antigas zonas alagadas que separavam o bairro da Ribeira e a comunidade das Rocas, antiga vila de pescadores, até então não reconhecida com bairro. O problema foi solucionado em 1917 quando foi inaugurado o complexo ferroviário da Estrada de Ferro Central, a inauguração permitiu a chegada dos trens diretamente a capital bem como sua integração com o porto. A construção do parque demandou o aterro de parte do dos alagadiços entre a Ribeira e as Rocas e todo esse este material foi transportado por locomotivas da central.
Bairro das Rocas – Natal/RN.
“Fotografia aérea de Natal, tirada, em 1931, pelo aviador inglês Alfred Buckham, vendo-se em primeiro plano o bairro das Rocas, com as oficinas de marcenaria da EFCRGN, o local de abastecimento das locomotivas com a caixa-dágua e a carvoaria (plataforma onde era colocado o carvão para abastecer a locomotiva). O alagado existente foi posteriormente aterrado. Os bairros Cidade Alta e Ribeira foram contemplados com a bela iniciativa do aviador inglês. Fonte: Guia Geográfico – Rio Grande do Norte.”
ANTIGA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA (Esplanada Silva Jardim – Bairro Rocas). Foto: João Galvão.
Parque Ferroviário das Rocas em 1922. Acervo: IFOCS. Resgate: Eduardo Alexandre.
O antigo escritório da Estrada de Ferro do Rio Grande do Norte, situado na Esplanada Silva Jardim, foi construído no início do século XX. Sua inauguração ocorreu provavelmente em junho de 1906, por ocasião da visita a Natal do então presidente da República, Afonso Pena. A construção do prédio foi comandada pelo engenheiro Sampaio Correia que, a partir de 1904, chefiou em Natal uma comissão de obras contra as secas com a incumbência de, entre outras atividades, construir uma ferrovia.
Em 1950, a Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte passou a denominar-se Estrada de Ferro Sampaio Correia. Em 1968, o prédio do escritório da ferrovia foi desativado e transformado em escola. Seu tombamento, por legislação estadual, ocorreu em 24 de outubro de 1987. Passo importante para preservar o nosso patrimônio arquitetônico.
Panorama do bairro das Rocas no início do século XX.
Antigo Escritório da Estrada de Ferro está localizado na Esplanada Silva Jardim, no bairro Rocas. Sua inauguração ocorreu no início do século XX para abrigar os escritórios da E. F. Central do RN e contou com a presença do então presidente da República, Afonso Pena. Em 1968 o escritório foi desativado e, posteriormente, foi transformado em escola.
ANTIGO ESCRITÓRIO DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA (Bairro Rocas). Foto: Acervo SEMURB.

As instalações do parque ferroviário causam um impacto contraditório na relação do rio com a cidade, aproximando-os e ao mesmo tempo separando-os. A linha férrea tende a contribuir para o desenvolvimento da Ribeira, próximo ao rio e, mais do que isso, a atrair para suas proximidades uma população operária, de baixa renda, formando, como no caso do Passo da Pátria, bolsões de pobreza no seu entorno. Esse processo aproxima fisicamente a cidade do Natal ao Rio Potengi, ao atrair a sua expansão urbana na direção do rio. Considerando a divisão atual de bairros da cidade (Natal (2008).), essas populações vão se instalar em áreas nas Rocas, no Alecrim e nas Quintas (Guarita), no Alecrim e na Cidade Alta (Passo da Pátria), sempre nas proximidades do rio. Evidentemente, não é só a linha de ferro que explica essa aproximação da cidade ao rio, nem a formação desses bairros ou de parte deles. Por exemplo, a ampliação do porto também está na origem da fixação de uma população de baixa renda nas Rocas, da mesma forma que o surgimento dos bairros Alecrim, como as Quintas, tem principalmente a ver com o caminho que ligava a cidade ao sertão, via Macaíba (CASCUDO, 1999: 246-247, 255, 357). Contudo, a linha férrea tem sua parcela de contribuição nesse processo de formação dessas periferias próximas ao Rio Potengi.

A linha aqui conectava a capital a Ceará-Mirim, Nova Cruz, Lages e Angicos, entre outras cidades, é ela que usa a ponte de ferro sobre o Potengi. Essa medida trás grande mudança no povoamento do bairro, atraindo pessoas para viver por ali, e ampliando as possibilidades de emprego, graças aos novos armazéns e oficinas construídos ao redor da linha férrea, como a criação de sua feira livre, em 1928, pode atestar. Além desses fatores a construção da estação exigiu transformações na paisagem, foi realizada uma ampla terraplanagem, para a instalação dos batentes, alterando a área, facilitando assim a chegada de mais moradores e, principalmente, dos ferroviários.

A foto de 29 de março de 1934, do acervo da Brasiliana, registra uma província com ares de uma cidade portuária, afinal, é o porto o destaque em primeiro plano. Ao olhar a imagem captada a porta de entrada abre-se como um convite a caminhar numa cidade memória.

MORADIAS E INSALUBRIDADE

Os bairros então reconhecidos como parte da zona urbana eram: Rocas, Ribeira, Cidade Alta, Alecrim, Lagoa Seca, Tirol e Petropólis. As Rocas são caracterizadas como residência das classes mais pobres e de pescadores.

Em seu relatório de governo apresentado em 1917, Romualdo Galvão destacou a quantidade de casas existentes em bairros e regiões de Natal no período, conforme tabela que segue:

Número de casas existentes em Natal em 1917. RELATORIO apresentado a Intendência do Municipio de Natal em sessão do 1 de janeiro de Op. cit., p.18.

A região suburbana concentrava 1.432 casas (se forem somados os números de Rocas e Dunas, que também integravam essa zona), o que demonstra como essa área da capital estava em processo de expansão.

Esse “progresso” se faz sentir também no aumento da população natalense. O perímetro da cidade, em 1919, havia quadruplicado e surgiram diversos embelezamentos e melhoramentos nos serviços urbanos (A REPUBLICA, Natal, ano 31, n.111, 22 maio 1919c.). A população natalense que em 1889 era de aproximadamente 13 mil habitantes 61, ascende à época em questão à cifra de cerca de 30 mil pessoas. Nesse momento é realizado um recenseamento pelo Dr. João Soares que, sozinho, toma como referência o número de casas para estipular o número de habitantes. A Ribeira então já contaria com uma cifra superior aos 4 mil e trezentos habitantes – conjuntamente com a comunidade das Rocas, em suas imediações.

Vimos em mão do dr. João Soares um dos quadros que já confeccionou sobre o bairro da Ribeira que, pelas suas notas, comprehende 1232 casas, sendo 666 nas Roccas e 566, propriamente no centro do bairro. Nessas mil, duzentas e trinta e duas habitações o dr. João Soares encontrou 4382 habitantes, sendo 1790 homens e 2592 mulheres (A REPUBLICA, Natal, ano 31, n.111, 22 maio 1919c., p. 01).

A situação sanitária da capital do Rio Grande do Norte, de acordo com os relatórios da Inspetoria de Saúde Pública, era péssima e, em algumas localidades, chegavam a constituir-se como o mais grave problema enfrentado pela população. Os bairros considerados operários como a Ribeira, Rocas, o Baldo, Areal e o Passo da Pátria, locais habitados, sobretudo, pela população mais desprovida materialmente, eram os campeões de reclamação.

No subúrbio de Natal, mais um progresso: o Alecrim, bairro recém-fundado, recebe um posto profi lático, a cargo da Comissão Sanitária Federal. A inauguração festiva contou com a presença do governador do Estado, do seu ajudante de ordens, capitão Apolonio Seabra, e do dr. Edgar Filgueiras, chefe da referida comissão, que prometeu, em seu discurso, criar um posto também nas Rocas.

O médico e Inspetor da Saúde Pública do Porto de Natal apontou, em documento produzido na década de 1920, a quantidade de casas e o número de indivíduos em determinadas localidades de Natal. A obra de Januário Cicco, intitulada Como se higienizaria Natal: algumas considerações sobre seu saneamento, foi publicada em 1920 dentro dos esforços do médico e inspetor em criar um plano para o saneamento da cidade. O documento também atendia uma das funções de seu cargo, pois os inspetores deveriam reportar-se de forma periódica ao Diretor Geral de Saúde Pública informando as condições sanitárias e as ações da Inspetoria. Nesse documento, Cicco descreveu e analisou as condições de salubridade de Natal e propôs medidas para amenizar os problemas existentes.

A área urbana comprehende a Cidade Baixa ou Ribeira e a Cidade Alta. A’ primeira se acosta um bairro de operarios e pescadores, construido sobre as dunas e intitulado Rocas, e da Ribeira separado por uma faixa de terra de 400 metros de largura; é, como se prevê, um terreno arenoso, accidentado de depressões, onde facilmente se collectam águas pluviaes.

Diferente de Galvão, Cicco especificou a quantidade de casas destinadas à habitação e as que eram estabelecimentos comerciais, conforme tabela abaixo:

Número de casas residenciais, prédios comerciais e habitantes de Natal em 1920. Fonte: CICCO, Januário. Como se hygienizaria Natal. Op. cit.

Januário Cicco ainda ressaltou que as casas localizadas nas Rocas eram pequenas, de taipa e com precárias condições sanitárias, morando, em média, 4 pessoas por habitação. O Inspetor de Saúde Pública destacou que o Alecrim, em virtude do reduzido número de domicílios quando comparado ao número de habitantes, era foco de “promiscuidade”, e suas habitações marcadas pela falta de higiene (CICCO, Januário. Como se hygienizaria Natal. Op. cit., p.34.). Com exceção de algumas “chácaras de pessoas abastadas”, a maioria das habitações no bairro pertencia ao operariado, eram “rusticas, baixas, de taipa […] e tem os mesmos inconvenientes das suas semelhantes nas Rocas” (Ibidem, p.35.).

No capítulo sobre a topografia de Natal e sua geografia médica, Cicco faz uma apresentação minuciosa sobre os bairros da cidade, as dificuldades sanitárias existentes bairro a bairro e propõe as resoluções para por fim a esses problemas. Dentre as questões mais problemáticas para a saúde pública em Natal, ele aponta: os alagamentos constantes na “Cidade Baixa”, ou seja, Ribeira e Rocas, as águas acumuladas nas lagoas, a região alagada do Baldo, a presença do cemitério no meio urbano, a contaminação do lençol freático, a presença do matadouro público muito próximo ao centro urbano e o destino do lixo.

Ao tratar das condições de alagamento do bairro da Ribeira e das Rocas durante o inverno, ele expunha que se via: “logo quanto é sem difficuldades o seu saneamento, bastando-lhe o aterro e o nivelamento com as proprias areias das collinas” (CICCO, Januário. Op. Cit. p. 9). Percebe-se aqui que, para Cicco, sanear essa área a qual denominava de Cidade Baixa, consistia, tão somente, construir galerias pluviais e aterrar, com a areia das dunas que as circundavam, todas as lagoas existentes naquela localidade, nivelando assim o terreno e proporcionando maior conforto e salubridade para a população daquela parte da cidade.

O hábito de ter filhos pelas mãos de um médico foi antes uma realidade presente no interior da classe pobre, utilizando os serviços do Hospital Juvino Barreto, mesmo que em quantidade diminuta, do nas famílias ricas da cidade. O próprio Câmara Cascudo, de família de muitas posses, veio ao mundo pelas mãos da velha parteira Bernardina Nery, falecida nas Rocas em 25 de agosto de 1922, com 82 anos. Apanhara mais de 800 crianças. Meu pai era tenente do Batalhão de Segurança e pagou 10 mil réis (CASCUDO, Luís Câmara. O tempo e eu: confidências e proposições. Natal: EDUFRN, 2008, p. 39.).

A imagem que originalmente ilustra a obra de Januário Cicco, mostra um trecho do bairro das Rocas por volta de 1920, ou seja, antes da chegada da “estrada de rodagem”. Em primeiro plano, observam-se alguns “ordinários” em meio as lagoas e alagadiços que dominavam a região. Os habitantes moravam em pequenas casas de taipa construídas em cima de dunas e entre águas estagnadas, tidas pelo discurso médico/sanitarista como fonte de origem das doenças como a febre amarela, a gripe e a tuberculose, que devastavam as populações das cidades brasileiras desde o século XIX. Vista do bairro das Rocas Fonte: Cicco, 1920.
– Planta organizada pelo engenheiro Henrique de Novaes para os serviços de saneamento de Natal em 1924 (Detalhe). Notar linha tracejada partindo da esplanada Silva Jardim, descendo pelas Rocas, subindo pela Cidade Nova e descendo paralela ao riacho do Baldo. O transporte ferroviário ainda era um elemento urbano importante e se misturava ao tecido da cidade. Fonte: Biblioteca Municipal Mário de Andrade. Acervo de George A. F. Dantas.

Em abril de 1926 o A Republica denunciou o péssimo estado sanitário das Rocas, envolto por uma “alastradora epidemia” que ameaçava toda a cidade (O ESTADO sanitario das Roccas. A Republica, Natal, 18 abr. 1926.). Na tentativa de melhorar o estado sanitário da área, em maio do mesmo ano a Intendência anunciou o início dos trabalhos de limpeza das ruas e remoção de lixo “no populoso suburbio das Roccas” (A MUNICIPALIDADE e o suburbio das Roccas. A Republica, Natal, 06 maio 1926.). De acordo com o jornal, o “operoso presidente do executivo municipal” (Idem) estava empenhado não apenas em modificar as condições de salubridade das Rocas, mas também desejava melhorar a estética daquela zona suburbana. A matéria ainda anunciava a inauguração de uma estrada de automóveis partindo do edifício de Fiscalização do Porto, ligando a rua Silva Jardim ao subúrbio.

Em maio de 1926, o bairro suburbano das Rocas passa a contar com o serviço permanente de limpeza das ruas e remoção do lixo. O “operoso” Omar O’Grady, segundo A Republica, estava preocupado em melhorar as condições de salubridade e estética do bairro, que começava a sentir a presença do poder público. Pouco depois do estabelecimento do serviço de limpeza, seria entrega à população das Rocas uma estrada construída pela Intendência, através da esplanada Silva Jardim, que serviria a todo bairro suburbano (A REPUBLICA, Natal, 06 maio 1926.).

Em julho de 1924, o Departamento de Saúde Pública resolveu dividir a cidade em zonas para facilitar os trabalhos de inspeção e recenseamentos. Zoneamento ainda incipiente, mas que estabelecia instrumentos mínimos para o controle do espaço urbano; a proposta compreendia uma “zona urbana central” (Cidade Alta e Ribeira, da rua Silva Jardim ao córrego que passava do Baldo até o Oitizeiro e da avenida Deodoro e da rua São José até o rio Potengi), uma “zona urbana periférica” (Tirol, Petrópolis e Alecrim, até a avenida Alexandrino de Alencar) e a “zona suburbana” (Areia Preta, Rocas, Alto da Bandeira e demais localidades), além da “zona rural”. Ainda estabeleceu as proibições e punições aos que sujavam as vias públicas, com “lixo, cascas de fructas, papeis, etc.”, principalmente na zona urbana central; estendeu a exigência para todo o estado de um parecer sanitário para qualquer construção ou reforma realizada; e regulamentou e obrigou o uso de depósitos de lixo em todas as habitações (“Pelas Repartições – Directoria de Higiene”, A República, Natal, n.148, p.1, 04 jul. 1924; “Varias”, A República, Natal, n.218, p.2, 25 set. 1924; “Pelas Repartições – Departamento de Saúde Publica”, A República, Natal, n.268, p.1, 25 nov. 1924.).

A inauguração dessa obra ocorreu em setembro daquele ano, contando com a presença do governador do Estado, do presidente da Intendência e do bispo diocesano, D. José Pereira Alves. No mesmo dia, a “população paupérrima, porém (grifo nosso) ordeira e trabalhadora” das Rocas recebeu ainda um posto médico e uma subdelegacia de polícia, além de uma pequena capela da “Sagrada Família”, inaugurações realizadas com festas e discursos das autoridades presentes e do líder comunitário Lauro Fagundes. A frase está em uma matéria d’A Republica que trata de mais uma inauguração no bairro: a Escola Nossa Senhora do Rosário, em outubro de 1926. Ver A REPUBLICA, Natal, 30 out. 1926.

Na matéria, afi rmava-se que “As obras que ali se inauguraram constituem um elemento de indiscutivel progresso, a que não são extranhos os governos do Estado, do municipio e os elementos da religião (A REPUBLICA, Natal, 21 set. 1926.)”. As palavras do governador do Estado, José Augusto Bezerra de Medeiros, enfatizam a importância, em especial, da estrada de rodagem que ligaria o bairro suburbano ao centro da cidade:

Tendes agora uma estrada de rodagem, uma estrada que vos collocará mais facilmente em contacto com as populações dos outros centros da cidade. Esse melhoramento […] não signifi ca apenas um serviço de ordem material. É, ao mesmo tempo, uma obra de ordem moral e de alcance intellectual.

Por intermedio della os vossos fi lhos e vós mesmos podereis facilmente vos approximar dos outros meios, numa troca intelligente de idèas, e num auxilio mutuo pela afi rmação do progresso de nossa terra, a que vem servindo, e essa obra o assegura, de uma forma altamente signifiativa, o engenheiro Omar O’Grady, illustre prefeito da capital. (A REPUBLICA, Natal, 21 set. 1926.).

Como havíamos afirmado, as obras pelas quais a cidade passava nessa segunda metade da década de 1920 contribuíam para a integração dos diferentes espaços da cidade. Esse processo começara ainda em 1908, mas não havia se estendido às regiões suburbanas. Com a ligação entre centro e periferia, as diferenças entre os moradores do subúrbio e os que habitavam os bairros centrais da cidade, ao menos na teoria, eram diluídas. É neste sentido, cremos, que o governador do Estado fala em uma “obra de ordem moral e alcance intellectual”.

Em entrevista realizada em setembro de 1926, O’Grady ressaltou a preocupação de sua gestão em expandir para os subúrbios as reformas, elencando a construção de estradas de automóveis nessa região da cidade (MEDEIROS, Gabriel Leopoldino Paulo de. A Cidade Interligada. Op. cit., p.181-183.). De fato, na década de 1920 uma determinada área suburbana passou a ganhar mais atenção da administração: a região das Rocas. Habitada principalmente por operários, e abrigando a colônia de pescadores do Rio Grande do Norte, em novembro de 1925 a região foi contemplada com a inauguração da energia elétrica. De acordo com o A Republica, tratava-se de iniciativa do governador José Augusto, fruto do crescimento e desenvolvimento da referida área (NO SUBÚRBIO das Roccas. A Republica, Natal, 24 nov. 1925.). O jornal anunciou a implantação do novo equipamento urbano como uma dádiva, um presente da administração. Todavia, desde 1924, o periódico Diario de Natal, folha do Centro da Imprensa Católica, já anunciava que a implantação do serviço de iluminação nas Rocas era um pleito antigo dos moradores da região, que fizeram inclusive um abaixo assinado destinado ao governador do Estado reivindicando a questão (ECHOS e Factos. Diário de Natal, Natal, 04 dez. 1924.), não sendo, portanto, uma mera concessão do governo, e sim uma conquista dos moradores.

Em setembro de 1926 novos melhoramentos foram inaugurados na região, entre eles um posto médico na colônia de pescadores e a sede da subdelegacia das Rocas (NO BAIRRO das Roccas. A Republica, Natal, 19 set. 1926.). Graças aos esforços do padre Theodoro Kokk e do governo estadual e municipal, também foi construída a Capela da Sagrada Família, que além de templo religioso exerceria a função escolar, dedicandose à instrução primária das crianças da área (O BAIRRO das Roccas. A Republica, Natal, 30 out. 1926.). Em discurso por ocasião da inauguração desses melhoramentos, o então governador afirmou que com o novo posto policial a população da região poderia “viver tranquila, sob as garantias da lei, sob a proteção da justiça” (IMPORTANTES melhoramentos no bairro das Roccas. A Republica, Natal, 21 set. 1921.). Em 1928 foi inaugurada uma feira livre nas Rocas, que também foi creditada aos esforços de O’Grady. De acordo com o A Republica, a iniciativa do chefe da municipalidade “muito suavisará a despesa da população local, que encontra nesse meio de commercio preços mais acessíveis” (FEIRA livre das Roccas. A Republica, Natal, 29 jan. 1928).

Feira das Rocas.

O relatório de 1926, rico em quadros, tabelas e imagens da cidade, mostra que a cidade começava a ser remodelada por meio de diversas obras. Além da Avenida Atlântica, concluída naquele ano, e da estrada de rodagem que ligava o bairro das Rocas à região central da capital, o Conselho de Intendência investiu em diversas outras ações para aformosear a cidade, melhorar suas vias de comunicação e tornar mais racional seu traçado. Entre elas, estavam a construção do cais de desembarque na Tavares de Lyra, o novo calçamento na Praça Augusto Severo (ver imagem a seguir), a reconstrução da ponte de Guarapes, na estrada de rodagem que ligava a capital à cidade de Macaíba, além da construção de uma galeria para drenagem das águas pluviais na Avenida Junqueira Ayres, sempre alagada nos períodos de chuvas.

Como visto, a modernização na era O’Grady também atingiria determinadas áreas da zona suburbana, sobretudo a área que, em 1947, viria ser o bairro das Rocas. Essa zona suburbana passava a ser interligada, via estrada, aos bairros centrais da cidade, recebendo assistência direta da administração, sendo fiscalizada, “iluminada pelo poder”, pela justiça e pela ordem que representariam instituições como o posto policial inaugurado. Mais uma vez os populares eram mencionados nos veículos de imprensa apenas quando o poder tentava controlalos, ainda que esse controle viesse acompanhado dos signos da modernização.

O bairro das Rocas se configurou como um dos “espaços da pobreza” de Natal quando, no final do século XIX, começaram a recrudescer as normativas higienistas, com a conseqüente proibição das tipologias construtivas acessíveis ao (baixo) poder aquisitivo das camadas populares, como a taipa. As fotos de Manoel Dantas foram publicadas em Miranda (1981), mas com tamanho muito reduzido e de baixa qualidade gráfica; o livro de Rocha Pombo (1922) é ilustrado por vários panoramas da paisagem urbana de Natal.

“Rocas – Travessa Paraense”. Fonte: CSN, 1924.

A Travessa Panamá, mas conhecida como Beco da Quarentena, o celeiro da popularidade, onde havia vários desses quartos, abrigava as prostitutas mais velhas e que não tinham espaço nas boates ou que contraíam doenças venéreas. Era um ambiente pesado que somente pessoas sem dinheiro ou de muita coragem freqüentava, relata o Senhor José Arnóbio de Araújo, relojoeiro ainda em atividade. O nome Beco da Quarentena vem do fato que para se curarem as mulheres tinham que ficar de quarentena e a base de penicilina. Uma figura muito importante para esse beco foi o enfermeiro Barreto que diariamente cuidava das enfermas. Entretanto, nem todas mulheres “de recursos” estavam nos bordeis, havia mulheres de outros bairros, como uma chamada “Rocas-Quintas”, pois ficava transitando entre esses bairros e a Ribeira.

“Rocas – uma familia”; embora muito esmaecidas, estas fotos constituem-se importantes registros das condições de habitação em bairros populares de Natal, no caso as Rocas. Fonte: CSN, 1924.

AÇÕES DA MUNICIPALIDADE

O’Grady assumiu a Intendência da capital e trouxe para o campo de ações da municipalidade a região das Rocas, de onde vinha um bom número de alunos da Escola de Aprendizes. Com a nova gestão, foi estabelecido o serviço de limpeza, construída uma estrada (“A municipalidade e o subúrbio das Roccas”. A Republica, 06 maio 1926, p.1) e inaugurados um posto médico, uma subdelegacia de polícia, uma escola e uma capela da Sagrada Família, ações realizadas em conjunto com o governo do Estado e com a Igreja Católica para atender a necessidades da “população paupérrima, porém (grifo nosso) ordeira e trabalhadora” (“O bairro das Roccas”. A Republica, 30 out. 1926, p.1) das Rocas.

A cidade vinha se refazendo e regiões como as Rocas não podiam ser mais esquecidas. Mas nem sempre instituições como a Escola e a Igreja eram suficientes para alterar costumes daquela “população paupérrima”. Às vezes, medidas mais austeras precisavam ser tomadas. O espaço urbano vai se tornando mais complexo e novos lugares são criados visando a higienização – em um sentido lato – da cidade.

As rocas, em 1926, era lembrada por Omar O’Grady, então presidente da Intendência, como “o bairro mais pobre da cidade” (“Governo do Município”. A Republica, 08 jan. 1926). Apesar de o intendente referir-se às Rocas como bairro, a região, à época, ainda estava oficialmente ligada à Ribeira, tornando-se bairro, por lei, apenas em 1947, através do Decreto-lei nº 251, lançado na gestão do prefeito Sylvio P. Pedroza (PROJETO de lei 251, 1947, p. 2).

Região de onde vinham boa parte dos alunos da Escola de Aprendizes de Natal, as Rocas eram uma parte esquecida da cidade, ao menos até a década de 1920. Eram raríssimas, até então, as referências ao local nos jornais, o que nos permite afirmar se tratar de um espaço marginalizado pelos gestores da municipalidade, não enquadrado no ideal de urbe forjado pelos intendentes natalenses entre fins do século XIX e as primeiras décadas do XX (SANTOS, 2012). A sua inserção no mapa político da cidade, a partir dos meados da década de 1920, na gestão de Omar O’Grady, foi reflexo de novos arranjos políticos que visavam, entre outros aspectos, atender a demandas do grupo dos artistas (no período estudado, a palavra é sinônimo de artífices) e operários.

A estratégia de modernização urbana daquele que presidiu a municipalidade ao longo dos governos dos representantes da rede de parentela dos Bezerra de Medeiros parecia, ao menos no tocante à região das Rocas, integrar parte da região suburbana, diferente da praticada ao longo das duas primeiras décadas do século XX, que restringia aos bairros centrais as obras de remodelação e implementação de equipamentos urbanos, relegando aos subúrbios os “outros” desse processo de remodelação, pobres, retirantes, desabrigados, vítimas do “bota abaixo” natalense, os “desaforados” da urbe.

Nos anos seguintes, as linhas férreas ainda serão elementos importantes na estruturação do espaço urbano. O levantamento feito pelo engenheiro sanitário Henrique de Novaes mostra uma outra integração do parque ferroviário da Esplanada Silva Jardim com os trilhos cortando o bairro da Cidade Nova, numa proximidade com o tecido urbano pouco recomendada nos dias atuais. Até mesmo o plano Palumbo (1929) respeita a disposição dos parques ferroviários como elementos estruturadores do tecido urbano, mas já antecipa o primeiro golpe no processo de descaracterização da praça Augusto Severo, em função do transporte automotivo. Os edifícios da Esplanada Silva Jardim permanecem no plano, definindo o arruamento e redesenhando o local onde ficava o bairro das Rocas.

Plano Palumbo (1929). Três edifícios do parque ferroviário da Esplanada Silva Jardim (em vermelho) são conservados e definem o alinhamento das vias perpendiculares ao rio Potengi. As estações da Great Western e da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte (em azul) são também consideradas no plano Palumbo, que ainda cria uma praça e um cais de desembarque no largo da Estação próxima ao rio. Entretanto uma via corta a praça Augusto Severo ao meio para dar vasão a um novo meio de transporte: o automóvel. Fonte: João Maurício Fernandes de Miranda: 380 anos de história foto-gráfica da cidade do Natal.

Em artigo publicado em julho de 1930, Carmen Portinho, engenheira que representou o Rio Grande do Norte no IV Congresso Pan-Americano de Arquitetura, comentou outros pontos do Plano de Sistematização, que foi exposto no referido congresso ocorrido no Rio de Janeiro. Portinho ainda destacou que na região entre o rio Potengi e o oceano Atlântico seria criado um novo bairro jardim, que deveria assemelhar-se aos bairros ingleses, seria feito o “’zoning’ moderno, sendo evitada a super lotação e os habitantes seriam convidados a se pronunciarem sobre a administração do seu bairro, fixando ainda o número e a localização de lojas e armazéns” (PORTINHO, Carmen V. A remodelação de Natal. A Republica, Natal, 13 jul. 1930.). Esse bairro abrangeria as regiões de Rocas, Areial, Limpa, Canto do Mangue, Chama-maré e outros assentamentos considerados populares nessa área (DANTAS, George. Linhas convulsas e tortuosas retificações. Op. cit., p.132.). No novo bairro também seriam abertas largas avenidas. As casas de operários existentes nas proximidades do cais na entrada da cidade e em terrenos baldios seriam demolidas, e um “bairro operário inteiramente novo, um pouco afastado do centro” (Idem.) seria construído. Os indivíduos que tivessem seus casebres derrubados em decorrência da aplicação do plano receberiam um lote de terreno e uma planta para edificação no novo bairro. Esse bairro operário também seria planejado seguindo o modelo de bairro jardim. É possível constatar, portanto, que o planejamento encomendado pelo prefeito incluía uma espécie de novo “bota abaixo”, desapropriando famílias, derrubando casas que não seguissem os novos padrões e realocando os para o novo bairro popular criado.

As ideias presentes no Plano de Sistematização também influenciaram a divisão administrativa de Natal no final da década de 1920. Exemplo disso é a Lei n.4 de setembro de 1929, que regulamentava construções, reconstruções, acréscimos e modificações de prédios. Era uma espécie de código de obras municipal que tentava facilitar o controle da urbanização de Natal. Ficava determinado que a cidade seria dividida em quatro zonas para facilitar a aplicação dessa lei: primeira zona ou central, segunda zona ou urbana, terceira zona ou suburbana e quarta zona ou rural.

Como é possível verificar, em 1929 tem-se um novo modelo de divisão dos limites da cidade, diferente do aplicado nas primeiras décadas do século XX, que delimitava apenas duas zonas, a urbana e a suburbana, e era marcado pelas indefinições que dificultavam o enquadramento de determinadas regiões nos bairros urbanos ou zonas suburbanas da cidade. Também se observa que a própria Prefeitura de Natal se confundia com os termos, listando Rocas como bairro, quando o mesmo apenas seria alçado à categoria de bairro em 1947 no governo de Silvio Pedroza. A preocupação em acrescentar a área rural nas definições dos limites pode sugerir que essa região, no final da década de 1920, já estava mais próxima da área central da cidade, possivelmente pelo processo de modernização, com a abertura de vias e com a construção de calçamentos que facilitariam o acesso, ou pode indicar o interesse da municipalidade em gerir com mais atenção toda a região sob sua responsabilidade, reflexo da eficiência administrativa e/ou da preocupação com a gestão de rendas e fiscalização nas formas de construção.

O calçamento da Avenida Rio Branco foi iniciado em novembro de 1929. Obras desse vulto conclamavam, a partir de então, o investimento conjunto da Municipalidade e dos particulares atendidos no calçamento das artérias natalenses. Passa a ser defendida nos periódicos a participação dos moradores das avenidas beneficiadas com o calçamento no custeamento dos valores empregados. O calçamento se alastra pela cidade atingindo também, embora de maneira ainda tímida e pontual, os considerados “subúrbios” como o Alecrim e as Rocas.

Limites aproximados da zona central e da zona urbana de Natal a partir de setembro de
1929. Fonte: Elaboração da autora sobre Planta cadastral e topográfica elaborada por Henrique de Novaes em 1924.

A representação destacada indica que, de acordo com a Lei n.4, a região das Rocas não se enquadrava mais na zona suburbana de Natal, passando a integrar a zona central. Possivelmente uma tentativa de aproximar a divisão da cidade ao projeto de Palumbo, que idealizou a integração das Rocas a um novo bairro jardim, com a derrubada de casebres e a construção de áreas arborizadas.

A ideia de Palumbo de concentrar esses indivíduos populares em um bairro específico pode ser vinculada ao aspecto de segregação espacial que, segundo Sennett, caracterizou os planos urbanísticos das cidades tidas como modernas. De acordo com o novo planejamento do poder local, esses populares não deveriam ficar espalhados pela capital norte-rio-grandense, era preciso delimitar um espaço próprio para essa parcela da sociedade.

Nesse contexto de mudanças, o Plano Palumbo é discutido pelos veículos de imprensa como um mecanismo de renovação da forma urbana de Natal, imperiosamente “uma necessidade imposta pelos grandiosos imperativos do progresso da nossa capital” (A REPUBLICA, 1930b). É importante frisar que o Plano, em seu traçado, aproveitava os recursos naturais do sítio urbano para distribuir as respectivas funções da cidade. Nessa organização, a distribuição das classes sociais no espaço obedecia à conformação já estabelecida: bairros residenciais destinados à elite nas áreas mais favorecidas naturalmente – a já ocupada Cidade Nova e um novo bairro na área hoje correspondente aos bairros de Santos Reis e Rocas, cuja comunidade seria removida – e o bairro operário situado na região do Alecrim e Quintas. Essa intervenção corresponderia ao novo bairro residencial das elites da cidade e ocuparia a localização hoje ocupada por Rocas e Santos Reis. Como o Plano elaborado por Palumbo não chega a ser concretizado esse bairro nunca foi construído (FERREIRA et al, 2008).

Como apontado o início da preocupação da elite do estado com a problemática habitacional na década de 30 antecipa a análise que costuma ser feita somente a partir da Segunda Guerra Mundial. O jornal católico “A Ordem” denunciava as condições de vida dos proletários do bairro de Anchieta (Rocas) e também ao discurso de Eloy de Souza, em 1932, na Sociedade Agropecuária do Rio Grande do Norte, que culpa as condições de moradia (palhoças) por causarem os altos indicies de mortalidade infantil que a cidade registrava na época.

MÚSICA PARA E PELA ROCAS

Na tarde do domingo, dia 31 de janeiro de 1926, realizou-se no Teatro Carlos Gomes um festival lítero-musical, promovido por senhoras da sociedade local, em benefício da construção de uma escola no bairro das Rocas. A parte musical esteve a cargo de Waldemar de Almeida, que executou três obras de Chopin: “Polonaise” opus 26 n. 1, “Improviso” opus 36 e o “Estudo” opus 10 n° 12. O evento teve o comparecimento do Governador José Augusto e família (JOSÉ AUGUSTO Bezerra de Medeiros governou o Estado no período de 1924 a 1928).

O nosso jovem e já grande pianista mostrou-nos as belezas de três de suas composições, todas elas tecidas naquele contraste de delicadeza, de bravura, de melancolia e alacridade, sentimentos que o sonoroso piano ia transmitindo através a sensibilidade emotiva do executante (A República, edição de 02/02/1926, coluna “Festival em benefício dos pobres das Rocas”, não assinada.).

Em 1936 foi publicado “Paisagens de leque”. A história dessa composição foi descrita pelo próprio autor quando, em um escrito sobre Luís da Câmara Cascudo, refere-se à criação do Instituto de Música:

Data dessa época o início das “Paisagens de leque”. Nenhuma teria sido escrita se não fosse a insistência quase sempre autoritária de Câmara Cascudo que, dada a displicência constante do autor, arrastou-o certa vez ao piano, à força e aos empurrões, ouvindo o tema a desenvolver gritado repetidas vezes:
“Na verde grama
Voam as borboletas brancas,
Na verde grama”….

Vamos, musique isto. Ponha isto em sons. Dê uma idéia sonora disto no piano. Só se levanta daí quando o fizer.”
Assim, surgiu a primeira “Paisagem de leque” e a segunda da serie, composta poucos dias depois, naquela época em que o autor não lhes encontrava real interesse, foi salva do cesto pela interferência exaltada de Câmara Cascudo.
Hoje as “Paisagens de leque” são em número de oito e se a sua audição interessou fora do País e se a “Enciclopédia da música” as registrou com simpatia, o autor tem menos merecimento do que o padrinho das composições.
( ALMEIDA, Waldemar de. Luís da Câmara Cascudo no meio da música (Depoimentos),1947).

A serie se compõe de: 1 – Valsa nobre; 2 – Borboleta; 3 – O camundongo Mickey; 4 – A Baronesa; 5 – Passeio às Rocas; 6 – Desfile de Quintal; 7 – “Acalanto da Bela Infanta”; 8 – “Realejo”.

Passeio às Rocas (n. 5)
Traço característico do bairro dos pobres de Natal. Motivo eminentemente regional. Em noite enluarada, pelas ruas das Rocas, crianças se divertem. Numa encruzilhada, dois jovens tocam violão. Um, com maestria, dedilha o instrumento dos vates sertanejos, enquanto o outro, principiante, faz um acompanhamento banal. Desaparece a cena. Mais adiante, um grupo de meninas brinca em uma calçada: “Bombarquinho, bombarquinho, deixarás passar…” Logo a seguir, o outro quadro. Os garotos fazem um círculo e de mãos dadas vão cantando: “Lá na ponte da Aliança, todo mundo passa”.

Em julho de 1940, um recital de Ziva Blatmann, dessa vez benefício da Escola e Ambulatório São José, do bairro de Anchieta (Rocas). O evento foi realizado no dia 4, no Teatro Carlos Gomes.

O movimento musical de Natal no ano de 1942 foi bastante fraco, comparado com os anos anteriores. Isso se deve ao ambiente menos propício proporcionado pelo agravamento da situação internacional decorrente do recrudescer da Segunda Guerra Mundial. O Curso Waldemar de Almeida reiniciou suas atividades
a 7 de março, apresentando no Teatro Carlos Gomes sua 30ª audição – em homenagem às classes armadas de terra, mar e ar – sendo a renda arrecadada destinada à Escola e Ambulatório São José, do bairro de Anchieta (Rocas).

Passando férias na cidade, a violoncelista Nany Bezerra de Melo, ex-aluna do Instituto de Música, apresentou em 1946 um recital íntimo na residência de seus pais, tocando Bach, César Cui, Villa-Lobos e Hoffmann, dedicado à imprensa local. Presente o pianista americano Rowland G. Sturges, que tocou Chopin e Waldemar de Almeida. A 15 de fevereiro apresentou-se no Teatro Carlos Gomes, em benefício das obras da capela de Areia Preta e do Ambulatório São José, das Rocas.

No dia 21 de junho de 1947 apresentou-se no Teatro Carlos Gomes a pianista pernambucana Josefina Aguiar (10 anos de idade), em benefício da construção do Centro Social Leão XIII, das Rocas.

ROCAS DE PALMIRA WANDERLEY

Diante dessa tentativa de modernização, foram criados vários espaços de cultura, educação e lazer (escolas, clubes, agremiações, cinemas, cafés), esses últimos se espalhavam pelos bairros da Ribeira e da Cidade Alta. A partir da década de 1920, os cafés e restaurantes recebiam uma maior frequência feminina. Essa frequência está registrada pelas lentes dos fotógrafos da revista Cigarra8. Entre elas, há um flagrante da escritora Palmyra Wanderley no Restaurante Rotisserie, proseando com um grupo de amigas, todas com os cabelos, revolucionariamente, curtos e vestidas pelas melindrosas, que, de forma libertária, dispensaram os espartilhos, descolaram a cintura feminina antes tão marcada e subiram o tamanho da saia, a fim de adequar o vestuário feminino a esses novos modernos tempos.

Sobre essa cidade, desenhada por uma elite política e letrada, veja-se o seguinte trecho:

A cidade desenhada pela elite contava com praças ajardinadas, trilhos de bonde e vida social ativa. Essa elite tentou construir a imagem de uma Natal progressista, em consonância com as novidades que circulavam em todo o ocidente. Todavia, fora dos teatros, clubes, cafés e praças existiam outros espaços, que não foram aqui estudados, espaços que pertenciam a outros grupos sociais, como as feiras livres do Passo da Pátria, os festejos do Pastoril e do Fandango no Alecrim e nas Rocas (ARRAIS; ANDRADE; MARINHO, 2008, p. 175).

Palmyra Wanderley era uma representante dessa elite letrada e participava ativamente da vida social dessa cidade que se queria moderna. No entanto, observava os espaços que não estavam dentro desse cinturão de modernização e se preocupava com os bairros mais pobres e com as gentes que lá habitavam. A exemplo disso, há os poemas “Alecrim”, “Passo da Pátria” e “Sinhá Rocas”.

A edição de “Roseira brava: versos de Palmyra Wanderley referente à nossa investigação é a de 1929. Em “Rosas de Sol e de Espuma”, primeira parte do livro, localizam-se, exclusivamente, poemas com a temática da cidade Natal. Neles, o leitor passeia pelos bairros (Rocas, Alecrim, Refoles, Barro Vermelho, Tyrol, Petrópolis, Passo da Pátria); viaja pela beleza exuberante das praias (Praia do Meio, Areia Preta); e lê a opulência das formas da natureza (Rio Potengy e Lagoa Manoel Felipe). Essa parte, revela o interesse da poetisa pela sua cidade e sua gente, pelo espaço de onde brota a sua escrita.

O bairro das Rocas, próximo à praia Areia Preta, foi também espaço cantado nos versos de Palmyra Wanderley. Cascudo (1980) define as Rocas como um bairro exterior.

Rocas é o bairro operário que desafia, até hoje, pela proximidade, a “zona residencial e rica” de Petrópolis. Como ressalta Cascudo (1980), ele sobe e desce
as dunas e pulsa nos versos de Palmyra Wanderley no poema “Sinhá Roccas”, transcrito a seguir.

Sinhá Roccas
À beira d’água nasceu um dia (ninguém estranhe)
Linda praieira tão pobrezinha, nasceu sem mãe!
A água salgada da maré-cheia encheu-lhe a bôcca
E ella nem pôde chorar, coitada,
Com a bôcca cheia de água salgada
Que ainda amarga na sua bôcca.
Cresceu sozinha, pobre garôta, corre na praia sempre vagando;
deita na areia com os moradores
E passa o dia assobiando.
Escuta histórias da CAROCHINHAS na lua cheia
Sobre as jangadas dos pescadores.
Brinca nas dunas, com a meninada, de ESCONDE ESCONDE,
MANCHA, CIRANDA, PINICAINHA
BÔCCA DE FORNO TIRANDO BÔLO
Para a avósinha.
Veste vestido de algodãozinho dá no TECIDO,
Vive nas tócas,
No lamaçal,
Mas todos gostam de SINHÁ ROCCAS,
Mesmo vestida com seu vestido colonial.
Alguém lhe disse num tempo desses
Toma a meada para fiar.
Ella coitada, morrendo a fome foi trabalhar.
E fez tres malhos, fez largas redes, ninguém a chame
De preguiçosa que é inverdade…
Olhem as jangadas, como vêm vindo cheias
De peixe, para a cidade…
As vélas todas que ella cerziu
Noites inteiras a sêroar
Como são brancas, à beira d’água, d’água do mar.
Si todos visse enroladinhas
Na compostura de uma oração…
Lembram vergonteas todas cheinhas
Para uma festa de comunhão.
Foi certo dia não sei quem disse que SINHA ROCCAS
Já tem vestidos para mudar. TOCA SANFONA,
Já calça meias, põe charpa ao hombro.

Flor no cabelo-maracujá
Canta modinhas ao violão
E faz fogueira, muitas fogueiras em São João.
Sabe a doutrina
Vae sempre à missa, todo o domingo
Na egrejinha lá da colina.
Horas inteiras, fazendo renda, põe-se a cantar.
É muito nóva, mas tem idade para se casar.
E há quem jure ser confidente de seus amores
É a promettida do mais robusto dos pescadores.
Mas vez por outra, um cavalheiro cá da cidade
Da flor de espuma procura o mel
E, pela praia, na lua cheia
Canta “Praieira” de OTHONIEL.
Ella, sorrindo, chega à latada
Toda faceira,
Para escutar…
Alli, bem perto, velha rendeira
Conta aos netinhos, já somnolentos
A velha historia da BORRALHEIRA,
Que faz chorar.
Mais longe, um grupo de jangadeiros toma aguardente,
Deita de bruços na areia lisa com o peito quente,
Outros conversam coisas passadas aqui na rua.
A quem arengue jogando dados à luz da lua.
Formam uma roda só de meninas cantarolando
À beira mar
E, dentro, SINHÁ ROCCAS está cantando para ensinar
(Canta)
OH MINHA GATINHA PARDA
QUEM EM JANEIRO SE SUMIU,
QUEM ROUBOU MINHA GATINHA
VOCÊ SABE? VOCÊ SABE? VOCÊ VIU?
(WANDERLEY, 1929, p. 31-33)

Palmyra Wanderley com amigas na década de 1920. Fonte: ARRAIS, Raimundo; ANDRADE, Alenuska; MARINHO, Márcia. O corpo e alma da cidade: Natal entre 1900 e 1930. Natal: EDUFRN, 2008, p. 138.
A Jovem Palmyra Wanderley. Foto de autor desconhecido.
Capa de Roseira brava, Edição de 1929.
Fonte: WANDERLEY, Palmyra. Roseira brava. Recife: Editora d’A Revista da Cidade, 1929.

O QUASE FIM DAS ROCAS

Em fins de 1935, o problema da moradia urbana em Natal ainda era intimamente associado ao “mau gosto” das fachadas das residências. Nesse contexto, foi elaborada a Lei no. 19, de 14 de novembro de 1935, a qual reeditava os padrões construtivos e estéticos das habitações de cada bairro da cidade, “(…) dentro de uma certa uniformidade, própria a cada bairro, não se consentindo que os proprietários edifiquem ao gosto variável dos constructores, alguns dos quaes se cingem exclusivamente ao critério do maior lucro” (COMO…, 15/03/1936, p.01). O artigo refere-se, principalmente, às residências edificadas nos bairros das Rocas e Lagoa Seca, apontadas como os bairros dos “mucambos” da cidade (COMO…,15/03/1936, p.01).

Esse plano seria executado pela recém criada Comissão de Saneamento de Natal, a CSN, (Decreto no. 231, de 26 de abril de 1926) e previa, dentre outros melhoramentos, a criação de um bairro operário no lugar do bairro das Dunas, nas imediações da Avenida Beira-Mar, no “aglomerado popular das Rocas” (DANTAS, 1909, p.32-35). No entanto, esse Plano de Obras de Saneamento não foi executado. As propostas de Novaes, entretanto, serviram como embasamento para a formulação do Plano Geral de Sistematização, do arquiteto Giacomo Palumbo, três anos mais tarde.

Terreno onde provavelmente seria implantado o bairro operário do Plano de
Saneamento de Novaes (à esquerda acima), s/d. Fonte: JAECI, 2006.

Em 1935, o Escritório Saturnino de Brito foi contratado para chefiar a Comissão de Saneamento de Natal, que elaborou em 1939, o Plano Geral de Obras. O Plano não se restringia apenas ao aspecto sanitário, incluía a organização, a reforma, a expansão e o embelezamento do espaço urbano e das edificações. No campo da habitação, o Plano previa a criação de um bairro residencial nas proximidades do Forte dos Três Reis Magos, entre as Rocas e a costa, num terreno de aproximadamente 45.000m2, onde seriam abertas largas avenidas com cerca de 9m de largura, ruas internas do tipo cul-de-sac privilegiando a circulação de pedestres, e criada uma área central com parques, jardins, escolas, quadras de esporte, além de equipamentos coletivos, comércio e serviços. Revela-se assim, a influência do conceito de unidade de vizinhança utilizada pelos arquitetos Clarence Stein e Henry Wright para Radburn e do ideário de cidade-jardim, traduzido no urbanismo de Parket e Unwin.

Três excelentes prédios para grupos escolares foram também construídos nessa época, às expensas do Estado; foram eles o “Isabel Gondim”, no bairro das Rocas, e o “Alberto Torres”, no de Petrópolis, ambos inaugurados solenemente a 19 de março de 1935, e o “João Tibúrcio”, no bairro do Alecrim, o maior desta capital, que teve a sua festividade inaugural no dia 14 de abril daquele ano.

Plano Geral de Obras, 1936. Fonte: Escritório Saturnino de Brito, 1939.

A criação desse bairro objetivava, além da ocupação da área de dunas, possibilitando sua fixação, a substituição do bairro das Rocas, “(…) mudando pra aí a população dos casebres que a compõem” (ESCRITÓRIO Saturnino de Brito. Relatório do Saneamento de Natal. Publicação comemorativa de inauguração das obras. Natal: 1939, p.18). A transferência das moradias para um bairro distante do centro e nas proximidades das dunas da cidade era um intento antigo e diversas propostas nesse sentido puderam ser observadas nas formulações do governo e de profissionais diversos, como Manuel Dantas na década de 1910, Henrique de Novaes, em 1924, Januário Cicco em livro de 1920, e as propostas de bairros residenciais inclusas nos Plano de Sistematização elaboradas em 1929.

O Plano Geral não foi concretizado por não ter sido transformado em lei, porém, mostra-se de suma importância na medida em que revela a sintonia dos administradores locais com as teorias e ações em voga no país e no exterior.

ROCAS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Natal do final dos anos 1930 e início dos anos 1940 era uma capital de estado com aspecto de cidade provinciana. Seus 52.582 habitantes espalhavam-se por sete bairros: Alecrim, Cidade Alta, Lagoa Seca, Ribeira, Rocas, Petrópolis e Tirol, tinha aproximadamente 90 km2, além de algumas residências e chácaras, espaçadas fora deste limite urbano mais adensado. “Todos precariamente servidos por deficientes redes de distribuição de energia elétrica e água” (SIQUEIRA, 2001, p. 101-103). Foi nessa cidade que a presença norte-americana intensificou-se lenta e progressivamente entre 1941 e 1942, principalmente quando a guerra se expandiu e atingiu o norte da África.

O bairro começou a crescer durante a década de 1940 e a Segunda Guerra Mundial, e a presença americana na cidade, tiveram grande impacto sobre ele. Com o aeroporto na Rampa, em Santos Reis, abrem-se estradas, calçadas com paralelepípedos, ligando o bairro a Ribeira e Petrópolis. Doações dos marinheiros e soldados americanos, por meio do padre Martin, capelão das tropas, levantaram a Escola e Ambulatório São João, em 1945.

Sobre a inauguração da Rádio Educadora de Natal, no início de 1939, o jornalista Aderbal França afirma que:

Só se pode calcular o benefício que o Indicador da Agência Pernambucana está prestando aos bairros menos ricos da cidade indo ouvir às suas irradiações nesses lugares. […]. [São] atualmente sete [alto-falantes instalados na] Pracinha, Grande Ponto, Rocas, Associação de Escoteiros, nova Praça do Alecrim, rua Dr. Barata, Avenida Tavares de Lira (1939).

O final da década de 30 do século XX pode ser caracterizado como um momento de aprofundamento e de consolidação de transformações urbanas significativas na Cidade do Natal. Por meio das fontes pesquisadas, particularmente as crônicas de Danilo, inferiu-se que as elites administrativas dividiam a cidade em área urbana, suburbana e periferia. Para estas, a área urbana compreendia os bairros de Cidade Alta e Ribeira; a área suburbana, os bairros de Tirol e Petrópolis; e a periferia, o bairro do Alecrim e Rocas, os povoados e as pequenas aglomerações que eram chamadas Passo da Pátria, Quintas, Guarapes e as praias da Redinha e Areia Preta. Nesse período ocorreu segundo Dantas :

[…] o arremate das ações higienizadoras sobre a cidade que se desenrolaram desde meados do século XIX até a década de 1930, e que foram retomadas e incorporadas na concepção do Plano Geral de Obras, elaborado e implementado pelo Escritório Saturnino de Brito, entre 1935 e 1939 (DANTAS, Ana Caroline de C. L. Sanitarismo e planejamento urbano: a trajetória das propostas urbanísticas para Natal entre 1935 e 1969. 2003. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2003, p.74).

Os bairros do Alecrim e Rocas, e as demais ocupações que existiam fora da área central da cidade – Refoles, Guarita, Passo da Pátria, Baldo, Quintas, Barro Vermelho, Guarapes – eram chamados de “bairros exteriores”. Estes foram se constituindo isolados e espontaneamente, sempre segregados do centro e com pouco investimento dos governos. Em grande parte, o assentamento dessa população fora da área central foi estimulado e definido por ações das administrações que se sucederam, as quais, desde o início do século XX, editavam uma legislação restritiva que tinha por objetivo “limpar o centro” e impedir legalmente que a população pobre se instalasse nas suas proximidades.

Os registros existentes na imprensa oficial pouco informaram sobre a periferia da cidade. O bairro das Rocas era o “mais antigo dos bairros exteriores” (CASCUDO, 1999, p.231) e ficava numa colina de areia onde originalmente trabalhadores do porto e pescadores pobres foram construindo suas residências. De acordo com este autor (CASCUSDO, 1999, p.247), no final dos anos 1930, as Rocas encontrava-se como na “fase inicial do Alecrim, embora sem as possibilidades de ascensão”. Seu povoamento iniciava-se no alagadiço onde terminava o bairro da Ribeira, nas proximidades dos estaleiros da construção naval. Mais adiante, na direção norte da cidade e no sentido do Forte dos Reis Magos, havia também “um bloco de ruas e travessas que se encontravam diante da Rua Silva Jardim” (CASCUDO, 1999, p.246). O pequeno povoado não possuía ruas calçadas, energia elétrica ou abastecimento de água, embora fosse o lugar onde ainda podiam ser encontrados os resquícios mais evidentes da tradição popular, de festas religiosas e folclóricas, que raramente eram referidas como uma atividade costumeira na área central da cidade.

Mapa dos Povoados e localidades Periféricas em 1939. Fonte: SEMURB/PMN.

Os moradores das Rocas, assim como os do Alecrim, continuavam promovendo as festas populares e cultivando os costumes tradicionais, como as festas juninas, com suas fogueiras e lanternas, reuniões noturnas nas portas das casas e conversas nas ruas de areia.

Noite de São João andei pela cidade, Olhei das esquinas, a extensão das ruas. Povoei a imaginação de uma imensidade de coisas que a memória me concedeu. De uma para a outra passei desolado. Que mal faz hoje a gente recordar, no dia de São João, o pitoresco do povo em torno de uma fogueira, de tóros ou de barris, sob as linhas das bandeirolas e as folhas de mamoeiros! […] As lanternas deram ao Alecrim e às Rocas a expressão tradicional de São João, expressão de humildade e de amor a um passado, que vive na memória dos que o amaram (FRANÇA, Aderbal. Noite de São João. A República, Natal, 27 jun. 1939e, p.12).

A principal festa do bairro era a dos Reis Magos, no dia 6 de janeiro. Nessa ocasião, os moradores dos demais bairros e localidades da cidade se deslocavam para participar e esta podia ser uma das poucas oportunidades em que tinham alguma motivação para se dirigirem às Rocas FRANÇA, Aderbal. A Capela era no forte. A República, Natal, 22 out. 1936g; __. Da Limpa à Montagem. A República, Natal, 8 jan. 1937a).

Mesmo antes da segunda Guerra Mundial, essa movimentação de aviões era percebida pelos olhos dos moradores da Cidade do Natal, pois além do Campo de Pouso localizado em Parnamirim, as aeronaves pousavam e decolavam da Hidrobase do Refoles no Alecrim, das oficinas da Montagem na Praia da Limpa (próximas às Rocas) e do atracadouro de hidroaviões no Passo da Pátria, próximo da Cidade Alta (VIVEIROS, Paulo Pinheiro de. História da aviação no Rio Grande do Norte: história que se registra 1894 a 1945. Natal: Ed. Universitária, 1974). A exceção do atracadouro localizado no Passo da Pátria, foram encontrados registros informando que os demais possuíam uma estrutura de apoio, para abastecimento e manutenção. Todos eram regularmente utilizados pelas empresas da aviação comercial e pelos raids esportivos que atravessavam o Oceano Atlântico.

Mapa dos Campos de Pouso para hidroaviões no entorno da Cidade do Natal existente em 1939.

No início de 1939, foi inaugurada a Rádio Educadora de Natal. Em pouco tempo, seu registro foi aprovado pelo Ministério da Viação e Obras Públicas, e em Natal, um terreno foi cedido pela municipalidade, um anteprojeto arquitetônico do edifício foi apresentado (também de autoria do prefeito Gentil Ferreira) e sua construção foi iniciada. Quando entrou em operação, o IAP passou a retransmitir sua programação diária, além de também cobrir as solenidades realizadas no Palácio do Governo, as apresentações de orquestras e festivais, palestras e discursos das elites políticas e, posteriormente, as aulas de inglês ministradas por oficiais das Forças Armadas estadunidenses:

Só se pode calcular o benefício que o Indicador da Agência Pernambucana está prestando aos bairros menos ricos da cidade indo ouvir às suas irradiações nesses lugares. […]. [São] atualmente sete [alto-falantes instalados na] Pracinha, Grande Ponto, Rocas, Associação de Escoteiros, nova Praça do Alecrim, rua Dr. Barata, Avenida Tavares de Lira. O Governo do Estado e a Prefeitura contribuem com muito acerto para esse meio de distração pública. Ela faz arredar o pensamento da carestia da vida e das incertezas da safra. […]. O Indicador da Agência Pernambucana está, portanto, nos hábitos da nossa população (FRANÇA. Aderbal. O indicador da AP e a população. A República, Natal, 1 fev. 1939b, p.12).

Eram quotidianamente publicadas nos jornais locais, ordens de despejo e notas sobre os exorbitantes aumentos dos preços de aluguéis, considerados por Ferreira (1996), como a outra face da “febre de construções” por que Natal passou na década de 1940:

(…) Natal cidade provinciana esquecida, passou a ser o ponto preferido de milhares de pessoas, encarregadas dos mais diversos misteres relativos ao conflito. Militares e civis aqui se instalaram, embora por pouco tempo, porém, o que é certo, ocupando hotéis, pensões, e alugando casas por preços nunca vistos. (…). Alugar casa tornou-se um negócio da China, para o dono de casa… Desde a mais modesta residência até bangalôs suntuósos foram desalojados pelos seus proprietários e ocupados por inquilinos pródigos, que não regateavam alugueis. (…) Intencificou-se, então, a chamada “febre de construções”. Em cada bairro da cidade dezenas de edificações se levantaram e continuaram se levantando, ocupando centenas de pedreiros e outros “oficiais” conexos. Nas Rócas, na Ribeira, na Cidade Alta, em Tirol, em Petropolis, no Alecrim podem ser vistas hoje modernas e elegantes edificações. Terrenos que outróra eram somente depósito de lixo, atualmente servem de bases a luxuosos palacêtes. (…). (A GUERRA tudo transforma. Diário de Natal, Natal, 30 jan.1945. n.937, p.08.).

Em 11 de dezembro de 1941, quatro dias após o ataque japonês à base estadunidense de Pearl Harbor, nove aeronaves chegaram à cidade para deixar militares estadunidenses que, a partir de então, se estabeleceram na “base no Rio Potengi” (Próximo à rampa construída pela empresa Pan American Aways, local em que, atualmente, funciona o Clube da Rampa, nas Rocas.) (SMITH JUNIOR, 1992, p.29).

Assim, a entrada do Brasil na guerra ao lado dos aliados, em 1942, e os diversos acordos que foram estabelecidos com os Estados Unidos possibilitaram que várias bases militares norte-americanas fossem instaladas no território brasileiro. Dessas bases, a mais importante foi a de Natal, por sua localização geográfica. A posição do Rio Grande do Norte foi evidenciada internacionalmente em 18 de janeiro de 1943, com a realização, no local denominado Rampa, da “Conferência do Potengi”. Este foi o nome dado ao encontro dos presidentes Franklin Roosevelt, dos Estados Unidos, e Getúlio Vargas, do Brasil, quando foram estabelecidos os fundamentos de acordos para a retomada da ofensiva aliada na África do Norte e o patrulhamento do Atlântico Sul, a partir da base sediada em Natal.

A Rampa é um prédio que foi construído em 1930, na localidade denominada de Limpa, hoje limite dos bairros das Rocas e Santos Reis, em Natal. Era um ponto de embarque de passageiros e de transportes que recebia hidroaviões e onde atuavam algumas empresas aéreas. O local foi transformado pelos americanos, com a construção de uma base para hidroaviões pelo Airport Development Program, entre março de 1941 e março de 1944. Para Melo (s/d, p. 93), a demora na construção deveu-se às constantes alterações no desenrolar da guerra e ao torpedeamento de navios que transportavam da Venezuela o asfalto que seria usado para o término das obras. Na Rampa da Limpa, ficavam abrigadas as “patrulhas dos hidroaviões da Marinha, os “catalinas” tão populares como os imensos B-29, bombardeadores de Tóquio, guardados nos ninhos altos de Parnamirim Field. Da Rampa, além dos 24 PBY de patrulha, corriam erguendo vôo para o salto atlântico os clippers de 75 passageiros.” (CASCUDO, 1999, p. 424).

Neste local, o contingente do Esquadrão de Patrulhamento da Marinha dos Estados Unidos aproveitou a infraestrutura aeronáutica existente e iniciou as operações de patrulhamento do litoral do Rio Grande do Norte. Em janeiro seguinte, receberam um reforço para expandir suas ações e este passou a “atuar como polícia militar na cidade e vigiar os aviões no Campo de Parnamirim” (Idem, p.31). Em Natal estavam instalados cerca de 200 fuzileiros navais estadunidenses que ficavam sitiados entre a Rampa e os hangares do Campo de Pouso Parnamirim.

A Base de Hidroaviões da Marinha, que ficou conhecida como “Rampa”, ficava localizada nas proximidades da Foz do Rio Potengi, no bairro das Rocas (Depoimento de Rui Garcia Câmara, funcionário aposentado da Base Aérea. In: MELO, Protásio Pinheiro. Contribuição norte-americana à vida natalense. Brasília: Senado da República, 1993. , p.68), e seu uso era exclusivos de seus militares.

A Base Marítima era uma Base Aeronaval, às margens do rio Potengi, que servia de abrigo para os hidroaviões anfíbios (transportes de carga) e os “ clippers” (passageiros), além de coordenar as ações de caça aos submarinos inimigos no litoral. Ao seu redor, no bairro das Rocas, houve uma transformação violenta com a construção de cais, armazéns, casas de diversão noturna e hotéis.

Para os soldados de baixa patente eram improvisadas barracas como moradias e o seu lazer se desenvolvia no bairro das Rocas e da Ribeira, onde foi construído um USO para os soldados, instaladas muitas casas de diversão e onde proliferavam os cafés, os cassinos e os cabarés (Melo, 1993).

Era uma elite que defendia a manutenção da setorização dos lugares de moradia que parecia estar arraigada na Cultura da cidade: Petrópolis, Tirol e Cidade Alta para os ricos, e o Alecrim e as Rocas para os pobres, que pode ter sido consolidada após o ano de 1945, quando o esforço de Guerra se encerrou na cidade. Nada poderia alterar essa lógica segregacionista, nem mesmo a dimensão relacionada à questão do Poder, do Legal e da Verdade. O seu argumento discursivo revelou um sujeito que apresentava a versão dominante do uso do espaço da cidade, oferecendo as condições para que o processo de mudança dentro de outra lógica pudesse ser barrado.

Em 1941-1942 tinha Natal 200 logradouros Públicos: Rocas, 12: uma avenida; uma praça e dez ruas.

A riqueza americana também deixou cicatrizes bem visíveis no bairro. A Favela do Maruim, a mais antiga da cidade, cresceu com os migrantes que vieram em busca do dólar americano. Entre o porto e a Rampa, em terreno público, estas pessoas, vindo tentar a sorte, construíram seus casebres. Inicialmente os moradores eram pescadores artesanais (a região é ocupada desde 1922, eles aparecem como a Colônia de Pescadores José Bonifácio), contudo conforme a presença americana cresce, mais pessoas se arriscam na região (considerada insalubre pois tem risco de alagamento com a invasão da maré). Após a saída dos americanos, os favelados permaneceram vivendo ali até 2009, quando ocorreu a primeira tentativa de desocupação da área, em que 180 famílias seriam realocadas, porém os baixos valores destinados pelo governo federal a compra dos imóveis, impossibilitaram a mudança. Em 2014, uma nova tentativa, o projeto Residencial São Pedro, um condomínio vertical, com 200 unidades, distribuídas em 25 blocos, localizado nas Rocas, levou quase todos os moradores para melhores condições de vida. A área antes ocupada pela favela, foi absorvida pelo porto, para sua ampliação.

Rocas, 1941. Revista Time Live. Foto: Hart Preston.
Rocas: antigo alagado, beneficiada pelo Pres. Café Filho, 1940.
Centro das Rocas (Rua São Pedro) – 1940.
As famílias caminhando para Igreja da Sagrada Família – 1940.
Fachada da Igreja da Sagrada Família – 1926.
Veículo Ford, ano 46, a óleo cru, um dos primeiros do gênero a chegar do RN. Foi transformado em ônibus e utilizado em Natal, na linha Rocas – Quintas.

NASCE AS ROCAS

Em 1947, com o projeto de Lei n. 251, de 20 de julho do referido ano, aprovado durante a gestão do então prefeito de Natal Sylvio Pedroza, as áreas da cidade foram divididas em onze bairros. Entre eles figuravam Tirol e Petrópolis. Na justificativa da lei, o prefeito destacou que a mesma fazia-se necessária há muitos anos, pois existiam em Natal várias áreas denominadas com termos conhecidos entre a população, enquanto, oficialmente, a cidade continuava apenas com quatro bairros: Ribeira, Cidade Alta, Alecrim (oficializado bairro em 1911) e Cidade Nova. Apesar dessa denominação oficial, Pedroza elucidou que Tirol, Petrópolis, Rocas e outras regiões já eram conhecidas e delimitadas anteriormente, mas não existiam oficialmente, tendo suas cartas de aforamento e outros documentos fornecidos com o nome de bairros até então existentes, o que, para o prefeito, era “um verdadeiro contrassenso, não tendo as providencias legais da criação de novos bairros acompanhado o progresso e crescimento de Natal” (Ver: NATAL. Câmara Municipal. Projeto de Lei 251, de 20 de julho de 1947. Natal: 1947.).

Ele destaca outra grande obra sua: “A integração das Rocas à Cidade. Era tido como um bairro marginal, mas que, infelizmente, foi integrado à cidade. Eu me orgulho disso. Abri ruas e avenidas, permitindo essa integração”.

Prefeito 18° Prefeito de Natal, Sylvio Pedroza. Mandato de 8 de abril de 1946 a 25 de fevereiro de 1950.

No dia 03 de setembro é comemorado o Dia Municipal do bairro das Rocas. A data foi escolhida por ser o dia da posse do ex-presidente da República, João Café Filho, morador do bairro antes de se tornar um político. A iniciativa visa trazer identidade a um dos bairros mais tradicionais de Natal, que teve seu início de povoamento em meados de 1880. O historiador Luís da Câmara Cascudo o nomeou de “Ilha de Montenegro”, em 1956. Logo em seguida, devido à quantidade de grupos de pescadores que chegaram à região (1980), teve seu nome alterado para “Atol das Rocas”, por ser considerada uma boa área para a pesca.

Assim descreveu Cascudo (1999, p.246): Moravam raros pescadores, mais numerosos na parte superior, que se disse Areal, em princípios do século XX. Contam que o nome provém do atol das Rocas, pesqueiros afamados e de fácil atração para os pescadores. Os que pescavam nas águas do atol das Rocas denominaram Rocas à morada em terra firme.

João Fernandes Campos Café filho
nasceu na cidade do Natal em 3 de fevereiro de 1889 . Filho de pescador morou no Bairro das Rocas , um exemplo de político honrava os compromissos chegou assumir a presidência da república (1954 – 1955).
Rua do Areal nas Rocas nos tempos do Presidente Café Filho.

CONJUTOS HABITACIONAIS E LOTEAMENTOS

Em 1945, o cenário não era mais o mesmo que existia em 1939. A Cidade Alta, a Ribeira, o Alecrim, as Rocas, Tirol e Petrópolis não eram mais os mesmos bairros… A Cidade do Natal não era mais a mesma de antes… O diferencial estava no vazio que tendia a se instalar, nos conflitos sociais que surgiam, na condição de vida de dificuldades e no alto padrão social que se consolidaria. De fato a cidade nunca mais seria a mesma…

Os conjuntos habitacionais tomam proporções significativas na cidade, com a atuação do BNH. Na década de 1940, algumas iniciativas por parte dos (Institutos de Aposentadoria e Pensões, dos militares, da Fundação da Casa Popular e da Caixa Econômica Federal se fizeram presentes, mas com pouca expressividade. As informações a respeito das edificações dos IAPs e dos militares estão expostas na discussão sobre a Segunda Guerra e a remodelação do urbano em Natal. Quanto à participação da FCP, é pouco apontada na literatura, ficando apenas os exemplos do Núcleo Populacional das Quintas, construído em 1948 – “foram edificadas 74 casas. […] As residências foram entregues aos inscritos classificados sem necessidade de qualquer pagamento a título de sinal ou entrada inicial” (SOUSA, 1983, p. 44) –; e da Vila Ferroviária, um conjunto de 55 casas, construídas no bairro das Rocas; e de outras 20 residências no bairro do Alecrim, inauguradas na presença do presidente Café Filho, em 1955.

É interessante notar que tanto a população das Rocas, quanto a do Alecrim é descrita como formada principalmente por classe operária, boa parcela dessa população sendo composta por ferroviários. Em virtude dessa forte característica e da proximidade aos equipamentos das estradas de ferro – complexo ferroviário e oficinas – serão construídas, durante a década de 1950, duas vilas ferroviárias nesses respectivos bairros, consolidando, assim, a ocupação ferroviária existente neles desde a inauguração dos primeiros mecanismos das estradas no ambiente urbano de Natal. É importante ressaltar que, apesar de constituir um importante fator no processo de ocupação desses bairros em Natal, a via férrea não constitui a única causa da formação dessas frações urbanas. A ferrovia participa ativamente, porém, não é causa exclusiva.

Dentre as realizações promovidas pelo governo no período, pode-se citar: o loteamento promovido pelo governo estadual na Rua Coronel Estevão no Alecrim, em 1950; a construção, em 1954, do primeiro grupo de 55 casas da Vila Ferroviária, realizada pelo governo municipal e localizada no bairro das Rocas (VILA…, Jornal de Natal, 24/12/1954, n.1000, p.03); a construção de outras 12 residências na Rua da Tração, no Alecrim, e 10 unidades na Rua General Glicério, nas Rocas, ambas em 1954, também credenciadas à administração municipal. Com o mesmo intuito, o governo do estado ampliou o projeto de incentivo à construção de casas próprias, verbalizado principalmente pelo aumento das concessões de terrenos aos IAPs e CAPs, em concordância com a Lei no. 92, de 24 de novembro de 1951, numa tentativa de se instituir um programa habitacional consistente no estado (TERRENO…, 24/11/1951, p.03). Essa produção quase que duplicou na primeira metade da referida década, como se verá adiante.

A proliferação dos loteamentos ocasionou a consolidação de novos bairros na cidade como o de Boa Sorte, próximo ao Tirol, a Vila Popular, onde “(…) diversas famílias desta capital e do interior estão adquirindo lotes de terrenos para a edificação de casas residenciais” (v, p.08), Praia do Forte, Mãe Luíza, Rocas e as chamadas, Vila de Parnamirim, Ponta Negra, Redinha e Igapó.

Na década de 1950, por sugestão do engenheiro João Galvão de Medeiros, diretor da estrada de ferro Sampaio Correia, Café Filho, então presidente do Brasil, após o suicídio de Getúlio Vargas, mandou construir nas Rocas a Vila Ferroviária, um conjunto residencial com 113 casas, além da praça Mestre Francisco Valentim. Esta construção finalmente saneou a parte baixa das Rocas, evitando as invasões do rio Potengy nos meses de inverno, construindo a balaustrada do Canto do Mangue. Vila ferroviária das Rocas nas proximidades do parque da E. F. Central, na década de 1950, E. F. Sampaio Correia. Fonte: Google Earth (Dezembro/2011).
ANTIGA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA (Bairro Ribeira – Limite com o bairro Rocas ). Foto: Acervo SEMURB

No ano de 1959, a cidade contava “com uma população de aproximadamente 167.202 habitantes distribuídos em doze bairros – Santos Reis, Rocas, Ribeira, Cidade Alta, Petrópolis, Tirol, Alecrim, Lagoa Seca, Lagoa Nova, DixSept Rosado, Quintas e Mãe Luiza […]” (Cf. EMERENCIANO, 2007, p. 116). Conforme afirma o nosso cronista Aderbal de França (1943) “a cidade, que era pequena, cresceu e cresceu muito, é um novo mundo. Novidades de toda sorte e sobre todas as novidades […]”.

Já em meados da década de 60 do século passado a Ribeira abrigava os principais centros viários de Natal: a estação rodoviária, a estação da Rede Ferroviária ( inaugurada em 15/09/1957) e o movimento portuário. Podia se observar casas residenciais e conjuntos habitacionais em torno da Ribeira/Rocas, onde os moradores, em sua maioria, eram funcionários na Rede Ferroviária Federal e outros de estabelecimentos comerciais localizados na Ribeira.

Já em fins da década de 1960 a cidade vinha apresentando tendência de desenvolvimento de habitação e ocupação de outras áreas fora do circuito Cidade Alta, Ribeira, Alecrim, Tirol, Petrópolis e Rocas.

Outro projeto que data do segundo mandato de Djalma Maranhão, refere-se à construção de casas populares para o funcionalismo municipal. Este programa possibilitou a construção no bairro das Quintas, com recursos exclusivos da Prefeitura, de cerca de dez casas, cada qual, com sala com dois ambientes, três quartos, cozinha, banheiro, jardim frontal e quintal, e mais 113 residências no bairro das Rocas.

Um dos principais alvos das intervenções eram as moradias de taipa que ocupavam ruas inteiras sem infra-estrutura e, segundo observadores da época, gredindo a “vista da população”. As habitações em alvenaria que possuíssem apenas um único grande cômodo, no qual eram desenvolvidas as atividades de habitação e local de trabalho, também foram focadas por essa linha de atuação. As intervenções aconteceram principalmente no bairro de Mãe Luíza, Rocas, Nova Descoberta e Morro Branco, próximos aos bairros nobres e a pontos turísticos da cidade – Petrópolis e praia do Pinto. O artigo publicado em um jornal oposicionista exprime bem esta intenção:

O interesse do Prefeito Djalma Maranhão em concentrar as credenciais das favelas próximas à Praia do Pinto, está na famosa praia […] que será em futuro não longínquo, o mais lindo e mais aprazível recanto da cidade, o encontro do turista e o paraíso da hight society natalense (…) (FOLHA DA TARDE, 18/04/1961, p.02).

Na década de 1960, a Igreja continuou com uma atuação de parceria com o Estado (PAIVA, 2000). Suas ações foram materializadas na forma de Frentes de Trabalhos, que atuavam nas comunidades mais carentes da cidade, como Mãe Luíza, Rocas, Nova Descoberta, Cidade da Esperança, Morro Branco e Carrasco.

As Rocas, que desde a sua formação foi predominantemente residencial e abrigava os trabalhadores do porto, manteve seu perfil residencial de classe média-baixa, e, atualmente, parte das antigas instalações da REFESA passou a abrigar uma unidade do Instituto Federal do Rio Grande do Norte-IFRN.

Capitão João Fernandes de Almeida (O Joca do Pará). Nome de Rua no Bairro das Rocas.
Trecho do bairro das Rocas. Foto: Luiz Grevy.
Casa na Avenida Hermes da Fonseca : Município de Natal - 1957
Túnel do tempo: Hospital dos Pescadores. Esta localizado na rua João de Deus, em frente ao antigo cinema Panorama, rocas. Hospital dos Pescadores nas Rocas. Foto: Tibor Jablonsky em 1957.
: Reforma das fachadas nas moradias do bairro de Aparecida, na década de 1950.
Fonte: JAECI, 2006.
VISTA PARCIAL DOS BAIRROS RIBEIRA, ROCAS E SANTOS REIS – Foto: Esdras Rebouças Nobre.
Panorama de verticalização na Av. Gustavo Cordeiro de Farias, na divisa entre os bairros de Petrópolis, Rocas e Ribeira, Natal/RN.

IGREJA DA SAGRADA FAMÍLIA

Segundo informações registradas nos livros paroquiais da Cúria de Natal fornecidos pelo Monsenhor Severino Bezerra – Chanceler do Arcebispado – e depoimentos de moradores do bairro das Rocas, entre eles o Senhor Rau Queiroz, Maria Nazaré, Maria Ferreira de França e Maria José de Lucena do Nascimento, a Igreja da Sagrada Família, antes da atual construção, era de palha onde aos domingos abrigava os fieis para assistirem a celebração da Santa Missa, como também, aulas de catecismo. Funcionava também uma escola de alfabetização para adultos e crianças, tendo como professor o sacristão João Carlos de Souza, auxiliado por outras pessoas, podendo citar a Sr. Maria Nazaré Correia.

Padre Teodoro Kohhe. – Construtor da Igreja da Sagrada Família. De nacionalidade polonesa, o Pe. Teodoro,após alguns anos de permanência à frente dos trabalhos de evangelização, foi transferido para o Pará onde veio a falecer em 1952.

Data da construção da igreja: 23.08.1925, conforme consta numa pedra encravada na parede frontal da Igreja.Por muitos anos a Igreja da Sagrada Família esteve sob a administração dos padres alemães da Congregação da Sagrada Família, merecendo destaque, o trabalho do Pe. Frederico Pastors – que por mais de duas décadas, dedicou-se a evangelização dos moradores das Rocas.

Após sua morte, em 23 de janeiro de 1969, os trabalhos da Igreja foram assumidos por padres da Arquidiocese de Natal, entre eles: Pe. Lucilo, Pe. Talvaci e Pe.Osvaldo, auxiliados pelos padres Salesianos ( Prata e Orsini) e ainda o Pe. Teobaldo.

A Igreja da Sagrada Família foi elevada à Paróquia em 1° de maio de 1982, tendo como primeiro Pároco o Pe. José Freitas Campos que administrou a Paróquia até o ano de 1993, dando lugar ao Monsenhor Francisco de Assis Pereira que ficou a frente dos trabalhos paroquiais no período de 7 de fevereiro de 1993 à 19 de março de 1994, em seqüência, o Pe. Francisco Lucas de Sousa Neto permaneceu de 19 de março de 1994 à 13 de outubro de 1996. Na sua gestão a Igreja da Sagrada Família comemorou os seus 70 anos de evangelização. Pe.Gilmar Pereira de Castro assumiu a administração paroquial de 13 de outubro de 1996 à 10 de fevereiro de 2010. E atualmente a Paróquia segue conduzida pelo Pe. Ednaldo Virgílio da Cruz, que assumiu no dia 11 de fevereiro de 2010.

A Igreja da Sagrada Família é o centro espiritual do bairro das Rocas, um dos mais tradicionais da cidade. O bairro se espalha por um dos mais privilegiados pontos de Natal, debruçando-se sobre o Potengi e lançando vistas ao oceano.

Bairro das Rocas, anos 50 com igreja Sagrada Família ao fundo – Natal.
IGREJA DA SAGRADA FAMÍLIA (Bairro Rocas). Foto: Autor Desconhecido.
IGREJA DA SAGRADA FAMÍLIA (Bairro Rocas). Foto: Acervo SEMURB.

As Rocas é um bairro rico em diversidade desde a sua criação. A diversidade religiosa, por exemplo, é encontrada em suas ruas desde muito cedo. Apesar dos católicos terem sido os primeiros a construir seus templos religiosos, tendo como umas das primeiras igrejas a da Sagrada Família, construída por uma congregação alemã em 1927, o bairro abraçou a Umbanda. A religião afro-brasileiria nasceu em 1908, no Rio de Janeiro, e chegou a Natal em 1944, com a Mãe Inês, vinda de Pernambuco, que abriu o Centro Espírita de Umbanda Redentor Aritã, junto com o babalaô João Cícero Herculano. Conta-se que filas se formavam, aos domingos, com mães trazendo seus filhos para serem curados; e mesmo os americanos que estavam na cidade, por causa da Segunda Guerra, não deixaram de se consultar com os caboclos e pretos-velhos. O segundo terreiro umbandista nasceu de um discípulo de João Cícero, o babalorixá José Clementino, em 1962, que abriu a Cabana Umbandista Pai Joaquim de Angola. É conectada ainda a umbanda que nasce em 1958 a primeira escola de samba do bairro, os Malandros do Samba.

Paróquia da Sagrada Família. Bairro das rocas. Fotografando Natal. 📷Cláudio Abdon

CINE PANORAMA

Se indagássemos aos jovens do século XXI sobre cinema em Natal, muitos falariam das salas cinematográficas que existem nos Shoppings Centers da capital. A maioria não se recorda das salas de cinema do Rex, Rio Grande, Nordeste, Panorama e Rio Verde, famosas nas décadas de 1970, 1980 e primórdios da década de 1990, nem daquelas localizadas na Cidade Alta, Rocas ou Petropólis.

O cine Panorama (onde uma igreja evangélica ocupa o prédio) se situava nas Rocas, e funcionou levando um pouco de lazer e cultura àquela comunidade de meados do século XX, mais precisamente na década de 60 até o início dos anos 80. O cinema apresentava em geral filmes de lutas e, pouco mais tarde, na medida em que surgiram outros cinemas na cidade, como o Rex, Rio Grande e Nordeste, os mais antigos foram sendo esquecidos. Mas além de cinema, o Politheama possuía uma sala de bilhar e cartas.

Segundo Magno Vila, morador do Alecrim, se em Natal tinha 6 ou 7 cinemas, naquela época,

[…] o Alecrim tinha 4 cinemas. Existia o cinema São Pedro, na Amaro Barreto, o cinema São Luís, na Avenida 2 (Rua Presidente Bandeira), […] onde hoje é o Banco do Brasil era o cinema São Luís. […] o cinema São Sebastião, que funcionava na Avenida 10 (Rua dos Paianazes) e o Olde que funcionava ali por trás da Igreja São Pedro. Então, Natal além desses 4, a Cidade tinha o Rex, Rio Grande e Nordeste, as Rocas tinha o cinema Panorama. Então, Natal tinha 7 cinemas e 4 eram no Alecrim. (VILA, 2011).

CARNAVAL

Uma data muito importante para o bairro da Ribeira era o carnaval, que ainda mantinha uma tradição de festas pacíficas e familiares. As troças saiam da Tavares de Lira e percorriam todas as outras ruas, portando bastante serpentina e lança perfume. Mulheres e crianças fantasiadas, bandinhas tocando marchinhas carnavalescas, deixando resquícios daquela época nas antigas escolas de samba, como a Balanço do Morro, que surgiu através do Mestre Lucarino que havia saído da Malandros do Samba por motivos pessoais, decidindo montar a sua própria escola no seu bairro (Rocas) pra competir com a Malandros do Samba. Logo no primeiro ano a escola foi campeã e hoje ocupa lugar de destaque no cenário carnavalesco da cidade. O lugar de destaque ocupado pela escola de samba Balanço do Morro é tão expressivo no carnaval natalense que seu barracão hoje serve de ponto turístico para os bairros da Ribeira e Rocas. Havia também outras festividades no bairro, como a festa do Padroeiro, São João, com quermesses e terços religiosos, e mesmo diante da paz reinante no bairro, algumas brigas aconteciam quando nessas festividades grupos distintos se encontravam, como, por exemplo: existia uma rivalidade entre o bairro da Ribeira e o das Quintas, e quando essas gangues se encontravam sempre havia medo e caos, fato de proporção diante da calmaria do bairro. Mas o carnaval era sempre pacífico, por onde os blocos carnavalescos, por exemplo, o bloco “Pinto Molhado”, que saía da comunidade próxima de Brasília Teimosa e se deslocava até a Ribeira arrastando multidões. Ali passavam as famílias, outras se reuniam em suas varandas para apreciar a beleza do evento, porque a Ribeira mesmo não sendo hoje, já foi um bairro residencial. Câmara Cascudo, Januário Cicco foram figuras ilustres que residiram por lá.

A Ribeira juntamente com o bairro das Rocas sempre foi muito forte na cultura afrobrasileira e lá foi onde surgiram os primeiros movimentos religiosos nesse Panamá sentido.

O bairro das Rocas acabou se transformando no berço do samba natalense, abrigando as principais agremiações do gênero, como as escolas de samba Balanço do Morro, Malandros do Samba, Asa Branca e Batuque do Morro. Com origens na década de 30 e vivenciando um período de auge nas décadas seguintes, o samba das rocas mantém-se vivo até os dias atuais, como mostra essa matéria publicada aqui no Som Sem Plugs.

ARARUNA – SOCIEDADE DE DANÇAS ANTIGAS E SEMIDESAPARECIDAS.

A Sociedade Araruna de Danças Antigas Semidesaparecidas, nasceu como entidade, com estatuto e sede própria a partir de 1956. O grupo de danças do Araruna apresenta-se, geralmente, com oito a dez pares de dançarinos. Apresentam:

danças aristocráticas de salão, diversos números, alguns dos quais tipicamente folclóricos, outros, folclorizados. Chote, valsa, polca, são dançados ao lado do
“carangueijos”, “bode”, “besouro”, “arar una”. O acompanhamento das danças é de sanfona e instrumentos de percussão (GURGEL, 1999, p.111).

Suas apresentações têm contribuído consideravelmente para a preservação de traços da cultura popular no Rio Grande do Norte. A Araruna, transformou-se nestes longos anos de existência, num lugar de resistência cultural. Sua trajetória foi fruto da persistência do senhor Cornélio Campina, conforme Souza (2008, p.339):

A mais tradicional Sociedade folclórica da terra de Câmara Cascudo, tem sede no bairro das Rocas, localizada na Rua Miramar, 173. Lugar de resistência de nossas tradições.

No começo das suas atividades, os associados se reuniam na casa do Sr. Cornélio Campina, situada na rua Lucas Bicalho. Faziam-se, no quintal desta casa, os ensaios das festas juninas. Esta sociedade cultural recebeu maior apoio do prefeito Djalma Maranhão, que além de ajudar com recursos para comprar instrumentos, armava palanques nas ruas para a “Araruna” se apresentar.

Patrimônio imaterial do natalense, a Araruna sonho do Sr. Cornélio e seus amigos, continua viva através dos herdeiros do seu eterno mestre, falecido em 2008. Cornélio Campina, personagem histórico da cidade de Natal.

Araruna – Sociedade de Danças Antigas e Semi-desaparecidas. Grupo folclórico criado em 1956, sediado no bairro Rocas, é apontado como dos mais significativos do Estado. Suas apresentações têm contribuído consideravelmente para a preservação de traços da cultura popular no Rio Grande do Norte.

Patrimônio imaterial do natalense, a Araruna sonho do Sr. Cornélio e seus amigos, continua viva através dos herdeiros do seu eterno mestre, falecido em 2008. Cornélio Campina, personagem histórico da cidade de Natal.

Araruna. Apresentação do grupo Araruna Sociedade de Danças Antigas e semidesaparecidas. Foto: arquivo eletrônico da Tribuna do Norte.

ANTIGO CANTO DO MANGUE

Localizado nos limites entre os bairros Rocas e Ribeira, tradicional reduto de comercialização de pescados, de encontros de poetas e de admiradores do lindo pôr-do-sol às margens do Rio Potengi. No antigo Canto do Mangue entre as diversas peixarias, antes existentes, pode-se, ao som das águas, ouvir a boa poesia de Ferreira Itajubá:

Mestres barqueiros, que viveis cantando,
Marujos tristes de país estranho,
Moças alegres que voltais do banho
E jangadeiros que passais em bando,
Rolas caboclas que viveis gemendo,
Nas tardes claras, que não tem chuviscos,
Crianças lindas que passais correndo,
Águas rebeldes que abrigais mariscos (…)
(apud GURGEL, 2001, p. 183).

Segundo o pesquisador Onofre Jr. (2002, p. 65-66), a magia do antigo Canto do Mangue, esta em ser:

(…) recanto cantado em verso e prosa, enfeitado de barcos, sempre cheio de pescadores. [Lugar ideal para] se debruçar na balaustrada sobre o rio e comer peixe frito com tapioca, especialidade que se vende ali, em barraquinhas humildes.

As crônicas escritas por Newton Navarro e publicadas no jornal A República permitiram uma análise sobre a boemia vivenciada pelo cronista, que percorria as ruas da cidade de Natal, principalmente as ruas do bairro da Ribeira, em busca de bares abertos durante a madrugada. Ao mesmo tempo em que experimentava a boemia, ele escrevia as crônicas publicadas nos periódicos da capital potiguar. Seus textos indicam seu profundo descontentamento com o estilo de vida burguês, por isso ele preferia vivenciar o cotidiano dos subúrbios da cidade de Natal (Rocas, Canto do Mangue, o cais da Avenida Tavares de Lira) e as ruas escuras do bairro da Ribeira nas noites de boemia. No livro Do outro lado do rio, entre os morros (1974), Navarro rejeita as transformações pelas quais passava a Praia da Redinha na década de 1950, resultado da expansão imobiliária. Preferia a praia que vivenciara na juventude, beira-mar de pescadores e poucos veranistas. A boemia dele era a da tradição, saboreando o peixe frito no dendê, observando os folguedos e as noites de lua cheia.

O projeto inicial do Porto foi aprovado em 14 de dezembro de 1922, através de decreto. No entanto, só dez anos depois, em 1932, o decreto de número 21.995, assinado pelo presidente Getúlio Vargas, cria o Porto de Natal. A obra foi gerenciada pelo engenheiro Hildebrando de Góis que na época chefiava a extinta Inspetoria Fiscal dos Portos, Rios e Canais com sede no Rio de Janeiro. O engenheiro Décio Fonseca foi o primeiro administrador do Porto de Natal. Tem como grande destaque a exportação de frutas, sendo 30% da movimentação do terminal.

O Canto do Mangue é uma central de venda de peixes e frutos do mar administrado pelos próprios pescadores. O Canto do Mangue movimenta cerca de 300 pescadores e mais algumas dezenas de pessoas que trabalham no tratamento e na venda do pescado. Os pescadores trazem peixes, lagostas, camarões e variados frutos do mar em cerca de 50 barcos, que atracam na região portuária distribuída entre a Ribeira e as Rocas.

O Rio Potengi é o principal do estado do RN. Sua nascente está localizada no município de Cerro Corá e sua foz no município de Natal, desembocando no Oceano Atlântico. Descoberto pelos colonizadores, seu nome ficou conhecido como “Rio Grande”, pelo seu vasto leito e extensão. Após alguns anos passou a ser chamado por Rio Potengi, que na língua dos índios que aqui viviam, significa rio dos camarões.

Lugar de história, existem registros datados do século XVI que apontam esta região como sendo o local de desembarque dos portugueses, chefiados por Mascarenhas Homem. Informação confirmada pelo historiador Medeiros Filho (1997, p.23): “[…] o desembarque das tropas, ao que tudo indica no porto hoje denominado Canto do Mangue, marchando os soldados para o local próximo àquele onde pretendiam erigir uma fortaleza”.

Parte importante da memória de Natal, em 2007 o antigo Canto do Mangue é revitalizado com a construção do Mercado do Peixe e a reurbanização da Praça do Pôr-do-Sol. Continua como lugar de pescadores e poetas. É um convite a natalenses e visitantes, que buscam alimentar o corpo e a alma.

Canto do Mangue, tradicional porto de pesca, na década de 30.
Construção do Canto do Mangue na década de 1940. Revista Time Life. Foto: Hart Preston.
Canto do Mangue – 1956 (Fonte: Biblioteca do IBGE).
Cais do Porto em 1971. Sem identificação de autoria da foto.
Canto do Mangue – Rocas
O canto do Mangue, no bairro das Rocas.
Antigo Canto do Mangue. Localizado nos limites entre os bairros Rocas e Ribeira, tradicional reduto de comercialização de pescados. Durante a administração do Prefeito Carlos Eduardo Alves, foi construído o Mercado do Peixe e revitalizada a Praça do Por do Sol. Lugar de pescadores e poetas é um convite a natalenses e visitantes, que buscam alimentar o corpo e a alma.

ANTIGO PRÉDIO DO IPASE

Inúmeras outras obras também aconteceram no bairro, também por intervenção direta de Café Filho, como o prolongamento da Duque de Caxias e seu calçamento com paralelepípedo (e das ruas São João e Areal). Porém a obra mais importante deixada pelo presidente a construção do prédio do antigo IPASE (Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores) que tinha sete andares erguidos no cruzamento da Silva Jardim com a rua Almino Afonso. À sua época era considerado o mais moderno da cidade, com a construção em dois blocos, um composição que brinca com a geometria, as janelas em fitas e o uso do concreto armado.

Antigo IPASE (hoje Edifício Café Filho).
Ipase.
O prédio da receita federal.

DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE APRENDE A LER

A campanha de Dé Pé no Chão Também se Aprende a Ler, ocorreu em Natal/ RN entre os anos de 1961 a 1964, durante a segunda gestão municipal do prefeito Djalma Maranhão. A campanha foi uma política pública para a área de educação e é um exemplo de participação ativa da população na produção do espaço e na gestão dos serviços públicos.

A década de 1960 é marcada pelo projeto criado pelo prefeito Djalma Maranhão que visava acabar com o analfabetismo na capital. Apesar de existirem escolas no bairro, como a Escola Paroquial Nossa Senhora do Rosário, de 1926; Escola Isabel Gondim, construída em 1934 pelo Interventor Mário Câmara; a obra de caridade, Irmã Vitória, que recebia crianças para suas primeiras letras desde 1939, a Escola Comunitária Leão XIII, de 1948; a educação era um problema crescente para a população do bairro.

E durante a campanha eleitoral, o futuro prefeito organizou comitês em cada bairro, buscando ver as principais necessidades de cada região da cidade, nestes encontros, os moradores das Rocas pediram por um melhor acesso à educação. Djalma Maranhão então implanta nas Rocas (e em outros bairros da capital) o “De pé no chão também se aprende a ler”, no qual a técnica de alfabetização proposta por Paulo Freire foi utilizada. Buscando atender as necessidades educacionais das Rocas, esse projeto trouxe galpões, feitos de madeira e com telhado de palha, com chão de terra batida, em que crianças e adultos, sem a necessidade de uniformes escolares, às vezes descalços, eram alfabetizados.

O projeto-piloto foi implantado no bairro das Rocas, situado na Zona Leste da capital e habitado por população de baixa renda.

O projeto era simples, mas eficaz, reduzindo consideravelmente o número de analfabetos no bairro. Os galpões foram transformados em escolas pelo governador Aluísio Alves, em 1963, nascendo a Escola Padre Monte, em 1965, o Grupo Escolar Café Filho, e pelo governador Walfredo Gurgel, em 1966, nascendo o Grupo Escolar Henrique Castriciano; como o antigo prédio da estação central se tornou a Escola Estadual Severino David, em 1967.

O Acampamento Escolar do bairro das Rocas, serviu de modelo para os outros que seguiram o mesmo sistema de implantação dos galpões com as mesmas dimensões, o mesmo sistema construtivo e a mesma organização espacial. Houve pouca variação, em alguns acampamentos havia frontões, também feitos de palha e o ripamento unido por pregos. Outro exemplo de pequena variação no sistema dos Acampamentos foi o caso de Aparecida, onde hoje é o bairro de Mãe Luíza.

Djalma Maranhão foi o último prefeito eleito pelo voto direto da capital do Rio Grande do Norte até a redemocratização do país quando ocorreram as novas eleições municipais em 1989. O golpe empresarial – militar que depôs o presidente João Goulart em 01 de abril de 1964 encerrou a breve e profícua experiência democrática de base popular em Natal conduzida por Djalma Maranhão.

O prefeito exerceu o seu cargo até 02 de abril de 1964, quando foi afastado pelo novo regime. Foi preso em Natal, depois levado para Fernando de Noronha e Recife, e após estas prisões ficou exilado em Montevidéu, no Uruguai, aonde faleceu em 1971.

Construção dos galpões onde aconteceriam as aulas do De Pé No Chão Também Se Aprende a Ler.
Acampamento Escolar do Bairro das Rocas.
Acampamento Escolar das Rocas – Natal/RN, 1961. Fonte: DHNET, 1995.
VISTA PARCIAL DO BAIRRO ROCAS (Vendo-se ao fundo a Igreja da Sagrada Família –
a faixa faz alusão à campanha de alfabetização da administração municipal de Djalma Maranhão). Foto: Autor Desconhecido.

BIBLIOTECA POPULAR DAS ROCAS

A campanha De Pé no Chão não se encontrava isolada como único instrumento que buscava difundir a cultura para a população de Natal, o prefeito Djalma Maranhão trabalhou, também, para que houvesse diversidade de acesso e de formas de expressão cultural na cidade.

Djalma realizou diversos eventos, assim como construiu equipamentos voltados à promoção da cultura popular, dentre os eventos destacam-se as Praças de Cultura.As Praças de Cultura em Natal eram uma versão adaptada das que ocorriam em Recife. Segundo Góes (2010, p. 92), uma Praça de Cultura em Natal “era constituída de parque infantil, quadras de esporte (vôlei, futebol de salão e basquete) e uma biblioteca”. A Praça de Cultura era também um evento cultural onde eram oferecidas ao público atividades de literatura, música, artes plásticas etc.

A política cultural de Djalma Maranhão incluía as bibliotecas, porém apenas dois bairros foram contemplados, Rocas e Quintas. As “bibliotecas” eram postos de empréstimos de livros. Sobre o funcionamento das bibliotecas, D. Nair4, que foi professora no Acampamento das Rocas e trabalhou na biblioteca Monteiro Lobato, relatou a autora que: “Quando você precisava de um livro, ia lá e pegava emprestado, devolvia depois de dez dias e se precisasse colocava mais uma data com dez dias”. A arquitetura das bibliotecas, a exemplo dos Acampamentos, era rústica, feitas de madeira, como pode ser observado na imagem.

Os livros para as bibliotecas foram arrecadados em uma campanha lançada pela prefeitura. A campanha consistia em um carro de som que pedia à população dos bairros mais ricos, que o livro que estivesse sobrando em casa fosse doado, com isso foram arrecadados os livros para as bibliotecas e para os Acampamentos Escolares.

Inauguração de uma Praça infantil nas roças em 1957,com Dinarte Mariz.

O PRIMEIRO TERREIRO DE UBANDA DE NATAL

A Ribeira juntamente com o bairro das Rocas sempre foi muito forte na cultura afrobrasileira e lá foi onde surgiram os primeiros movimentos religiosos nesse sentido. O primeiro terreiro de Umbanda da cidade do Natal situa-se na Ribeira/Rocas : “antigamente os terreiros precisavam da permissão da polícia pra poder funcionar, eu frequentava um terreirona Cidade Alta e que depois de alguns trabalhos por motivos de enfermidades prometi que diante da minha cura, nunca mais deixaria a religião. Passei a frequentar centros em outros locais e diante da ausência de centros, comecei a fazer os rituais na minha própria casa, tornando-a um terreiro de umbanda” (Senhor Clementino).

Em Natal, o primeiro Centro de Umbanda autorizado pela polícia foi fundado em 1944, no bairro das Rocas, por João Cícero e recebeu o nome de Centro Espírita de Umbanda Redentor Aritã.

A Federação de Umbanda do RN foi oficializada em 1963, mas só em 1975 foi sancionada como único órgão com poderes para autorizar, supervisionar, fiscalizar e coordenar os centros de umbanda e candomblé do RN. Em 2009, no Estado, existiam cerca de 2.500 centros de Umbanda e Candomblé cadastrados na FEUC.

BARES

A década de 1970 observa o crescimento do turismo nas praias urbanas da capital, isso faz com que as Rocas também se torne famoso por seus bares e restaurantes como a Peixada da Comadre, criado em 1931; Casa da Mãe, de 1961, e a Carne Assada de Seu Lira, de 1989. A decadência das Rocas se dá conforme Ponta Negra se eleva como novo centro turístico, retirando o lugar das praias centrais da cidade como atrativo turístico.

Newton Navarro escreveu no jornal A República, em 23 de agosto de 1956, a crônica Peixe, descrevendo um restaurante e afirmando ter sentado em uma mesa com um amigo para apreciar um delicioso peixe, ter bebido algumas taças de vinho, observando poeticamente o rio Potengi, o mar, o vento, as moças, os cheiros e os sabores, elementos sempre presentes em suas crônicas (NAVARRO, 1956e). Tratava-se da Peixada da Comadre, aberta em 1931, por Isaura Pereira da Silva, à Rua São João 1, no Canto do Mangue, bairro das Rocas. Na década de 1950, o estabelecimento funcionava das 18 às 22 horas e era frequentado por políticos, empresários, funcionários públicos, jornalistas, intelectuais e integrantes de outros segmentos da sociedade natalense. A especialidade da casa era o peixe cozido com pirão, mas comercializavam-se bebidas alcoólicas, como vinho, cachaça, cervejas e uísques.

“Confraternização na “Peixada da Comadre”, bairro das Rocas, na década de 1960, vendo-se da esquerda para a direita: Luiz Carlos Guimarães, Dorian Gray, Berilo Wanderley, Walflan de Queiroz, Felinto Rodrigues Neto, Tales Andrade, Fausto, Celso da Silveira e outros. Fonte: “Berilo Wanderley: Memória – Depoimentos, poemas,crônicas”.
( Resgate de João Gothardo Dantas Emerenciano ).
A carne assada do Lira, servia carne de sol frita numa mistura de óleo de cozinha com manteiga da terra. O prato era uma verdadeira iguaria e virou referência para quando a cidade recebia visitantes ilustres. Como acompanhamentos, feijão verde, farofa de bolão (simplesmente uma delícia), arroz branco e macaxeira cozida. Tudo (ou só o feijão) era regado com muita manteiga do sertão (líquida).

QUINTAS-ROCAS

Natal, década de 60, em algum lugar entre os bairros das Rocas e Quintas. Garotos se divertem provocando uma senhora trôpega, suja e maltrapilha. Os meninos fazem coro: “Rocas-Quintas”! E ela, com o dedo em riste, revida: “Me respeitem, que eu tive vida importante”! A zombaria continua, e a mulher, que se tornou folclórica por fazer todo santo-dia, a pé, o mesmo itinerário da linha de ônibus Rocas-Quintas (daí o apelido), retoma as passadas ligeiras e nervosas, parando sempre para catar lixo e restos de coisas podres.

Caicó, final da década de 50. Júlia Augusta de Medeiros, uma das mulheres pioneiras no jornalismo e na educação no Rio Grande do Norte nos anos 20, feminista, mulher de idéias avançadas, com participação destacada na vida pública e política do RN, tendo sido uma das primeiras mulheres a votar no Estado e exercido dois mandatos como vereadora, começa a apresentar lapsos de memória e a perder a sanidade mental. O estado de saúde vai se agravando e ela, que desafiara a sociedade assumindo uma postura ousada, termina seus últimos anos deprimida em Natal, no mais completo ostracismo, perambulando pelas ruas feito mendiga.

Júlia Medeiros, educadora e jornalista que um dia teve lugar cativo nas rodas de intelectuais, gozando da amizade e apreço de gente como Câmara Cascudo e Palmira Wanderley, é a mesma Rocas-Quintas. Em um minucioso trabalho investigativo, o jornalista natalense Manoel Pereira da Rocha Neto, conseguiu unir os dois capítulos extremos dessa história e contá-la na íntegra pela primeira vez. “Júlia teve um passado obscuro, que ficou perdido, pois enquanto Rocas-Quintas ela falava quem tinha sido e ninguém acreditava. As pessoas a insultavam e a depreciavam”, diz Manoel.

A história de Júlia Medeiros, do nascimento à morte (1896 a 1972), foi totalmente reconstituída pelo jornalista Manoel Pereira da Rocha Neto e contada com riqueza de detalhes em seu trabalho. A maior parte das informações ele coletou com pessoas que foram vizinhas de Júlia, em Caicó e em Natal, e com os ex-alunos dela. “Foi uma pesquisa difícil. A família dela ofereceu muita resistência. Somente uma sobrinha sua, Julieta Dantas, que vive em Caicó, ajudou, cedendo inclusive um farto material fotográfico”, conta Manoel, que chegou a pagar para conseguir uma cópia do atestado de óbito de Júlia Medeiros/Rocas-Quintas.

Exceção entre as meninas de seu tempo, Júlia Medeiros teve a sorte de pertencer a uma família abastada e de visão pedagógica diferente da maioria das famílias do início do século 20. O pai, Antônio Cesino Medeiros, detentor de grandes propriedades de terra em Caicó, sendo a maior e mais próspera delas a fazenda Umari, onde Júlia nasce no dia 28 de agosto de 1896, cuida desde cedo para que a filha tenha acesso à educação. A menina aprende as primeiras letras em casa com um mestre-escola e depois é mandada para estudar em Natal.

Júlia deixa Caicó no ano de 1910. Com 13 anos, enfrenta uma jornada de oito dias em lombo de burro. Era uma comitiva em que estavam outras duas moças, Olívia Pereira e Maria Leonor Cavalcanti. A futura feminista hospeda-se em uma casa na Ribeira – a do professor de português João Vicente – e passa a estudar no Colégio Imaculada Conceição, onde conclui o ginásio. Em 1920, faz a seleção para a Escola Normal de Natal.

Forma-se em 1925 e, um ano depois, volta a morar em Caicó, passando a lecionar no Grupo Escolar Senador Guerra, a mais conceituada instituição de ensino do município. A essa época já escrevia para o “Jornal das Moças”, periódico que logo passa a redigir sozinha com a saída da fundadora, Georgina Pires. A publicação, um marco no jornalismo feminino no Rio Grande do Norte, dura de 1926 a 1932.

Júlia Medeiros também já participava ativamente da vida pública de Caicó, envolvida com a elite intelectual e política da cidade. Ela foi amiga, entre outros, de Juvenal Lamartine, senador e governador em meados da década de 20, e de José Augusto Bezerra de Medeiros, governador que dominou a política no RN até 1930.

Considerada exímia oradora, Júlia notabiliza-se por questionar, em seus discursos de improviso, a condição da mulher da década de 20 – cuja vida resumia-se aos afazeres domésticos. Em suas falas em público, exigia, principalmente, o direito à educação e à cidadania. Sua amizade com a feminista Berta Lutz e suas idas ao Rio de Janeiro – onde tomava conhecimento da modernidade – fortaleciam ainda mais seus ideais. Júlia choca a sociedade caicoense com seu comportamento avançado. Ela passa a usar roupa preta – cor condenável a não ser em ocasião de luto – calça jeans e costas nuas. Ao aparecer nas ruas dirigindo um automóvel – um ford 29 (baratinha) que compra no Rio de Janeiro com dinheiro do próprio trabalho – promove um escândalo. Choca mais uma vez a sociedade ao recusar um pedido de casamento e ao ir morar sozinha, na casa de número 157 da rua Seridó.

O preço da “ousadia” acaba sendo alto. Júlia passa a ser excluída e alvo de preconceito. Na rua, é perseguida pelas crianças, que entoam uma cantoria assim: “Júlia Medeiros no seu carro ford, virou a princesa do caritó”.

Antes de aposentar-se como professora, em 1958, se candidata a vereadora, sendo eleita para dois mandatos, de 1951 a 1954 e de 1954 a 1957. É nesse período que começa a apresentar lapsos de memória e a ficar perturbada mentalmente. Em 1960, a família a leva para Natal, entendendo ser essa a melhor opção. Júlia passa a morar sozinha, por vontade própria, em uma casa de frente para o rio Potengi, na rua da Misericórdia. Seu quadro de saúde vai se agravando e, na madrugada do dia 29 de agosto de 1972, aos 76 anos, morre como a mendiga Rocas-Quintas. Louca, pobre, esquecida e insultada; excluída da sociedade e da história.

FUTEBOL

No futebol, o bairro sempre foi um celeiro de craques que saíram do Palmeiras e do Racing, seus dois grandes rivais, para brilharem nos clubes grandes da Capital e em outros pontos do país. O Estádio Senador João Câmara é um patrimônio do bairro e sede de grandes embates patrocinados pela Liga das Rocas.

Palmeiras FC Rocas Tetra campeão de 58,59,60 e 61. Em pé: Djalma, Manoel Carlos, Argentino, Erivan, Vicente e Humberto. Agachados: Chiquinho, Mazinho, Talvanes, Miguel Duro e Baiê.
Racinc FC BI Campeão 62 e 63.

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WANDERLEY, Palmyra. Roseira brava. Recife: Editora d’A Revista da Cidade, 1929

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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A CONSTRUÇÃO DA NATUREZA SAUDÁVEL: NATAL 1900-1930 / ENOQUE GONÇALVES VIEIRA. – NATAL, 2008.

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A utopia popular materializada nos Acampamentos Escolares da Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler / Maria Helena Paiva da Costa e Ana Paula Koury.

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Do ancoradouro à sala de espera: as obras de melhoramento do porto e a construção de uma Natal moderna (1893-1913) – Natal, 2015.

Dos caminhos de água aos caminhos de ferro: a construção da hegemonia de Natal através das vias de transporte (1820-1920) / Wagner do Nascimento Rodrigues. – Natal, RN, 2006. 180 f.

Entre a ordem e o progresso: a escola de aprendizes artífices de Natal e a formação de cidadãos uteis (1909-1937) / Renato Marinho Brandão Santos. – João Pessoa/PB : IFPB, 2019.

Genealogia dos Bairros: Rocas. Por Prof. Matheus Barbosa e Prof. Dr. Lenin Campos Soares. https://www.nataldasantigas.com.br/blog/a-historia-das-rocas-genealogia-dos-bairros. Acesso em 2023.

HABITAÇÃO SOCIAL: ORIGENS E PRODUÇÃO. (NATAL, 1889-1964) / CALIANE CHRISTIE OLIVEIRA DE ALMEIDA. – SÃO CARLOS, SETEMBRO, 2007.

História do Rio Grande do Norte / Sérgio Luiz Bezerra Trindade. – Natal: Editora do IFRN, 2010.

ILUMINA-SE A CIDADE: NOTAS SOBRE A FORMAÇÃO DO SISTEMA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA EM NATAL (1911-1930) / George Alexandre Ferreira Dantas / Barbara Gondim Lambert Moreira / Ítalo Dantas de Araújo Maia.

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Memória minha comunidade: Alecrim / Carmen M. O. Alveal, Raimundo P. A. Arrais, Luciano F. D. Capistrano, Gabriela F. de Siqueira, Gustavo G. de L. Silva e Thaiany S. Silva – Natal: SEMURB, 2011.

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Natal: história, cultura e turismo / Secretaria Municipal de MeioAmbiente e Urbanismo. – Natal: DIPE – SEMURB, 2008.

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Natal, outra cidade! [recurso eletrônico] : o papel da Intendência Municipal no desenvolvimento de uma nova ordem urbana na cidade de Natal (1904-1929) / Renato Marinho Brandão Santos. – Natal, RN : EDUFRN, 2018.

Natal ontem e hoje / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. – Natal (RN): Departamento de Informação Pesquisa e Estatística, 2006.

O Lugar do Patrimônio Urbano na Dinâmica da Cidade Natal-RN / Sara Cibele Rego de Medeiros – Salvador, 2017.

O nosso maestro: biografia de Waldemar de Almeida / Claudio Galvão. – Natal: EDUFRN, 2019.

O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos / Rubenilson B. Texeira. – Revista franco-brasilera de geografia 23 | 2015, Número 23.

Ordenamento Urbano de Natal: do Plano Polidrelli ao Plano Diretor 2007 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. – Natal: Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2007.

Por uma “Cidade Nova”: apropriação e uso do solo urbano no terceiro bairro de Natal (1901-1929) / Gabriela Fernandes de Siqueira. – Natal, RN, 2014.

Praia de Ponta Negra: uma abordagem da paisagem costeira de 1970 a 2010, Natal/RN / Ana Beatriz Câmara Maciel. – 2011.

Roseira brava: pós-romantismo e modernidade na poética de Palmyra Wanderley / Marília Gonçalves Borges Silveira. – Natal, RN, 2016.

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