Potyguarania, a idealização do dirigível em Natal

Nascido em Macaíba (interior do Rio Grande do Norte) em 11 de janeiro de 1864, Augusto Severo de Albuquerque Maranhão é considerado o “Mártir da Tecnologia Aeronáutica”, por ser um dos pioneiros nessa atividade e ter falecido em um acidente aéreo em Paris, em 12 de maio de 1902.

Era filho de Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão e Feliciana Maria da Silva de Albuquerque Maranhão, tendo 12 irmãos, destacando-se Pedro Velho (que proclamou a república no Rio Grande do Norte, estado de que foi o primeiro governador) e Alberto Maranhão (presidente desse estado de 1900 a 1904 e deputado federal de 1927 a 1929). O próprio Augusto também foi deputado federal, e conseguiu no Congresso que o governo concedesse uma verba de cem contos de réis para apoiar as experiências de Alberto Santos Dumont.

Augusto Severo de Albuquerque Maranhão foi o pioneiro mundial na construção de um dirigível semirrígido -o Bartholomeu de Gusmão, concluído no Rio de Janeiro em 1894. Data de 1889, porém, um esboço feito por ele, em Natal, de uma aeronave desse tipo, o aeróstato Potyguarania.

O croqui comprova que já então ele concebera duas ideias que seriam características comuns em todas as suas aeronaves: uma viga interna de metal ou de madeira, unindo a popa à proa, e a colocação de uma hélice no eixo longitudinal do invólucro, em vez de na barquinha, evitando assim que a atuação de duas forças contrárias – a tração e o arrasto -, aplicadas em pontos não diametralmente opostos da aeronave, gerasse perturbações durante o voo, a temida tangagem.

Em razão das dificuldades de construção, a hélice propulsora dos dirigíveis era sempre fixada no eixo da gôndola, exercendo assim uma tensão deplorável sobre as cordas de suspensão. O emprego de uma meia carcaça sólida, como propunha Augusto Severo, possibilitaria colocar e sustentar a hélice do veículo no eixo horizontal do balão, sem inviabilizar a ascensão do aeróstato pelo peso descomunal de todo um esqueleto rijo. O Potyguarania, porém, nunca saiu do papel.

Severo solicitou três patentes em 1892: a primeira, em 23 de junho, em Natal, para a “direção dos balões” , concedida em 4 de agosto do mesmo ano (nº 2.116) (Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, Direção dos Balões (Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 1892), fundo “Privilégios Industriais” , n. 6.753, 23 jun.); a segunda, em 1º de outubro, no Rio de Janeiro, para o dirigível Bartholomeu de Gusmão, expedida no dia 8 (nº 2.158) (Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, Relatório Complementar do que, datado de Natal em 24 de junho de 1892, foi, pelo abaixo assinado, depositado na segunda seção da Diretoria do Comércio, em 4 de agosto do mesmo ano (Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 1892), fundo “Privilégios Industriais”, n. 7.473, 1 out.); e a terceira, em 30 de novembro, em Paris, para um “aérostat dirigeable systeme Potyguarania”, despachada em 15 de fevereiro de 1893 (nº 226.034) [15]

Embora aos 25 anos de idade tivesse projetado o aeróstato Potyguarania, seu primeiro dirigível foi de fato o Bartholomeu de Gusmão (nome em homenagem ao pioneiro santista), construído em 1893 em Paris pela casa Lachambre & Machuron, a mesma que produziu vários balões para Santos Dumont. Tinha estrutura de bambu (por falta de recursos para fazê-la em alumínio), e estrutura rígida, antecedendo de 14 anos a experiência do conde Zepellin no lago Constança (na Suíça). Em 14 de fevereiro de 1894, foram feitos os primeiros testes de ascensão, mas a barca se partiu, danificando a estrutura. O insucesso e o fim da Revolta da Armada, no qual o governo brasileiro pretendia empregar o aparelho, levaram ao abandono do mesmo.

Na França, para onde havia partido em outubro de 1892, Augusto Severo encomendou a construção do Bartholomeu de Gusmão à Casa Lachambre (A República, Natal, ano IV, n. 188, sábado, 22 out. 1892, p. 2.). Ele havia conseguido do Governo Brasileiro um auxílio pecuniário para a feitura do balão depois que abalizados professores da Escola Politécnica lavraram pareceres favoráveis ao invento (Jornal do Commercio, Rio de Janeiro: Propriedade de Rodrigues & Compª, n. 6, sexta-feira, 6 jan. 1893, p. L).

Severo retornou ao Brasil em 27 de março de 1893, a bordo do paquete Charente, trazendo consigo o invólucro do balão e mão de obra especializada, o francês Alexis Machuron [1872-1901], que seria responsável pela montagem da aeronave em um galpão do Ministério da Guerra, no bairro de Realengo, no Rio de Janeiro (Jornal do Commercio, Rio de Janeiro: Propriedade de Rodrigues & Compª, n. 86, terça-feira, 28 mar. 1893, p. L). Esse galpão foi o primeiro hangar brasileiro.

Devido à escassez de operários capacitados e a entraves burocráticos, o dirigível não pôde ser inflado em 1893 e Machuron retornou à França [19].

Bartholomeu de Gusmão só foi cheio no ano seguinte. Para a fabricação do gás hidrogênio, Severo contou com a ajuda valiosa do químico pernambucano Domingos Barros [1865-1938], que viria a se casar com uma de suas sobrinhas, Maria Leonor Maranhão [20].

Bartholomeu de Gusmão tinha 2.000 m de cubagem, 60 de comprimento e 15 de diâmetro. Uma quilha trapezoidal de bambu, de 52 m, permitia a disposição da hélice tratora exatamente no eixo longitudinal da aeronave, o que jamais havia sido feito.

Numa experiência realizada no dia 6 de março, o Bartholomeu de Gusmão levantou do assoalho sete sacos com 142 kg de areia no total. No dia 7, a aeronave, retida por cordas e comportando 560 kg de lastro, subiu a 8 m de altura. A experiência foi logo interrompida porque a barca, feita de pinho branco, puxada em sentidos opostos por operários inexperientes, acabou sofrendo flexão. Devido ao risco de ruptura, o balão foi recolhido. Dias depois, a aeronave, embora estivesse abrigada, foi destruída por um vendaval (A República, Natal, ano VI, n. 263, sábado, 7 abr. 1894, p. 1-2.).

A despeito da brevidade da existência, o Bartholomeu de Gusmão foi o primeiro semirrígido do mundo, e o primeiro dirigível a realizar testes à corda no Brasil, nos dias 6 e 7 de março de 1894. Colocando a hélice diretamente na proa do balão, Severo eliminou o problema da tangagem, que assolava os balões motorizados.

Augusto Severo construiu um novo dirigível na França em 1902, o Pax, com 2.334 m de cubagem, 30 de comprimento, 20 de altura e 13 de diâmetro. O veículo custou 150.000 francos – toda a fortuna de Severo – e era movido por dois motores a petróleo de quatro cilindros cada um, da marca Buchet: um de 24 cv à traseira e o outro de 16 cv à dianteira (Tout-Paris, La catastrophe du Pax, Le Gaulois, Paris: 37º ano, n. 8.077, terça-feira, 13 mai. 1902, p. 1; Georges Besançon, La catastrophe du Pax, L’Aérophile. Paris: Aéroclub de France, 10º ano, n. 5, mai. 1902, p. 102-103.).

A estrutura semirrígida do aeróstato, que suportava o maquinário, acolhia os passageiros e servia de sustentáculo para as hélices, era mais uma vez; trapeilOidaI. A parte inferior do trapézio tinha 15 m de comprimento, e a superior – o próprio eixo da aeronave -, 30 m de ponta a ponta. Duas pilastras ocas quadrangulares verticais saíam cada uma de uma extremidade da base da plataforma.

Pax não possuía lemes. Para dar propulsão e direção ao aeróstato, Severo dotou o aparelho de sete hélices: uma na proa, duas na popa (uma no eixo longitudinal e outra na barquinha, com o fim de se contrapor à picagem) e quatro laterais – um par em cada flanco -, destinadas a proporcionarem os movimentos de esquerda e de direita (Thomas Beyle, Un nouveau dirigeable, Le Figaro, Paris, 48º ano, n. 19, domingo, 19 jan. 1902, p. 1-2.).

Severo fez duas ascensões cativas para ganhar prática no controle do dirigível: uma em 4 de maio, na qual subiu à altura de 40 m, e a outra no dia 7, assistida por diversos representantes do Aeroclube da França. Todos os testes de estabilidade e direção deram excelentes resultados, obedecendo o balão com a maior docilidade ao movimento das hélices (G. C., Les essais du Pax, L’Illustration, Paris, n. 3.089, sábado, 10 mai. 1902, p. 324).

Em 12 de maio de 1902, o Fax: tornou-se o primeiro semirrígido a voar livremente, com Severo e o mecânico francês Georges Saché [1876-1902] a bordo. Infelizmente, passados 15 min de voo, por falha mecânica ou humana, ou ainda, de projeto, o balão explodiu nos ares e se incendiou, matando os dois aeronautas. Com isso, Severo se tornou o primeiro mártir da aeronáutica brasileira (Catastrophe aérienne, Le Matin, Paris, 19º ano, n. 6.652, terça-feira, 13 mai. 1902, p. 1-2.).

Por ocasião do cinquentenário do desastre do Fax, o Aeroporto de Natal, situado no distrito de Parnamirim, da Capital do Estado do Rio Grande do Norte, passou a se chamar Augusto Severo (lei nº 1.473A, de 24 de novembro de 1951).

Em 1888, Augusto Severo casa-se com a pernambucana Maria Amélia Teixeira de Araújo (1861-1896), com quem tem cinco filhos. No ano seguinte, passa a escrever artigos para o jornal A República, anti-monárquico, do irmão Pedro Velho, e projeta um dirigível que incorporava ideias revolucionárias, o Potyguarania. O projeto, porém, nunca chegaria a sair do papel.
O Potyguarania, o primeiro projeto de Augusto Severo para um dirigível semirrígido (1889). Fonte: Museu Aeroespacial.
Esquemas da patente brasileira de Augusto Severo para o dirigível Bartholomeu de Gusmão, concedida em 8 de outubro de 1892 (nº 2.158). Fonte: Arquivo Nacional.
O dirigível Bartholomeu de Gusmão, o primeiro semirrígido do mundo, no hangar de Realengo, no Rio de Jeneiro (RJ), em 1894.Fonte: Musée de L’Air et de L’Espace / Le Bourget.
A distribuição simétrica das quatro forças aerodinâmicas fundamentais, característica dos dirigíveis de Augusto Severo, desfavorecia o surgimento de torques nocivos à marcha, evitando assim a tangagem.
Estrutura semirrígida do Pax, ainda desacoplada do balão e desprovida dos motores, fora do barracão de Vaugirard (Paris, França), no ano de 1901. Fonte: Library of Congress.
Um dos teste cativos do Pax realizados em maio de 1902, em Vaugirard (Paris, França). Fonte: Library of Congress.

FONTES:

Como Augusto Severo eliminou a tangagem. História da Física e Ciências Afins • Rev. Bras. Ensino Fís. 35 (1) • Mar 2013 • https://doi.org/10.1590/S1806-11172013000100029 

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