O cemitério do Alecrim

Cemitério do alecrim em 1937 Acervo de Andrey Madureira
Cemitério do Alecrim O maior cemitério público do estado. Foto drone Cláudio Abdon. A Cidade dos Mortos, diz muito da cidade dos vivos. Andar pelas ruas do Cemitério do Alecrim é fazer uma visita a memória da cidade de Natal, conhecer em cada túmulo um pouco mais de sua história, de sua gente e costumes. Um desses lugares repletos de representações socioeconômicas e culturais, é assim os cemitérios.
Primeiro cemitério da cidade, foi construído em 1856. Segundo Câmara Cascudo, antes, as igrejas eram as tumularias da sociedade. Lugar de descanso, o Cemitério do Alecrim sofreu intervenções modernistas no final dos anos trinta, do século passado, na administração de Gentil Ferreira. Guardião dos mortos, é também lugar da memória da urbe. Foto: arquivo da SEMURB – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo.

O cemitério do Alecrim, localizado na Rua Fonseca e Silva, no bairro do Alecrim, possui 200 m² de área. Atualmente, só são possíveis sepultamentos no cemitério das pessoas que já possuem jazigos familiares, visto que não existem mais terrenos para serem comprados desde meados da década de 1980. O campo santo possui uma estrutura simples: são 18 quadras, 11 ruas e cerca de 6.300 túmulos, jazigos ou mausoléus, sendo que desses apenas 3.895 túmulos estão registrados e regularizados.

O cemitério do Alecrim é um lugar de memória para os natalenses pois resguarda a memória de tantas personalidades importantes e de anônimos que fazem parte da história da cidade. Mais ainda, a necrópole é um marco do povoamento do bairro, mesmo sendo o cemitério algo banido pela sociedade, equipamento urbano que era evitado e segregado do centros das cidades, o povo de menor poder aquisitivo da época não se limitou a contruir suas casas nas proximidades do cemitério e a formar novas comunidades, em ampliar a cidade para regiões mais longuínquas.

O Alecrim deve muito de sua existência à criação do cemitério, pois foi lá onde a cidade dos mortos deu origem à cidade dos vivos, foi lá onde o bairro começou.

Cólera

A assistência médico-hospitalar no Rio Grande do Norte deu seus primeiros passos somente na segunda metade do século XIX. Por volta de 1850, uma devastadora epidemia de cólera atingiu as províncias do nordeste brasileiro, fazendo grande número de vítimas entre a população. Nessa onda epidêmica, a província do Rio Grande do Norte também sofreu as consequências do cólera-morbus, que dizimou cerca de 2563 vidas. Como legado dessa mortandade, o presidente Bernardo Pereira Passos mandou construir às pressas o Hospital de Caridade, núcleo de nossa primitiva experiência hospitalocêntrica. No mesmo conjunto de medidas de “saúde pública”, autorizou a construção do Lazareto da Piedade (1855), destinado aos acometidos pela doença da lepra, e do Cemitério do Alecrim (1856).

A principal razão para a criação do cemitério do Alecrim foi a questão da saúde pública. Com o grande número de vítimas do surto “cólera morbo” em Natal entre 1855 e 1856, que atingiu também outras províncias do Brasil nesse mesmo período.

A Cólera-morbo é uma doença causada por um vibrião colérico (Vibriocholerae), uma bactéria que se multiplica rapidamente no intestino humano, produzindo uma potente toxina que provoca diarreia intensa. Sua disseminação no séc. XIX foi muito intensa devido à precária situação sanitária em que se encontravam as cidades. O saneamento era muito raro, e a distribuição de água potável muito escassa. Logo, contribuía em muito para a contaminação de fontes de água e, assim, elevarem-se os índices de contaminação. Sua difusão foi tão grande que, Segundo Santos, o “’flagelo brutal e espetacular’ do século XIX obedeceu ao padrão de difusão e circulação de doenças transmissíveis através do mundo, tendo se expandido ainda mais pelo globo do que a Peste Negra na Idade Média”.

Chegada ao Brasil, sua disseminação foi rápida, ao ponto de que no mesmo ano de 1855 já havia casos de morte pela Cólera aqui em Natal (fato esse que culminou na construção do Cemitério do Alecrim). Essa velocidade com que a doença se alastrou é devido a dois fatores. O primeiro deles, e a priori, se deve à ausência de quarentena da tripulação do navio português aportado em Belém (primeira cidade a contrair a doença), já o segundo, e a posteriori, se deu devido à ineficácia do tratamento da doença (como fricções de álcool canforado, suadouros e gotas de láudano) e devido ao precário saneamento das cidades ( CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal, p. 248).

Ainda no século XIX o Alecrim não era um bairro, mas sim uma localidade na região limítrofe de Natal, que até então possuía somente dois bairros: a Ribeira e a Cidade Alta. No ano de 1855, por meio da Resolução n. 323, de 2 de agosto, autorizou-se a quantia de dois contos de réis para que fosse realizada a construção de um cemitério em Natal.

Em fevereiro de 1856, foi assinado um contrato para a construção de um cemitério no caminho da Quintas. O mestre, Manuel da Costa Reis, receberia 3.4000$, em três vezes tendo um prazo de oito meses para a construção. Em dia 24 de novembro de 1856, o
Presidente Passos, nomeou uma comissão composta pelo vigário Bartolomeu da Rocha Fagundes, José Lourenço de Almeida e Canuto Ildefonso Emerenciano no sentido de verificar o exato cumprimento do contrato.

Desse modo, construir um cemitério na cidade só foi possível graças à circunstância social, o desenvolvimento científico e sanitário, e não ao processo de ocupação urbana. Essa nova conjuntura advinha de novas formas de hábitos e comportamentos.

Inauguração

Como era hábito à época os cemitérios, os matadouros públicos e os depósitos de lixo eram construídos fora dos limites da cidade. No caso de Natal, esses equipamentos urbanos foram construídos nas proximidades do Baldo. O cemitério havia sido construído em meados do século XIX, no subúrbio, no lugar denominado Alecrim, na subida do Baldo, em direção a oeste, o matadouro público era localizado às margens do rio Potengi, próximo à desembocadura do córrego do Baldo, e o depósito de lixo da cidade ficava entre esses dois equipamentos urbanos. É de se imaginar que a água consumida na cidade tinha, no mínimo, uma
qualidade duvidosa.

Escolhido o local, as primeiras sepulturas foram feitas no cemitério do Alecrim, que era considerado longe do centro da Cidade. Contratou-se o mestre Manuel da Costa que “se obrigou a construir um cemitério na explanada que fica no caminho das Quintas, junto à bifurcação da estrada de Pitimbu”. O primeiro administrador do cemitério foi João Estevão Barbosa em abril de 1856.

Segundo o pesquisador Ierecê Duarte, autor do livro ‘O repouso póstumo do natalense no cemitério do Alecrim’ , a construção do campo santo foi iniciada a partir da doação do então presidente da província. “O presidente da província, Bernardo da Câmara Passos, baixou um decreto destinando três contos de réis para a construção de um cemitério que fosse longe da cidade. Então se localizou esse terreno aqui para se construir o cemitério”, explica Duarte.

Poucos dos que habitavam a cidade foram observar o Presidente da Província do Rio Grande do Norte, Antônio Bernardo de Passos, inaugurando o cemitério Público da cidade, no ano de 1856. A construção do cemitério, até então sem nome, surgiu após um surto de cólera em 1855, ano em que foi autorizada a obra. Na época, o Alecrim era habitado por agricultores.

No dia 11 de abril de 1856, tomou posse o primeiro administrador do Cemitério Público João Estevão Barbosa Contudo, em 1857, o empreiteiro solicitava à Assembléia Legislativa Provincial uma indenização de 400$ pelos prejuízos do contrato e excesso da obra. Foi destinada uma verba de um conto de réis para a conclusão do cemitério e da Capela, através da Lei n° 436, de 09 de abril de 1859. Antes da construção, o Presidente informara em sua Fala de 1º de julho de 3 856: “mandei cercar de madeira, e preparar uma porção de terreno no lugar designado para o Cemitério aonde se fizesse os enterramentos” e gastou 200$ por ela, finaliza CASCUDO.

O Paço da Câmara Municipal recomendou no Parágrafo 3º que deveria se ter o cuidado de ” velar para que não [entrasse ] no cemitério cães e outros animais (ARTIGOS Adicionais da Câmara Municipal do Natal, 1885, Pasta 119). De acordo com o Artigo 15, instituído pelo Paço da Câmara Municipal do Natal, e assinado com a data de 17 de março de 1884, “as sepulturas seriam gratuitas, se fosse verificada que o defunto ou anjinho não tivesse condições financeiras. Caso, a família tivesse condições, pagaria o emolumento para o cofre da municipalidade, de 1000 rs. pelas pessoas adúlteras e 500 rs. pelos menores de 14 anos” (ARTIGOS Adicionais da Câmara Municipal do Natal, 17 mar. 1884, Pasta 119). O cemitério era considerado distante da cidade, ou melhor, dos seus principais bairros, Cidade Alta e Ribeira, devido a isso o Presidente Passos mandou buscar um carro de transporte em Recife, ao preço de 750$.139 (CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal, p. 248).

Igrejas

Se fez necessário a construção de um cemitério para acomodar os corpos daqueles que pereceram por este mal, já que os locais de sepultamento existentes, a Igreja Matriz e a de Nossa Senhora do Rosário, não estavam atendendo a demanda.

“Quem tinha poder era enterrado dentro da igreja, quem tinha mais poder ainda era enterrado mais próximo ao altar e aqueles pobres que não tinham poder aquisitivo eram enterrados ao redor da igreja, que se chama o átrio da igreja”, explica o pesquisador.

Segundo Câmara Cascudo, Natal enterrava seus mortos na Igreja Matriz e na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, ao redor delas ou do cruzeiro. A matriz de Nossa Senhora d’Apresentação foi erguida sobre uma base de ossadas humanas, que ali eram sepultadas durante séculos. Já na igreja do Rosário eram enterrados os escravos e os mortos na forca por ordem da Lei.

De fato no período colonial os mortos eram enterrados nas igrejas. Natal, só vem possuir cemitério a partir de 02 de agosto de 1855 com a Resolução n° 323, durante a Presidência de Antônio Bernardo de Passos. Até então, devido ao enterramento dentro das igrejas, essas eram mal cheirosas. Na construção do cemitério foram gastos dois contos de réis. A necrópole localizada no bairro do Alecrim, foi inaugurada em Abril de 1857, e só os católicos podiam ser enterrados ali. Com o crescimento da população o cemitério foi ampliado na gestão do 35° Presidente da Província, João Bernardo Galvão Alcanforado Júnior (CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal, p. 182, 245, 246, 336 ).

Ergue-se a cidade dos vivos e com ela surge a cidade dos mortos. O Cemitério do Alecrim foi construído para comportar as vítimas da Cólera-morbo. Assim, seria necessário acabar com as exéquias dentro das igrejas, sobretudo na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação e na de Nossa Senhora do Rosário.

Em 1995, foram realizadas obras na antiga Catedral Metropolitana de Natal com o intuito de reconstituir as suas formas originais. Foram descobertas antigas sepulturas – até o século XIX não existia cemitério em Natal – detalhes no piso, paredes, forros e altares que atestam a herança deixada por gerações passadas. Embora descaracterizado em relação às suas origens, este templo possui valor histórico indiscutível. Segundo Nesi (1994), seu tombamento a nível estadual ocorreu em 30 de julho de 1992.

Ingleses

Já para os estrangeiros, em sua maioria protestante, e para os acatólicos, que faleciam em Natal e que e não podiam ser
enterrados nas igrejas eram encaminhados para o cemitério dos ingleses, na gamboa Maninbu, em uma das margens do Rio Potengi e nas proximidades da praia da Redinha (CASCUDO, 2010, p. 321-322). Eram chamados de “capas verdes localizados perto da Praia da Redinha (“Capas verdes” era um termo pejorativo utilizado para os protestantes). Neste cemitério enterrou-se a maioria dos empregados da empresa de Ulrick Graff & CIA, vitimados pelo surto de cólera e febre amarela (CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal, p. 246).

Quanto à criação desse último cemitério, sua origem e datação não se sabem ao certo, pois são carentes os estudos e pesquisas que protagonizem o “Cemitério dos ingleses” como temática central. No entanto, sabemos que foi quando da vinda da Coroa Portuguesa à Colônia em 1808, fugidos das tropas napoleônicas que invadiam a metrópole Portugal, em que são oferecidos serviços religiosos diferentes da religião hegemônica.

Câmara Cascudo, inclusive, considera que o cemitério dos ingleses foi o primeiro cemitério de Natal e não o cemitério do Alecrim, como todos acreditam, já que os indivíduos que professavam outra fé que não a católica não podiam ser enterrados nos campos santos das igrejas. Assim, o cemitério dos ingleses tornaria-se uma alternativa que fora utilizada antes mesmo de 1856, data de inauguração do cemitério público do Alecrim.

Mesmo com indícios da existência de um cemitério anterior ao do Alecrim, muitas pessoas ainda creem ser o cemitério do Alecrim o primeiro cemitério de Natal. Se de fato não o foi, pode-se dizer que ao menos foi o primeiro local onde se sepultaram os cristãos, fora das igrejas.

Com a crença de que os holandeses teriam enterrado ouro sob os coqueirais, os túmulos foram revolvidos e o cemitério destruído, não restando nenhum resquício visual de que tenha havido um campo santo naquele local.

Conforme se percebe em pesquisa feita nos registros mortuários no Livro de Óbitos de 1820-1852, período no qual não se tinha ainda o Cemitério Público, as inumações eram feitas no interior da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação. A partir da iminência da Cólera e se mostrar insuficiente os sepultamentos no interior da Igreja Matriz, bem como a grande ideologia cientificista dos miasmas, a construção do Cemitério é autorizada e em 1856 ela é concluída.
Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.
Santa Cruz da Bica. 1616.

O primeiro sepultamento

Em 11 de Abril de 1856 foi inaugurado o Cemitério Público do Alecrim. De acordo com os registros de óbitos do acervo da Arquidiocese de Natal, o primeiro a ser enterrado no dito cemitério foi o senhor Manoel de Mello Pita, no dia 5 de Maio de 1856. Logo, os consecutivos registros de sepultamento que se encontram no Livro de Óbitos 1853-1875 informam que os corpos estavam sendo inumados no Cemitério Público desta cidade.

No entanto, percebe-se, ao frequentar a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, que mesmo depois de construído o cemitério (1856), ainda houve sepultamentos em seu interior. Como já exposto, a Igreja Matriz era frequentada por pessoas da classe alta natalense, e, depois de serem submetidos aos sepultamentos no Cemitério do Alecrim, alguns se recusaram e, por ter grandes posses, puderam ainda manter suas antigas tradições fúnebres.

Os sepultamentos no Cemitério Público do Alecrim foram obrigatórios somente à parcela pobre da população, tendo em vista que pessoas de posses ainda continuavam a ser enterradas no interior da Igreja Matriz, como é o caso, a caráter exemplar, de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão e de Álvaro Rodrigues Vianna, “anjinho” que morreu aos 4 anos, sendo filho do Coronel Francisco Rodrigues Vianna.

Pela escassez de sepultamentos nesses anos e pelo retorno das inumações no Cemitério Público em 18 de Agosto de 1860 por uma pessoa “branca e moradora desta freguesia”, consideramos que a construção da capela tenha levado em média um ano.

Conforme observamos nos documentos de registro de óbito, houve uma repulsa e boicote em ser sepultado no Cemitério do Alecrim entre os anos 1857 e 1858, época justamente em que o Cemitério do Alecrim se encontrava sem a sua capela. Ainda, vê se que, embora tenham havido 2 sepultamentos em 1858 e 3 em 1859, eles foram, em sua maioria, de índios e negros escravos.

A prática do enterro em igrejas e locais de confrarias representava uma forma segura de salvação para o católico natalense. É por essa razão que o Cemitério do Alecrim é tido como “profano” no imaginário do católico natalense oitocentista.

Mediante este fato, há necessidade de reorganizar esse novo espaço – que na concepção do povo, em sua maioria católicos, era profano – com a edificação da Capela Menino Jesus de Praga, que foi autorizada pela Lei nº 436 em 1859 pelo então presidente da província, Antônio Marcelino Nunes Gonçalves. Só aí, reconhecido pelo poder público e da Igreja, o Cemitério passa a ser sagrado.

Cascudo afirma que a primeira lápide colocada no cemitério data de 1857, e ela teria sido retirada em meados de 1900. O primeiro túmulo de mármore é de 1872. Não são encontrados registros do paradeiro da primeira lápide, nem foi identificado o primeiro túmulo.

Documento do primeiro sepultamento em 1856 no Cemitério Público do Alecrim
Fonte: Fotografia tirada pelo autor do Livro de Óbitos (1853-1875). Acervo do APAN.
Conforme se lê no documento:
1. Aos cinco de maio de mil oitocentos e sincoenta e seis faleceu da vida
2. Presente com os sacramentos da Penitencia e unção Manoel de
3. Mello [Pita?] branco casado com [Felisia?] Maria da Conceição moradora
4. Nesta Cidade. foi sepultado no cemitério. E para constar fiz este
5. assento Bartholomeu da Rocha Fagundes // Vigário Collado73

OBS: Vigário colado era o termo usado aos clérigos que assumiam permanentemente a função de funcionários públicos, quando vigorava o regime de Padroado. Essa função era garantida mediante concurso público, sendo nomeados e, depois disso, recebiam a colação, resultando daí o termo “colados”.
Documento Atestado de Sepultamentos Cemitério do Alecrim
Conforme se lê no documento:
1. Aos sete de julho de mil oitocento cincoenta e seis fale
2. ceu da vida presente Dona Anna Joaquina Alvares, filha do capi
3. tão José [Lucas?] Alvares, tendo recebido o sacramento de peniten
4. cia e unção. Foi sepultada no Cemitério Publico desta Cidade
5. e ecomendada por mim. E para constar fiz este assento
6. Bartholomeu da Rocha Fagundes // Vigário Collado

1. Aos três de janeiro de mil oitocentos e cincoenta e sette faleceu da vida
2. presente com o sacramento da extrema unçao Faustino Ferreira de
3. Albuquerque, casado com Maria Eugenia morador nesta cidade
4. foi sepultado no Cemiterio Publico desta cidade e encomendado
5. por mim. E para constar fiz este assento em que assinei
6. Bartholomeu da Rocha Fagundes // Vigário Collado
Sepultamentos pós-1856 grades acima esquerda
Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016.
Sepultamentos pós-1856 grades acima direita.
Túmulos pós-1856. Fonte: Arquivo pessoal do autor, 2016. Pessoas de posses ainda continuavam a ser enterradas no interior da Igreja Matriz, como é o caso, a caráter exemplar, de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão e de Álvaro Rodrigues Vianna, “anjinho” que morreu aos 4 anos, sendo filho do Coronel Francisco Rodrigues Vianna.

Distância

O Cemitério do Alecrim foi construído em 1856 com a proposta de ficar bem longe da cidade, pois corriam boatos aterrorizantes de que o cemitério das Rocas, o primeiro cemitério da cidade de Natal, estava assombrado. Fez-se uma trilha para a região oeste de Natal, seguindo a linha do trem, e acharam assim o terreno perfeito para construir o cemitério e a seguir a Igreja de São Pedro. Ele conta atualmente com 3900 túmulos, muitos dos quais ocupados por personalidades do estado que deixaram sua trajetória expressa na suntuosidade da última morada.

O cemitério tornou-se o marco da ocupação das terras que deram origem a um dos bairros mais populosos de Natal, o Alecrim. Sim, este prédio simpático da foto acima do título guarda muita história dos natalenses e da cidade por quase dois séculos.

Foi o primeiro cemitério público de Natal, que na época Natal se resumia territorialmente aos bairros da Ribeira e Cidade Alta. De acordo com o pesquisador Ierecê Duarte antes da construção do cemitério, os sepultamentos eram feitos nas igrejas.

A urbe cresce além das suas fronteiras rumo ao interior da província. Neste processo de expansão urbana destacase a instalação do primeiro cemitério (1856) e do Lazareto da Piedade (1882), equipamentos urbanos, erguido para abrigar os mortos e cuidar dos enfermos da cólera. Símbolos da presença do governo em uma região, então, isolada da cidade.

Nos livros publicados de Câmara Cascudo, também enterrado no Cemitério do Alecrim, juntamente com outros parentes, existem duas versões sobre a origem do nome do bairro Alecrim. A primeira refere-se às pessoas humildes que tinham o habito de enfeitar a frente de suas casas com a planta do alecrim. A segunda diz respeito a uma moradora local que costumava decorar os caixões dos “anjinhos” com galhos da referida planta.

O Alecrim ficava no fim do Mundo…Em outubro de 1871, o Presidente Delfino informava que a única desvantagem da Fonte Pública (Bica), no Baldo, “era ficar no último ponto do bairro alto da Cidade”.

Distante da Ribeira e da Cidade Alta, nasceu o cemitério (hoje Cemitério do Alecrim), lugar de descanso e fim do sofrimento daqueles que acompanhavam um cortejo fúnebre. Sobre os enterros e o início da ocupação do atual bairro do Alecrim, quem bem relata é Pedro de Mello, em conferência realizada na Academia Norte-rio-grandense de Letras, no dia 24/01/1962: Em dezembro de 1878, o Vice-Presidente Manuel Januário Bezerra Montenegro aludia ao Cemitério, “situado à grande distância da Cidade”.

[…] Por mais numeroso que fosse o acompanhamento do cortejo fúnebre chegava ao cemitério só com a família e os carregadores. A ladeira afugentava os demais (MELLO, 2006, p.04) – À altura da atual igreja de São Pedro havia à direita de quem sobe um projeto de rua meia dúzia de casebres.

Não conta ainda cem anos de existência. Em abril de 1856, quando o Cemitério foi inaugurado, o Presidente Antonio Bernardo de Passos informava ter adquirido um carro fúnebre em razão da “grande distância entre o Cemitério e esta Cidade”.

Pela distância entre o cemitério e os bairros da Cidade Alta e Ribeira, fez-se necessário um carro de transporte fúnebre, que veio de Pernambuco, adquirido por 750 mil réis. Aconteceu, inclusive, em algumas vezes, de o cortejo ter sido feito em um trem de estrada de ferro até a Usina do Oitizeiro e desse local ser levado até o cemitério. Do Baldo até o sepultamento no cemitério do Alecrim as pessoas acompanhavam o cortejo à pé e os que conduziam o féretro o levavam à braço.

O suplício terminou em 1912, quando a Empresa de Melhoramentos instalou o serviço de bonde elétrico. Ela estendeu um serviço funerário até o cemitério, oferecendo serviços de primeira e segunda classe (EMPREZA…,1912). As tarifas da primeira classe eram de 45 mil réis, (45#000) e a companhia assegurava: “O coche funebre é rebocado por um carro especial de 1º classe comportando 36 pessoas com direito a serem conduzidas a qualquer ponto do circuito”. E, no mesmo comunicado, deixa perceber que os cortejos inscreviam- em uma situação excepcional dentro do bairro. Não apenas porque introduziam entre os moradores, a lembrança inelutável da morte, mas porque introduzia uma movimentação incomum nas ruas do bairro. Assim, precavida, a companhia avisava: “Para não perturbar o trafego, o coche funebre que estará em um dos quatro desvios do circuito, sahida pontualmente na hora combinada” (EMPREZ A…,1912).

O Alecrim era um dos pequenos povoados que dava assistência aos viajantes que se destinavam ao núcleo urbano natalense, no século XIX. A maioria das residências eram compostas por granjas e casebres. Surgindo ao redor do cemitério, o bairro do Alecrim foi oficializado conforme a resolução municipal do dia 23 de Outubro de 1911.

O nome do lugar tem origem em diferentes relatos. Um deles era o elevado número de alecrim-de-campo na região, evidenciado pelo fato dos antigos moradores plantarem pés de alecrim na frente de suas casas, janelas, ou em latas e jarras no jardim; o outro era a de uma senhora, moradora da região do que atualmente é a Praça Pedro II, que enfeitava os caixões das crianças com “raminhos de alecrim”. Os que conduziam o ataúde do “anjinho” até o cemitério faziam questão de passar pela senhora do alecrim para que ela o ornasse com o arbusto.

Com o tempo, ao redor do cemitério surgiu um dos bairros mais populosos e importantes para o comércio da capital potiguar, o bairro do Alecrim.

Seus moradores, gente humilde, mantinham no peitoril de suas janelas, latas, jarros de todos os feitos, todos cheios de alecrim o arbusto conhecido por todos nós. Muitos natalenses vêem nisso a razão do nome de Alecrim, – dado ao bairro surgido posteriormente naquelas bandas.

A primeira reforma do cemitério só aconteceu em 1941, já passou por várias reformas, mas é comum ver os noticiários falando da falta de infraestrutura. Em 2011, a Prefeitura do Natal decretou o prédio como Patrimônio Histórico de Natal, mas nenhuma reforma foi feita até então.

Diferencial

É no cemitério do Alecrim que estão os túmulos de grandes personalidades da política, sociedade, indústria, comércio e religião do Rio Grande do Norte nos fins dos séculos XIX e início do século XX. Muitos procuravam o cemitério do Alecrim por só existir ele em um raio considerável de Natal.

Muitos túmulos do cemitério são luxuosos e resguardam a memória de personalidades de relevante importância na sociedade norte-riograndense. A suntuosidade de alguns túmulos reflete a ideia de que o cemitério pode ser contado como um espaço de rememoração, espaço de imortalização de pessoas e de histórias, espaço da lembrança e do esquecimento.

Os jazigos no cemitério são considerados locais onde se resguardou a memória de um ou mais indivíduos e de sua família. O fato de deixar registrados na lápide os feitos de uma pessoa era visto como importante no sentido de quando determinado sujeito deparasse-se com o túmulo de um de seus ancestrais pudesse identificar-se, orgulhar-se, reconhecer-se, criando um sentimento de pertencimento com a história de seu parente.

O espaço é lembrado pela existência daqueles mausoléus gigantes e bem feitos, parecendo uma casa que vai habitar cinco famílias. Os trabalhos artísticos nos túmulos típicos existem várias representações de Jesus, anjos, santos e figuras mitológicas, de autoria de escultores e artesãos locais ou de outros Estados.

Por exemplo, uma estátua do deus grego Hermes está postada no mausoléu de João Câmara e existe várias lendas sobre o monumento.

Um dos mausoléus mais belos é o da família Cicco, construído a mando de Januário Cicco, , renomado médico que fundou os primeiros hospitais de grande porte em Natal, para homenagear a sua filha falecida, Yvette Simões Cicco, falecida em 1937, aos 25 anos . Nesse mausoléu foram depositados vários pertences da filha de Januário. Sendo todo construído em mármore, o mausoléu encontra-se na quadra 11 do cemitério, na esquina da Rua Santo Antônio com a Rua Santa Rita de Cássia. No túmulo existem duas estátuas confeccionadas na Itália, representando a esposa de Janúario Cicco e sua filha sendo arrebatadas pelo Anjo da Morte. A intenção de um mausoléu com essas características, contendo estátuas e pertences do morto nele contidos, era de preservar a memória, eternizar o ser querido ausente.

As personalidades mais importantes sepultadas no início do século XX no cemitério do Alecrim foram: o comerciante Juvino Barreto em 1901; o Padre João Maria em 1905, o professor e jornalista Coronel Elias Souto em 1906; Pedro Velho, homem público, fundador do partido republicano e editor chefe do jornal A República, que ocupou diversos cargos no Rio Grande do Norte e faleceu em 1907; João Câmara, grande investidor e comerciante, que faleceu em 1948; e Café Filho, advogado e político que
chegou ao cargo de presidente da República e faleceu em 1970.

Existe também um bom número de túmulos de porte coletivo vinculados a entidades cooperativas como os da Liga Artístico-Operária Norte Rio Grandense, da Maçonaria do Rio Grande do Norte e da Congregação das Filhas do Amor Divino. O Cemitério do Alecrim guarda muitas histórias, como os túmulos idênticos de três jovens pilotos australianos, abatidos em abril de 1944, que foram resgatados e ali sepultados.

Um túmulo constantemente visitado e lembrado é o do Padre João Maria. Devotos de vários lugares do estado não deixam de ver e rezar perante o jazigo onde já estiveram os restos mortais do padre que foi considerado um santo pela fé popular. Os restos mortais do Padre João Maria estão depositados na Igreja de Nossa Senhora de Lourdes, em Petrópolis. No entanto, os fiéis desconsideram essa informação e continuam a acender velas e deixar ex-votos diante do túmulo.

Um exemplo de esquecimento é o mausoléu de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Esse homem foi um homem público influente em fins do século XIX e início do século XX no Rio Grande do Norte. Além de criar o partido republicano criou também o jornal A República, e seu mausoléu encontra-se abandonado por não existir mais nenhum membro da família que more em Natal ou na região, para cuidar e manter a enorme sepultura que tem a forma de um templo romano. Tal túmulo não possui aforamento por ter sido construído pelo governo do estado e talvez por isso não exista nenhum familiar interessado em manter e cuidar do jazigo.

Uma das curiosidades do cemitério é ser a única área da cidade que tem uma ala dedicadas aos Judeus. No abandono da quadra murada exclusiva para os membros da comunidade judaica/israelita em Natal também é notório o esquecimento. O conjunto de lápides com inscrições na língua hebraica e com a famosa estrela de Davi não chama tanta atenção quanto as sepulturas enormes e suntuosas.

“Como eu já disse, a história do cemitério são essas estátuas. Chegava
uma pessoa e fazia toda aquela estátua, dizia assim: ‘este aqui é de
João Câmara, isso assim, assim, assim… ‘ Pronto, ele disse tranquilo.
‘É um soldado?’ ‘Não é!’ ‘Isso é um santo?’ ‘Não é!’ Ele fez isso aqui,
assim, João Câmara era o maior comerciante de Natal de Sisal, esse
material que fazia corda, pronto, agave. Você vê que ela está em cima
de um fardo, representando o comércio e ele representando o
trabalhador”.

Raimundo Francelino da Silva

Quem está enterrado ali?

Se a história por trás do cemitério guarda uma parte da história de Natal, o local remonta a história do estado. Estão sepultados no jazigo personalidades potiguares, como Café Filho – único Presidente da República nascido no estado – Pedro de Albuquerque Maranhão, mais conhecido como Pedro Velho – governador que proclamou a República no RN – e o maior religioso popular da cidade, o padre João Maria, o pioneiro no processo de industrialização no Rio Grande do Norte, Juvino Barreto, ainda tem o poeta Henrique Castriciano e sua irmã Auta de Souza, bem como dos anônimos com histórias únicas, como os ex-combatentes da 2ª Guerra Mundial.

Algumas tumbas, como as do ex-senador João Câmara e do médico Januário Cicco – que dá nome a maternidade estadual localizada na Zona Leste da cidade – chamam a atenção pela riqueza arquitetônica. No túmulo do médico, por exemplo, a mobília da família era guardada dentro do túmulo.

Em abril de 1856, quando o Cemitério foi inaugurado, o Presidente Antonio Bernardo de Passos informava ter adquirido um carro fúnebre em razão da “grande distância entre o Cemitério e esta Cidade”. Na atualidade a fachada do Cemitério é decorada com orquídeas pintadas por João Batista, morador do bairro.
Tumulo da Família Cicco | Foto: Mateus Angelo | Januário Cicco é um dos mais importantes nomes da medicina potiguar de todos os tempos. Nascido em São José de Mipibu, se formou na Faculdade de Medicina da Bahia e retornou para Natal para instalar um consultório na casa dos pais. Foi fundador da Maternidade Escola que hoje leva seu nome, além de ter criado o primeiro Banco de Sangue e o primeiro Serviço de Pronto Socorro do Rio Grande do Norte. O mausoléu da família Cicco se destaca ao olhar dos visitantes do Cemitério do Alecrim. O Dr. Januário Cicco, viveu a pior dor humana, em 1937, perdeu a esposa e a filha. Iaperí Araújo, relata: “Homem afeito à convivência em sociedade, alegre e bonachão, fechou-se na tristeza da dor e da saudade[…]”. a Maternidade Januário Cicco e o Hospital Universitário, tem a digital desse grande ser humano. Em 2011 o Cemitério do Alecrim, foi reconhecido como Patrimônio Cultural da cidade de Natal, ato importante para sua preservação. Como em outras cidades do mundo a cidade dos mortos tem de ser melhor cuidada, em respeito aquém lá repousa, mas também como lugar de aulas de história e de visitação turística.
Fonte: ARAÚJO, Iaperí. Januário Cicco: um homem além do seu tempo. Natal: EDUFRN, 2000. CABRAL, Iericê Duarte. O repouso póstumo do natalense no cemitério do Alecrim. Natal: Imagem Gráfica, 2006.
Projeto: Das ruas às redes: Quinta da História
(Texto e foto: Prof. Luciano Capistrano)
Túmulo do ex-senador João Câmara | Foto: Mateus Angelo | Nascido em Taipu, João Câmara era um importante fazendeiro do estado. Criava gado e plantava algodão e é considerado um homem fundamental para o desenvolvimento do município de Baixa Verde, que hoje leva o seu nome. Foi deputado estadual em 1934 e senador em 1947. Quando morreu, era um dos nomes mais cotados para assumir o Governo do Rio Grande do Norte.
Túmulo do Padre João Maria | Foto: Mateus Angelo | Considerado um santo por muitos, João Maria Cavalcanti de Brito nasceu em Jardim de Piranhas e esteve à frente da antiga Catedral potiguar, em 1881. Foi muito conhecido por seu trabalho na área social, ajudando na luta contra a varíola, trabalhando fortemente pela libertação dos escravos – o que lhe rendeu o apelido de Pai dos Negros Forros. Criou a Escola São Vicente, destinada a crianças carentes e morreu em 1905, vítima de varíola. Sua morte abalou a cidade e, desde então, é considerado como “O Santo de Natal”.
Túmulo do ex-governador Pedro Velho | Foto: Mateus Angelo | Médico, farmacêutico e proclamador da República do Rio Grande do Norte, se tornou o primeiro governador do estado. Foi o fundador do jornal “A Republica” e foi um dos mais importantes e influentes políticos da história do RN.
Túmulo do ex-presidente Café Filho | Foto: Mateus Angelo | Café Filho foi o primeiro potiguar da história a assumir a Presidência da República. Cristão protestante, há controvérsias sobre o local de seu nascimentos; uns defendem que foi em Natal e outros que foi em Extremoz. Trabalhou como jornalista e atuou como goleiro do Alecrim Futebol Clube. Em 1934 foi eleito deputado federal pelo Rio Grande do Norte. Em 1950 teve seu nome imposto para a Vice-Presidência da República e assumiu em 1954, após o suicídio de Getúlio Vargas.
Túmulo do Folclorista Câmara Cascudo | Foto: Mateus Angelo | Historiador, antropólogo, advogado, jornalista, secretário de estado e folclorista – considerado, inclusive, o maior de todos os tempos -, foi um dos maiores estudiosos da História do Rio Grande do Norte. Sua obra é gigantesca e engloba mais de 150 volumes. Nasceu e morreu em Natal, cidade que ele tanto amava, vivendo até aos 87 anos. Hoje é impossível falar de cultura do RN e não falar de Câmara Cascudo.
Tumulo do Desembargador Floriano Cavalcanti | Foto: Mateus Angelo | Apesar de ter nascido em Belém/PA, era filho de famílias tradicionais potiguares. Veio para Natal, estudou em escolas como o Atheneu, se formou advogado e voltou a ensinar na escola. Foi deputado em 1926 e candidato ao Governo do RN em 1950, perdendo para Dix-Sept Rosado Maia. Destacava-se pelos seus incríveis discursos de orador nato.
Túmulo de Luiz Soares | Foto: Mateus Angelo | Luiz Soares nasceu em 1888 na cidade de Açu e formou-se em pedagogia em Recife. Foi chamado pelo Governo do RN para empreender um programa de construção de grupos escolares no interior. Contribuiu para a construção do Instituto Padre Miguelinho (doando o terreno para o estado) e foi fundador do primeiro Grupo de Escoteiros do Rio Grande do Norte.
Cemitério do Alecrim | Foto: Elpídio Júnior
Djalma Maranhão é considerado um dos principais prefeitos da História de Natal. Foi o primeiro prefeito eleito via eleição direta. Criou o projeto “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, que até hoje é uma referência quando se fala em alfabetização. Foi cassado durante a Ditadura Militar e morreu exilado em Montevidéu, Uruguai, aos 55 anos de idade.
Túmulo do Soldado Luiz Gonzaga | Foto: Mateus Angelo | O Soldado Luiz Gonzaga foi assassinado em 1935 durante a INTENTONA COMUNISTA NO RN, que findou em um governo comunista de 4 dias em Natal. Luiz resistiu a ação dos soldados comunistas e morreu fuzilado. É considerado um dos heróis da PM/RN.
Túmulos dos americanos | Foto: Mateus Angelo
Durante a II Guerra Mundial, Natal foi uma importante base dos Estados Unidos e em 15 de abril de 1944 três soldados ingleses foram abatidos próximo à costa do Rio Grande do Norte. Eram eles: Sargento R. J. Uden (21 anos), Sargento W. J. Poling (22 anos), Oficial piloto G.D. Morris (23 anos).
Já não existe mais espaço no chão, nem nos muros do Cemitério do Alecrim. Toda essa parte pertence a uma associação do Passo da Pátria que aluga o espaço durante três anos para quem não tem terreno em cemitério.
Esse é o jazigo que mais chama atenção no cemitério do Alecrim. Pertencente à Maçonaria do Rio Grande do Norte, chama mais atenção, inclusive, que o túmulo de Pedro Velho, que parece um apartamento de 49,5 m².
Túmulo do Senador João Câmara, com estátua do Deus Hermes (do comércio), sentado sobre um fardo de algodão (objeto da atividade empresarial de Câmara). / Para os familiares e chegados, Câmara era chamado “Coronel Vanvão” (apelido comum para João, ao lado de “Janjão”). O túmulo que tem essa cruz em mármore branco com dois túmulos preto um a direita outro a esquerda é o túmulo da família Galvão. Por que dois? Um lado o sexo feminino e no outro sexo masculino. Estão: Ex prefeito Olavo João GALVÃO, oJoão Galvão e senhora, os João Crisóstomo Galvão e senhora. Fica na lateral de Januário Cicco e ao lado desse outro preto de J.Camara. Depois vem os Pedrosas e Magalhães e os Veigas e Brandão do Café S.Luiz.
Túmulo Padre João Maria.
Os restos mortais do pe João Maria foram transladados para a igreja Nossa Senhora de Lourdes no bairro de Petrópolis na década de 1970, no cemitério do Alecrim permanece apenas o jazigo como memorial de seu sepultamento.
Esses os jazigos no Cemitério de Alecrim, pertencem a Associação dos Escoteiros do Alecrim: 1°- O do professor Luiz Soares e o 2° – da nossa antiga Associação.
Cemitério dos Judeus
Mausoléu da Liga Operária e Artística Norte-Riograndense.

Americanos

Sempre que vou ao Cemitério do Alecrim para visitar os túmulos de alguns parentes e, depois de uma certa idade, de alguns amigos, não deixo de dar uma passadinha para observar a única lápide de um militar norte americano que aqui esteve durante a Segunda Guerra Mundial e que permanece repousando em solo potiguar.

Natal, que chegou a ter um cemitério temporário durante a Segunda Guerra Mundial.

A capital potiguar foi um grande ponto de apoio para milhares de militares norte-americanos que utilizavam o famoso “Trampolim para a vitória”, para seguir além do Oceano Atlântico, ou para voltar para seu lar. Devido à vinda de combatentes feridos de outras frentes de batalha e que expiravam em Natal, ou por ferimentos causados em combates contra submarinos inimigos em nossas costas, a queda de aeronaves, doenças e as mais diversas causas, estiveram enterrados no cemitério do Alecrim durante o período da guerra 146 militares estrangeiros.

Segundo consta no livro “História da Base Aérea de Natal”, de Fernando Hippólyto da Costa (Págs. 157 a 160), quase dois anos após o fim do conflito, no dia 10 de abril de 1947, um navio da marinha americana aportou em Natal, com uma equipe de especialistas destinados a trabalharem na remoção dos americanos aqui sepultados.

Segundo o autor, militar aposentado da Força Aérea Brasileira-FAB, esta operação contou com o apoio de aviões da FAB, que trouxeram de outras localidades brasileiras os corpos dos americanos ali enterrados. Para se ter uma ideia desta operação, o autor de “História da Base Aérea de Natal” informa que foram trazidos corpos de americanos que estavam sepultados até na cidade pernambucana de Petrolina.

A movimentação chamou a atenção da população natalense, que passou a denominar jocosamente o trabalho como “Operação Papa-defunto”. Mas um dos corpos não retornou para os Estados Unidos.

Já faz um tempo que não visito o local de descanso eterno deste militar americano. Mas em uma ocasião, acompanhado de outros amigos, conseguimos autorização da administração do Cemitério do Alecrim para que fosse retirado um pouco da terra que cobre o túmulo, deixando a mostra os textos gravados na lápide, que é idêntica às milhares existentes nos vários campos santos militares americanos.

A pedra tumular, já bem desgastada, é levemente arredondada na parte superior e nela encontramos uma cruz latina para os cristãos. Conforme se vê na inscrição inserida no mármore branco, ali repousa o sargento Thomas N. Browning, oriundo do estado de Ohio.

Quando da sua morte ele era um jovem de apenas 22 anos, nascido em 25 de junho de 1922, um domingo e falecido coincidentemente em outro domingo, 18 de julho de 1943. Através de sua pedra tumular, que o sargento mesmo estava em Natal lotado junto ao 22 AAF Weather Sq., também conhecido como 22 Expeditionary Weather Squadron. Esta era uma unidade de meteorologia e em Natal esta unidade especializada estava subordinada diretamente ao Air Transport Command – ATC, o setor da Força Aérea dos Estados Unidos destinado a transportar por aviões tudo que fosse necessário para abastecer as tropas americanas em combate em todo o planeta.

Segundo pude apurar, sem confirmação documental, a morte do sargento Browning teria sido provocada por uma doença e isso acabou criando versões sobre o falecimento do militar. Para alguns teria sido alguma moléstia sexual, contraída em um dos vários cabarés que atendiam os americanos em Natal e região.

Devido a sua morte ter ocorrido pela situação anteriormente comentada, a sua família teria ficado extremamente envergonhada e decidiram deixar o corpo do seu ente querido para trás. Tentavam evitar a vergonha perante os membros de sua comunidade religiosa.

Através dos escritos deixados pelo respeitado jornalista e advogado macaibense, Edilson Cid Varela, que na época da guerra era correspondente da Agência Meridional de notícias em Natal, pudemos conhecer mais sobre o sargento Browning. Em uma extensa reportagem publicada no jornal “Diário de Natal” e reproduzida no periódico carioca “Diário da Noite”, edição de quarta-feira, 31 de maio de 1945, entre outros assuntos, Edilson comenta que conheceu o sargento em 1943 e o chamava de Tom Browning.

Informa que o mesmo chegou a Natal depois de passar dois meses em uma base aérea na Bahia. O sargento era natural da cidade de Cincinnati e era tido como uma pessoa calma e tranquila. O estrangeiro estava extremamente empenhado em aprender português e era o próprio Edilson Varela quem lhe ministrava estas aulas.

Talvez estas aulas servissem para ele se comunicar com alguém da nossa região com maior facilidade e intimidade. Mas o interessante é que em nenhum momento na reportagem de Edilson Varela, existe algum comentário sobre uma pretensa noiva natalense do sargento Browning. Um dia o militar americano deixou com o jornalista macaibense um livro que em português, que mandou vir do Rio de Janeiro para ajudar em suas aulas. Daí seguiu para seu turno de serviço em Parnamirim Fiel e simplesmente desapareceu.

Edilson conta que seis dias depois foi à base e passou a procurar o amigo nas mais de “900 alojamentos para oficiais e soldados” que existiam na área militar em 1943. Quando finalmente localizou o alojamento do sargento, houve o seguinte diálogo com um militar ali presente.– Tom Browning está? E lhe responderam:– Esteve até ontem. Morreu. Sem dar maiores detalhes sobre a causa da morte do americano que gostava de nossas praias.

O professor Protásio, falecido em 2006, foi autor do livro “Contribuição norte-americana a vida natalense” e também tratou da questão da morte do sargento Browning (Págs. 72 e 73). Afirmou que a partida por via marítima dos corpos dos militares americanos enterrados em Natal ocorreu no dia 25 de abril de 1947 e tal como o jornalista Edilson, também deu aulas de português ao sargento Browning. O professor Protásio comentou em seu trabalho literário que o túmulo de Browning foi construído no cemitério do Alecrim por seu intermédio, a pedido da família do falecido. Logo após a construção do túmulo, por solicitação do pai do sargento, o Comando da Base de Parnamirim publicou a seguinte nota:“In memory of Sgt. Thomas N. Browning, Air Corps, born in Cincinnati, Ohio, June 15, 1921. Died July 18, 1943, in the service of his own country, in the services of Brazil and the Brazilian People, and the service of all who love liberty an freedom throughout the world. The memorial war erected by his own family and his friends in Natal.

Mesmo sem o sargento Browning ter morrido em combate, derramando seu sangue em solo estrangeiro e tombando junto a seus companheiros de farda, algo fez com que a sua família da distante Ohio decidisse deixar seu parente em nossas terras. Entre outras possíveis razões, em minha opinião, esta questão aponta para uma das melhores características existentes no povo da minha terra; a sua enorme facilidade de acolher e fazer amizades com aqueles que vêm de fora.

Cemitério dos Americanos.
Túmulos de combatentes da Segunda Guerra Mundial (Foto: Reprodução/ Inter TV Cabugi).
SARGENTO THOMAS N. BROWNING, O ÚNICO MILITAR AMERICANO ENTERRADO NO CEMITÉRIO DO ALECRIM .
SARGENTO THOMAS N. BROWNING, O ÚNICO MILITAR AMERICANO ENTERRADO NO CEMITÉRIO DO ALECRIM .
O embarque no porto de Natal dos corpos dos militares americanos em 1947.
Jornal carioca Diário da Noite, com a reportagem de Edilson Varela.
O professor Protásio Melo junto a placa do SCBEU – Sociedade Cultural Brasil-Estados unidos.

Presença incomoda:

O ALECRIM – No bairro do Alecrim mora, talvez, mais de um terço da população natalense. Antigamente, o bairro era de operários e de gente pobre. Mas, a expansão de natal para todos os lados fez do Alecrim um bairro que offerece hoje, á vista dos passantes, grande numero de residências burguesas, com as suas varandas amplas enfeitadas de trepadeiras e o quintal ao lado, com um jardim e algumas arvores. O que entristece o Alecrim é o cemitério, no centro do bairro, em uma de suas ruas mais movimentadas, surgindo aos olhos de quem passa como uma recordação constrangedora e pungente. De resto, o Alecrim é um bairro alegre, se estendendo do Baldo á Lagôa Secca com os seus sítios, os seus pequenos pomares, as suas mangueiras e os seus coqueiros (COMO…, 1936, p. 01).

O povo do Alecrim reclamou da Municipalidade a retirada do Cemitério para lugar mais distante […]. O Alecrim é actualmente um ponto movimentado e não devemos nos admirar si dentro em pouco, depois do grupo escolar [Frei Miguelinho], em via de conclusão, e da capella do velho Chaveiro do Infinito, se lembrarem por lá, de fazer um garrido jardim, onde alguma “Enterpe” local faça as delícias daquella gente tão dada ás distrações e ás festas. E talvez para completar a serie de melhoramentos exijam a retirada do Asylo, inconveniente no ponto terminal dos eléctricos, para a instalação do já decantado cinema, que o “Chiste” houve por bem denominar “Caminho do Céu”, nome aliás suggestivo e sem alusões… E depois disso, que mais faltará ao Alecrim, a não ser que pretendam transferir, para lá, a futura cidade? (REPAROS, 1912b, p. 01).

Em 1909, por meio da resolução nº 135, o Conselho de Intendência autoriza o seu presidente, ainda o coronel Joaquim Manoel, a contratar, com o coronel João Chrisostomo Galvão, importante proprietário local, o aluguel de uma casa situada no ângulo da Rua Vigário Bartolomeu com a Ulisses Caldas, na Cidade Alta, pelo prazo máximo de cinco anos. Em algum momento entre os anos de 1909 e 1912, essa mesma casa deve ter sido comprada ao coronel João Chrisostomo, visto que a resolução de nº 167/1912 autoriza o presidente da Intendência a vender “a casa de propriedade desta Intendencia, situada no angulo das ruas Vigario Bartholomeu com a Ulysses Caldas” (RESOLUÇÃO Municipal nº 167. A Republica, Natal, 31 dez. 1912.), pelo valor de seis contos de réis. A venda do imóvel, recentemente comprado, devia-se à necessidade dessa instituição de arrecadar verba para a construção de um novo cemitério no subúrbio da capital – a se localizar na margem oriental da Avenida Coronel Estevam – , segunda consta no artigo 2º da citada resolução. O novo cemitério não veio; a cidade teve de se contentar com o já existente, no Alecrim, região da cidade tornada oficialmente bairro em 1911.

Por fim, é importante notificar o papel cumprido pelo serviço de profilaxia rural ao instalar um posto avançado em 1924 no bairro do Alecrim, situado na rua onde está localizado o cemitério da cidade. A instalação desse posto teve o intuito de efetivar um trabalho que no Brasil inteiro vinha sendo desenvolvido e que dizia respeito essencialmente ao tratamento das infestações de verminoses, muito comum em meio à população pobre, bem como um trabalho de educação sanitária que o Estado assumiu
com o fim único de evitar a proliferação dos famosos Jeca-tatus, personagem inventado pelo escritor Monteiro Lobato.

No início do século XX, o cemitério teve como administrador Cândido José de Melo, que faleceu aos 84 anos. As imagens do cemitério e de seu “cuidador” eram tão indissociáveis que muitas pessoas o tinham como proprietário do campo santo, denominando de “o sítio de seu Candinho”.

“As ruas, como eu falei, eram quase todas de areia, então, a primeira
opção era jogar bola, era a principal brincadeira nossa, jogar bola. Aqui
no Alecrim, tinham vários campos, campos onde se jogava, a gente
jogava pelada, que era ali na 9, nos fundos da Padre Miguelinho, o
Campo do Ponte Preta, era ali próximo ao Nordestão [depoente tosse].
Tinha o Campo Mossoró, ficava entre a 2 e a 1, mais ou menos atrás do
Nordestão, chamava-se Campo Mossoró. Tinha Outro campo onde hoje
é a Vila Naval, que antes de ser construída a Vila Naval era pensamento
da Prefeitura construir um outro cemitério para Natal, era chamado
Campo do Cemitério Novo”.

Magno Fernando Vila

Aproximação

Com o crescimento da população da cidade e a procura de pessoas de cidades próximas para sepultar seus entes queridos no cemitério do Alecrim foi necessária uma ampliação. A expansão urbana de Natal e de sua população exigiu, inclusive, a ampliação e reformas do cemitério ao custo de desapropriações no seu entorno e de mudanças estruturais nas configurações de seus espaços e acessos.

Desde os primeiros anos do século XX já se falava em ampliação do cemitério, mas apenas em meados de 1930, incentivada pelo prefeito Gentil Ferreira de Souza, prefeito de Natal nos anos de 1931-1932 e de 1935-1940, realizou-se a grande reforma que expandiu o espaço para sepultamentos no cemitério. Conforme edição do jornal A Ordem de 07 de junho de 1936, houve um notável investimento no local nesse ano, sob a administração do prefeito Gentil Ferreira. A reforma incluiu a reconstrução da capela que, com a expansão do espaço para enterramentos, passou a ter uma referência mais central no campo santo, enquanto isso, a condição de “área nobre do cemitério” atribuída ao entorno dela já havia sido substituída pela suntuosidade valorativa de seu portão de entrada frontal e pela pompa arquitetônica e artística dos túmulos que enaltece até hoje a via interna que parte desse acesso principal.

O cemitério público foi reformado pela Prefeitura, de 1933 a 1940, de acordo com um plano preestabelecido, sendo duplicada a sua área e dividido sistematicamente em ruas retangulares, convenientemente calçadas e designadas por nomes de Santos, com as respectivas placas. O cemitério do Alecrim continuava a ser o nosso único Campo Santo, “onde o cipreste chora noite e dia a música dorida de saudades pungentes”.

No século XX, sabe-se, a necrópole conviveu com uma vastidão de eventos históricos com relevantes impactos sociais na capital potiguar; alguns marcados por repercussões nacionais ou mesmo globais. Os registros, símbolos e menções em efígies, esculturas, monumentos e epitáfios sobre situações históricas fazem do Cemitério do Alecrim não apenas personagem, mas extensão museológica da história e da diversidade humana atuante na cidade em diferentes conjunturas do século passado.

Nesse sentido, é possível explorar expressões e referências locais a diversos eventos, personagens e aspectos constituintes ou relacionados à cidade em diferentes conjunturas daquele século, tais quais: o protagonismo local na Intentona Comunista de 1935 e na II Guerra Mundial; as expressões da diversidade artística e religiosa local; os aspectos relacionados às atividades da maçonaria, do movimento republicano, da comunidade judaica local, dos destaques econômicos e da atuação sindical na cidade; as referências à arquitetura, à educação, à cultura, à literatura, à saúde, à justiça, à história e a tantas outras dimensões estruturantes da sociedade natalense contemporânea. Dentre os personagens importantes enterrados no cemitério destacamos: Luís Câmara Cascudo, Djalma Maranhão, Pedro Velho e Albuquerque e Maranhão, Manoel Segundo Wanderley, Cel. Urbano Joaquim de Loyolla Barata, Padre João Maria, Cel. Joaquim Etelvino Bezerra da Cunha, Izabel Urbana e Albuquerque Fondim.

Tal heterogeneidade referencial caracteriza o Cemitério do Alecrim não apenas como um espaço específico da diversidade historiográfica local, mas, sobretudo, como uma vitrine pluralista da memória urbana e do patrimônio imaterial natalense. Em seu interior ainda é possível constatar a prática espontânea dessa natureza patrimonial, como os rituais de devoção no túmulo do padre João Maria e a tradição de celebrações públicas defronte a pequena capela em datas específicas do ano, tais quais Dia das Mães, Dia dos Pais e Dia de Finados.

Atualmente, o Cemitério do Alecrim é oficialmente reconhecido como patrimônio histórico de Natal. O tombamento ocorrido no dia 02 de novembro de 2011, se deu através do decreto 9.541/2011, assinado pela então prefeita Micarla de Souza. O trajeto temporal do seu surgimento na Natal oitocentista até o seu reconhecimento como patrimônio histórico do município no Século XXI foi permeado por considerável variedade de intercorrências, significações e referências relacionadas a esse espaço público nas diferentes conjunturas que moldaram o cenário urbano e social da capital potiguar durante esse período histórico.

Independente das percepções e significações subjetivas atribuídas a esse espaço patrimonial de Natal, sua relevância memorial e identitária é reconhecidamente indissociável do cenário e da história recente da urbe. De localidade periférica a referência central na cidade, de ideia profana a espaço sagrado na mentalidade religiosa local, o Cemitério do Alecrim moldou-se às permanências e transformações da cidade. Absorveu elementos das culturas, das religiosidades, das relações de poder e dos perfis humanos da capital potiguar em diferentes épocas e condições. Com a expansão da cidade, precisou igualmente expandir seu espaço e, tal qual a cidade, não tem mais espaço para crescer na atualidade. Porém, sua dimensão material atrelada às memórias afetivas e representações sociais de tantas gerações, de tantos cenários e de tantos atores históricos, não lhe permite ser concebido apenas como local de repouso dos mortos, mas, sobretudo, como uma memória viva da cidade do Natal (RN).

Túmulo no cemitério do Alecrim 1986. Acervo A República
Túmulo do Padre João Maria. Foto: Doralice. Acervo A República
O túmulo mais alto, à direita, abriga os restos mortais de Juvino Cezar e Ignez Augusta Barreto.
Túnel do tempo: atual av. Rafael Fernandes, lateral do cemitério do alecrim. Ao fundo vemos o Rio Potengi.
( Foto colorizada por Eduardo Alexandre Garcia / atual Google ).

Lendas

A consolidação do cemitério é a definição daquele espaço como lugar de referência para o crescimento urbano de Natal, para o povoamento do bairro do Alecrim e, por causa disso, a necrópole causa um impacto no imaginário social de toda a cidade, o que, como resultado, produz novas lendas, crenças e práticas que se tornam populares num novo cenário citadino. A presença do Campo Santo altera de tal forma a experiência urbana de Natal que o impacto é sentido no próprio imaginário.

Alguns registros são encontrados. Gumercindo Saraiva vai abordar, na obra Lendas do Brasil, dois capítulos relacionados ao Cemitério do Alecrim: A cruz do oitizeiro e Alma do cemitério do Alecrim assombrando vendedores de pães em plena madrugada. Diz ele:

“Oitizeiro era um logradouro que mantinha um conjunto de banheiros, beirando o Rio Potengi, ao lado da atual Avenida Rafael Fernandes, começando nas primeiras residências na Rua Apodi, em Natal. Segundo a tradição, quando começaram a construção do Cemitério do Alecrim, houve falta d’água e os serventes iam busca-la nos olheiros do Oitizeiro. Para alcançar os poços tinham que atravessar as linhas férreas da Great Western, e, dessa forma, certa vez, uma máquina, vinda de Nova Cruz, matou um operário que trazia na cabeça uma lata d’água.

Os moradores daquela redondeza chantaram uma cruz, como era tradição, marcando uma das crendices mais antigas, herdadas de Portugal. No ano de 1925, residimos por alguns meses na Rua Manuel Vitorino, bem próximo àquele instrumento (…). E, segundo ouvimos dizer, em noites escuras, as pessoas transitando à procura do Alecrim, viam o operário, com a lata na cabeça, pedindo piedade para o seu espírito, invocado naquela cruz completamente abandonada”

A segunda lenda é narrada assim:

“Na década de 30, todo o bairro do Alecrim ficou em suspense, visto que muitas pessoas assistiram, em plena madrugada, a uma alma de outro mundo, sentada no muro do cemitério, observando quem passasse pela Rua América, hoje Alberto Torres. Ainda escuro, transitava um vendedor de pão, com um enorme balaio na cabeça. E aquela figura exótica, mirando o transeunte, teria perguntado em voz maviosa:

– Que horas são? O senhor leva pão nesse balaio?

O vendedor, assustadamente, jogou o balaio no chão e saiu correndo à procura da Rua Manuel Venturino, dizendo:

– Vi uma alma do outro mundo debruçada no cemitério, pedindo pão para matar a sua fome…

O fato é que ninguém, a partir daquele momento, quis mais atravessar aquela rua, com medo da assombração. Dizem que, de tempos em tempos, era comum o aparecimento da misteriosa figura. E houve pessoas que, semanalmente, à tarde, deixaram pães em cima do muro, num gesto de clemência para com aquela alma piedosa”.

Mas em relação a esta lenda, Saraiva explica:

“Depois de 40 anos, soubemos, por amigos, que, efetivamente, numa noite de boêmia do Sr. Júlio Pinheiro do Carmo, figura popularíssima em sua mocidade, que frequentava os bares da Ribeira, teve ele o impacto de saber da morte do pai por um garçom do Majestic. Julinho, como o chamávamos na intimidade, ao saber da ocorrência, foi à casa do falecido, sendo informado que o cadáver já estava no necrotério. Como o portão central do cemitério estava fechado, Júlio Pinheiro do Carmo procurou penetrar pela lateral, isto é, pela Rua América, encontrando o morto, no caixão. Ali fez uma oração ao seu modo. Já o dia estava clareando, e o visitante, não encontrando o portão por onde penetrou, escalou o muro. Passava por ali, naquele exato momento, um vendedor de pão. E como é natural, perguntou-lhe: – meu chapa, que horas são?”

Um problema dessa explicação da Alma Assombrando Vendedores de Pão é que nenhum funeral na década de 1930 seria tão rápido. Segundo a história contada pelo cronista, Júlio do Carmo teria descoberto que seu pai morrera e no tempo de chegar em casa o caixão já teria sido levado para o cemitério e enterrado. Os velórios naquela época costumava durar pelo menos uma madrugada inteira, com o enterro acontecendo pela manhã, para a história de Julinho ser verdadeira, ele teria que ter passado pelo menos dois dias em “sua noite de boêmia”.

Saraiva dá uma segunda possibilidade de explicação:

“Como antigamente era muito comum a realização de farras dentro do cemitério do Alecrim, fatos dessa natureza ocorriam sempre. Daí existir uma versão envolvendo a figura do saudoso Luís Cortez, funcionário do Atheneu e possuidor de uma cigarreira na avenida Rio Branco (Zepelim). Luís acompanhou um enterro, já à noitinha, de debaixo de um ficus benjamim, adormeceu. De madrugada, procurou pular o muro a fim de ir para casa. Na ocasião, passava um vendedor de cuscuz, ocorrendo a mesma cena”.

O interessante desta segunda explicação é a descrição do hábito de “beber o morto” no próprio cemitério. Os amigos reuniam-se e bebiam em honra do morto. E, pelo que conta, essa homenagem não era apenas um dose de bebida, mas verdadeiras festas que deixavam muitos dos participantes bêbados.

“Passear por aqui é uma aula de história. É você exercer sua cidadania e rememorar tudo o que se passou na nossa cidade”, finaliza Duarte.

O Cemitério do Alecrim foi construído em 1856, pelo presidente da Província, Antônio Bernardo de Passos. Entre as histórias que explicam a construção do equipamento, duas se destacam. A primeira é referente a um surto de cólera e a necessidade de um local para enterrar aqueles que não resistiram à doença. A segunda seria por ‘segurança’. Os boatos da época diziam que o cemitério das Rocas, o primeiro de Natal, estava assombrado. Por este motivo, era necessário que os túmulos ficassem o mais afastado possível da cidade.

Curiosidades

Fotografo dos mortos: Jaeci Galvão, o grande fotografo que fez inúmeros registros de Natal Antiga, abriu a sua primeira loja “Foto Jaeci” no ano de 1948, estrategicamente na rua do cemitério do Alecrim (Rua Amaro Barreto, no bairro do Alecrim). A proximidade com o cemitério favorecia o registro dos velórios e enterros que eram fotografados na época: algum parente ou conhecido da pessoa falecida ia até seu estabelecimento para contrata-lo a fim de fazer o registro fotográfico da família em volta do caixão. Era comum também, segundo Jaeci (Entrevista de Jaeci Galvão dada a Preá Revista de cultura, Natal, setembro de 2004, p. 08.), que os “anjinhos”, pessoas falecidas na infância, fossem fotografados no caixão durante cortejo do velório. Vale ressaltar o grande índice de mortalidade de crianças no estado nesse período, sendo esse um negócio lucrativo para os profissionais da fotografia no início da carreira. As fotos, posteriormente, eram copiadas e distribuídas entre parentes e amigos com uma dedicatória no verso escrita pela mãe do falecido. Jaeci passou rapidamente do comércio das fotografias de “anjinhos” e de documentos para a cobertura fotográfica de eventos sociais e paisagens urbanas.

Hino russo não: Enfim, o momento esperado por tantos: a 5 de maio de 1945 dava-se a queda de Berlim e a 8 a Alemanha rendia se. Terminava a Segunda Guerra Mundial, que tanto prejuízo deu ao mundo e tantas modificações trouxe à vida da pequena Natal. o dia 5 houve missa campal, visitas aos túmulos dos soldados americanos no cemitério do Alecrim e sessão solene no Teatro Carlos Gomes. O dia 8 foi feriado nacional. No dia 10, outra sessão solene realizou-se no Teatro Carlos Gomes. Entre cada discurso ouvido, pianistas da cidade tocaram os hinos nacionais dos países vencedores: Lygia Bezerra de Melo (“Fantasia sobre o Hino Nacional Brasileiro”, de Gottschalk), Moisés Roiz, (“Hino Nacional Polonês”), Ethel Mandel (“Estados Unidos”), Maria Célia Pereira (“Inglaterra”), Yara Bezerra de Melo (“França”). A banda de música do Regimento Polícial Militar finalizou com o “Hino Nacional Brasileiro”. Faltou ser tocado o hino nacional da Rússia, país que desempenhou importantissimo papel na vitória dos aliados. Waldemar de Almeida, organizador do evento, não incluiu o hino russo por falta da sua partitura. Talvez fosse mais certo considerar-se que Waldemar havia propositalmente excluído a Rússia dos festejos. Seus princípios religiosos católicos não combinariam com uma homenagem a um país comunista.

Músico: O maestro Waldemar de Almeida está sepultado no túmulo da família no Cemitério do Alecrim, onde estão seu pai, mãe e outros parentes como Oriano de Almeida.

Januário Cicco: O trabalho cirúrgico era muito requisitado, e os casos de operações delicadas se multiplicavam. Em 1º de agosto de 1911, em Baixa-Verde, no município de Taipú, o funcionário da Estrada de Ferro Central Antônio Barbosa Filho teve um dos terços superiores da coxa esmagado pelas rodas de um dos vagões quando tentava passar de um para outro. Antônio, que tinha apenas 24 anos de idade, fora levado às pressas, transportado no mesmo trem que o esmagara, pelo maquinista João Franco até a cidade do Natal, onde fora operado com urgência pela equipe médica do HCJB. Infelizmente, horas depois do procedimento cirúrgico veio a falecer, sendo seu corpo levado ao Cemitério do Alecrim para sepultamento (A REPÚBLICA. Várias, 1 ago. 1911) O médico-cirurgião, em seu trabalho para salvar vidas, tinha de conviver também com a morte…

Aulas: A Faculdade de Medicina funcionava na década de 60 em determinados locais. Nós chegamos a ter aula no Hospital João Machado, na Maternidade Escola, no Hospital das Clínicas, chegamos a ter aula até no Cemitério do Alecrim, aula de Anatomia, quando não existiam os laboratórios da Faculdade eram usados os laboratórios particulares.

Bondes: A linha Alecrim – Cais do Porto trafegava de maneira satisfatória gera discórdia. A posição do cronista Danilo, de “A República”, ocasiona contestações por parte de outros colaboradores do próprio folhetim, que relatou que essa linha seria uma das mais problemáticas (A REMODELAÇÃO…, 1937). Os bondes dessa linha, de acordo com a réplica, estariam fazendo baldeações
impróprias em frente ao cemitério do Alecrim, prejudicando, assim, os usuários que teriam constantemente que trocar de veículo, arriscando-se a ter que pagar nova passagem ou a perder o bonde durante a troca.

“É o que eles sempre fazem livros, fazem história; Câmara Cascudo,
Henrique Castriciano, Pedro Velho, Padre João Maria, que eles fazem
muita história em cima disso. Aqui esteve um historiador, que eu já
disse até a você, ele esteve aqui e fez o sentido de cada um desses
túmulos. Por isso eu digo, a história do cemitério do Alecrim está
morrendo, está pedindo socorro”.

Raimundo Francelino da Silva

Fontes:

A construção da natureza saudável em Natal (1900-1930) / Enoque Gonçalves Vieira. – Natal, RN, 2008.

A MODERNIZAÇÃO DA CIDADE DO NATAL:O AFORMOSEAMENTO DO BAIRRO DA RIBEIRA (1899-1920). LÍDIA MAIA NETA. NATAL/Dez/2000

A REMODELAÇÃO de Natal pelo Saneamento, A Republica, Natal, ano 68, 2 jul.1937

Anuário Natal 2007 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2008.

Anuário Natal 2009 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009.

ANUÁRIO NATAL 2013 / Organizado por: Carlos Eduardo Pereira da Hora, Fernando Antonio Carneiro de Medeiros, Luciano Fábio Dantas Capistrano. – Natal : SEMURB, 2013.

Caminhos que estruturam cidades: redes técnicas de transporte sobre trilhos e a conformação intra-urbana de Natal / Gabriel Leopoldino Paulo de Medeiros. – Natal, RN, 2011.

CASCUDO, Luís da Câmara, História da Cidade do Natal. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

Centelhas de uma cidade turística nos cartões-postais de Jaeci Galvão (1940-1980) / Sylvana Kelly Marques da Silva. – Natal, RN, 2013.

COMO se mora em Natal, A Republica, Natal, ano 67, 15 mar.1936.

EMPREZA de melhoramentos do Natal: secção de transportes electricos. A Republica, Natal, 12 jul. 1912.

Lembranças de alunos, imagens de professores: narrativas e diálogos sobre formação médica / Lenina Lopes Soares Silva . – Natal, RN, 2006.

MELLO, Pedro de Alcântara. Natal de Ontem: figuras e fatos de minha geração. Natal: Sebo Vermelho, 2006. Edição fac-similar.

Memória minha comunidade: Alecrim / Carmen M. O. Alveal, Raimundo P. A. Arrais, Luciano F. D. Capistrano, Gabriela F. de Siqueira, Gustavo G. de L. Silva e Thaiany S. Silva – Natal: SEMURB, 2011.

Natal Não-Há-Tal: Aspectos da História da Cidade do Natal/Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo; organização de João. Gothardo Dantas Emerenciano. _ Natal: Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2007.

Natal, outra cidade! [recurso eletrônico] : o papel da Intendência Municipal no desenvolvimento de uma nova ordem urbana na cidade de Natal (1904-1929) / Renato Marinho Brandão Santos. – Natal, RN : EDUFRN, 2018.

Natal: história, cultura e turismo / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. – Natal: DIPE – SEMURB, 2008.

NESI, Jeanne Fonseca Leite. Natal Monumental. Natal: Fundação José Augusto,1994.

O nosso maestro: biografia de Waldemar de Almeida / Claudio galvão. – Natal: EDUFRN, 2019.

SAIR CURADO PARA A VIDA E PARA O BEM: diagrama, linhas e dispersão de forças no complexus nosoespacial do Hospital de Caridade Juvino Barreto (1909-1927).RODRIGO OTÁVIO DA SILVA. NATAL 2012

REPAROS, A Republica, Natal, ano 24, n.214, 25 set. 1912b.

Fontes de consulta: Brechando, G1, Todo Natalense, Tok de História, Natal das Antigas.

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