Praia de Areia Preta

Um paraíso que se transformou em balneário que por sua vez se formou bairro. Esta é Areia Preta.

Segundo Câmara Cascudo, AREIA PRETA provém da cor das falésias ou paredões de coloração escura ali existentes. Na orla possui residências, hotéis, restaurantes e bares, além de pousadas. A Ponta do Morcego, nessa praia, situa-se sobre falésias e oferece uma das mais belas vistas do nosso litoral. Nela há uma baía de ¾ a 01 km de extensão, dividida em duas partes por uma barreira. A praia que deu origem ao bairro tem uma história que ainda fomenta o crescimento da Cidade do natal.

A Cidade do Natal era ribeirinha do Potengi até o final do século XIX. Seu exuberante litoral era pouco frequentado pelos natalenses tendo apenas umas poucas vilas isoladas de pescadores. Areia Preta assim permaneceu até que a prática dos “banhos salgados” na fórmula médica dos “bons ares” para a prevenção e cura para as doenças de tudo muda.

Nos anos que marcaram a passagem do século XIX para o século XX, Natal foi aos poucos se aparelhando com as inovações que, então, caracterizavam a vida moderna. Já em 1895, a população conhecera o fonógrafo, exposto como uma novidade para a população. Em 1904, foi inaugurada a iluminação à gás de acetileno na Cidade Alta e, em 1906, na Ribeira. Dois anos depois, em 1908, entrou em funcionamento a primeira linha de bondes, puxados por animais, ligando a Cidade Alta à Ribeira. As linhas de bondes elétricos só foram instaladas em 1911, ano em que foi inaugurado o primeiro cinema de Natal, o Politeama. Na ocasião, foi ampliada a rede de telefones, e foi construído um balneário público na praia de Areia Preta; também verificou-se, na ocasião, a construção de uma usina de eletricidade, o que permitiu a substituição da iluminação à gás pela a iluminação elétrica.

Já em março de 1902, um articulista, que usava o codinome de “Lulu Capeta”, escreve uma pequena nota cujo sugestivo título é “Tudo é febre” (A República, 20 de março de 1902 ), nela o jornalista fala sobre a criação do bairro da Cidade Nova e do desejo que os natalenses tinham de ir morar no novo recanto da cidade. No texto, ele descreve as modas pelas quais passou o natalense, sendo a “febre dos banhos salgados” aquela que marcaria os primeiros anos do século XX.

Na imagem abaixo, percebemos a pouca ocupação da praia de Areia Preta, uma das praias onde o banho de mar era mais frequente. Nela percebemos pequenas choupanas ocupadas por pescadores, a presença de jangadas num dos focos principais

da imagem estabelece a relação que o natalense que vivia naquela porção da cidade tinha com aquele espaço. Naquele começo do século XX as faixas de praia da cidade era o lugar de morada de famílias de pescadores, que viviam próximos ao mar, tão somente devido a sua atividade de trabalho.

“A febre dos banhos salgados” se estabeleceu, pouco a pouco, em Natal numa perspectiva de sociabilidade burguesa, favorecendo a ocupação de um espaço até então considerado inóspito. Entretanto, foram muitas as queixas no sentido do mau uso por parte da população dessa dádiva natural. Uma série de denúncias sobre esse “mau uso” foi publicada no jornal “A República”.

Numa pequena nota, o jornal diz ter recebido queixas de vários banhistas da Praia do Morcego em detrimento do mau uso feito nos ranchos construídos por eles para vestir e desvestir suas roupas de banho.

Outras denúncias chamavam atenção não em relação à higiene, mas sobre o comportamento moral de alguns banhistas, pois sendo a praia um lugar público era convencional cobrar um bom comportamento de todos aqueles que a frequentavam.

Se antes era a Praia da Redinha o lugar próprio para essas vivências de banho salgado ou de veraneio, como é verificado nos relatos de memória dos articulistas da imprensa e na palestra “Costumes Locais”, proferida por Eloy de Souza em 1909, no começo do século XX, são as praias da Limpa, do Morcego e de Areia Preta que passam a cair no gosto da população da cidade, especialmente daquela população mais abastada que via na ocupação daquelas praias, no que diz respeito ao uso do banho, na construção de casas de veraneio e na construção de casas para moradia, o lugar incontestável da nova aristocracia republicana da cidade.

Areia Preta. Por Eduardo Alexandre Garcia

Em 1908, a praia de Areia Preta tornou-se uma estação balneária, sendo recebida pelas elites da época com muito entusiasmo. Em 1912, a Ferro Carril estendeu sua linha de bonde elétrico para o balneário, funcionando aos domingos e feriados. A praia de Areia Preta veio a tornar-se importante espaço de lazer e divertimento, partindo da Ribeira, passando pelo Monte Petrópolis e dirigindo-se à beira-mar. (ARRAIS, Raimundo; ANDRADE, Alenuska; Marinho, Márcia. O corpo e a alma da cidade: Natal entre 1900 e 1930, p.110.).

As palhoças dos pescadores se transformam em casa de veraneio ou residências. Surgem a exploração imobiliária e o desenvolvimento urbano com a construção da Avenida Atlântica e os bondes.

Logo a construção do sonho de modernidade materializava-se, dentre muitas outras; no sorvete da Rotisserie, na Estação Balneária de Areia Preta, nas soirées do Natal Club e nas partidas de futebol do Stadium Juvenal Lanartine.

INVASÃO HOLANDESA

Tem-se considerado a atual praia de Ponta Negra, distante umas 3 léguas do Forte dos Reis Magos, como tendo sido o local onde desembarcaram os flamengos . Todavia, analisando-se certos mapas holandeses, contemporâneos dos episódios a que nos referimos, verificamos que a Ponta Negra considerada à época, correspondia à nossa tradicional PONTA DO PINTO (LAET, Joannes de * História ou Anais dos feitos da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais, II, pp.422-423) e (BARLAEI, Casparis * Rerum per Octennium in Brasilia, etc. (Mapa de Marograve relativo a Capitania do Rio Grande)). O mapa de João Teixeira também nos fornece tal indicação (CAMPOS MORENO, Diogo de * Livro que dá Razão do Estado do Brasil, p.81.).

De tal modo, o local onde o desembarque flamengo ocorreu foi na angra existente ao norte da referida Ponta, no trecho sul da atual praia de Areia Preta. Nesta encontram-se as barreiras íngremes descritas pelos cronistas, por detrás das quais existe o chamado Morro de Mãe Luiza. Aquelas barreiras já receberam a proteção representada por um muro de arrimo, construído de cimento, e medem aproximadamente 6 metros de altura.

A distância de dois tiros de mosquete do ponto de desembarque, os invasores foram informados de que a dita praia por onde caminhavam (Areia Preta), “além de muito estreita, na preamar ficava alagada”, de modo que se dirigiram “para o interior por um passo, que também estava entrincheirado (CARVALHO, Alfredo de * Obra citada , p.173.)”.

Quando se caminha cerca de 900 metros, vindo da praia de Areia Preta em direção à fortaleza, chega-se ao início de uma ladeira, que possivelmente seria aquele mesmo passo mencionado pelo cronista, e que hoje corresponde ao trecho final da rua Pinto Martins. Através de tal passo, os neerlendeses alcançaram o planalto, possivelmente onde hoje acha-se a avenida Getúlio Vargas.

No mesmo dia em que ocorreu o desembarque holandês na antiga praia de Ponta Negra (hoje correspondente a Areia Preta) – 8 de dezembro de 1633, um dia de 5ª feira, cuja maré cheia verificou-se às 10 e meia da manhã – , parte das tropas dirigiu-se à barra do Rio Grande (Potengi), embarcada em diversos navios sob o comando de Jan Cornelissen Lichthart, conduzindo também os senhores Van Ceulen, ten.cel. Balthasar Bymae e Carpentier. A esquadra veio impusionada pelos ventos leste e norte, pretendendo a conquista do Forte dos Santos Reis, situado na barra daquele rio.

Mapa intitulado Rio Grande, publicado em 1631, de autoria de João Teixeira Albernaz. Arquivo SEMURB.
Gravura holandesa VEROVINGE VAN RIO GRANDE IN BRAZIL ANNO 1633.
Gravura holandesa AFBEELDINGHE VAN T´FORT OP RIO GRANDE ENDE BELEGERINGHE
Ponta do Pinto, atual Praia de Miami, na década de 30. Arquivo O Potiguar,

DESCRIÇÃO DO POEMA

Danças, músicas, enfim, expressões da cultura construída ao longo dos anos por essa diversidade formadora da província do mestre Cascudo. A Cidade do Natal é, então, como as demais cidades, um ser vivo. Algo em constante processo de transformação, o que diferencia estes entes, são as identidades culturais. Melhor ouvir o mestre, sobre a sua Cidade Pintada de Sol:

Tem um rio e tem o mar.
Cinemas. Autos.
Sal de Macau. Algodão do Seridó.
Cera de carnaúba. Couros.
Açúcar de quatro vales largos e verdes.
O pneu amassa o chão vermelho
Dos comboios lerdos, langues, lindos.
Poetas.
Morros, areias, orós, mangues,
Siris e aratus grudados nas pedras.
Centros operários.
Cidade pintada de sol
Com uma alegria de domingo.
À noite, pesca de aratu com facho,
Nas praias longes de Areia Preta.
Cajueiros. Coqueiros. Mongubeiras.
Bailes do Natal-Club.
Luar impassivelmente romântico.
Serenatas.
Bó-nito! Grog à frio.
Magestic, Anaximandro, Cova da Onça.
Bonds. Auto-Omnibus subindo.
Pregões.
Por cima das casas zunzeiam, ronronantes e zonzos,
Motores roncando no caminho sem rastos dos aviões.

Em sua evocação à Natal, o prefeito dos folguedos populares, Djalma Maranhão expressou toda a saudade, vivida na distante Montevideo. Exilado, banido de sua querida Natal. Na cidade Uruguaia, Djalma Maranhão e sua esposa Dária, vivenciaram a dor daqueles que não podem estar junto à coisa amada. A memória evocada pelo ex-prefeito, num primeiro instante é resultado da individualidade. Mas o fenômeno da memória está presente na coletividade, o imaginário social forma as lembranças da sociedade.

Não te esquecerei, Natal!
A Ribeira subindo em direção à Cidade,
Os teus primeiros bairros Rocas e Alecrim,
O Grande Ponto dos dias de hoje,
Convergência de todos os encontros
E foco de todos os boatos.
Os bairros novos:
Tirol, Petrópolis, Quintas, Conceição,
Lagoa Seca, Juruá, Guarita, Carrasco,
(Que aqui em Montevideo, onde estou exilado,
É nome de uma praia chic),
E como estava falando em praia,
Vem a saudade de Ponta Negra e Redinha,
Areia Preta, do Meio e Circular
(Djalma Maranhão)

BOCA DA BARRA

Cidade perfumada a bogari,
Velha Natal das ruas de jasmim.
Da Areia Preta à Ponte de Extremoz
Agostos de luar que estão em mim.
Tuas manhãs de dorso chamejante
Em dezembros de escamas refletidas
Nas águas longes da boca da barra,
Te sorvo pelos olhos, Potengi.

Neste antigo desterro de mim mesmo,
Menino que perdeu sua gamboa,
A palheta dos remos, a canoa
E esqueceu o sabor do camboim.
Minha barra da infância já não sabe
O caminho da volta; mas pressente
A nortada dos dias e das noites.
E chora e silva como guaxinim.

(Homero Homem)*

Extraído do livro “O Agrimensor da Aurora: 11 livros de poesia” (CAVALCANTI, 1981)

XARIAS

De acordo com o Luís Câmara Cascudo historiador, durante a virada do século XIX para o século XX, a cidade do Natal era composta por apenas dois bairros: o bairro da Cidade Alta, colina onde a cidade do Natal havia sido fundada, em 25 de dezembro de 1599; e o bairro da Ribeira, região às margens do rio Potengi, onde o comércio era desenvolvido. (1 CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. 1. ed. Natal: Prefeitura Municipal do Natal, 1947.).

Ainda seguindo as informações desse historiador, havia uma profunda rivalidade entre os jovens residentes nestes bairros. Em consequência de tal rivalidade surgiram os epítetos xaria e canguleiro, apelidos que aludiam às preferências gastronômicas dos rivais e serviam para caracterizarem uns e outros.

O termo xaria qualificava o habitante da Cidade Alta, consumidor do peixe Xaréu trazido das praias de Areia Preta e Ponta Negra. Já o termo canguleiro adjetivava o morador da Ribeira, consumidor do peixe Cangulo que era pescado em abundância pelos jangadeiros deste bairro. Por extensão de sentido, os adjetivos xaria e canguleiro designavam identidades de pessoas nascidas em áreas distintas da cidade. (Id., Ibid., p. 190.).

Para Cascudo, a identidade natalense não existia no final do século XIX, pois estava fragmentada entre xarias e canguleiros. Não havia um sentimento unificado de pertença à cidade do Natal que definisse os moradores deste espaço como natalenses, ou seja, como conterrâneos. No seu entender, a identidade natalense somente começou a ser configurada a partir de 1908, quando os bondes movidos a burros passaram a interligar o bairro da Ribeira e da Cidade Alta, promovendo um fluxo diário dos moradores e aproximando esses núcleos populacionais. Da mesma maneira, a pavimentação da ladeira que antes separava os dois bairros, a avenida Junqueira Aires, teria unificado xarias e canguleiros na figura do natalense: “Xarias e Canguleiros morreram. Ficou o Natalense…”. (Id., Ibid., p. 191.)

MORROS DE AREIA

A imagem da natureza ameaçadora aparece inicialmente em editorial escrito no jornal “A Republica”, de 31 de março 1901, intitulado “Perigo Iminente”. No texto, defende-se a ideia de que os “morros de areia” que cercam a cidade, em especial aqueles que se encontram na região denominada de Areia Preta, “ameaçam parte desta capital”.

No entanto, precedia à construção da Cidade Nova a contenção de um “Perigo Iminente”, expressão usada pelo jornalista Manuel Dantas, ao se referir às dunas. O perigo iminente nada mais era do que as dunas que margeavam o novo bairro pelos limites ao Sul, e que começavam na famosa praia de Areia Preta e se estendiam até o perder de vista em direção ao interior.

Ninguém ignora que os morros de praia, formados de areia movediça, podem desoar-se com muita facilidade, caminhando até se arrazarem completamente. Conforme o tamanho do morro, as areias às vezes sepultam aldeias inteiras e sítios que lhe ficam ao pé (Perigo Iminente. A República, 31 de março de 1901).

Os “morros de areia” citados pelo articulista nesse editorial são, em um termo geológico mais preciso, as dunas que circundam a cidade.

Segundo o geólogo Patrick Hesp, dunas são formações arenosas vegetalizadas, ou não, formadas nos setores mais próximos do mar das faixas de pós-praia. Elas podem ser formadas em uma diversidade de ambientes litorâneos: na faixa de praia em mar aberto, baías semifechadas, estuários, lagos e lagoas e existem em praticamente todos os tipos de clima, desde as áreas tropicais a áreas de clima frio. Tais formações geológicas são denominadas por uma grande variedade de termos, tais como: dunas frontais, dunas embrionárias, cristas de retenção, cristas de praia, cordões de dunas paralelas ou dunas transversais, em Natal, convencionou-se, popularmente, chamar as formações dunares de “morros”. As dunas, geralmente, tomam formas de cristas convexas vegetalizadas, alinhadas paralelamente à faixa de praia, separadas entre elas por depressões côncavas (HESP, Patrick. A gênese de cristas de praias e dunas frontais. p. 119).

Naquele momento, em 1901, o que o editorial do jornal apontava como sendo o grande potenciador desse perigo era, exatamente, o uso que a população fazia das dunas. Ao afirmar que “o morro de Areia Preta está começando a desmoronar-se para o lado da cidade”, o jornalista assinala, a gravidade do problema.

Em outubro do mesmo ano, o governador Alberto Maranhão, na companhia do presidente da Intendência municipal, Joaquim Manuel Teixeira de Moura, e do chefe interino da Comissão de Melhoramento do Porto, em visita à praia de Areia Preta, decidiu fixar as areias das dunas daquela região, uma providência que já havia sido reclamada anteriormente pela imprensa, como vimos acima. Com essa medida, o chamado “perigo iminente” se acabava, permitindo com isso a ocupação e o desenvolvimento do novo bairro de Natal, a Cidade Nova, que, a partir de então, estava livre do perigo de ser soterrado pelas areias das dunas.

Em dezembro de 1902, preocupada com a devastação dos morros, a imprensa denunciava que “vários individuos estavam barbaramente devastando os morros do Morcêgo e Areia Preta, abrindo roçados e queimando o matto” (Devastação dos morros. A República, 22 de dezembro de 1902). Para evitar tamanha devastação, a Intendência Municipal mandou guardas e fiscais para prenderem os infratores, chegando a aprisionar um dos indivíduos encontrado em flagrante delito. Segundo o jornal “A República” tal ato era considerado uma infração escrita no código de posturas de Natal.

A citada palestra de Manoel Dantas, cujo título era “Natal daqui a cinqüenta anos”, foi proferida no salão nobre do palácio do governo no dia 25 de março de 1909 e tratava-se de um pequeno ensaio ficcionista, em que o autor procurava retratar a Cidade do Natal no ano de 1959. Dantas imaginava uma cidade totalmente modificada representado-a, em seu texto, com uma natureza radicalmente vencida pela técnica, ou seja, a Natal da palestra de Dantas era uma cidade que havia sofrido uma forte ação humana sobre a natureza (Ver ARRAIS, Raimundo. Da natureza à técnica: a capital do Rio Grande do Norte no início do século XX. In: FERREIRA, A. L., DANTAS, G. Surge et ambula: a construção de uma cidade moderna. Natal, 1890-1940). Os morros de areia foi um tema recorrente na imprensa da cidade desde os primeiros anos do século XX.

Areia Preta
Praia de Areia Preta tendo ao fundo a Ponta do Pinto. Foto de Henry Preston (Revista Time Life) em 1941.

BANHOS SALGADOS

Seguindo uma tendência mundial de orientação saudável, os banhos de mar proliferam no início do século XX. Os banhos de mar eram recomendados por médicos nas primeiras horas da manhã para curar doenças. Outro fator que também contribuiu para a aceitação do mar como espaço positivo de ser partilhado e vivido, foi a literatura médica que passou a indicar esse espaço como terapia adequada para certos tipos de mazelas. Esse conceito vai sendo, então, assimilado. Partilhando dessa filosofia, Dr. Calistrato, médico natalense, fundou a primeira estação balneária de Natal, localizada na praia de Areia Preta. Foi recebida com muito entusiasmo pela elite, que ao absorver as novas ideias reordenou os usos da praia por meio de normas e condutas, tais como; comportamento civilizado e vestuário adequado. Práticas e usos que não eram possíveis a todas as classes, fazendo com que o espaço fosse inicialmente ocupado pela elite da cidade (ARRAIS; ANDRADE; MARINHO, 2008).

Em relação às representações sobre o bairro Cidade Nova, é possível perceber a influência desse discurso médico na carta escrita em 1947 destinada a Antônio Soares, José Moreira Brandão Castelo Branco elaborou um pequeno texto sobre aqueles que teriam sido os primeiros desbravadores da área de matagal e dunas que viria, em 1901, ser o bairro Cidade Nova. Nessa carta, Castelo Branco destacou que, em 1893, seu pai Joaquim Manoel foi passar uma temporada na casa de Pio Barreto na região do Belmonte por conselhos médicos. A região era bem próxima da Praia de Areia Preta, perto do mar, por onde os bons ares poderiam circular e facilitar o processo de cura. Assim, a carta demonstra essa concepção médica de que o mar poderia auxiliar o tratamento dos enfermos.

A partir das primeiras décadas do século XX, a população natalense passou a encarar a orla marítima como um lugar de residência45.

Sob o título de “Frioleiras”46 um articulista, que assina com o codinome “Catavento”, narrou um dia de domingo que passou na praia da Limpa, um dos mais requisitados balneários da época.

Segundo o jornalista, no domingo, reuniu-se naquela praia um grupo de quatro amigos, todos sem preocupações, sem antipatias ou intrigas um com o outro. O dono da casa havia preparado uma peixada que foi saboreada por todos. Depois da peixada, um regalado descanso, “espojado na areia, na contemplação do vasto cenário da natureza” (Frioleiras. A República, 21 de outubro de 1902).

Comentou o articulista que ficou muito tempo

filosofando, pensando na vida do pescador ao ver o barco velejando no mar, pensando na dimensão do mar e na pequinês do barco, pensando na importância que a Fortaleza dos Reis Magos tinha tido outrora e na inutilidade que tinha nos idos de 1902, pensando no mundo. E o tempo passou até que ele percebeu que a noite houvera chegado e pego a ele ainda no mar “embalado à fresca brisa, na vastidão das águas”.

Ponta do Morcego na lente de João Galvão.

“A febre dos banhos salgados” se estabeleceu, pouco a pouco, em Natal numa perspectiva de sociabilidade burguesa, favorecendo a ocupação de um espaço até então considerado inóspito. Entretanto, foram muitas as queixas no sentido do mau uso por parte da população dessa dádiva natural. Uma série de denúncias sobre esse “mau uso” foi publicada no jornal “A República”.

Numa pequena nota, o jornal diz ter recebido queixas de vários banhistas da Praia do Morcego em detrimento do mau uso feito nos ranchos construídos por eles para vestir e desvestir suas roupas de banho.

Outras denúncias chamavam atenção não em relação à higiene, mas sobre o comportamento moral de alguns banhistas, pois sendo a praia um lugar público era convencional cobrar um bom comportamento de todos aqueles que a frequentavam.

Se antes era a Praia da Redinha o lugar próprio para essas vivências de banho salgado ou de veraneio, como é verificado nos relatos de memória dos articulistas da imprensa e na palestra “Costumes Locais”, proferida por Eloy de Souza em 1909, no começo do século XX, são as praias da Limpa, do Morcego e de Areia Preta que passam a cair no gosto da população da cidade, especialmente daquela população mais abastada que via na ocupação daquelas praias, no que diz respeito ao uso do banho, na construção de casas de veraneio e na construção de casas para moradia, o lugar incontestável da nova aristocracia republicana da cidade.

PRAIA DE MIAMI (Bairro Areia Preta). Foto: Jaeci E. Galvão. Local é conhecido como a ponta do pino. Por trás dessas dunas há uma praia também chamada de pinto. Pouco conhecida e frequentada, mas é muito lindo. Neste local hoje está edificado uma churrascaria muito conhecida na cidade.

Em Natal, desde 1908, existia uma estação balneária localizada na praia de Areia Preta, praia que fazia fronteira com o Monte Petrópolis. Dessa maneira, a construção do Hospital Juvino Barreto nessa região da cidade não teria sido apenas uma mera coincidência ou jogo político, mas também representava a concretização dos ideais médicos vigentes no período.

Casas construídas na Cidade Nova, em especial, aquelas mais próximas da orla da praia, que, paulatinamente, tomavam o lugar dos antigos ranchos dos pescadores, eram tão somente para o veraneio, espaços construídos para a diversão, o lazer e o descanso, que motivavam uma fuga da cidade, nos finais de semana ou nas férias, de muitas pessoas, que, trajando elegantes “fatiotas”, roupas adequadas para o banho de mar, mergulhavam nas mornas águas dos balneários da praia da Limpa, da Ponta do morcego ou de Areia preta.

Referindo-se a essas preocupações médicas do início do século XX, o jornalista do Diário do Natal aponta, sem deixar de fazer uso do sarcasmo, os benefícios que os ventos do mar traziam ao novo bairro em oposição aos problemas de salubridade dos antigos bairros da cidade:

Na arte de arranjar benemerência, ninguém melhor maneja a política que o senador Pedro Velho, e nessa especialidade fazem-lhe bôa justiça todos, inclusive os seus mais intimo engossadores. Promovem o bem publico e… inventam uma cidade nova. A idéia è bella e se lhe reconhece o que seja de genial. A nossa cidade, além de velha e feia, comprimia já a população em bairros apertados e mal servidos da hygiene da natureza. Precisava a população natalense de respirar o ar saturado dos alcalóides marinhos de que é portadora a viação que vem das praias do Morcego e Areia Preta. Funda-se a cidade nova, e viu o povo, meio bestializado[…] (DIA a dia: Pobre Rio Grande do Norte IV. Diario do Natal, Natal, 14 out. 1905.).

Em 14 de outubro de 1905, o Diário do Natal publica, sob o título de Dia a dia: Pobre Rio Grande do Norte IV, um artigo que comenta sobre as vantagens do vento marinho para a saúde da população:

Na arte de arranjar benemerência, ninguém melhor maneja a política que o senador Pedro Velho, e nessa especialidade fazem justiça todos, inclusive os seus mais intimo engossadores. Promovem o bem público e… inventam uma cidade nova. A idéia é bella e se lhe reconhece o que seja de genial. A nossa cidade, além de velha feia, comprimia já a população em bairros apertados e mal servidos da higyene da natureza. Precisava a população natalense de respirar o ar saturado dos alcalóides marinhos de que é portadora a viação que vem das praias do Morcego e Areia Preta. (Dia a dia: Pobre Rio Grande do Norte IV. Diário do Natal, Natal, 14 de out.1905.).

A partir desse momento, o que era uma zona distante e pouco valorizada, transformou-se aos poucos em área nobre da cidade do Natal, que se expandia cada vez mais para o norte. O espaço da Praia de Areia Preta, até então visitada somente por pescadores e moradores da região, tornou-se lugar oficial para os banhos de mar conforme determinava a Resolução Nº 115 da Intendencia Municipal, de 1908. Tratava-se de uma longa faixa de terra que fechava o perímetro da cidade pelo sul até a subida do morro do Moxila, sendo praia de pescadores pelo menos até 1920, quando os ranchos começaram a ser vendidos e outras casas construídas para passar o verão. (CASCUDO, Câmara. História da cidade do Natal, p.435-436.).

A transformação da Praia de Areia Preta em estação balneária deveu-se fundamentalmente à iniciativa das elites natalenses, que desejavam criar um novo espaço de sociabilidade para as suas famílias.

Um tipógrafo chamado Manuel Joaquim de Oliveira construiu uma casa em frente ao mar. A casa ficava entre as praias de banho, Ponto do Morcego como era popularmente chamada e a Praia de Areia Preta. O local da casa ficou sendo chamado de Praia do Meio. A praia do meio avançou e ocupou a Ponta do Morcego, ficando tudo como Praia do Meio, dando assim nome ao bairro. (BEZERRA, Silvino. Reminiscencias de Natal de Outrora, p. 68.).

Apesar de sua localização tão próxima do mar, somente em 1908 fundou-se em Natal uma estação balneária, localizada na praia de Areia Preta. A estação de banhos partiu de iniciativa privada, sendo recebida com entusiasmo pelos membros das elites natalenses, como afirma a nota do jornal A Republica:

Sabemos que um grupo de cavalheiros da nossa melhor sociedade organizou uma modesta empreza, sob a direcção do illustre clinico dr. Calistrato, destinada a preencher uma lacuna sensível do nosso meio social como o estabelecimento de uma praia de banhos, no logar denominado , na qual encontrarão famílias que precisarem de banho de mar uma residencia confortável e alegre com facil transporte até a cidade e um serviço regular de salvamento para os banhistas.
Não regateamos applausos á tão feliz idéia e estamos certos que o bom gosto de nossa população egualmente prestigiará esta utilíssima iniciativa de alguns particulares amantes do progresso. (EMPRESA balnear. A Republica, Natal, 8 fev. 1908.).

A moda dos banhos de mar em Natal, que acabaram por instituir os balneários, como a Praia de Areia Preta em 1908, pela Resolução n.55 da Intendência Municipal, difundiu-se no começo do século XX, como se pode constatar nos anúncios de casas para alugar postos nos jornal A República.

Se antes era a Praia da Redinha o lugar próprio para essas vivências de banho salgado ou de veraneio, como é verificado nos relatos de memória dos articulistas da imprensa e na palestra “Costumes Locais”, proferida por Eloy de Souza em 1909, no começo do século XX, são as praias da Limpa, do Morcego e de Areia Preta que passam a cair no gosto da população da cidade, especialmente daquela população mais abastada que via na ocupação daquelas praias, no que diz respeito ao uso do banho, na construção de casas de veraneio e na construção de casas para moradia, o lugar incontestável da nova aristocracia republicana da cidade. Segundo o historiador Helder Viana, as praias que durante o século XIX abrigavam apenas as comunidades de pescadores e eram freqüentadas esporadicamente, em épocas de veraneio, pela população citadina que para lá se deslocava.

Em 20 de maio de 1913, anunciavase, sob o título “Banhos de mar”, a disposição de alugar uma casa “própria para banhos” na avenida que desce para a Praia de Areia Preta. A REPÚBLICA. Banhos de mar, 20 maio 1913. Em 3 de junho do mesmo ano, o anunciante da casa para alugar ainda mantinha seu anúncio no jornal, com os mesmos dizeres, o que denota que ele não havia conseguido alugar a casa de veraneio no intervalo dos anúncios. Era o momento não apenas de ascensão da beira-mar como também da revalorização da água como recurso terapêutico de modo geral. (A REPÚBLICA. Cura pela água, 22 mar. 1913.)

Sobre o balneário de Areia Preta, em pleno funcionamento quando da publicação de Roseira brava, veja-se o seguinte texto: “Apesar de sua localização tão próxima do mar, somente em 1908 fundou-se em Natal uma estação balneária, localizada na praia de Areia Preta. A estação de banhos partiu de iniciativa privada, sendo recebida com entusiasmo pelos membros da elite natalense. […] As inovações técnicas facilitaram o acesso dos natalenses aos balneários que cercavam a cidade. O bonde, aliado à energia elétrica, proporcionava à população natalense a prática de novas atividades sociais inviáveis devido a distância ou aos tortuosos caminhos a serem percorridos. A companhia de bonde Ferro Carril prolongou seus trilhos até o balneário de Areia Preta, em 1912, e a partir de então incluiu no seu itinerário o percurso até aquela praia, no lazer dos dias de domingo e feriados” (ARRAIS; ANDRADE; MARINHO, 2008, p. 172-173).

Luís Candido de Oliveira sugeriu o nome daquele trecho que não era mais Praia do Morcego e ainda não chegava à Areia Preta. Propôs Praia do Meio.

O nome Praia do Meio, diz Cascudo (1999), foi fruto de um animado almoço, com panelada regada a cachaça, na residência do topógrafo Manoel Joaquim de Oliveira. Nesta alegre reunião de amigos, batizaram a Praia do Meio, por não está entre Areia Preta e Morcegos. Ficou o nome, e hoje é bairro Praia do Meio, oficializado pela Lei nº 4.328 de 5 de abril de 1993.

Areia Preta foi legal e oficialmente a primeira praia escolhida para função balneária. De 1915, em diante, a praia teve casas melhores e a temporada tornava festiva.(CASCUDO, Luís da Câmara História da Cidade do Natal,p. 243.).

Um dos marcos que aponta o incentivo do banho de mar para população de Natal se dá após o prolongamento dos trilhos dos bondes da companhia Ferro Carril até a praia de Areia Preta. Esse é um momento que inicia a construção de um novo sentido compartilhado pela coletividade nas praias de Natal (MARINHO, 2008).

As inovações técnicas facilitaram o acesso dos natalenses às praias que cercavam a cidade. O bonde, aliado à energia elétrica, proporcionava à população natalense a prática de novas atividades sociais antes inviáveis devido à distância ou aos tortuosos caminhos a serem percorridos. A companhia de bondes Ferro Carril prolongou seus trilhos até o balneário de Areia Preta, em 1912, e a partir de então incluíu no seu itinerário o percurso até aquela praia em dias de domingo e feriados, o que indica que a ida à praia era uma forma de lazer. (COSTA, Madislaine. Quando a modernidade vinha de bonde. p. 1920-1927.).

Indiretamente, a construção da Avenida Atlântica, na praia de Areia Preta, facilitou ainda mais a ida à praia e a prática dos esportes náuticos.

A expansão dos trilhos do bonde contribuiu para democratização dos banhos salgados na praia de Areia Preta, que se tornaram bastante populares na década de 1920. A ida à praia, porém, demandava não apenas transporte, mas também um local adequado para a troca de roupas, pois, não era adequado chegar ou sair da praia usando as vestimentas de banho. Na praia do Morcego, também conhecida como praia de Areia Preta, a estação balneária oferecia um ambiente limpo e adequado para as trocas de roupa. Por banho, a Estação Balnear cobrava uma taxa de $800, que poderia ficar mais barato se o banhista optasse pela assinatura familiar de 20$000 ao mês, ou 50$000 o talão que dava direito a 50 banhos. (ESTAÇÃO balnear. A Republica, Natal, 2 out. 1924.)

Esse fragmento de beira-mar tinha, na década de 1920, a preferência das elites, tornando-se um lugar de sociabilidade como demonstra a revista Cigarra:

Nella [Areia Preta] criam-se amores, e se dissipam ciúmes… Menina de uma ingenuidade adorável ou de uma malicia dançando no mysterio dos olhos lá estão, nos mallots modernos enchendo de graça de expansiva os contornos poeticos e a areia tepida da formosa praia de Natal… Areia Preta já entrou no periodo de novas conquistas… para a delicia dessa terra de moças adoraveis, de cavalheiros gentis, de sol poetizando a praia, corando com suas chammas os rostos e braços das banhistas (FRANÇA, Cigarra, Natal, ano 2, n. 4, ago. 1929, p. 19.).

A revista Cigarra exibia banhistas na Praia de Areia Preta, divulgando a sociabilidade nesse trecho de beira-mar por meio de textos e fotografias. Nas três primeiras décadas do século XX, a imprensa natalense costumava anunciar os lugares de sociabilidade, a exemplo dos cafés, dos cinemas e da Praia de Areia Preta, como ambientes elegantes e civilizados.

Em 1928, a mais recente revista social editada na cidade, A Cigarra, expunha a alegria e vivacidade que encontraríamos na praia de Areia Preta durante os meses mais quentes do ano:

O verão chegou e fez da cidade uma enorme estufa abafadiça, as nossas praias povoam das melhores belezas. É o prestigio do mar, que acalenta no berço azul humilde de suas vagas altaneiras as mais lindas nereides natalenses. Todas e todas as tardes, ao longo das nossas praias faiscantes á luz. (2 VERÃO. A Cigarra, Natal, ano. 1, n. 2, p. 15, dez. 1928.).

As manhãs e tardes na movimentada praia de Areia Preta foram registradas calorosamente pela equipe de redatores e colaboradores da revista, durante os três verões que abarcam as suas edições (1928-1930). A praia, onde se destacavam as práticas esportivas, a contemplação do mar e o flirt, aparece ali como um lugar alternativo ao footing da avenida Tavares de Lyra. Em sessões como indiscretas os colunistas acabaram revelando lugares como a Rocha Encantada, uma grande rocha na encosta onde as “morenas enciumadas olhavam de lá o movimento dos banhistas no declive da praia”. (NDISCRETAS. A Cigarra, Natal, ano.1, n. 1, p. 29, nov. 1928).

Para aqueles que não se animavam com a popularização da praia de Areia Preta restava uma alternativa: cruzar o rio e passar a estação de banho na pitoresca Redinha, praia que passou a ganhar muitos adeptos durante década de 1920.

A dificuldade de acesso e os investimentos feitos pelos veranistas em iluminação e entretenimento indicam o alto poder aquisitivo dos veranistas desta praia. Em 1925, a inauguração de um transporte regular de lanchas, saindo de Natal, com destino a Redinha, veio amenizar a dificuldade de acesso, contribuindo com o aumento de visitantes e veranistas. (VARIAS. A Republica. Natal, 2 dez. 1925.) O que não significaria uma imediata popularização da praia, já que os custos da lancha eram superiores aos custos do bonde, que levava os banhistas até a praia de Areia Preta. Portanto, a Redinha não deixou se ser um reduto das elites natalenses nos meses de verão.

Praia de Areia Preta. PRAIAS e veranistas. A Cigarra, Natal, ano. 2, n. 3, p. 28, abr. 1929. il.
Embora as imagens apresentem grande riqueza, nesse número da revista Cigarra o exame das fotografias deve ser complementado pela leitura da legenda que a acompanha. A legenda traz o seguinte comentário: Uma tarde na Areia Preta. Dizem que o verão é uma época detestável. Mas quem vae passar o verão nas praias acha-o maravilhoso… Areia Preta é uma delicia. Ahi estão algumas veranistas sorrindo amavelmente para o photographo. É um trecho da linda praia com que ellas sonham durante todo o anno… (CIGARRA, Natal, ano II, n.5, 1929.p.29).
AREIA PRETA – Luís da Câmara Cascudo: “Areia Preta não tem história. Praia feliz. Era recanto de pescadores até 1920, quando sua popularidade e rude beleza prestigiaram-lhe a fama. Os pescadores foram vendendo os ranchos e os natalenses construindo outros, mais feios, e indo passar as semanas de calor. Era a mais longínqua das terras para o leste e deu margem a festas lindas, serenatas, banhos de fantasia, piqueniques espaventosos e mesmo causou inveja às reuniões da cidade no tempo em que veraneava ali o comerciante Jorge Barreto, aclamado conde da Areia Preta pelos amigos. Areia Preta foi, legal e oficialmente, a primeira praia escolhida para a função balneária. A Intendência Municipal na resolução 115, de 18 de janeiro de 1908, indicou-a para os banhos de mar, considerando-a “a que melhores condições oferece na espécie”. Em agosto de 1912 os bondes elétricos foram a Petrópolis e desciam, vindo pelos morros, até a praia de Areia Preta desde 1º de fevereiro de 1915. Era o mais delicioso passeio da época. Continua praia de banho sem complicações elegantes.”
Meninas com traje de banho na Praia de Areia Preta, 1929.

HOSPITAL DE CARIDADE JUVINO BARRETO

O Estado ficou três anos sem um nosocômio, havendo apenas uma enfermaria funcionando no prédio do antigo Hospital de Caridade, chamada de São Vicente de Paulo, administrada por Sinfrônio Barreto. Após insistências do médico Januário Cicco, o governador Alberto Maranhão determinou a construção de um novo hospital, agora localizado no alto do Monte Petrópolis, nas proximidades da praia de Areia Preta.

Localizado no alto do Monte Petrópolis, espaço de grande visibilidade, no lugar da antiga casa de veraneio do antigo governador Alberto Maranhão, e nas proximidades da Praia de Areia Preta, o Hospital de Caridade Juvino Barreto gozou, em meu entender, de uma geografia particular, escolhida segundo teorias médicas que viam no espaço, bem como no clima da região, fatores essenciais na luta contra as doenças.

A proximidade do Hospital de Caridade Juvino Barreto em relação à Praia de Areia Preta não seria assim obra do acaso, mas teria conexões com a fórmula médica dos “bons ares”. O médico e escritor Iaperí Araújo parece endossar essa posição ao comentar as reformas da casa de campo de Alberto Maranhão:

O próprio governador teve a idéia de oferecer a sua casa de veraneio, situada no alto do monte de Petrópolis para ser adaptada para um hospital, por melhores condições por conta dos bons ares do mar (grifo nosso). (ARAÚJO, Iaperí. História da Maternidade Escola Januário Cicco, p.15.).

Seja como for, a pletora de ideias médicas produzidas no século XIX sobre a relação entre doença e espaço, materializada na hipervalorização do meio, não nos permite ver a associação Monte Petrópolis\ Praia de Areia Preta como casual.

A localização espacial do Hospital de Caridade Juvino Barreto era singular: repousava sobre um Monte, região altaneira da cidade, e situado nas proximidades da Praia de Areia Preta, beira-mar bastante conhecida pela elite natalense da época:

Acompanhou [Januário Cicco] todas as etapas da reforma da casa de veraneio de Petrópolis, caminhando pelas dunas, para observar os serviços e modificar o que achasse conveniente. (ARAÚJO, Iaperí. Januário Cicco: um homem além de seu tempo, p.14.).

A transformação da Praia de Areia Preta em balneário assumiu aspecto de empreendimento de caráter privado, que visava ampliar os espaços de lazer até então existentes, não podemos deixar de observar a participação de um médico nessa ação, notadamente o Inspetor de Saúde Pública do Rio Grande do Norte, o Dr. Calistrato Carrilho, o mesmo que estaria à frente da direção do HCJB nos seus primeiros anos de vida. Essa iniciativa privada dirigida por um importante médico da capital foi ressaltada pelo jornal A República, em matéria de 8 de fevereiro de 1908, que comentava a criação da estação balneária em Areia Preta:

Sabemos que um grupo de cavalheiros da nossa melhor sociedade organizou uma modesta empresa, sob a direção do ilustre clínico dr. Calistrato, destinada a preencher uma lacuna sensível de nosso meio social como o estabelecimento de uma praia de banhos, no lugar denominado “Areia Preta”, na qual encontrarão famílias que precisarem de banho de mar uma residência confortável e alegre com fácil transporte até a cidade e um serviço regular de salvamento para os banhistas. (A REPÚBLICA. Empresa balnear, Natal, 08 fev. 1908.).

O HCJB fora edificado em zona de plena expansão imobiliária, entre o Monte Petrópolis e a praia de Areia Preta, região planejada na Intendência Municipal de Joaquim Manuel Teixeira de Moura para abrigar os principais bairros da cidade: Tirol e Petrópolis, previstos na Resolução nº 55 de 30 de dezembro de 1901, no chamado Plano da Cidade Nova, “[…] um espaço criado e planejado para atender aos anseios da elite potiguar, tanto no que concerne à salubridade e higiene, quanto aos aspectos de estética urbana” (FERREIRA, Ângela Lúcia et al. Uma cidade sã e bela: a trajetória do saneamento de Natal-1850 a 1969. Natal: IAB/RN: CREA/RN, 2008. p.63).

O material (imagético e discursivo) de que vão se nutrir os enunciados sobre o hospital apontam-no agora como o espaço “de dentro”, “o dentro” da cidade. Esta integração é operada não somente no nível da arquitetura, da localização espacial no Monte Petrópolis, e nas proximidades do balneário de Areia Preta.

Enfermaria masculina do HCJB. Fonte: Fotografia “Chic”, João Crisóstomo Galvão.

Na foto acima, vemos o interior da enfermaria masculina do HCJB, com as salas e os leitos dos doentes. Como se pode perceber, as salas se comunicavam através de aberturas em forma de arco, sem portas. Tal disposição se relacionava com a preocupação geral que dominava a respeito da boa circulação dos ares no ambiente interno, princípio fundado na aeração-miasmática e posteriormente na microbiologia pasteuriana, teorias frequentemente combinadas pelo menos até a década de 1920, ares esses que deveriam ser purificados pelos ventos que provinham da praia de Areia Preta.

RETIRANTES DA SECA

As notas do A Republica tentando legitimar as desapropriações da Intendência alegando a existência de habitações de “vadios”, bem como a necessidade de fornecer trabalho aos retirantes que poderiam atacar as propriedades, ressaltam essa concepção de pobreza relacionada à ociosidade e decadência moral e a necessidade de inserir o pobre nessa ideologia do trabalho. Dentro dessa perspectiva, foram estabelecidas comissões em Natal para organizar o trabalho.

Conforme destacado em matérias de abril de 1903, Vicente de Lemos, Eloy de Souza e o então presidente da Intendência, Joaquim Moura, formavam a Comissão de Alistamento de Mulheres, e Heliodoro de Barros, Pereira Simões e Francisco Cascudo compunham a Comissão de Alistamento de Homens. Havia ainda uma comissão central que deveria dirigir e fiscalizar todos os trabalhos e era composta por Moreira Dias, Vicente Lemos e Heliodoro de Barros. Posteriormente, Moreira Dias foi substituído na comissão central por Joaquim Moura. Após o alistamento, os retirantes eram divididos em turmas de cinquenta pessoas, cada uma com um chefe ou cabo. As mulheres deveriam trabalhar seis horas por dia, já os homens trabalhavam nove horas. Todas as turmas deveriam seguir para a região de Areia Preta e atuar no transporte de pedras. Após essa primeira fase, cada turma depositava as pedras nos locais designados. Os pagamentos eram diários e recebidos pelos chefes das turmas nos locais designados para o depósito de pedras de cada uma. Informava-se que o governo estadual autorizava a manutenção da ordem, “evitando porém, quanto possível, o emprego de violências desnecessárias”, ver: ORGANIZAÇÃO de trabalhos. A Republica, Natal, 27 abr. 1904; SOCORROS públicos. A Republica, Natal, 28 abr. 1904; RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo governador Augusto Tavares de Lyra (1904). Disponível em: . Acesso em: 26 jan. 2017.

Os retirantes foram enviados para participar de algumas obras na capital, entre elas a construção da estrada de ferro Natal-Ceará-Mirim, a construção da praça Augusto Severo, o calçamento da avenida Rio Branco e de outras artérias da cidade, e o desmatamento e abertura de avenidas de Cidade Nova (SIQUEIRA, Gabriela Fernandes de. Por uma “Cidade Nova”. Op. cit., p.106-107).

Lavadeiras em Cacimbas na Praia possível Praia de Areira Preta no ano de 1910. Fonte Arquivo Nacional.

DIVISÃO ADMINISTRATIVA

A Resolução Municipal nº. 15, de 30.12.1901, criou a Cidade Nova, onde hoje assentam os bairros de Tirol e Petrópolis, mas o plano foi concluído três anos depois, superfície aproximada de 1.648.510 m², subdividida em sessenta quarteirões, planejada pelo arquiteto Antônio Polidrelli. Constituía-se de avenidas e ruas transversais; as avenidas com trinta metros de largura, todas em direção a 36 graus de S SO, as ruas com vinte: Santos Reis, com 650 m, traçada a 77 graus N NE, termina na Rua Seridó, na Areia Preta (Relatório do Secretário do Governo, Henrique Castriciano, anexo à Mensagem do Governador Augusto Tavares de Lira ao Congresso Legislativo do Estado, 14.7.1904, Natal, Tip. de “A República”, 1905, págs. 34-35.).

Os pontos de mais importância de ordem geral, nesta parte do plano são os seguintes: o proporcionamento de quatro acessos entre o bairro baixo e a cidade alta, em vez de um apenas, existente hoje; o estabelecimento de um bairro jardim na zona hoje conhecida pelo nome de Limpa; a construção de um boulevard de contorno partindo da cidade baixa, de perto do cais do porto, marginando a princípio o rio Potengi, depois contornando a cidade jardim, e por fim, marginando o Oceano até às praias do Meio e da Areia Preta; a construção de uma avenida em seguida ao cais do porto, conquistando terreno ao rio Potengi, de modo a poder a cidade oferecer um aspecto agradável para o porto ” (Relatório apresentado à Intendência Municipal de Natal, 30.1.1930, pelo prefeito Omar O’ Grady, Natal, Imprensa Oficial, s. d., págs, 13-14.). Como então previsto, o Plano Palumbo veio sendo executado por etapas sucessivas.

Segundo a Resolução n.73, publicada em 11 de fevereiro de 1903, o patrimônio territorial do município estava dividido em área urbana e suburbana. A área urbana era formada pelo espaço compreendido entre a costa do mar e “uma linha que, partindo da margem direita do rio Potengy, em sua embocadura, continue pela referida margem até ao logar do Refoles, compreendendo o edifício da fabrica de sabão; e dahi se dirija para a Ponta da Areia Preta, passando ao sul do Lazareto da Piedade e Lagoa Manoel Felippe”. Essa área seria formada por três bairros: Cidade Alta, Ribeira e Cidade Nova. A referida resolução não mencionou de forma detalhada os limites da área suburbana, mas subtende-se, pelo texto, que toda a área fora da área urbana compunha esse subúrbio. Ver: A REPUBLICA, Natal, 11 fev. 1903.

A Resolução n.73, assinada em setembro de 1902 e publicada em 1903, reforçou a condição urbana do bairro de Cidade Nova (Tirol e Petrópolis). Por meio dessa lei, a área urbana da cidade seria dividida em três bairros, compreendendo a Ribeira, a Cidade Alta e a Cidade Nova. A referida resolução definiu os limites do novo bairro, que compreenderia a área entre a avenida Deodoro, em toda a sua extensão, até a “ponta de Areia Preta” (A REPUBLICA, Natal, 11 fev. 1903.). A Resolução n.73 ainda determinou que cada bairro urbano seria dividido em quarteirões, designados por simples numeração ordinal. Nota-se como o novo bairro alargou a área urbana da cidade.

O termo Tirol era a denominação utilizada para designar a região em que estava inserida a propriedade de Alberto Maranhão (sítio Solidão), existia até mesmo uma linha de bondes com essa denominação e outra para atender a região de Petrópolis, área mais próxima à praia de Areia Preta (VARIAS. A Republica, Natal, 07 ago. 1913. p.1. Ver ainda: A REPUBLICA, Natal, 19 jun. 1913; TERRENO a venda. A Republica, Natal, 01 ago. 1913.p.2; VENDE-SE. A Republica, Natal, 22 dez. 1913; entre outras.).

Em 1904, a extensa Resolução n.92 também dedicou um de seus títulos a circunscrever o patrimônio territorial da urbe. A referida lei destacava a divisão da capital em área urbana e subúrbios, apontando como limites da área urbana a margem direita do Rio Potengi até o Refoles, incluindo “o edifício da Fabrica de Sabão e uma linha que deste ponto se dirija á Rua do Alecrim, passando ao sul do Lazareto da Piedade, seguindo pela referida rua, barragem do Baldo, rua Ceará-Mirim, avenida Oitava e estrada da Areia Preta” (A REPUBLICA, Natal, 14 maio-14 jun. 1904.). Em linhas gerais, o modo de mencionar os limites da área urbana tornava-se mais racionalizado, mais preciso, com a menção de ruas, diminuindo o peso dado aos elementos da natureza como pontos de referência. Provavelmente uma tentativa de ampliar o controle sobre esses limites.

Nesse aspecto, não houve alteração de fato no perfil de atuação do Departamento de Saúde Pública. Em julho desse mesmo ano, por exemplo, resolveu dividir a cidade em zonas para facilitar os trabalhos de inspeção e recenseamentos. Zoneamento ainda incipiente, mas que estabelecia instrumentos mínimos para o controle do espaço urbano; a proposta compreendia uma “zona urbana central” (Cidade Alta e Ribeira, da rua Silva Jardim ao córrego que passava do Baldo até o Oitizeiro e da avenida Deodoro e da rua São José até o rio Potengi), uma “zona urbana periférica” (Tirol, Petrópolis e Alecrim, até a avenida Alexandrino de Alencar) e a “zona suburbana” (Areia Preta, Rocas, Alto da Bandeira e demais localidades), além da “zona rural”. Ainda estabeleceu as proibições e punições aos que sujavam as vias públicas, com “lixo, cascas de fructas, papeis, etc.”, principalmente na zona urbana central; estendeu a exigência para todo o estado de um parecer sanitário para qualquer construção ou reforma realizada; e regulamentou e obrigou o uso de depósitos de lixo em todas as habitações. (“Pelas Repartições – Directoria de Higiene”, A República, Natal, n.148, p.1, 04 jul. 1924; “Varias”, A República, Natal, n.218, p.2, 25 set. 1924; “Pelas Repartições – Departamento de Saúde Publica”, A República, Natal, n.268, p.1, 25 nov. 1924.).

O Alecrim era um dos pequenos povoados que dava assistência aos viajantes que se destinavam ao núcleo urbano natalense, no século XIX. A maioria das residências eram compostas por granjas e casebres. Surgindo ao redor do cemitério, o bairro do Alecrim foi oficializado conforme a resolução municipal do dia 23 de Outubro de 1911.

Governo do Municipio do Natal
Resolve:
Art. 1º – É creado o “bairro do Alecrim” desmembrado do da “Cidade Alta” desta capital tendo por limites ao norte uma linha que, partindo da ponta da Areia Preta, se dirija, pela rua Ceará-Mirim e Baldo, ao rio Potengy; a leste o oceano até encontrar a Avenida Sul que demora ao extremo do terreno patrimonial do municipio; ao sul a mesma Avenida limite do patrimonio municipal até ao rio Potengy, e a oeste o mesmo rio Potengy, até encontrar o ribeiro que banha o sitio denominado Oitizeiro.
Art. 2º – Revogam-se as disposições em contrario.
Sala das sessões da Intendencia do municipio do Natal, 23 de outubro de 1911.
Joaquim Manoel T. de Moura – presidente, Theodosio Paiva, Padre José de Calazans Pinheiro, Miguel Augusto Seabra de Mello, Dr. Pedro Soares de
Amorim, Antonio Joaquim Teixeira de Carvalho, Fortunato Rufino Aranha. (A REPÚBLICA, Natal, 24 out. 1911, s/pg.)

As ideias presentes no Plano de Sistematização também influenciaram a divisão administrativa de Natal no final da década de 1920. Em 1929, o prefeito Omar O’Grady, preocupado com o ordenamento da urbe instituiu a Lei nº 04 que “dispõe sobre construções, reconstruções, acréscimos e modificações de prédios”. Esta lei é o primeiro instrumento legal a fazer o zoneamento da cidade. Era uma espécie de código de obras municipal que tentava facilitar o controle da urbanização de Natal. Ficava determinado que a cidade seria dividida em quatro zonas para facilitar a aplicação dessa lei: primeira zona ou central, segunda zona ou urbana, terceira zona ou suburbana e quarta zona ou rural, que teriam os seguintes limites:

a)a zona Central comprehenderá a área limitada ao Norte pelo actual bairro das Roccas (inclusive o mesmo); a Oeste pelo rio Potengy a partir do limite Norte da cidade até a rua Aureliano de Medeiros e por esta até á Praça Augusto Severo, seguindo pela Avenida Junqueira Ayres, rua Padre João Manoel, Praça Gonçalves Lêdo até a Praça André de Albuquerque; ao Sul partindo da Praça André de Albuquerque pela Praça João Maria e rua Pedro Soares até a Avenida Rio Branco; a Leste, a partir da rua Pedro Soares pela Avenida Rio Branco, Praça Leão XIII, rua General Glycerio até atingir o limite do bairro das Roccas;
b) a zona Urbana comprehenderá a área entre a zona Central e a Avenida Sylvio Pelico, rua Amaro Barreto, Avenida Dois, Estrada São José, Rua C,
Avenida Prudente de Moraes, Avenida Alexandrino de Alencar até á Avenida Hermes, por esta até a rua Areia Preta e dahi por uma recta em direção á Ponta do Pinto, extendendo-se dentro destes limites entre o Oceano Atlantico e o rio Potengy;
c) a zona suburbana será constituída pelos terrenos compreendidos entre o limite sul da zona Urbana e o limite do Patrimonio Municipal; d) a zona Rural comprehenderá a área situada entre o limite do Patrimonio Municipal e os limites do Municipio de Natal (PREFEITURA municipal de Natal. Lei n.4, de 02 de setembro de 1929. Tipografia Oficinas Alba, Rio de Janeiro, 1929.).

A Lei nº 4.328 oficializou este bairro.

A Lei nº 4.328 oficializou este bairro.

BONDES

O aumento do dinamismo na vida urbana deveu-se ao bonde elétrico. Esse meio de transporte encheu a cidade de movimento e lhe impôs novo ritmo, levando as pessoas, independentemente da atividade, trabalho ou passeio, a percorrer as ruas, proporcionando-lhes o deleite das paisagens urbanas, transportando-as mais velozmente até os lugares, diminuindo as distâncias, tornando mais acessíveis algumas áreas da cidade. O
bonde foi fundamental, por exemplo, para o uso da Praia de Areia Preta como ponto de encontro, espaço de sociabilidade.

Em 1908 circulam os primeiros bondes à tração animal (burros) da Companhia Ferro-Camil inaugurando o primeiro trecho da Rua Silva Jardim à Praça Padre João Maria; No dia 18 de janeiro a Intendência Municipal, através da resolução 115, determina a praia de Areia Preta como primeiro balneário da cidade.

Em 1911, o conforto dos potiguares multiplicara, com o empréstimo externo de 4.214:274$830 feito na França, e os trilhos dos bondes elétricos chegavam até o Alecrim. Já em meados de 1913, estendiam-se, da Avenida Rio Branco até o bairro do Tirol, onde está atualmente, o Aeroclube. E no início de 1915, chegavam à praia de Areia Preta (CASCUDO, Luis da Câmara, História da Cidade do Natal, p. 291).

No ano de 1912 haviam cinco bondes elétricos em tráfego. O tráfego do sistema de transporte elétrico respeitava os seguintes trajetos: a primeira linha ligava os bairros Cidade Alta e Ribeira, a segunda linha ligava a Cidade Alta ao bairro Cidade Nova, dando acesso à praia de Areia Preta; outra linha estendia-se até o Alecrim, bairro que, à época, era um local de moradias modestas e não era conhecido oficialmente como bairro da cidade (ARRAIS, Raimundo. ANDRADE, Alenuska. MARINHOS, Márcia. O corpo e a alma da cidade. Op. Cit. p. 108-110). As melhorias do transporte público na cidade do Natal possibilitaram o encurtamento das distancias dos espaços, bem como a expansão, a ordenação e o progresso da pequena capital norte-rio-grandense.

A linha de Bonde chega ao Monte Petrópolis em 1913, facilitando o acesso a Praia de Areia Preta. Sobre esse assunto cf. MARINHO, Márcia M. F. Natal civiliza-se: sociabilidades e representações espaciais da elite (1900-1929). In: Anais do XXIV Simpósio Nacional de História: História e multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos. São Leopoldo: Unisinos/Associação Nacional de História – ANPUH, 2007.

A concessão do serviço de bonde passa também em 1913 das mãos da Companhia Ferro Carril para a Empresa Tração Força e Luz Elétrica de Natal, “que continua expandindo o serviço, de modo que em 1915 o bonde alcança Areia Preta, a praia elegante da cidade” (ARRAIS, 2009, p. 173). Entre as modificações iniciadas pela Empresa nas linhas de tramways pode-se indicar o prolongamento para Solidão, Tirol, Areia Preta, Alfândega (bairro do
Alecrim) e Matadouro, com um desenvolvimento de cerca de sete quilômetros em extensão, além da montagem de novos carros motores de passageiros e de carga e a construção de carros para transporte de carne verde aos mercados da Cidade Alta e Ribeira.

Em setembro de 1915 o A Republica publicou outra reclamação dos moradores de Petrópolis, que estavam revoltados pela atitude da Empresa Tração Força e Luz. Essa empresa tinha reduzido o número de bondes que atendiam a região do monte. A nota também reclamava da demora dos bondes, que faziam o trajeto até a Praia de Areia Preta gastando 45 minutos, tempo “mais que suficiente para alguém de boas pernas fazer a viagem de ida e volta áquella praia” (VARIAS. A Republica, Natal, 06 set. 1915.p.2).

A região de Areia Preta era atendida pelo serviço de bonde desde 1915 (CASCUDO, Câmara. História da Cidade do Natal. Op. cit., p.384). A Intendência de Natal, por sua vez, também deve ter decidido construir a nova avenida moderna observando essa ampliação nas solicitações na região desde 1925.

Com a facilidade de acesso aos locais da cidade proporcionada pelos bondes, as festas deslocaram-se para os bairros novos, saindo dos tradicionais espaços de sociabilidades situados entre os bairros Cidade Alta e Ribeira. Como ocorrido, de acordo com nota d’A Republica, com as festividades Natalinas de 1916:

As festas de Natal não correram este anno muito animadas no centro da cidade, porque se deslocaram para os arrabaldes do Alecrim e Areia Preta. E Areia Preta, a praia de grande luxo, que tomou uma feição accentuadamente aristocrata, os veranistas souberam distrahir-se com a elevada distincção do seu trato fidalgo (…) (As festas de Natal. A República. 26 de dezembro de 1916).

Areia Preta destacou-se como recanto elegante das festividades natalinas do ano de 1916, evento que marcava a abertura do período de veraneio na cidade, que tinha essa praia como um dos lugares mais concorridos desde a ocupação do bairro Cidade Nova. Sendo assim, desde outubro desse ano a gerência da E.T.F. e Luz Elétrica de Natal anunciou que os “bonds da linha de Petropolis que partem da Ribeira até 10, 57 e de 3,27 avante, irão á Areia Preta, emquanto durar a estação de banhos de mar” (E.T.F. e Luz Elétrica de Natal/Bonds. A Republica. 09 out. 1916.).

O bonde dava vida à cidade, ajudando a conformar um modo de vida urbano. Além de ter sido, ele mesmo, um novo espaço de sociabilidade com regras de condutas a serem seguidas. O bonde conduzia os habitantes para o teatro, para os centros comerciais da Ribeira, os cinemas e os clubes, a praia de Areia Preta. No jornal A Republica comentou-se que “o movimento de bondes e automoveis transportando para os diversos bairros consideravel multidão, emprestava a cidade um aspecto dos dias de grandes festas” (LUZ ELECTRICA NA REDINHA. A Republica, 20 de novembro de 1924, p. 1.).

Entre as melhorias desencadeadas constam o embelezamento dos jardins públicos, o calçamento de vários logradouros – entre eles a Travessa Ulysses Caldas, no trecho que vai da Avenida Rio Branco à Deodoro, facilitando o tráfego de automóveis à Cidade Nova – e a construção de estradas ligando Petrópolis à Avenida Norte na Ribeira e à praia de Areia Preta (NOVOS…, 1925).

No fragmento a seguir percebe-se também que é lamentado o fato de que a infraestrutura ao invés de ter evoluído, teria decaído consideravelmente
no decorrer dos anos, como, por exemplo, a inoperância de linhas anteriormente ativas, como no caso da linha de Areia Preta.

Em relatório o governador José Augusto Bezerra de Medeiros comentou sobre o projeto também iniciado em sua gestão que consistia em ligar a linha de bondes que atendia a região de Petrópolis à Areia Preta, permitindo maior movimento ao tráfego urbano (RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros (1926). Disponível em: . Acesso em: 05 nov. 2013. p.59.). Esses
melhoramentos na viação urbana também foram exaltados pelo jornal que representava o Partido Republicano Federal do Rio Grande do Norte.

No dia 25 de abril de 1926, o periódico A Republica publicou uma nota comentando as transformações empreendidas pelo engenheiro Paulo Coriolano, o responsável por coordenar a ligação da linha de bondes da região do Tirol com o bairro Alecrim e pela expansão da linha de bondes de Petrópolis, que se estenderia até a praia urbana de Areia Preta, projeto previsto para ser concluído em setembro desse ano (MELHORAMENTOS na viação urbana. A Republica, Natal, 25 abr. 1926.).

Apesar de ter sido anunciada desde maio de 1925, a construção da Avenida Atlântica foi concretizada somente no ano posterior. Os trabalhos para a abertura da nova avenida foram iniciados em janeiro de 1926. Segundo nota publicada no jornal A Republica em 15 de janeiro desse ano, o trecho que acompanhava a linha de bondes de Petrópolis até a estação balneária, localizada na praia de Areia Preta, era um dos mais simpáticos da cidade, mas também um dos menos acessíveis (A AVENIDA Atlantica. A Republica, Natal, 15 jan. 1926. p.1.). Essa situação seria modificada com a construção da imponente avenida Atlântica, que fomentaria ainda mais o desenvolvimento do bairro Cidade Nova (Idem).

Espacialização das linhas de bonde em 1926. Fonte: Acervo HCUrb. Nota: Elaboração do autor sobre o mapa do Plano de Sistematização de Henrique de Novaes para Natal, de 1924. Cidade Nova destacada em laranja. Destaque para a linha até Lagoa Seca (em vermelho), inaugurada em 1926.
Panorama apanhado da rua das Dunas, que demonstra o término da balaustrada da Avenida Atlântica. Fonte: INTENDENCIA Municipal. Relatorio apresentando à Intendencia Municipal de Natal pelo presidente Omar O’Grady, em sessão de 1º de janeiro de 1927. Natal: Imprensa Diocesana, s.d.

Como é possível observar pela fotografia apresentada no relatório do presidente da Intendência de Natal, Omar O’Grady, de sua gestão do ano de 1926, publicado em janeiro de 1927, tratava-se de uma ampla avenida, por onde poderiam transitar automóveis, bondes e indivíduos, possuindo postes de iluminação e uma balaustrada que poderia ser utilizada para observar algumas das principais belezas naturais da cidade, como a Fortaleza dos Santos Reis e a praia de Areia Preta, bem como serviria de espaço de sociabilização, destinado a conversas e encontros.

O “Curso Waldemar de Almeida” realizou mais uma apresentação de alunos com objetivos beneficentes. A 15a audição, em benefício da Caixa Escolar do Grupo Antônio de Souza, que tinha como finalidade a ajuda aos alunos carentes, fornecendo livros, roupas, calçados e demais material didático, verificou-se a 4 de dezembro de 1932 no Teatro Carlos Gomes. Waldemar de Almeida aproveitou a oportunidade para homenagear seu amigo Audifax Gonçalves de Azevedo, protetor do pianista quando de seus estudos em Paris.

Como sempre acontecia em momentos especiais, tocou a banda da Força Policial Militar no saguão do teatro. Considerando-se as “distâncias” de certos bairros da cidade em 1932, a Companhia Força e Luz prestou importante colaboração, garantindo a circulação de bondes para os bairros de Areia Preta e Praia do Meio.

[…]. Cidade de mais de cincoenta mil habitantes, vive hoje sujeita a uma dúzia de carros aproveitados, circulando em linhas reduzidas, por preços elevados para percursos pequeníssimos. Em consequência, carros que deviam ser destruídos por imprestáveis provocam todos os dias verdadeiros desastres em passageiros, principalmente senhoras. Já se tornaram acontecimentos communs os frequentes incêndios nos “controllers” dos carros, occasionando sustos, quedas, ferimentos certos, abalos violentos. Hontem, justamente quando o comercio estava para reabrir, verificou-se uma dessas occorrencias. Um bonde começou a incendiar nas proximidades da praça André de Albuquerque e se arrastou até defronte da Delegacia Fiscal. Nesse ponto parou de uma vez e o fogo tomou conta do seu lastro arruinado. Quem não possue a sorte de se vêr livre dos bondes, porque tem automóvel, voltou ao trabalho a pé, commentando os aborrecimentos da meia hora de paralysação geral do trafego. […]. Praia do Meio e Areia Preta estão cheios de veranistas. Mas é um sacrifício veranear nas praias de Natal. Nem bonde, nem omnibus. E a gente pensar que Areia Preta já teve linha de bondes há uns vinte annos! E já tivemos trafego directo de bondes para Petropolis e Tyrol […] (PERIGOS…, 1937, p. 02).

Rua Pinto Martins, Areia Preta. Por Eduardo Alexandre Garcia
A foto mais recente é de 2013; a mais antiga, não sei precisar a data, mas ela mostra os trilhos do bonde que ia até o terminal de passageiros que ficava onde até poucos dias existia a Praça da Jangada, à beira-mar, avenida Sylvio Pedroza.

O serviço passou a ser oferecido à população natalense em 1915 e logo se tornou o passeio preferido dos que aqui residiam ou chegavam para visitar a cidade.

Era um deslumbramento!

Concentrada na Ribeira e Cidade Alta, daí até a praia uma extensa capoeira desabitada, de vegetação baixa sobre dunas, fazia com que poucos conhecem essa parte de Natal.

Para se chegar à Praia de Banhos (como, por decreto de 1908 da Intendência, por sugestão do doutor Januário Cicco, ficou sendo também chamada a praia de Areia Preta), só a pé, montado em jumento ou cavalo, ou de carroça ou charrete. Texto e Foto Eduardo Alexandre Garcia

AVENIDA ATLÂNTICA: O CAMINHO

A Avenida Atlântica, obra de grande vulto delineada de forma a margear o oceano, tem a sua construção iniciada em junho de 1925 (A REPUBLICA, 1925e). O percurso da avenida é traçado partindo do Laboratório de Análises do Estado (Hoje Hospital Universitário Onofre Lopes em Petrópolis) até a chamada Rua das Dunas, passando por Areia Preta, contabilizando uma extensão total de 800 metros. Os bondes são previstos para passar logo após a conclusão da avenida: “a linha de bondes será extensiva á avenida, logo que o permitta o andamento de suas obras” (A REPUBLICA, 1925e, p. 01). Sobre a Avenida Atlântica:

Pela sua situação privilegiada está fadada a ser a mais representativa de nossas artérias. Prosseguem os seus trabalhos, prompto já se encontra o seu longo muro de arrimo, de mais de quarenta metros, já se lhe estando a collocar os balaústres que lhe dão graça especial (A INTENDENCIA…, 1925, p. 01).

A construção da avenida Atlântica, ligando o Monte à praia de Areia Preta foi concluída em 1926, elemento de modernização que também deve ter contribuído para a ampliação das solicitações de enfiteuse. Construída no bairro Cidade Nova, tornou-se um dos principais cartões postais da capital e um símbolo de destaque da remodelação na gestão de O’Grady. Possuía a extensão de 800 metros, com 425 metros de balaústres e passeios, que poderiam ser utilizados para observação da Fortaleza dos Santos Reis e da praia de Areia Preta, além de postes de iluminação elétricas a cada 20 metros.

Com mais dinheiro em caixa, a Intendência seguia novos rumos. É este o título de matéria publicada n’A Republica, que exalta as ações realizadas em poucos meses pela nova gestão da cidade. Após lançar uma série de elogios ao novo edil, o redator da matéria tratará de apontar as obras pelas quais a cidade vinha passando nos últimos oito meses. A lista é extensa:

[…] o concerto de todas as estradas de rodagem existentes na capital, alem da construcção de uma que ligará o Monte Petropolis á Areia Preta.

O calçamento se alastra pela cidade atingindo também, embora de maneira ainda tímida e pontual, os considerados “subúrbios” como o Alecrim e as Rocas:

[…]. E foi o que se fez, porque organizada a reacção, ainda em 1925, já sob a administração do dr. Omar O’Grady, attendendo as necessidades dos diversos recantos da Cidade, foram feitos – o calçamento da rua Ulysses Caldas, da Avenida José Bernardo, servindo ao bairro operário do Alecrim e dando accesso ao Cemiterio, o embellezamento da Avenida Atlantica ao bairro de Petropolis e da Praça Pedro II na Cidade Alta, o magnífico calçamento a parallelepipedos da rua Dr. Barata e travessas Venezuela e Quintino Bocayuva, além da estrada para Areia Preta permittindo o accesso ás nossas praias de banho e de outra para as Roccas (EM PROL…, 1930a, p. 01).

Em 1938 essa Avenida passou a denominar-se Getúlio Vargas, atualmente conhecida popularmente como Ladeira do Sol, ver: SANTOS, Renato Marinho Brandão. Natal, outra cidade!. Op. cit., p. 187; SIQUEIRA, Gabriela Fernandes de. Por uma “Cidade Nova”. Op. cit., p.382-385.

Conforme elucidado no tópico anterior, em entrevista concedida em 1926, O’Grady previa a construção de estradas de automóveis também na Praia do Meio e em Areia Preta, já percebendo, portanto, o potencial dessa região e prevendo mecanismos para interligá-la de forma mais acentuada às obras de modernização da cidade.

Cartão-postal: Jaeci Galvão. Avenida Atlântica. Fotografia de início da década de 1950. Avenida Atlântica – Hoje Getúlio Vargas.
7/8/1927 – “Omar O’Grady ante praias/ natalenses”. Fonte: Acervo IEB/USP (606 – 16/D/35).
VISTA AÉREA DA AVENIDA GETÚLIO VARGAS (Bairro Petrópolis). Foto: CD Rom Natal 400 Anos.
VISTA DO BAIRRO PETRÓPOLIS (Vendo-se ao fundo o Rio Potengi). Foto: Acervo SEMURB

A CHEGADA DA ELETRICIDADE

A empresa Empresa de Tração Força e Luz Elétrica de Natal estende o serviço de bondes até a praia de Areia Preta em 1915. A atuação da Força e luz foi muito questionada, alegando-se que os serviços urbanos prestados eram deficientes, insatisfatórios. Tal situação ultrapassou o limite da verbalização. Em 1916, pessoas manifestaram sua insatisfação com ações de violência contra o patrimônio da empresa, as quais foram consideradas fruto de campanha contra E. T. F. e Luz de Natal, realizada através de inúmeras queixas que vinham sendo publicadas nos jornais locais. O incidente foi comentado em matéria d’A Republica:

Foi o facto que todas as lampadas de illuminação publica, desde a avenida Deodoro à Areia Preta, amanheceram quebradas e com os braços inutilizados, prejudicados de tal forma este serviço que, ainda hotem não pode ser restabelecido (VARIAS. A Republica, 23 out.1916).

No início do ano de 1925, essa Repartição iniciou a reorganização dos serviços urbanos para aumentar a capacidade energética da usina, melhorar a distribuição e esticar a linha de bonde. De acordo, relatório do primeiro ano de governo de José Augusto, para essa reorganização dos serviços realizou-se um balanço patrimonial da usina, oficina e escritório para se prevê as melhorias e recursos necessários. De acordo com o texto do relatório:

Concluida a montagem de um motor a gaz pobre, de 225 cavallos, dentro de poucos dias, estará a Uzina habilitada a satisfazer com suficiencia os serviços a seu cargo, estendendo se a rede de luz eletrica a outros pontos da cidade e ampliando o serviço de bondes pela construção de linhas para as Roccas, Limpa e Areia Preta. Para attender a esta ultima parte, está a Repartição tratando de augmentar o numero de carros, aproveitando os antigos bondes da extincta Empreza Tracção, Força e Luz. (…).

Com o novo motor, a Repartição de Serviços Urbanos de Natal tinha o objetivo de colocar em melhor funcionamento e ampliar a infra-estrutura dos serviços da capital. Nesse intuito, construiu novas linhas de bonde e aumentou a iluminação da cidade, conforme publicou em relatório:

construiu uma nova linha de bondes na capital, numa extensão de 2,500 metros, e se acha em construcção uma outra para Areia Preta, pitoresca
praia de banhos, devendo ser inaugurada ainda este ano; executou obras de drenagem em varios pontos considerados insalubres; augmentou a iluminação publica e melhorou consideravelmente os serviços de telephone e abastecimento de água na capital (CAMARA, Amphiloquio. O Rio Grande do Norte de hoje. As realizações do governo José Augusto. Os effeitos de uma boa politica alliada a uma boa administração. A Republica, 25 de novembro de 1926, p. 1.).

OCUPAÇÃO DO ESPAÇO

Em fins do século XIX a Cidade Alta findava no sitio Cucuí, lado direito da rua Ulisses Caldas… Daí em diante era capoeira, mato ralo mas contínuo até os morros. Corriam picadas abertas, levando às moradas disseminadas numa área extensa e o caminho para o Morcego, hoje Praia do Meio. Areia Preta ficava no fim do mundo e os raros visitantes daquele recanto habitado por pescadores iam a cavalo, com os ares displicentes de quem viaja valentemente. Caçava-se por aí aos domingos (CASCUDO, 1999, p. 351).

O bairro Cidade Nova foi construído em uma região em constante contato com a natureza. Tratava-se de uma área de dunas e matas, próxima à Praia de Areia Preta. Região que, antes de sofrer intervenção oficial, contava com apenas alguns casebres construídos por retirantes e sítios de membros abastados da sociedade natalense e bem relacionados com o grupo Albuquerque Maranhão. Era uma área considerada distante dos outros dois bairros existentes na cidade. Para chegar até aquela região era preciso uma longa caminhada, que poderia ser facilitada pelo uso do cavalo e, posteriormente, pelo uso das linhas de bondes.

Venâncio Santiago também foi outro que construiu uma casa, entre 1894 e 1895, na entrada da Cidade Alta para Areia Preta, ao sul da rua João Olímpio, não chegando a habitá-la por ter sido transferido para o Rio Grande do Sul em virtude de sua ocupação como funcionário da Fazenda Federal. Teófilo Brandão, já mencionado, construiu uma residência destinada a ser moradia de sua sogra, em 1898, depois repassou a residência para Olympio Tavares. Tavares também era um membro importante da sociedade natalense do período, foi intendente de Natal entre 1896 e 1901, era um dos comerciantes mais influentes da cidade e ligado aos Albuquerque Maranhão, sendo casado com uma irmã de Pedro Velho. As informações biográficas de Olympio Tavares podem ser consultadas em: SANTOS, Renato Marinho Brandão. Natal, outra cidade!: o papel da Intendência municipal no desenvolvimento de uma nova ordem urbana (1904-1929). Op. cit., p. 85-86.

Segundo Cascudo (1999), desde o governo de Pedro Velho (1892-1896), já existiam planos (esboços) de expansão da cidade com a criação de novos bairros. O Governador Pedro Velho, passeando de cavalo nas redondezas da Cidade Alta, atual bairro de Petrópolis, chamava aquela região de Cidade Nova, o que era alvo de gargalhadas dos natalenses. Ninguém acreditava que Natal cresceria até o fim do mundo . Vejamos o que diz nosso historiador maior:

Em fins do século XIX a Cidade Alta findava no sitio Cucuí, lado direito da rua Ulisses Caldas… Daí em diante era capoeira, mato ralo mas contínuo até os morros. Corriam picadas abertas, levando às moradas disseminadas numa área extensa e o caminho para o Morcego, hoje Praia do Meio. Areia Preta ficava no fim do mundo e os raros visitantes daquele recanto habitado por pescadores iam a cavalo, com os ares displicentes de quem viaja valentemente. Caçava-se por aí aos domingos (CASCUDO, 1999, p. 351).

Vista parcial da Praia do Meio. Foto: Manoel Dantas. Fonte: Natal Ontem e Hoje SEMURB.
CASAS DE PESCADORES NA PRAIA DE AREIA PRETA. Possível registro da visita de profissionais de saúde ao local na época da Epidemia da Gripe Espanhola em Natal/RN. Foto: Dr. Manoel Dantas (fotógrafo viveu em Natal no período de 1900 até sua morte, em junho de 1924).

As praias que durante o século XIX abrigavam apenas as comunidades de pescadores e eram frequentadas esporadicamente, em épocas de veraneio, pela população citadina que para lá se deslocava. A partir das primeiras décadas do século XX, a população natalense passou a encarar a orla marítima como um lugar de residência (VIANA, Helder do N. A invenção do viver bem: transformações nos hábitos de consumo na cidade do Natal, 1900-1930. p. 16.).

Praia de Areia Preta (início do séc. XX) fonte: CD – Natal 400 anos (data e autor não identificados)

Na imagem acima, percebemos a pouca ocupação da praia de Areia Preta, uma das praias onde o banho de mar era mais frequente. Nela percebemos pequenas choupanas ocupadas por pescadores, a presença de jangadas num dos focos principais da imagem estabelece a relação que o natalense que vivia naquela porção da cidade tinha com aquele espaço. Naquele começo do século XX as faixas de praia da cidade era o lugar de morada de famílias de pescadores, que viviam próximos ao mar, tão somente devido a sua atividade de trabalho.

A essa região, definida oficialmente como região balneária em 1908, era recanto de pescadores até o ano de 1920, “quando sua popularidade e rude beleza prestigiaram-lhe a fama. Os pescadores foram vendendo ranchos e os natalenses construindo outros”. Ainda segundo Câmara Cascudo, era um local de “festas lindas, serenatas, banhos de fantasias, piqueniques espaventosos”. (CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal, p. 260.) Tornou-se região de veraneio, segundo o princípio de busca por locais mais saudáveis e, ao mesmo tempo, afastado e com fácil acesso ao centro da cidade. Nesse sentido, o historiador e folclorista norte-rio-grandense diz: “no tempo em que veraneava ali o comerciante Jorge Barreto, aclamado conde de Areia Preta pelos amigos”. Para a “praia feliz” (Ibid., p. 260.) acorria a elite local em busca de banhos, que eram cada vez mais sinônimo de saúde e cura.

A Praia de Areia Preta era o local de chegada dos bondes elétricos, que desciam o morro de Petrópolis para o deleite daqueles que gostavam da brisa do mar. Mas, isto era, em 1912, segundo Cascudo (1999), o mais delicioso passeio da época. Podemos imaginar. Lugar de muitas histórias recorremos, a Luís da Câmara Cascudo para saber como tudo começou.

…Praia feliz. Era recanto de pescadores até 1920, quando sua popularidade e rude beleza prestigiaram-lhe a forma. Os pescadores foram vendendo os ranchos e os natalenses construindo outros, mais feios, e indo passar as semanas de calor. Era a mais longínqua das terras para o leste e deu margem as festas lindas, serenatas, banhos de fantasia, piqueniques espaventosos e mesmo causou inveja às reuniões da cidade no tempo em que veraneava ali o comerciante Jorge Barreto, aclamado conde de Areia Preta pelos amigos que veraneava ali o comerciante Jorge Barreto, aclamado conde de Areia Preta pelos amigos (CASCUDO, 1999, p. 260).

Em 26 de julho de 1924, o jornal situacionista publicou uma declaração em que os donos do Café Tyrol, Joaquim Lins (Não foram encontradas informações sobre esse indivíduo) e Adauto Câmara (Adauto Câmara era um nome influente da sociedade natalense. Foi deputado entre 1924 e 1927 e diretor do Departamento de Segurança Pública no governo de Juvenal Lamartine, ver: CARDOSO, Rejane (coord.). 400 nomes de Natal. Op. cit., p.17.), informavam aos fregueses que o café mudaria de endereço, sendo transferido para as proximidades da praia de Areia Preta e do Hospital Juvino Barreto, onde “continuam a satisfazer com presteza e sinceridade à sua numerosa freguesia” (SOLICITADAS. A Republica, Natal, 26 jul. 1924.p.2.). A partir dessa data o estabelecimento também teria seu nome modificado, passando a denominar-se Café Beira Mar.

A expansão da ocupação para o eixo sul da cidade. Contudo, entre 1925 e 1927, uma parte considerável das solicitações de lotes na região suburbana referiase a terrenos na Praia do Meio e/ou na Praia de Areia Preta, localizadas na região litorânea, nas proximidades do Monte Petrópolis de Cidade Nova. Das 58 solicitações de lotes no subúrbio em 1925, 36 faziam referência a lotes em Areia Preta ou na Praia do Meio; das 64 solicitações de terras no subúrbio em 1926, 32 remetiam a terras em Areia Preta ou na Praia do Meio e, em 1927, dos 26 editais solicitando lotes nos subúrbios, 12 remetiam a terras na Praia do Meio ou em Areia Preta.

Número de casas existentes em Natal em 1917. Fonte: RELATORIO apresentado a Intendência do Municipio de Natal em sessão do 1 de janeiro de Op. cit., p.18.

Apesar da proximidade com o bairro urbano Cidade Nova, tanto Areia Preta, tornada oficialmente praia de banho da capital em 1908 pela Resolução n.115, como a Praia do Meio eram regiões suburbanas. De acordo com a Resolução, os que edificassem casas em Areia Preta de acordo com as instruções da municipalidade gozariam de isenção de todos os impostos municipais, entre eles “emolumentos da carta de aforamento”. Observa-se como, em 1908, a Intendência de Natal buscava, por meio da isenção tributária, incentivar a ocupação de lotes e a edificação na região de Areia Preta, certamente pouco habitada nesse período. Não foram encontradas fontes que indicassem se essa isenção de impostos permaneceu ao longo do recorte temporal aqui analisado. Ver: A REPUBLICA, Natal, 14 fev. 1908. Provavelmente os indivíduos que solicitavam lotes nessas praias almejavam construir casas de veraneio, indicando que, na década de 1920, o banho de mar se tornou popular entre esses sujeitos.

Em dezembro de 1923, Clotilda Vieira publicou um protesto contra Romualdo Galvão, nome de destaque na sociedade natalense, ex-presidente da municipalidade. Vieira acusou Galvão de invadir terrenos apossados por ela em Areia Preta, subúrbio natalense, e contiguo à casa de sua propriedade, construindo “um telheiro sobre beiral de sua referida casa”1293. Galvão, por sua vez, alegou que o terreno em litígio foi aforado inicialmente por Luiz Veiga, e, em 1922, adquirido por ele de Bruno Pereira, assegurando que Clotilda Vieira não tinha posse alguma sobre o lote, por isso o protesto não seria legítimo (SOLICITADAS. Contra-protesto. A Republica, Natal, 16 dez. 1923.).

Francisco de Noronha, em março de 1927, protestou contra a solicitação de enfiteuse de Maurillo Pereira, que requereu um lote na praia de Areia Preta em que o protestante possuía uma casa adquirida por compra. Noronha alegou possuir carta e planta do lote em questão (EDITAES. Protesto. A Republica, Natal, 29 mar. 1927.).

Em março de 1927, novo edital mencionou Deolindo Lima como requerente de um lote em Areia Preta. Ao lado do pedido, tem-se a seguinte informação: “ao diretor de fazenda para mandar proceder a demarcação” (GOVERNO do Municipio. A Republica, Natal, 09 mar. 1927.), o que sugere, portanto, que a solicitação foi atendida.

Adquirindo esses dois lotes no subúrbio, Lima acumulou um patrimônio equivalente a 95 habitações populares. Todavia, as notas do A Republica indicam que, assim como outros intendentes, ele aforou mais lotes do que as cartas de enfiteuse encontradas sugerem. Seu nome foi citado como confrontante em edital de solicitação de terra na Ribeira em junho de 1913 (EDITAES. A Republica, Natal, 16 jun. 1913.).

Praia de Areia Preta na década de 1930.

Apesar de não ser possível espacializar na representação cartográfica da cidade elaborada em 1924 a maioria dos terrenos aforados por O’Grady, em virtude da imprecisão dos limites listados na documentação, constatou-se que dos cinco lotes apropriados por ele entre 1903-1929, apenas um localizava-se no bairro Cidade Alta, os demais, todos adquiridos entre 1926 e 1927, encontravam-se na região suburbana de Natal, três deles nas proximidades de Areia Preta e um deles mais ao sul da cidade, entre a Avenida 15 e a Avenida 16. Assim, O’Grady apropriou-se de 92.511,06 m² de terrenos da Intendência natalense enquanto exercia o Executivo municipal, uma área correspondente a quase 13 campos de futebol no padrão FIFA e equivalente a mais de 660 unidades de moradias populares, o que pode sugerir que o prefeito engenheiro aproveitou-se de sua condição de prestígio no espaço social natalense, fortalecida por meio de seu capital político, para apropriar-se do patrimônio municipal via enfiteuse. O padrão de ocupação do referido enfiteuta parece seguir o padrão existente na década de 1920: ampliação da apropriação de terras na zona suburbana da cidade.

Em junho de 1925, Theophilo Brandão recebeu em enfiteuse outro extenso lote, com 51.094 m² na região suburbana, pelo qual pagava 11.820 réis anuais, quando deveria pagar 30 vezes mais (357.658 réis) (NATAL. Prefeitura Municipal do Natal. Carta de aforamento n.972 S, de 16 de junho de 1925. Natal: s.d). Em 1930, esse lote foi desmembrado em duas partes e a documentação informou que os lotes resultantes foram registrados no livro 08 da Cidade Nova. De fato, as cartas foram encontradas nesse livro e, pelos limites informados na carta referente ao lote original, pode-se verificar na Imagem 22 (ponto em amarelo) que de fato se tratava de um terreno em Cidade Nova, e não na região suburbana, indicando um erro de registro da municipalidade em 1925 ao arquivar a carta no livro dos subúrbios.

O terreno tinha como limites a avenida Atlântica e a rua Areia Preta. De acordo com a Resolução n.183, que ratificou a Resolução n.120, conforme discutido no primeiro capítulo, esses limites faziam parte da região urbana de Natal, que compreendia “o espaço existente entre a costa do mar e a margem direito do Rio Potengy, de sua embocadura até Refoles, donde seguirá pela avenida Alexandrino de Alencar, até encontrar a avenida Hermes da Fonseca e a estrada da Areia Preta, até o Litoral”. Ver: A REPUBLICA, Natal, 28 out. 1914.

Localização do lote registrado na carta 506 S. Fonte: Elaboração da autora sobre Planta cadastral e topográfica elaborada por Henrique de Novaes em 1924.

Em 1929, o prefeito Omar O’Grady, preocupado com o ordenamento da urbe instituiu a Lei nº 04 que “dispõe sobre construções, reconstruções, acréscimos e modificações de prédios”. Esta lei é o primeiro instrumento legal a fazer o zoneamento da cidade. Em seus artigos 1° e 2°, define-se o zoneamento da cidade:

a zona Urbana compreenderá a área entre a zona Central e a Avenida Sylvio Pelico, rua Amaro Barretto, Avenida Dois, Estrada São José, Rua C, Avenida Prudente de Moraes, Avenida Alexandrino de Alencar até á Avenida Hermes, por esta até á rua Areia Preta e dahi por uma recta em direcção á Ponta do Pinto, extendendo-se dentro destes limites entre o Oceano Atlantico e o rio Potengy.

O final da década de 30 do século XX pode ser caracterizado como um momento de aprofundamento e de consolidação de transformações urbanas
significativas na Cidade do Natal. Por meio das fontes pesquisadas, particularmente as crônicas de Danilo, inferiu-se que as elites administrativas dividiam a cidade em área urbana, suburbana e periferia. Para estas, a área urbana compreendia os bairros de Cidade Alta e Ribeira; a área suburbana, os bairros de Tirol e Petrópolis; e a periferia, o bairro do Alecrim e Rocas, os povoados e as pequenas aglomerações que eram chamadas Passo da Pátria, Quintas, Guarapes e as praias da Redinha e Areia Preta.

Desde a primeira década do século XX que o deslocamento na direção destes bairros acontecia de maneira muito lenta. Nesse período, além do
centro e dos bairros citados, os grupos dirigentes também frequentavam algumas praias nas férias escolares, particularmente Redinha e Areia Preta.

Praia de Areia Preta em 1930. De uma pequena vila de pescadores para um local cheio de prédios de alto padrão 90 anos depois. Na segunda guerra Mundial foi chamada de praia de Miami pelos americanos.
Praia de Areia Preta. Foto de João Galvão. Fonte: Prefeitura Municipal do Natal. Natal: cidade memória. Natal: SEMURB, 2009, p. 106.
Vista da Praia de Areia Preta.
Praia de Areia Preta. Foto feita por Manoel Dantas, provavelmente na década de vinte. A casa, na Praia de Areia Preta, já não mais existe. Em seu lugar foi construída a Praça da Jangada. Enviada por Sérgio Augusto Dantas.
Praia de Areia Preta, 1938
Areia Preta

MÁRIO DE ANDRADE

Antes da estadia mais alentada entre 1928 e 1929, Mário passara algumas horas em Natal, em 1927, quando retornava das viagens primeiras do “turista aprendiz”. O breve relato sobre Natal serve-nos para começar a adentrar uma outra cidade que seria desvelada.

“E a entrada linda de Natal pelas doze horas. Manso o Potenji. Forte dos Reis Magos a bombordo. Estamos enfim no Rio Grande do Norte, propriedade do meu amigo Luís da Câmara Cascudo, quem será? São dezenas de barquinhos se aproximando do baependi. Nisto vejo um rapaz gesticulando imensamente, exatíssimo no estilo das do Cascudinho, era ele. E era mesmo. Em terra, apresentações, o simpático prefeito Omar O’Grady, o Secretário Geral de Estado [Cristovam Dantas]. Autos. A praia maravilhos de Areia PReta, Petrópolis, Refoles, Reservatório. Encontro o poeta Jorge Fernandes na casa dele, encorujado. Cerveja no restaurantinho. E o jantar na Escola Doméstica, Butantã de Natal. Sem discurso. Partimos já era bem dentro da noite. Vida de bordo se preparando para dormir”. (Andrade, M., 1976, p.191, “07 de agosto” de 1927).

Em sua passagem por Natal, em 1929, Mário de Andrade exalta a região do Tirol e Petrópolis, percebendo nas ruas as características buscadas na modernidade local. Considera-se privilegiado por estar hospedado na região do Tirol e não deixa de observar a disposição do novo bairro em relação a outras partes da cidade, como a praia de Areia Preta, que era um local de acesso relativamente fácil, uma vez que já havia linha de bonde ligando a área central até o local onde a elite poderia tomar seus banhos de mar:

É bom não andar muito a pé, logo principiam ladeiras preguiçosas, mansas, compridas, as ruas se alargam, avenidas magníficas cheias de ar […]. Os espaços vão se tornando cada vez mais largos. No bairro alto de Petrópolis e avenida Atlântica se acaba no dó-de-peito dum belveder e mostra lá embaixo, Areia Preta, uma das praias mais encantadoras que conheço. E, se o rumo foi outro, chegamos ao Tirol, altura onde moro hospedado pela ventania. Eh! Ventos, ventos de Natal, me atravessando como se eu fosse um véu. (ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. São Paulo, Duas cidades. 1976. p. 233.).

Ao ritmo da City, do bairro comercial da Ribeira, com seu lufa-lufa diário e mais agitado, logo se sucede um outro ritmo, para o qual adverte Mário, a medida que sobe a cidade:

“É bom não andar muito a pé, logo principiam ladeiras preguiçosas, mansas e compridas, as ruas se alargam, avenidas magníficas cheias de ar, nenhuma nota de novo-rico. As casas têm aquela humanidade feliz de certos bairros burgueses de S. Paulo, não chamam a atenção. Os largos são cheios de folhagens. A praça Padre João Maria, com o busto do bom no centro, é uma ventura de quase pátio, um dos melhores encantos de Natal. […]. Vem o palácio do governo, familiar, aberto, casa excelente. A Prefeitura, um bocado pretenciosa [de arquitetura eclética] se enfeita acolá. Os espaços vão se tornando cada vez mais largos. No bairro alto de Petrópolis a avenida Atlântica se acaba no dó-de-peito dum belveder e mostra lá embaixo, Areia Preta, uma das praias mais encantadoras que eu conheço. E, se o rumo for outro, chegamos ao Tirol, altura onde moro hospedado pela ventania. Eh! ventos, ventos de Natal, me atravessando como se eu fosse um véu. Sou véu. Não atravanco a paisagem, não tenho obrigação de ver coisas exóticas… Estou vivendo a vida de meu país…”. (Andrade, M., 1976, p.233, “Natal, 16 de dezembro” de 1928.)

O itinerário de poucas horas construído pelos seus “cicerones”, marcado pelo oficialismo da recepção a um visitante já tão ilustre, passeia por algumas das principais realizações da administração O’Grady. Contudo, impressiona-lhe mais o afeto – recíproco – da recepção, como revelaria depois em carta a Cascudo, (Andrade, M., 1976, p.191, “07 de agosto” de 1927) e a paisagem da Praia de Areia Preta. Das várias fotos que faz da praia, em uma delas faz questão de enquadrar o prefeito Omar O’Grady, com seu indefectível terno branco e chapéu panamá, o “inventor de Areia Preta”. (Ibid, p.315, “Paraíba, 1 e 2 de fevereiro”de 1929.).

A correspondência entre o escritor paulista Mário de Andrade e Câmara Cascudo também indicou como Lamartine utilizava o seu patrimônio fundiário com objetivos diversos, entre eles o fortalecimento de laços. Em 1930, Lamartine presenteou Mário de Andrade com um terreno e uma casa em Natal, na praia de Areia Preta, adquiridos do Tenente Manuel Cavalcanti.

Provavelmente o patrimônio de Lamartine, no cenário da denominada “Revolução de 1930”, estava sendo investigado, e Andrade ficou preocupado que o bangalô de Areia Preta fosse incluído na investigação. Em 1973, Cascudo, em carta endereçada a Oswaldo Lamartine de Faria, filho de Juvenal, explicou o destino do bangalô de Andrade em Areia Preta. Provavelmente a casa em Areia Preta foi dada com a esperança de estreitar ainda mais esses laços. Ver: MELO, Veríssimo de (Org.). Cartas de Mário de Andrade a Luís da Câmara Cascudo. Belo Horizonte: Itatiaia, 2000. p.157-159.

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

No início da década de 1940, a cidade de Natal era pequena, com aproximadamente 55 mil habitantes distribuídos entre os bairros de Cidade Alta, Ribeira, Tirol, Petrópolis, Rocas e Alecrim, além das povoações do Passo da Pátria, Quintas, Guarapes e as praias da Redinha e Areia Preta. Governava o estado Rafael Fernandes de Gurjão, administrando até 1943, e o prefeito de Natal era o engenheiro Gentil Ferreira de Souza.

A área de pavimento a paralelepípedos cresce ano a ano, dando à cidade um aspecto agradável, tendo ainda a vantagem de corrigir os graves prejuízos decorrentes da erosão, uma vez que a cidade se acha situada sobre um maciço arenoso. O prefeito Gentil Ferreira de Souza, na Interventoria Rafael Fernandes, também muito fez nesse sentido, como se constata dos seguintes informes, além do que realizou no triênio anterior: em 1939, foram calçados perto de 26 mil metros quadrados; em 1940, nada menos de 23.320 e em 1941, área também vultuosa. Naquela época a capital tem 200 logradouros públicos, que se acham, assim, distribuídos pelos seus bairros e subúrbios: Praia do Meio – 8: 2 praças e 6 ruas, uma destas, a “Pinto Martins”, alcança o bairro de Areia Preta; Areia Preta – 4: 1 praça, 1 rua e 2 avenidas, que vêm desde a Praia do Meio.

As praias da cidade, onde só ia aos domingos ou sob prescrição médica, foram invadidas pelos soldados que iam de manhã, de tarde e de noite, havendo até a criação de uma praia particular, no fim da Areia Preta, batizada Miami pelos americanos.

Na década de 1940 e 50, integrantes da elite natalense adquiriram imóveis na Praia da Redinha e na Praia de Ponta Negra para o veraneio, nos meses entre outubro e janeiro. O hábito de tomar banho de mar passou a ser uma realidade em Natal no início do século XX. As primeiras praias a serem frequentadas foram a Praia de Areia Preta e a Praia do Meio.

Essas vias são de grande importância para a inserção do turismo na cidade de Natal, pois a partir dos calçamentos e da ligação que se deu entre as praias do Forte, do Meio, Areia Preta e Artistas, que se urbanizaram na administração de Sylvio Pedroza as atividades de banho foram gradualmente ganhando destaque, aumentando também o número de visitante a esses locais.

Passando férias na cidade, a violoncelista Nany Bezerra de Melo, ex-aluna do Instituto de Música, apresentou um recital íntimo na residência de seus pais, tocando Bach, César Cui, Villa-Lobos e Hoffmann, dedicado à imprensa local. Presente o pianista americano Rowland G. Sturges, que tocou Chopin e Waldemar de Almeida. A 15 de fevereiro de 1941 apresentou-se no Teatro Carlos Gomes, em benefício das obras da capela de Areia Preta e do Ambulatório São José, das Rocas.

O pianista Waldemar de Almeida morava na Avenida Deodoro, bem perto da casa onde estava o Maestro: […] podemos sair a pé, dobrar a esquina da Deodoro, passar pela Praça Pedro Velho e entrar numa casa da Seridó onde um dos maiores regentes de orquestra do mundo, o famoso regente e compositor alemão Wilhelm Furtwängler (Berlim, 1886 – Ebersteinburg, 1954), aguardava o transporte para continuar o voo para Buenos Aires. O Maestro já havia feito um passeio pela cidade e visto as suas praias. O pianista natalense, sempre apaixonado pela sua cidade, revelou, com uma ponta de orgulho: E nós que jamais pensamos que aquele homem um dia pudesse falar de Areia Preta, Praia do Meio e rio Potengi, ouvimos com ciúmes que ele tinha ficado encantado com esses retratos, que nós, um dia, lá longe, nos lembrando deles e vendo o Spree,369 gritamos para dentro de nós: Se este rio visse o Potengi ficava seco de despeito. (ALMEIDA, Waldemar. “Meia hora com Furtwängler em Natal”. A República, 4 de maio de 1948.).

Areia Preta-Natal- anos 30 ou 40.
PRAIA DE AREIA PRETA (Bairro Areia Preta). Foto: João Galvão
Cartão-postal: Jaeci Galvão, Natal, RN. “Cidade dos Trópicos” – Praia do Pinto. Final da década de 1940. Fonte: Acervo de José Valério Cavalcanti. Jaeci construiu essa série, sem intermediários, diretamente para a gráfica Ambrosiana. A série foi constituída por mais de 300 imagens.
Cartão-postal: Jaeci Galvão. Ponta da Praia do Pinto. Final da década de 1940. Fonte, acervo particular: José Valério Cavalcanti. Série Ambrosiana.
PRAIA DE MIAMI (Bairro Areia Preta). Foto: Jaeci E. Galvão
PRAIA DE AREIA PRETA (Bairro Areia Preta). Foto: Jaeci E. Galvão.
Praia da Areia Preta n.29, Foto Grevy.
Cartão Postal, Natal, Areia Preta, 1912.
Grande fotógrafo Jaeci Galvão na década de 1940 deixando-se registrar na Praia de Areia Preta. Um momento para a posteridade em um dos cartões postais de Natal. Como já dizia Fernando Pessoa… Tudo vale apena se a alma não é pequena.
CARTÃO POSTAL DE AREIA PRETA. FOTO / JAECI 1954
Nada além de dunas quase que intocadas. Cenário de um paraíso vivido por muitos anos por pescadores e banhistas locais.

MIAMI BEACH

Os militares americanos tinham até uma praia para chamar de sua. Na verdade chamaram de Miami Beach. Trata-de da atual Areia Preta. Construíram até uma casa de veraneio.Registro do fotógrafo da Revista Time, Hart Preston, em 1941. Aos poucos este hábito foi incorporado pelos Natalenses que chamaram a prática de veranear (estar de férias na praia durante o verão). A cidade começou a se expandir para o litoral deixando aos poucos de ser ribeirinha.

Praia de Areia Preta tendo ao fundo a Ponta do Pinto. Foto de Henry Preston (Revista Time Life) em 1941.
Praia de Areia Preta tendo ao fundo a Ponta do Pinto. Foto de Henry Preston (Revista Time Life) em 1941.
Praia de Areia Preta. Foto de Henry Preston (Revista Time Life) em 1941.
Praia de Areia Preta. Foto de Henry Preston (Revista Time Life) em 1941.
Praia de Areia Preta tendo ao fundo a Ponta do Pinto. Foto de Henry Preston (Revista Time Life) em 1941.
Praia de Areia Preta tendo ao fundo a Ponta do Pinto. Foto de Henry Preston (Revista Time Life) em 1941.
Praia de Areia Preta . Foto de Henry Preston (Revista Time Life) em 1941.
Praia de Areia Preta tendo ao fundo a Ponta do Pinto. Foto de Henry Preston (Revista Time Life) em 1941.

PÓS-GUERRA

Essas memórias cascudianas de janela terminam com o registro percuciente e um tanto indiscreto do encontro de um casal de adolescentes na praia de Areia Preta, flagrante da fluidez das novas relações amorosas dos anos 1960. A descrição do evento feita por Cascudo é pura alcovitice disfarçada de antropologia dos costumes:

A menina coquetel, com o amor fiel, subiu a escadinha para a balaustrada onde deu curto volteio, as nádegas dançando bambelô sem bateria. Mãos dadas. Proximidade esfregante, excitadora. O namorado tomou o ônibus para a cidade e, pela janela, abanou a mão, já saudoso. O broto ficou olhando a paisagem, absorta. Da Avenida Getúlio Vargas surgiu um rapaz magruço e sacudido, camisa arco-íris, bem escancarada, mostrando a titela, cabeleira donzel, gingando como campeão olímpico. A guria fez que não via. O boy chegou para perto e sacudiu conversa, gesticulando como cinema mudo. Parecia exigir explicações porque a pequena interrompia as falas, rodava nos pés, sorria pondo a mão no ombro do cara ressentido. A mímica esmoreceu em pausas pegajosas de ternura. Creio que se entenderam, estabelecendo armistício e pacto mútuo de não agressão temporária. Rumaram à Praia do Meio. Mãos dadas. Proximidade esfregante, excitadora. Mesma técnica contagiante de efervescência interna. ( CASCUDO, Luís da Câmara. Pequeno manual do doente aprendiz: notas e maginações. 3. ed. Natal: EDUFRN, 2011. p.48.).

Areia Preta
Praia Areia Preta, Cartão Postal antigo original, editor não mencionado. Não circulado, porém escrito no verso, datado de 1953.
Cartão Postal Natal, RN. Areia Preta, Morro do Pinto.
Antiga Rua Emerenciano (atual Avenida Governador Sylvio Pedroza) na Praia de Areia Preta, provavelmente no final da década de 1930 ou início dos anos 40. A informação do antigo topônimo está no “Guia da Cidade do Natal – 1958/59, de J.A. Negromonte e Etelvino Vera Cruz.
Cartão Postal Natal, RN. Praia Areia Preta, n. 57. Foto Grevy.
Cartão Postal Natal, RN. Praia Areia Preta, n. 36. Foto Grevy.
Praia de Areia Preta-Natal -Foto JAECI -anos 40.
CARTÃO POSTAL DE AREIA PRETA. FOTO / JAECI 1954
Areia Preta, vendo-se a casa que havia onde depois foi construída a Praça da Jangada. Detalhe: o velho coqueiro já existia, no tempo quando Ponta Negra ainda era um reduto de pescadores.
Areia Preta – Natal/RN, em 1947
Trio Yrakitan em Areia Preta.
VISTA PARCIAL DA PRAIA DE AREIA PRETA (Bairro Areia Preta). Foto: Grevy
Praia de Areia Preta – Anos 40.
Uma panorâmica que representa a Praia de Areia Preta, real enquanto captação de uma construção mediada pelo olhar do fotógrafo, logo após a Segunda Guerra Mundial, com os equipamentos urbanos e vias de acesso à automóveis e pedestres recentemente criados. Cartão-postal: Jaeci Galvão. Praia de Areia Preta. Provável ano de 1947, logo após a construção da Avenida Sylvio Pedrosa. Acervo: José Valério.
Praia de Areia Preta, ao fundo o bairro de Mãe Luiza – 1956.
Contribuição de Cláudio Gabriel De Macedo Júnior.
Praia de Areia Preta – Natal – anos 50 ou 60- Foto JAECI.
Cartão Postal Natal, RN. Praia de Areia Preta, n. 56.
Cartão Postal: Praia da Areia Preta – Natal – Rio Grande do Norte. Ed. Real Foto. 
Areia Preta
Praia da Areia Preta em Natal (RN). Autor: Jablonsky, Tibor. Ano: 1957. Fonte: IBGE.
Praia de Areia Preta com Farol ao fundo. Anos 70.
Cartão postal: Vista parcial da Praia de Areia Preta – Natal. Jaeci.
Cartão-postal de Jaeci Galvão. Praia de Areia Preta pintado artesanalmente. Provável ano de 1947 (as plantas estão pequenas, acredita-se que foram organizadas recentemente), logo depois que o espaço foi inaugurado. Fonte: acervo particular: José Valério Cavalcanti. Série Ambrosiana.
Cartão Postal Fotográfico – Praça da Jangada – Areia Preta – Natal ( RN ) – Anos 60. Foto: Jaeci E. Galvão
PRAÇA DA JANGADA (Bairro Areia Preta). Foto: Waldemir Germano
A LEI Nº. 6. 198 DE 21 DE JANEIRO DE 2011 determinou que a Praça da Jangada, localizada na Avenida Governador Dinarte Mariz, no Bairro de Areia Preta, passou a ser denominada de Praça da Jangada – Poeta Luís Carlos Guimarães. A Lei foi promulgada por Paulo Eduardo da Costa Freire, Prefeito em Exercício, e homenageia o querido e inesquecível Lula Guimarães, um dos maiores poetas do RN em todos os tempos, era essencialmente um lírico. Exerceu esse lirismo não apenas na poesia, mas também nos bares, nos encontros com os amigos, no seu dia a dia. Até o seu erotismo era mais lírico do que sensual, como neste poema:
“De repente a mulher desabrochou nua
saindo do mar, pois a água não a vestia,
antes a desnudava, fazendo a sua
nudez mais nua à dura luz que afia
seu gume no sol da manhã (…)”
Fontes: Prefeitura Municipal de Natal, IBGE e Tribuna do Norte.
Praça da Jangada – Praia de Areia Preta-Natal – Foto de Jaeci – provavelmente anos 50 ou 60
Cartão Postal Natal, RN. Jangada na Praia de Areia Preta.
PRAÇA DA JANGADA (Bairro Areia Preta). Foto: Jaeci E. Galvão
PRAIA DE AREIA PRETA (Bairro Areia Preta). Foto: Jaeci E. Galvão. O Trampolim foi instalado na Praia de Areia Preta durante a gestão de Sylvio Pedrosa, que foi bastante criticado por construir o trampolim em um local no meio das pedras, deixando algumas vítimas de acidentes fatais. O Trampolim foi inaugurado em 1956, quando foi entregue o calçamento da avenida principal da orla. Junto com o trampolim, a balaustrada, que até hoje existe na orla da praia urbana. De acordo com os blogs que também narram a história de Natal, uma das vítimas fatais foi o Tenente Aviador, Antonio Carlos Magalhães Alves, de apenas 24 anos. Ele, casado em março do ano anterior e chegado a cidade há poucos meses, fazia parte do 2º esquadrão do 5º grupo de aviação da Base Aérea de Natal. O acidente foi quando ele errou o seu salto e bateu com a cabeça em uma das pedras, levando-o a óbito ainda no local.
A partir da década de 80, houve um descaso com a praia, onde as grandes ressacas, derrubaram parte da mureta que a margeava. Os antigos veranistas passaram a procurar a Praia de Ponta Negra e outras do litoral Sul. Essa passou a ser frequentada pelos moradores do bairro de Mãe Luíza, que fica bem próximo às suas águas. Por conta da maresia, o Trampolim caiu junto com a ponte que levava para o caminho do equipamento. Não houve interesse da Prefeitura em instalá-lo novamente. O local onde ficara o trampolim é onde está localizado, hoje, o letreiro com o nome Natal, instalado pela Prefeitura do Natal, na gestão de Carlos Eduardo. Apesar de não ter mais o trampolim, as pessoas ainda utilizam o lugar para pular e é comum ouvir nos noticiários sobre turistas e moradores de Natal que morrem por conta de afogamento.
Praia de Areia Preta, com o e sem trampolim.
Cartão Postal Natal, RN. Praia da Areia Preta
PRAIA DE AREIA PRETA (Bairro Areia Preta). Foto: Jaeci E. Galvão
PRAIA DE AREIA PRETA (Bairro Areia Preta). Foto: Jaeci E. Galvão. Cartão datado do 19/10/1957- com uma bela Ford no primeiro plano.
A foto da praia de Areia Preta é do final da década de 50. O registro foi do fotógrafo Jaeci, que morreu nas primeiras horas de 20 de novembro de 2017, aos 88 anos, após sofrer um AVC em fevereiro daquele ano e conviver com complicações em vários órgãos. Jaeci fotografou Natal durante décadas. No talento do fotógrafo, o registro das mais belas paisagens de uma cidade pequena, mas cheia de charme. O acervo dele é, sem sombra de dúvida, o mais fiel arquivo fotográfico de nossa cidade.
Praia de Areia Preta. Fotos de Jaeci.
Final da Praia de Areia Preta – Foto de Grevy.
Praia de Areia Preta. Pela total falta de infraestrutura urbana acredito ser anterior a década de 50. Autor desconhecido.
Veleiros Bar na Praia de Areia Preta em 1967 na marca registrada de Jaeci Galvão. Fotos do acervo da família do fotógrafo.
A legenda é com vocês nos comentários desta postagem. Foto de Jaecy. Praia e bairro de Areia Preta. Década de 60.
Foto do primeiro surfista de Natal em 1962,na Praia de Areia Preta. Fotos obtidas pelo fotógrafo Jaeci Emereciano.
Areia Preta 57- Natal
Vista aérea da Praia de Areia Preta-Natal- anos 70 ou 80. Por Leta Meyer.

O GRANDE FAROL DE NATAL

Como no aspecto demográfico a cidade do Natal encontrava-se numa fase de intenso desenvolvimento urbano que a colocava em posição de relevo confrontando-se com muitas outras capitais nordestinas.

Vez por outra surgiam empreendimentos públicos e particulares que iam possibilitando expansão e beleza com rapidez.

Focalizaremos hoje a visita feita pelo jornal Diário de Natal ao Farol de Natal construído pela Diretoria de Hidrografia e navegação do Ministério da Marinha, nas dunas de Areia Preta.

O acesso ao local dava-se pelo prosseguimento da Rua Potengi indo até as antigas instalações do Exercito na praia de Mãe Luiza.Disse o repórter do Diário de Natal sobre o local de acesso ao farol: “além da falta absoluta de conservação, pudemos observar o espetáculo desolador do desmoronamento das dunas, estas transformadas em propriedades particulares e cercadas para a ‘solta’ do gado”. (DIÁRIO DE NATAL, 08/01/1951, p.6).

O repórter confessou que ficou extenuado para chegar ao local de acesso ao farol para realizar a reportagem onde o automóvel ficou encalhado e teve que caminhar boa distancia para cumprir as ordens do diretor do jornal.

Tratava-se de um formidável bloco de cimento armado medindo 38 metros de altura, estando situado a 88 metros do nível do mar.

Na sua construção que durou pouco mais de um ano foram empregados 35.000 sacos de cimento e 150 toneladas de ferro de diversas bitolas.Internamente foi construído de poderosas colunas e de uma interminável escada tipo aspiral, com nove lances e 157 degraus.É para que não disponha de um elevador para facilitar o vai e vem dos esforçados servidores de permanência.Tanto o hall do pedestal, como as escadarias receberam piso de ladrilho vermelho.

O faroleiro não estava autorizado a falar sobre as especificações técnicas do farol, no entanto, apurou que o bojo luminoso do farol era da marca BBT Anciones Etablissements Barbier Bernard Et Turrere de Paris, França.

O manual sobre hidrografia e navegação esclarecia que o farol elétrico com lâmpadas de 1500 velas, produzindo 5 lampejos brancos a cada 12 segundos e períodos de ocultação.Dispunha de um bico de emergência circular com 65mm alimentado a querosene.

É um conjunto bonito todo de metal amarelo dotado de fortes lentes seccionadas.Foi instalado por uma comissão de técnicos do Serviço Especializado do Ministério da Marinha. (DIÁRIO DE NATAL, 08/01/1951, p.6).

Em imponente solenidade pública presidida pelo Almirante de Esquadra Raul de Santiago Dantas, Chefe do Estado Maior da Armada o farol de Natal foi inaugurado as 17h00 do dia 15/08/1951.

O farol havia sido construído recentemente na capital potiguar em Mãe Luiza pela firma Gentil F. de Souza, sob a fiscalização da Capitania dos Portos do Rio Grande do Norte.

No palanque oficial instalado em frente ao majestoso farol estavam presentes o governador Silvio Pedroza, o Contra-Almirante Harold Reuben Cox, Comandante do 3º Distrito Naval, os chefes dos poderes judiciários e legislativo, outras autoridades federais, estaduais e municipais.

O Almirante descerrou a bandeira azul e branca expondo a placa de bronze comemorativa com um circulo contendo as seguintes palavras:

Marinha do Brasil-Hidrografia, tendo ao centro o Cruzeiro do Sul e acrescida dos seguintes dizeres: Farol de Natal-Lat. 05º,47´41,6 ´´S.Long. 35º-11´,08,8´´ WCW.Inaugurado e aceso aos 15 de agosto de 1951.

O grande farol que a partir de da inauguração prestaria relevantes serviços a navegação seria mantido pela Diretoria de Hidrografia e Navegação com a assistência da Capitania dos Portos do Rio Grande do Norte e sob a vigilância de três servidores, tendo a frente o faroleiro Alfredo Selfes de Mendonça,o decano dos faroleiros do Brasil, cidadão simples e modesto que embora contando 43 anos de serviço neste setor da Marinha continua disposto para trabalhar mais algum tempo no exercício da profissão (DIÁRIO DE NATAL, 16/08/1951, p.1).

Após a leitura do termo de inauguração por um oficial da Capitania dos Portos, discursou de improviso o Almirante de Esquadra Raul de Santiago Dantas em nome do ministro da Marinha dizendo que tinha a honra de entregar ao Estado do Rio Grande do Norte o moderno farol que proporcionaria navegação cada vez mais segura no Brasil.

Em breves palavras o Governador Silvio Pedroza agradeceu a entrega feita com palavras patrióticas do eminente chefe militar e felicitou a Hidrografia do Brasil e a Capitania dos Portos pela construção do gigantesco farol que asseguraria sem dúvida a confiança absoluta a navegação na Costa do Nordeste brasileiro.

Após a visitação ao farol e as residências dos faroleiros as autoridades deixaram o local.Tocou durante a solenidade a banda de música da 3ª Cia Regional de Fuzileiros Navais.(DIÁRIO DE NATAL,16/08/1951,P.1).

Para o completo conforto dos funcionários, foram construídas ao lado do grande farol, três casas modernas e bem acabadas. São unidade residenciais compostas de sala única, 3 quartos, hall, banheiro completo, cozinha, terraço de fundo e de frente, caixa d´água, rede própria de água e esgoto.São forradas com placas de cimento armado e dotadas de armários embutidos nos quartos e na cozinha.O abastecimento de água é fornecido por um poço de 42 metros de profundidade.Todas as casas são decentemente mobiliadas com moveis de estilo colonial.

A seguir algumas curiosidades sobre o farol de Natal.

As cores do ABC

Segundo o repórter do Diário de Natal um popular que estava também em visita as obras do farol disse que o Dr. Gentil Ferreira de Souza, dono da construtora do farol, mandou pintar o farol com as cores alvinegras para dar sorte ao ABC no campeonato daquele ano de 1951. (DIÁRIO DE NATAL, 08/01/1951, p.6).

O faroleiro Alfredo Selfes de Mendonça

O faroleiro Alfredo Selfes de Mendonça, que a época já contava 43 anos de serviço no setor de farol da Marinha disse ao repórter que durante a fase de construção ele e outros companheiros subiam de 8 a 10 vezes por dia até o topo do farol e que depois da inauguração cada um deles teria que exercer vigilância em quartos de serviços de 4 em 4 horas. (DIÁRIO DE NATAL, 08/01/1951, p.6).

Gigantesco bloco de cimento armado

O farol de Natal foi denominado de “gigantesco bloco de cimento armado”. Atualmente é conhecido por Farol de Mãe Luiza por está situado no bairro desse nome.

Gastos e alcance

Foram gastos em sua construção 35.000 sacos de cimento e 150 toneladas de ferro. O alcance da luminosidade refletida pelo farol é de 300 milhas.

A baixo vista aérea do conjunto arquitetônico do farol de Natal composto pelo farol propriamente dito, as três casas originais de funcionários e uma acrescida posteriomente.

Cartão-postal: Jaeci Galvão. Paisagem da Praia do Meio com o Farol da Mãe Luiza. Década de 1950. Acervo particular de José Valério Cavalcanti.
Praia de Areia Preta.
Praia de Areia Preta
Localizada no bairro do mesmo nome, a sua denominação é proveniente de falésias de coloração escura. Também conhecida como Praia de Miami, na época que os americanos instalaram lá a base militar, a praia é bastante frequentada por moradores de Mãe Luiza, bairro periférico da cidade e é um dos sete pontos da “Área Especial de Interesse Turístico” do litoral.
Praia de Areia Preta.
Praia de Areia Preta com Farol ao fundo. Anos 70
Praia de Areia Preta – provavelmente nos anos 50 ou 60 – Foto JAECI
Praia de Areia Preta nos anos 50/60. Natal/RN. Registro de Jaeci. Uma autêntica Praia de veraneio.
Praia de Areia Preta e Farol de Mãe Luíza.
Praia de Areia Preta. Foto de autor desconhecido. Fonte: Prefeitura Municipal do Natal. Natal: cidade memória. Natal: SEMURB, 2009, p. 95. O registro foi feito depois da edificação do Farol de Mãe Luíza em 1951. Sem ainda a Via Costeira que seria construída em 1985. Nota-se que já havia via de acesso a Praia que tinha várias casas de veraneio. A foto foi feita a partir da comunidade de Mãe Luiza. Ao fundo vemos a Praia de Maiame. Nas dunas mais adiante hoje se encontra o restaurante Tábua de Carne. Próximo a ponta com os rochedos hoje está casa abandonada de Moacyr Maia, filho do engenheiro Otacílio Maia e criador do Cine Rio Grande. A Praça da Jangada aparece bem evidente. Mais a frente o Trampolim que foi instalado durante a gestão de Sylvio Pedrosa. A obra foi bastante criticada por ser construído em um local no meio das pedras, deixando algumas vítimas de acidentes fatais. O Trampolim foi inaugurado em 1956, quando foi entregue o calçamento da avenida principal da orla. Junto com o trampolim, a balaustrada, que até hoje existe na orla da praia urbana Uma imagem, muitas histórias para contar…
areia preta 57- Praia de Natal – Brasil
Outra raridade da Praia de Areia Preta na altura onde hoje fica o Farol Bar. Autor Jaeci Galvão. Período entre 1972 a 1974.
Peladeiros de Areia Preta/Miami nos anos 70, sob a observância do Farol de Mãe Luiza.
Cartão-postal: Jaeci Galvão.Praia da Mãe Luiza. Final da década de 1970. Gráfica Paraná – cart. Fonte: Acervo de Jaeci Emerenciano Galvão Junior.
Fonte, Revista Fatos e Fotos, agosto de 1968. Paraíso tropical com oito praias, coqueirais e dunas de areias coloridas,p.46 e 47.
Essa foto foi estampada na revista Cruzeiro, já extinta, fazia parte de um informe publicitário do governo do RN. Trata-se da Praia de Areia Preta em um período anterior a construção da Via Costeira.
Praia de Areia Preta. Coleção de cartões postais de Esdras Rebouças Nobre. Postal da Cluposil.
Praia de Areia Preta.
Vista do Farol tendo em segundo plano a Ponta do Pinto.

O BAIRRO DE MÃE LUIZA

A terceira fase da evolução histórica e espacial de Mãe Luiza ocorre a partir da década de 1970, quando houve um crescimento violento e desordenado do bairro, paralelamente a ocorrência do fenômeno de urbanização que a Cidade de Natal estava passando. Neste período, a expansão urbana de Natal estava atrelada, principalmente, a política habitacional que se instaurou no país nos anos de ditadura militar; a criação do Distrito Industrial de Natal, o que provocou um grande fluxo migratório para a cidade; além do crescimento do setor terciário.

Ainda na década de 1970, surgiu outra ocupação na parte sul do bairro, mais precisamente nas proximidades da praia, atualmente a Via Costeira, cuja localidade é conhecida como “Barro Duro”. Com isso, teve início à construção de mais um espaço inserido aos limites do bairro, o qual passou a ser ocupadocom mais intensidade a partir da construção da Via Costeira no ano de 1980.

A emergência desses núcleos de ocupação dispersos, sem nenhuma intervenção do poder público, denota a falta de planejamento urbano da gestão municipal. Essa ausência do poder público contribuiu para o ordenamento urbano do bairro da forma como se apresenta hoje, com ruas estreitas, becos, vielas, o que se traduz em problemas porque impedem a circulação de veículos de maior porte, como exemplo, os caminhões da coleta do lixo e de guarnições.

Visão aérea de Mãe Luiza na década de 1960. Acervo CSPNSC no arquivo GEHAU –UFRN.
Cartão Postal Aerofoto – Areia Preta Circular – Natal ( RN ) – Anos 60 Editor Foto Jaeci

VIA COSTEIRA

O megaprojeto da Via Costeira constituiu na construção de uma imensa avenida que ligaria as praias urbanas de Areia Preta (praias do centro) à Ponta Negra, com aproximadamente 8,5 km de extensão. Esta foi inaugurada em 1983, e passou a ser o marco mais importante na expansão do turismo e também da transformação da paisagem costeira de Natal. O objetivo do projeto era dotar a área com uma infraestrutura hoteleira, até então insuficiente, para lançar a capital no cenário nacional do turismo. Esse é o início das primeiras ações no estabelecimento de políticas públicas de cunho federal, estadual e/ou municipal direcionadas para a implantação e ampliação da atividade turística regional e local. Com a atração dos investimentos públicos e privados para a construção de conjuntos habitacionais e de empreendimentos econômicos, possibilitou o desenvolvimento e mudanças na paisagem no entorno dessa área, dando destaque ao bairro de Ponta Negra.

Com o desenvolvimento da cidade e a gradual valorização de seu patrimônio histórico e natural, o turismo se constituiu em expressiva fonte de renda para o município. A evolução dessa atividade econômica exigiu maiores investimentos em infra-estrutura e prestação de serviços de qualidade aos turistas que nos visitam. Decorreu daí a criação da chamada Via Costeira, com cerca de 10 km de extensão, interligando as praias de Areia Preta e Ponta Negra. Em sua área, nas imediações do Parque das Dunas, estão instalados hotéis de alto padrão e um Centro de Convenções.

Implantada a partir da década de 1970, a Via Costeira interliga a cidade pelo litoral. De Areia Preta à Ponta Negra, seu traçado é um divisor entre o mar e as dunas, paisagem de grande beleza. Seu projeto sofreu críticas de ambientalistas, preocupados com os danos que uma obra deste porte poderia causar ao meio ambiente. Estes questionamentos contribuíram para a reformulação do projeto original, como informa o professor Souza (2008, p.661):

Em consequência das críticas feitas ao longo de mais de dois anos, o projeto original foi reformulado em alguns pontos. A principal mudança foi a eliminação da ideia de se construir núcleos residenciais na Via Costeira. Com o passar do tempo, o projeto original sofreu outras reformulações … isso mostra que as críticas feitas não foram, de todo, improcedentes.

Do ponto de vista administrativo, o governo de Tarcísio Maia ficou praticamente paralisado, visto algumas medidas tomadas no calor da hora, muitas delas motivadas por uma campanha intensa e mal-intencionada da oposição e de setores situacionistas, que apontavam possíveis irregularidades do governo anterior. Talvez a grande obra tenha sido a construção da Via Costeira, artéria litorânea que ligava a praia de Areia Preta a então distante Ponta Negra (MARIZ E SUASSUNA, 2002, p. 372).

Construída em 1985, sob o governo de José Agripino e no âmbito da política de incentivo ao projeto turístico da cidade, ligando as praias urbanas de Natal (da porção central: Praia do Forte, Praia do Meio, Praia dos Artistas, Areia Preta) às praias do litoral sul da cidade (Ponta Negra) e estado. Sua ligação com a Praia da Redinha chegou em 2007, com a construção da Ponte Newton Navarro.

Obras no Bairro Areia Preta (década de 1980). Foto: Acervo “A República”.
Trecho da Via Costeira (década de 1980). Foto: Acervo “A República”.
Centro de Convenções (década de 1980). Foto: Acervo “A República”.
A construção da Via Costeira, em 1985 — uma estrada 12 quilômetros que ligaria as praias urbanas de Areia Preta (praias do centro) à Ponta Negra — foi um momento especial de conquistas sociais em Natal, que envolveu toda a sociedade civil em torno das questões urbanísticas e da proteção do meio ambiente. A discussão resultou em quatro versões de projetos até a proposta final. Esse projeto passou a ser o marco mais importante na expansão do turismo e também da transformação da paisagem costeira de Natal.
Implantada a partir da década de 1970, a Via Costeira interliga a cidade pelo litoral, da Praia de Areia Preta à Ponta Negra. Ao longo da sua área, instalaram-se os melhores hotéis de Natal, responsáveis por considerável evolução da atividade turística no município.

A execução do projeto iniciou-se em 1979, ao mesmo tempo que constituíam o Parque das Dunas e o Centro de Convenções. Hoje a Via Costeira, o Parque das Dunas e o Centro de Convenções são lugares de encontros de natalenses e visitantes.

O CASARÃO DA VIA COSTEIRA

Quem trafega pela orla de Natal na confluência das praias Areia Preta e Pinto, no início da Via Costeira, encontra um casarão inacabado sem qualquer sinal de retomada dos serviços. Causa estranheza o abandono da edificação porque está encravada num pontal privilegiado de onde se obtém a melhor e a mais limpa visão do Oceano Atlântico para um observador postado ao nível do mar.

O clima de mistério que envolve o imóvel advém da curiosidade popular pelo descaso com a conservação e o tempo de paralisação – 50 anos desde o início da construção. A obra, hoje, está entregue às intempéries e à disposição de vândalos. O enigma consiste na falta de informações que ponha alguma luz sobre a origem do imóvel e o motivo do abandono. Nada além disso.

Na verdade, a casa foi esboçada pelo engenheiro e empresário Moacir Maia, que convidou o arquiteto Moacyr Gomes da Costa para elaborar o projeto, no final dos anos 60. No início da nova década, com Moacyr associado ao colega Ubirajara Galvão, os desenhos se integraram ao acervo técnico do escritório UM Arquitetura.

Moacir Maia (1926-2005), natalense, com apenas 22 anos de idade formou-se em engenharia civil e mecânica pela Universidade do Recife, em 1948. No retorno para Natal trabalhou na Rede Ferroviária Federal (DNEF), passou pelo IPASE, IAPC e IAPI, antes de fundar a Companhia de Investimentos e Construções Ltda – Cicol.

O jovem engenheiro, herdeiro de enorme patrimônio em imóveis em Natal, por décadas, dominou o setor de entretenimento da capital com os cinemas Rio Grande (1949-1999) e Panorama, e com o Cine Poti, arrendado dos Diários Associados.

Com a Cicol, Moacir construiu obras no Rio Grande do Norte e pelo Brasil afora. A construtora figurava entre as maiores do Estado quando partiu para grande empreitada na Tanzânia, pais da África Oriental. O contrato acarretou dificuldades operacionais e financeiras à Cicol, que foi desativada no início dos anos 80.

Na opinião do arquiteto Moacyr Gomes, não foi a falta de apoio financeiro que emperrou a conclusão da casa: O que fez Moacir Maia se desiludir com a construção foi a dificuldade encontrada para a sua regularização junto ao Patrimônio da União por se tratar de obra edificada em “terreno de marinha”.

O projeto abrigava sob uma cobertura de 500,00 m2, dois pavimentos, suítes, salas amplas, garagens e espaços para criadagem e lazer, todos os predicados para se tornar uma das mais emblemáticas casas de praia do município. Tal patrimônio ocupava apenas um naco da área de quase 2,5 hectares de natureza ainda intocada.

O terreno estava coberto por coqueiros quando projetei a obra. Na locação da casa tivemos o cuidado de preservar a flora existente – afirmou o arquiteto. Perguntado acerca do percentual executado antes de paralisados os serviços, Moacyr esclareceu: Cerca de 85%, incluindo aí esquadrias, pisos e revestimentos. Estávamos na fase de acabamentos.

Os registros fotográficos de agora mostram uma construção deteriorada por intempéries e pela depredação, e sem o coqueiral presente na época. Moacir Maia faleceu há 15 anos, e o imóvel continua no patrimônio da família.

É lastimável ver a bonita obra de engenharia definhar com o passar dos anos ante o olhar de circulantes da Via Costeira. Enquanto isso, continuará sendo o ponto de parada obrigatório para a curiosidade de turistas, que especulam sobre o mistério do casarão abandonado no pontal que, do alto, lembra o mapa do Brasil.

JOSÉ NARCELIO – AO PÉ DA LETRA

Via JBF

PONTA DO PINTO (Bairro Areia Preta). Foto: CD Rom Natal 400 Anos.
PONTA DO PINTO (Bairro Areia Preta). Foto: CD Rom Natal 400 Anos.
Crédito: Arquiteto Fabiano Pereira
Crédito: Arquiteto Fabiano Pereira
Google Maps.

VERTICALIZAÇÃO

Nos últimos anos a Praia de Areia Preta, sofreu grande valorização imobiliária, sendo construídos diversos edifícios. Apesar das modificações ocorridas, ao longo dos anos, esta praia, ainda guarda seu charme. Com uma bela formação rochosa na areia formando gruta, após as obras
paisagísticas e estruturantes, realizadas pela prefeitura, a praia voltou a ser frequentada por natalenses e visitantes ávidos em conhecer as belezas da Cidade do Sol.

O bairro de Areia Preta, apesar de constituir um pequeno território, representa a única porção da faixa costeira em Natal onde não há controle de altura para as edificações.
PRAIA DE AREIA PRETA (Início da Via Costeira – Bairro Areia Preta) Foto: Acervo SEMURB. Localizada após a Praia dos Artistas, sua denominação é proveniente de
suas falésias de coloração escura. Em janeiro de 1908, por determinação da Intendência Municipal, tornou-se oficialmente a primeira praia da cidade indicada para a para função balneária.
VISTA DA PRAIA DE AREIA PRETA (Bairro Areia Preta). Foto: CD Rom Natal 400 Anos.
VISTA DA PRAIA DE AREIA PRETA. (Vendo-se em primeiro plano a Ponta do Morcego. Limite entre os bairros Praia do Meio e Areia Preta). Foto: CD Rom Natal 400 Anos.
IGREJA NOSSA SENHORA DE LOURDES (Bairro Areia Preta). Foto: Acervo SEMURB
VISTA PARCIAL DO BAIRRO AREIA PRETA (Vendo-se ao centro a torre da Igreja Nossa Senhora de Lourdes). Foto: Acervo SEMURB.
VISTA PARCIAL DOS BAIRROS AREIA PRETA E MÃE LUIZA (Vendo-se em primeiro plano a Avenida Governador Silvio Pedroza). Foto: CD Rom Natal 400 Anos.
VISTA PARCIAL DOS BAIRROS AREIA PRETA E MÃE LUIZA (Vendo-se em primeiro plano a Praia de Areia Preta). Foto: CD Rom Natal 400 Anos.
PRAIA DE AREIA PRETA (Bairro de Areia Preta). Foto: Acervo SEMURB.
MUSEU OCEANOGRÁFICO (Bairro Areia Preta). Foto: Acervo SEMURB.
RUA PINTO MARTINS E AVENIDA GOVERNADOR SILVIO PEDROZA (Bairro Areia Preta). Foto: Acervo SEMURB.
VISTA PARCIAL DA PRAIA DE AREIA PRETA (Bairro Areia Preta). Foto: Acervo SEMURB.

FONTES SECUNDÁRIAS:

A INTENDENCIA de Natal, A Republica, Natal, ano 37, n.205, 12 set. 1925.

ARRAIS, Raimundo. O mundo avança! Os caminhos do Progresso na cidade do Natal no início do século XX. In: BUENO, Almir de Carvalho (Org.) Revisitando a história do Rio Grande do Norte. Natal: EDUFRN, 2009.

CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal. Natal: RN Econômico, 1999.

EM PROL da cidade II, A Republica, Natal, ano 42, n.131, 10 jun. 1930a.

NOVOS Rumos, A Republica, Natal, ano 37, n.81, 9 abr. 1925.

PERIGOS do trafego…, A Republica, Natal, ano 68, 06 nov. 1937

SOUZA, Itamar de. Nova história de Natal. Natal: Departamento Estadual de Imprensa, 2008 (2ª edição revista e atualizada).

SUASSUNA, Luiz Eduardo B.; MARIZ, Marlene da Silva. História do Rio Grande do Norte colonial (1597/1822). Natal: Natal Editora, 1997.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS:

“Em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal”: a vida intelectual natalense (1889-1930) / Maiara Juliana Gonçalves da Silva. – Natal, RN, 2014.

Cidade, terra e jogo social: apropriação e uso do patrimônio fundiário natalense e seu impacto nas redes depoder locais (1903-1929) / Gabriela Fernandes de Siqueira. – 2019.

A cidade e a guerra: a visão das elites sobre as transformações do espaço da cidade do Natal na Segunda Guerra Mundial / Giovana Paiva de Oliveira. – Recife, PE, 2008.

A construção da natureza saudável em Natal (1900-1930) / Enoque Gonçalves Vieira.- Natal, RN, 2008.

A eletricidade chega à cidade: inovação técnica e a vida urbana em Natal (1911-1940) / Alenuska Kelly Guimarães Andrade. – 2009.

A modernização da Cidade do Natal: o formoseamento do bairro da Ribeira (1899-1920) / Lídia Maria Neta. – NATAL/Dez/2000.

Anais do II Encontro Regional de História da ANPUH-RN, Caicó, 6 a 9 de junho de 2006 / Associação Nacional de História. – Caicó, RN : APUHRN, 2006.

Anuário Natal 2007 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2008.

Anuário Natal 2009 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – Natal (RN): Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009.

ANUÁRIO NATAL 2013 / Organizado por: Carlos Eduardo Pereira da Hora, Fernando Antonio Carneiro de Medeiros, Luciano Fábio Dantas Capistrano. – Natal : SEMURB, 2013.

AO MAR GENTE MOÇA!: O ESPORTE COMO MEIO DE INSERÇÃO DA MODERNIDADE NA CIDADE DE NATAL / Ms. Márcia Maria Fonseca Marinho. – Recorde: Revista de História do Esporteolume 2, número 1, junho de 2009.

Bairros de Natal / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. – Natal: SEMURB, 009.

Caminhos que estruturam cidades: redes técnicas de transporte sobre trilhos e a conformação intra-urbana de Natal / Gabriel Leopoldino Paulo de Medeiros. – Natal, RN, 2011.

Cantos de bar: sociabilidades e boemia na cidade de Natal (1946-1960) /Viltany Oliveira Freitas. – 2013.

Centelhas de uma cidade turística nos cartões-postais de Jaeci Galvão (1940-1980) / Sylvana Kelly Marques da Silva. – Natal, RN, 2013.

Bairro Mãe Luiza: uma abordagem “legal” sobre a realidade local / Ozenildo Gil Silva de Souza. – 2013.

Dos bondes ao Hippie Drive-in [recurso eletrônico]: fragmentos do cotidiano da cidade do Natal/ Carlos e Fred Sizenando Rossiter Pinheiro. – Natal, RN: EDUFRN, 2017.

História do Rio Grande do Norte / Sérgio Luiz Bezerra Trindade. – Natal: Editora do IFRN, 2010.

História da cidade do Natal / Luís da Câmara Cascudo – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL; Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 1980.

Linhas convulsas e tortuosas retificações Transformações urbanas em Natal nos anos 1920 / George Alexandre Ferreira Dantas. – São Carlos – SP. Outubro de 2003.

Luís Natal ou Câmara Cascudo: Luís Natal ou Câmara Cascudo: o autor da cidade e o espaço como autoria o autor da cidade e o espaço como autoria / Francisco Firmino Sales Neto. – Natal/RN. 2009.

Roseira brava: pós-romantismo e modernidade na poética de Palmyra Wanderley / Marília Gonçalves Borges Silveira. – Natal, RN, 2016.

Memória minha comunidade: Alecrim / Carmen M. O. Alveal, Raimundo P. A. Arrais, Luciano F. D. Capistrano, Gabriela F. de Siqueira, Gustavo G. de L. Silva e Thaiany S. Silva – Natal: SEMURB, 2011.

Natal: história, cultura e turismo / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. – Natal: DIPE – SEMURB, 2008.

Natal Não-Há-Tal: Aspectos da História da Cidade do Natal/ Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo; organização de João. Gothardo Dantas Emerenciano. _ Natal: Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2007.

Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte na Belle Époque Natalense (1900-1930) / Márcia Maria Fonseca Marinho. – Natal, RN, 2008.

Natal, outra cidade! [recurso eletrônico] : o papel da Intendência Municipal no desenvolvimento de uma nova ordem urbana na cidade de Natal (1904-1929) / Renato Marinho Brandão Santos. – Natal, RN : EDUFRN, 2018.

Natal ontem e hoje / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. – Natal (RN): Departamento de Informação Pesquisa e Estatística, 2006.

O Lugar do Patrimônio Urbano na Dinâmica da Cidade Natal-RN / Sara Cibele Rego de Medeiros – Salvador, 2017.

O nosso maestro: biografia de Waldemar de Almeida / Claudio Galvão. – Natal: EDUFRN, 2019.

Ordenamento Urbano de Natal: do Plano Polidrelli ao Plano Diretor 2007 / Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. – Natal: Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2007.

Por uma “Cidade Nova”: apropriação e uso do solo urbano no terceiro bairro de Natal (1901-1929) / Gabriela Fernandes de Siqueira. – Natal, RN, 2014.

Praia de Ponta Negra: uma abordagem da paisagem costeira de 1970 a 2010, Natal/RN / Ana Beatriz Câmara Maciel. – 2011.

Reflexões Sobre história local e produção de material didático [recurso eletrônico] / Carmen Margarida Oliveira Alveal, José Evangelista Fagundes, Raimundo Nonato Araújo da Rocha (org.). – Natal: EDUFRN, 2017.

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