Amélia Duarte Machado (Viúva Machado): O Marido – PARTE 1/7

Uma das lendas urbanas mais conhecidas da cidade é da Viúva Machado, conhecida por ser a comedora de fígado, ou como dizem, a “papa-figo”. Pouca gente sabe que a famosa viúva realmente existiu e totalmente diferente do que a lenda dizia.

O MARIDO

Amélia Duarte Machado, ou mesmo Viúva Machado, esses são os dois nomes pelo qual Amélia ficou conhecida na Cidade do Natal, diante disso chama atenção o sobrenome Machado em ambos e a vinculação constante com o marido. Os rostos de Amélia e de seu marido estão fortemente relacionados.

Analisando as imagens de Amélia e os fatores que possibilitaram sua popularidade na Cidade do Natal, torna-se inevitável falar sobre Manoel Machado, seu cônjuge, um comerciante de destaque daquela Natal do início do século XX.

Não é nosso intuito posicionar Amélia enquanto figura secundária ao seu marido, como uma marionete que agia apenas em função do mesmo, mas não podemos ignorar dentro das particularidades da vida dessa mulher e dentro da perspectiva social e cultural da cidade do Natal das primeiras três décadas do século XX, os significados da figura do seu esposo para a sua trajetória e para a sua visibilidade dentro da Cidade do Natal.

Manoel Machado era um europeu dentro de terras natalenses, em uma cidade que tinha como inspiração a Europa, os filhos daquele continente símbolo do desenvolvimento e do progresso eram muito bem vindos e admirados.

Teria aportado em terras natalenses juntamente com seu irmão Cláudio Machado. Vieram para Natal no final do século XIX, enriqueceram no comércio e se destacaram também pelo investimento na compra de terras.

Os irmãos portugueses Manoel e Cláudio Machado nasceram na cidade de Santarém, Manoel em 21 de junho de 1881 e Cláudio em 15 de Janeiro de 1884. Ambos vieram para o Brasil em 1894, Manoel com 13 e Cláudio com 10 anos para companhia do seu tio José Maria Machado que possuía um armazém na Ribeira. Manoel trabalhava ao lado do tio e Cláudio no armazém de modas do comerciante Matheus Petrovich, conhecido por trazer à moda de Paris para Natal, também na Ribeira.

Os irmãos Machado, após a experiência na atividade comercial, decidiram montar seu próprio comércio. Paulo Viveiros em seu livro História da aviação no Rio Grande do Norte, fala sobre o caminho de Manoel e Cláudio Machado, irmãos portugueses que por possuírem um estabelecimento comercial enriqueceram em Natal: a Despensa Natalense estava localizada na Rua do Comércio n° 133, atual Rua Chile. Nessa rua encontravam-se as maiores empresas comerciais, industriais e exportadoras que atuaram diretamente no processo de desenvolvimento da cidade.

Além do seu comércio, podemos identificar a presença do esposo de Amélia Machado dentro das pesquisas que tratam da modernização de Natal, por sua participação na História da aviação do Estado. Enquanto uma cidade moderna Natal precisava possuir uma estrutura que possibilitasse o pouso e partida dos aviões. A utilização dos aviões é algo que possibilitava o contato e a troca de mercadorias de forma mais dinâmica, a aviação era também símbolo do progresso do século XX.

Como nos aponta Carlos Peixoto no seu livro “A História de Parnamirim”, Manoel Machado ganhou fama de latifundiário, pois além de dono da firma M. Machado e Cia e da Despensa Natalense, investiu também na compra de terras. Carlos Peixoto em sua obra também considera o comerciante português padrinho de Parnamirim. Manoel era dono da área dos quarteirões entre a Rua Nilo Peçanha em frente à Maternidade Januário Cicco até depois da Rua Potengi. De boa parte de terras entre Natal e Parnamirim. A partir de Neopólis de quase toda a faixa de terra nas margens direita do Rio Potengi, entre Natal e Macaíba.

Manoel Machado adquiriu também o engenho Ferreiro Torto, um dos primeiros engenhos potiguares e adquiriu a salina Carnaubinha entre os mangues de Igapó e Redinha. O bairro de Guarapes, região entre Natal e Macaíba também passou para as mãos de Manoel. A região se destacou por suas atividades comerciais. No século XIX Fabrício Gomes Pedroza, influente comerciante, ascendeu o tino comercial da região, construiu muitos armazéns. As terras de Guarapes passaram a fazer parte das propriedades de Manoel Machado. Com a morte de mesmo, a área vizinha ao município de Macaíba, passou para as mãos de Amélia, sua viúva.

O comerciante também comprou nas proximidades de Macaíba a propriedade denominada Pitimbu: “[…] um latifúndio na sua maior parte deserta, sem proveito e sem benfeitorias, como haviam estado há séculos aquelas terras. As vizinhanças povoadas mais próximas eram os sítios do Alecrim, limites da cidade do Natal, e o arruado do Taborda em São José do Mipibu”. As terras do Engenho Pitimbu, se estendiam dos limites com os Guarapes, Macaíba, ao norte, e ao sul as terras do Engenho Cajupiranga.

Essas terras merecem destaque, pois foram consideradas pelo comandante Paul Vachet, em julho de 1927, as melhores para a construção de um campo de pouso da companhia de aviação civil Aéropostale que faria a linha entre Europa e a América do Sul, e anos mais tarde, o mesmo campo de pouso teve um importante papel durante a II Guerra em Natal, pois, foi ocupado com a permissão do governo brasileiro pelos americanos.

O piloto Paul Vached já estava no Brasil desde janeiro de 1925, a serviço da “Societé de Lignes Aeriennes G. Latécoère” companhia de aviação francesa fundada em 11 de novembro de 1918 por Pierre-Georges Latécoère. O momento pós I Guerra Mundial (1914-1918) foi propício para a fundação de companhias de aviação comercial, pois com fim da I Guerra Mundial as nações vencedoras (Estados Unidos, Inglaterra, França e Itália) passaram a estimular disputas comerciais internacionais, criando áreas de influência. Nesse sentido, seria vantajoso para os países estabelecerem mecanismos que promovessem a ampliação das redes de envio e troca de mercadorias com regiões cada vez mais distantes em um menor tempo. Dessa forma, grandes empresários decidiram investir no transporte área, meio de transporte em desenvolvimento, sobretudo depois da sua grande atuação na guerra, e que poderia ser mais barato e eficiente para cobrir grande distancias.

A missão da Latécoère no Brasil era abrir novas rotas e escolher áreas para a instalação de uma rede de aeroportos, entretanto o projeto foi adiado devido a dificuldades financeiras e no ano de 1927 93% das ações da “Latécoère” foram vendidas para o francês Marcel Bouilloux-Lafont e a companhia foi rebatizada como Compagnie Generale Aéropostale. A partir de outubro de 1933 a Aéropostale viria a ser absorvida pela Air France.

Quando Paul Vached chegou a Natal a procura de uma região para a construção do campo de pouso para a companhia que ele representava, agora Aéropostale, o mesmo foi auxiliado por dois norteriograndentes, o advogado Alberto Roselli e o coronel do Exército Luís Tavares Guerreiro, sendo o último bastante conhecedor da região. Cascudo, nomeou o coronel Luís Tavares Guerreiro o “padrinho” de Parnamirim:

É um tabuleiro entre colinas em meias-laranjas, com a lagoa que lhe deu nome. Um oficial do Exército, o coronel Luís Tavares Guerreiro, velho conhecedor do local, levava para Parnamirim o batalhão sob seu comando para exercícios militares. Em 1927 indicou-o para o campo de pouso para aviões da Latecoére. […] O coronel Tavares Guerreiro foi descobridor de Parnamirim, o padrinho, indicando-o para finalidade que o tronaria famoso entre todos os campos de pouso do mundo.

Em carta enviada a Cascudo pelo coronel Luís Tavares Guerreiro, publicada no jornal A República de 03 de outubro de 1943, o coronel conta que foi procurado por pelo próprio Manoel Machado para que o mesmo guiasse Paul Vachet nas terras do Engenho Pitimbu. Na presente carta Tavares Guerreiro expõe a Cascudo que é leitor assíduo de sua coluna no jornal A República, bem como ele revela que escreveu a carta para ele com a intenção de fornecê-lo dados para o mesmo escreva sobre a Base aérea de Parnamirim.

Paul Vachet narrou em seu livro Avant les jets, edição francesa da Libraire Hachet, 1964, p. 159-160, como obteve as terras de Manoel Machado para a construção do campo de pouso de aeronaves (VIVEIROS, 2008: 197). Esta narração está transcrita na íntegra no livro de Paulo Viveiros “História da Aviação no Rio Grande do Norte”.

Ainda sobre a relação do marido de Amélia com a construção do campo de Pouso de Parnamirim, o português em troca da doação de uma área de mil metros quadrados a Paul Vachet, que depois fez uma nova escritura para a Aéropostale, teve a sua empresa M. Machado e Cia contratada para desmatar, limpar, nivelar e cercar o terreno. De acordo com a escritura de locação de obras assinada em 21 de julho de 1927 o pagamento pelos serviços da firma seria de doze contos de reis (12.00$000), que deveria ser pago de uma só vez no final do serviço. A firma se prontificou a fazer todo o serviço no prazo de 90 dias, a contar da assinatura do contrato.

Também podemos identificar a notoriedade dada ao esposo de Amélia Machado conforme narra o jornalista e advogado Antônio Barroso Pontes no seu livro “Mundo dos coronéis” no qual ele dedica um capítulo ao português intitulado: Deve-se ao Pioneirismo de Manoel Machado a existência de Parnamirim, o Trampolim da Vitória. De acordo com Pontes, Manoel teria resolvido o problema de acesso que os franceses encontraram nas terras de Pitimbu. Os franceses ao se depararem com o problema de vias de acesso teriam contado com a ajuda do proprietário da fazenda Pitimbu, que teria ido com os técnicos franceses falarem com o então governador José Augusto Bezerra de Medeiros para pedir que o mesmo construísse a referida rodovia.

Houve o compromisso do governador em realizar a obra, porém o governador não saudou e compromisso. Segundo o autor, o próprio Manoel Machado decidiu construir uma estrada ligando a sede da fazenda ao campo em construção.

A presença da Aéropostale nas terras de Pitimbu trouxe consequentemente desenvolvimento e infra-estrutura. Carlos Peixoto nos oferece a seguinte variante em relação à construção de uma estrada para facilitar o acesso dos franceses nas terras de Pitimbu:

Com a expansão das atividades da Aéropostale e a construção do campo de pouso, veio o povoamento e posteriormente a Cidade de Parnamirim. Depois outras propriedades, anexas, foram vendidas à Air France, antiga Aéropostale, para ampliação de suas atividades por Manoel Machado e por sua viúva, Amélia Machado.

Compreendemos, portanto a relação entre as figuras de Amélia com o seu marido Manoel Machado. Os dois sujeitos viveram juntos, frequentaram ambientes comuns, partilhavam amigos. Dentro do estudo da vida de Amélia e das imagens que foram elaboradas sobre essa mulher, os significados atribuídos também ao seu esposo participam dos símbolos atribuídos a ela ao longo de sua vida, pois a popularidade e a relevância de Manoel Machado na cidade do Natal das primeiras décadas do século XX teriam contribuído em grande medida para a popularidade e projeção da esposa Amélia e posteriormente da Viúva Machado.

Textos compilados da dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em História, da UFRN, com título Amélia Duarte Machado, a Viúva Machado: a esposa, a viúva e a lenda na Cidade do Natal (1910-1930), Ariane Liliam da Silva Rodrigues Medeiros, resgata essa personalidade histórica de nossa cidade, apontado como “morreu” a mulher e nasceu a lenda.

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Fotografia de Manoel Duarte Machado, publicada no jornal O Poti com a seguinte legenda: “Manoel Machado foi um precursor do mercado imobiliário e dos supermercados” (SEREJO: 1978: 23).
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Fotografia dos irmãos Cláudio Machado (à direita) e Manoel Machado (à esquerda). Essa fotografia foi reproduzida pelo então fotógrafo do jornal O Poti, Argemiro Lima, em 10/12/1978, a partir de uma fotografia que decorava a casa de Amélia Machado. Fonte: acervo de Luiz G. M. Bezerra.
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Fotografia de pilotos que cruzaram o Atlântico e que foram recepcionados no palacete da Praça Dom Vital, publicada no jornal Diário de Natal de 15 de dezembro 1999. Na presente fotografia conseguimos identificar o português Manoel Machado, como sendo o homem calvo e de bigodes que está em pé encostado à janela.
Pode ser uma imagem de texto que diz "DESPENSA NATALENSE Os melhores vinhos verde, collares e brancos, proprio para missa, assim como O offamado cognác Farpin, cebolas novas e azeite doce especial, acaba de τι ceber directamente de Pcrtu- gal - pelo vapor <Actor» o es- pecialista Manoel D. Machado"
Anuncio do jornal Diário de Natal sobre o fornecimento da Despensa Natalense de vinho importando, trazido de navio diretamente de Portugal. Fonte: Diário de Natal 22/10/1904.
Pode ser uma imagem de texto que diz "MANOEL PEDRO & COMP. Exportadores de Misdriras do Pars, brutas 0 apparelbadas. GRANDES OFFICINAS de MARCENARIA e SERRARIA Manteem deposite aqui, de Taboas de Engommar, Escadas de diversos tamanhos hos e adeiras apparelhadas de diversas qualidades. REPRESEN FANTES M. Machado & Ca. Rua do Cammercin, 40- Natal"
Anuncio do jornal A República da firma M. Machado e Cia no qual aparece representante de uma firma exportadora de madeiras. Fonte: A República 30/12/1921.
Pode ser uma imagem de texto que diz "M. Machado & Cia. COMTA PRAPRTA Postal 20- 20-Codigo teleg. Ribeire Rua do Commercio n: AVENIDA TAVARES DE LYRA Importação directa de generos de estiva Exportadores de generos de paiz Deposito permanente Farinha trige, de ma8- dioea, eimento, arame lizo. galvanisado suear demerara, maseavo, madeiras de eonstrueção, eedro, amarello, Seguros ias eom- panhian Navegação Vapor Maranhão de Segu- Terrestres Maritimon Amazonia", Com séde Belem do Pará. Opéra melhores taxas. Rio G. do Norte-Natal-Brazil"
Pela propaganda que vemos mais adiante, dá para ver que ele trabalhava com importação e exportação de uma grande gama de produtos, muitos de primeira necessidade, e ainda tinha uma participação em negócios marítimos.
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Casarão dos Guarapes.
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Solar Ferreiro Torto.

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