Rotisserie Natal

A modernização de Natal foi uma consequência direta das ações da administração pública em conjunto com várias intervenções privadas, ambas guiadas pelo desejo de adequar Natal ao modelo de civilidade e modernidade dos grandes centros urbanos do ocidente. Dessa maneira, quando as elites locais compunham um novo quadro nas sociabilidades a partir de novas regras de conduta, ou novos usos do espaço público, ela estava dotando a cidade de sentido. Portanto, as práticas definem os espaços elaborando e re-elaborando sentido sobre eles. Seriam exatamente a dotação de sentido dos espaços públicos e/ou instituições formais que impulsionariam as ações dos indivíduos. Logo a construção do sonho de modernidade materializava-se, dentre muitas outras; no sorvete da Rotisserie, na Estação Balneária de Areia Preta, nas soirées do Natal Club e nas partidas de futebol do Stadium Juvenal Lanartine.

AVENIDA JUNQUEIRA AYRES

A Junqueira Ayres, no final da década de 1920, era a avenida por onde passavam os bondes e os ônibus, desciam as normalistas e estudantes rumo à Escola Doméstica; rumo à Av. Tavares de Lira, iam-se às vitrines à moda parisiense, aos cafés e rotisseries e aos pontos chics de reunião, passear a elegância e o spleen de Natal; assistir as regatas no rio Potengi ou aos espetáculos e filmes do Cine-theatro Carlos Gomes e do Politheama.

A Avenida do Cais, porto seguro de quem parte ou chega a Natal, era também lugar de passeio das moças natalenses. Segundo Tinôco (1992), “as calçadas da Tavares de Lyira transformavam-se em passarelas, lugar de passeio de moças da Ribeira e até da Cidade Alta”. Podemos deduzir desta informação, que a moda feminina de Natal passava na Avenida Tavares de Lyra.

A Avenida Tavares de Lyra, por sua condição de Avenida do Cais, era o portal de entrada daqueles que chegavam à cidade pelo Rio Potengi. Esta característica fez desta avenida um dos lugares mais movimentados da velha Ribeira. Foi, inclusive, local de realização dos primeiros carnavais de rua.

A concentração do corso na Avenida Tavares de Lyra, consolidou o carnaval na Ribeira. Ali eram travadas as famosas batalhas de confete, que animavam os festejos momescos e coloriam todo o logradouro (NESI, 2002, p.119).

A Avenida, antigamente, foi local de ebulição cultural, local onde a elite política e econômica se reunia nos diversos cafés e bares. Em Natal do Meu Tempo, Guimarães (1999, p.135) lembra alguns destes lugares.

Centro comercial no início do século XX, a av Tavares de Lira, na Ribeira.

PÚBLICO

A Cova da Onça, o Anaximandro, o Aero Bar, a Rotisserie e o Café de Oscar Rubens, atraíam a freguesia seleta durante todo o dia, e à noite, até as dez horas. Desta hora em diante, porém, continuavam abertos, contando com a frequência dos que gostavam de festejar a noite, […] achando mais gosto na ‘prosa’ do que na bebida.

Para os intelectuais que escreviam nos principais jornais, o hábito de frequentar cafés ajudaria Natal a avançar em direção aos padrões de elegância e civilidade, essenciais para que a cidade adquirisse características de uma capital moderna. Segundo o cronista e memorialista João Amorim Guimarães, os cafés e bares da Avenida Tavares de Lira eram ―[…] ricamente instalados, em salões decorados a capricho, com mobiliário de luxo, prateleiras artísticas, mesas de mármore verdadeiro, garçons bem trajados, limpos, sociáveis, polidos, distintos e educados […] (GUIMARÃES, 1999, p. 141.). É o caso da Rotisserie Natal, restaurante situado à Avenida Tavares de Lira, nº. 78, que recebia a nata da sociedade natalense, entre eles jornalistas, políticos e comerciantes, para reuniões sociais, oferecendo a seus clientes queijos, presuntos, bebidas nacionais e estrangeiras. Esse estabelecimento era qualificado como elegante e civilizado, pois estava dentro dos padrões de estética e progresso pretendidos pelas elites da capital potiguar.

A Rotisserie Natal era um espaço de sociabilidade que possuía dimensões amplas, iluminação elétrica, diferenciando-se de construções de tetos baixos, com pequenos cômodos e iluminados a lampião. A foto a seguir mostra homens bem vestidos, sentados a mesa em uma reunião social. Notamos a ausência das mulheres.

Jantar oferecido ao jornalista Aderbal de França, na Rotisserie Natal. Fonte: Cigarra, Natal, ano 2, n. 3, abr. 1929, p. 37.
Rotisserie Natal anuncia o “arte culinarista” português Alfredo. E a “Despensa natalense” sortida para as festas
Rotisserie Natal anuncia o “arte culinarista” português Alfredo. E a “Despensa natalense” sortida para as festas.

Os anúncios de bares e cafés no jornal A República, nas primeiras décadas do século XX, mostravam estabelecimentos comerciais requintados e asseados, tais como o Café Chile, American Bar e Rotisserie Natal.

O lugar, que já abrigava os ilustres locais, também recebeu em 1928 o escritor modernista Mário de Andrade em sua passagem pelo estado. O momento está registrado no livro “O Turista Aprendiz”. Mário deve ter consumido queijos, presuntos, e bebidas nacionais e estrangeiras. Também deve ter apreciado o ambiente, que segundo as descrições tinha dimensões amplas e iluminação elétrica. A Rotisserie também procurava inovar, como quando trouxe um ‘arteculinarista’ português para caprichar no cardápio.

Diante dessa tentativa de modernização, foram criados vários espaços de cultura, educação e lazer (escolas, clubes, agremiações, cinemas, cafés), esses últimos se espalhavam pelos bairros da Ribeira e da Cidade Alta. A partir da década de 1920, os cafés e restaurantes recebiam uma maior frequência feminina. Essa frequência está registrada pelas lentes dos fotógrafos da revista Cigarra. A Cigarra foi uma revista publicada, em Natal, na década de 1920. Editada pelo jornalista Aderbal de França, contou com a participação de diversos colaboradores, entre eles: Edgar Barbosa, Luís da Câmara Cascudo, Ewerton Cortez, Damasceno Bezerra, Palmyra Wanderley e Jorge Fernandes. Essa publicação registrava os aspectos progressistas pelos quais a cidade e o país estavam vivendo. A intenção editorial era oferecer um novo instrumento e informação coadunados com os novos tempos.

Entre elas, há um flagrante da escritora Palmyra Wanderley no Restaurante Rotisserie, proseando com um grupo de amigas, todas com os cabelos, revolucionariamente, curtos e vestidas pelas melindrosas, que, de forma libertária, dispensaram os espartilhos, descolaram a cintura feminina antes tão marcada e subiram o tamanho da saia, a fim de adequar o vestuário feminino a esses novos modernos tempos.

Em fevereiro de 1927 chega a notícia que um hidroavião bimotor italiano, modelo Savoia-Marchetti S 55, estava atravessando o Atlântico em direção a capital potiguar. A aeronave havia sido batizada como “Santa Maria”, tinha como piloto o herói de guerra Francesco De Pinedo, tendo como companheiros o capitão Carlo Del Prete, e o sargento Victale Zachetti.

Os aviadores Carlo Del Prete e victale Zachetti não desceram a terra, tendo permanecido todo o tempo a bordo do avião, procedendo á limpeza interna do aparelho, no qual foram ajudados por dois marinheiros da Capitania dos Portos. “A Rotisserie Natal” forneceu-lhes almoço a bordo por conta do governo do Estado. Carlo Del Prete voltaria a Natal, em 5 de julho de 1928, em companhia de Arturo Ferrarin, quando bateriam o “recorde” na travessia Roma – Natal (Praia de Touros). Partiram pelas 15:30, rumando para Recife.

O “Santa Maria”
Esperando o sorvete na Rotisserie. Revista Cigarra, 1929. No centro, a poetisa potiguar, Palmyra Guimarães Wanderley, descendente do também poeta Manoel Segundo Wanderley.
Francesco De Pinedo
Avenida Tavares de Lyra. Foto: arquivo da SEMURB – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo.
A Rotisserie Natal foi, nos anos 20, também um lugar elegante para a época. Hoje ponto para uma loja de artefatos religiosos. Foto: Google Maps de 2023.

O QUE É UMA ROSSIERIE?

O termo rotisserie tem origem na palavra rôtir, do francês antigo rostir, to roast em inglês, assar em português. Alguns defendem que o termo surgiu em estabelecimentos comerciais de alimentação em 1450. Naquela época, o rotisseur era o chef responsável por todos os alimentos assados no espeto ou forno, grelhados e, em alguns casos, até mesmo fritos. Há uma segunda linha que considera que a palavra surgiu em 1868, cujo significado seria o “restaurante onde a carne é assada no espeto”, como uma rôtisserie francesa, que era um “estabelecimento que vende comida cozida”.

Nas cozinhas medievais e início da Idade Moderna, o espeto era a forma preferida para se cozinhar carne. Nas famílias mais nobres, um criado sentava-se perto do espeto e ficava girando a barra de metal lentamente para cozinhar os alimentos.

Posteriormente, foram inventados equipamentos mecânicos, a princípio movidos por cães em esteiras e, mais tarde, por energia a vapor e maquinários iguais aos de um relógio. Hoje, os espetos são girados manualmente ou acionados por motores elétricos.

Como mencionado, o termo rotisserie significa tanto uma técnica da culinária quanto o local onde se vendem pratos especiais. Mas no Brasil, como é usado?

Aqui, rotisserias, também chamadas de rotisseries, são estabelecimentos que oferecem uma seleção abrangente de antepastos, assados, carnes, peixes, massas, tortas, molhos e sobremesas. São pratos prontos ou semiprontos, ou seja, em algumas situações a montagem é finalizada em casa, principalmente no caso de massas e molhos.

As rotisseries se popularizaram no Brasil no início dos anos 1980 como predecessoras dos alimentos congelados, oferecendo uma boa variedade de pratos com receitas e temperos diferenciados, muitas das quais tendo como base a culinária europeia.

O termo rotisserie também se consagrou e é hoje utilizado em todo o mundo para se referir a um acessório culinário com espeto rotativo usado para assar e grelhar carnes.

FONTES SECUNDÁRIAS:

GUIMARÃES, João Amorim. Natal do meu tempo: crônica da cidade do Natal. Organização, introdução e notas de Humberto Hermenegildo de Araújo. Natal: FIERN-SESI, 1999.

NESI, Jeanne Fonseca Leite. Caminhos de Natal. Natal: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 2002.

ROTISSERIE Natal. A República, Natal, 30 set. 1924.

TINÔCO, Lair. Tempo de saudade. Natal: Fundação José Augusto, 1992

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Anuário Natal 2009 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009.

Cantos de bar: sociabilidades e boemia na cidade de Natal (1946-1960) /Viltany Oliveira Freitas. – 2013.

Como era comer fora em Natal a partir de 1900. Procuradoria de Imóveis. https://www.procuradoriadeimoveis.com.br/blog,como-era-comer-fora-em-natal-a-partir-de-1900,39 Acesso em21/02/2023.

Linhas convulsas e tortuosas retificações Transformações urbanas em Natal nos anos 1920 / George Alexandre Ferreira Dantas. — São Carlos – SP, Outubro de 2003.

Natal: história, cultura e turismo / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. – Natal: DIPE – SEMURB, 2008.

Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na Belle Époque Natalense (1900-1930) / Márcia Maria Fonseca Marinho. – Natal, RN, 2008.

Roseira brava: pós-romantismo e modernidade na poética de Palmyra Wanderley / Marília Gonçalves Borges Silveira. – Natal, RN, 2016.

Você sabe o significado do termo rotisserie? Vania Rotisserie. https://vaniarotisserie.com.br/voce-sabe-o-significado-do-termo-rotisserie/ . Acesso em 21/02/2023.

O rio Potengi e a cidade do Natal em cinco tempos históricos. Aproximações e distanciamentos / Rubenilson B. Teixeira. — Revista franco-brasileira de geografia 23 | 2015. Número 23.

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