Os americanos em Natal

As influências dos norte-americanos no Rio Grande do Norte, durante esse período da Segunda Guerra, foram marcantes. Natal, até então permeada por alguns elementos ainda provincianos, passou a entrar em contato direto e estreito com o cenário internacional. As influências foram significativas na organização dos espaços, nas formas de diversão, na linguagem, na gastronomia, nos hábitos de consumo, entre outros aspectos.

Durante a eclosão da II Guerra Mundial (1939-1945), a cidade do Natal serviu como espaço para a instalação de uma base aérea americana. A escolha da cidade deu-se por sua localização geográfica, por ser ponto estratégico no Atlântico Sul.

Nesse contexto, encontrava-se o Estado do Rio Grande do Norte e sua capital, a Cidade do Natal – a esquina do continente sul-americano ou a “porta” da América, ou a ponta de terra mais avançada do Brasil na direção do Oceano Atlântico. Era uma unidade periférica dentro da Região do Nordeste brasileiro, com pouca importância econômica dentro do cenário nacional e insignificante na sua dimensão físico-territorial, assim como em número de habitantes. As elites residentes na capital, a Cidade do Natal, que foi fundada em 1599 a partir de uma decisão do governo colonial português, via nessa localização um importante ponto estratégico mundial.

O interesse pela cidade levou ao governo dos Estados Unidos a aproximar-se do presidente brasileiro Getúlio Vargas, essa política visava o apoio dos países americanos aos EUA. Em acordo assinado em 1942 os americanos tinham que utilizar nossas matérias primas e em troca forneciam armamentos e munições, bem como construíram a Usina Siderúrgica de Volta Redonda, no Rio de Janeiro.

Em 1942 foi inaugurado o Campo de Pouso de Parnamirim denominado Parnamirim Field, considerada a maior realização técnica dos EUA fora do seu território. O campo possuía pistas de 2.000 metros, possibilitando a descida de 250 aviões. Cerca de 2.000 americanos se alojaram em Natal entre homens, mulheres e especialistas técnicos. A presença dos americanos trouxe para a cidade investimentos e novos hábitos (MARIZ; SUASSUNA, 2001: 48-65).

A Segunda Guerra Mundial, que durou de 1939 até 1945, recebeu a adesão do Brasil em 1942, tendo como razão principal o torpedeamento de navios brasileiros no Atlântico Sul. E Natal como ponto mais perto da África, se apresentava como local ideal para um “trampolim”, como depois foi chamada, para atingir os nossos inimigos na Europa e no Japão.

A POPULAÇÃO EM TEMPOS DE GUERRA

A cidade de Natal teve seu crescimento populacional baixo até a década de 1940. A partir desse período, principalmente remontando ao contexto da Segunda Guerra Mundial, Natal passa por um processo chave em sua modernização e desenvolvimento que é ter sido escolhida como base militar norte-americana, com a justificativa de estar localizada na “esquina do continente”.

A presença dos norte-americanos na cidade teriam estimulado o povo natalense a sair do “provincianismo” em que se encontravam, e desde então a cidade teria “procurado comportar-se como metrópole”. Natal era a cidade que mais crescia no Brasil, de acordo com o texto que recorre a números, cita o contingente populacional composto por 100 mil habitantes de acordo com o censo de 1950 (A REPÚBLICA, 01.07.1959: 3). De acordo com dados do censo apresentados por Itamar de Souza, na transição da década de 1940 para a década de 1950 a cidade teve seus índices populacionais alavancados. Em 1940 Natal possuía 54.836 habitantes, de acordo com o censo, passando para 103.212 habitantes em 1950 (SOUZA, 2008: 797). Em 10 anos, o incremento populacional foi de 88,2%.

A coluna “Sociais” do “A República”, com o título de “Quantos habitantes tem Natal?”, questionou o pós recenseamento do Rio Grande do Norte em setembro de 1940, com então 54 000 mil habitantes, sendo o 17º menos populoso do Brasil, o que fez despertar tão questão sobre Natal.

Foi nessa cidade que a presença norte-americana intensificou-se lenta e progressivamente entre 1941 e 1942, principalmente quando a guerra se expandiu e atingiu o norte da África. A participação do Brasil na guerra foi de fundamental importância para Natal, que se transformou em ponto de passagem das tropas norte-americanas que se dirigiam para o front no continente africano.

Segundo Clayton Knight (apud PINTO, 1995, p. 56), coube ao coronel Robert Olds vir ao Brasil, a mando do presidente Franklin Delano Roosevelt, “fazer arranjos em favor do uso de Natal como base de travessia”. Um mês depois, através do Decreto 3.462/41, foi permitido “à Panair do Brasil “construir, melhorar e aparelhar” aeroportos ao longo do litoral Norte-Nordeste. Uma infração, agora binacional (do Brasil e dos Estados Unidos), ao estatuto da neutralidade, que a compostura, tanto quanto razões de segurança, mandavam fosse mantida em segredo” (PINTO, 1995, p. 56).

Para Souza (1984, p. 33), houve não só aumento populacional: “A presença de oficiais brasileiros e norte-americanos, especializados em diversos ramos da ciência e da tecnologia possibilitou que as elites de Natal percebessem o atraso intelectual em que viviam.” Dessa forma, a permanência dos oficiais provocou um confronto de ideias, saberes e tecnologias que, de certa maneira, mobilizou a elite natalense para o implemento de novos espaços dedicados à divulgação da ciência, da arte, da cultura e da organização social.

Uma das maneiras de tentar encobrir a presença de militares norte-americanos pelas ruas de “Natal foi a obrigatoriedade de que usassem trajes civis, em respeito a neutralidade” (PINTO, 1995, p. 60). Mesmo que o projeto tenha sido mantido em segredo, a população de Natal parecia perceber o que estava acontecendo (SMITH, 1992, p. 25), seja pelas mudanças que se processavam nas instalações militares da cidade, como a transformação do velho Batalhão de Caçadores num Regimento de Infantaria, a ampliação das Docas e a desapropriação de uma grande área vizinha à Escola de Aprendizes de Marinheiros (PINTO, 1995, p. 57).

Apesar do apelo para que suas marcas passadas fossem apagadas e esquecidas, essa ação não era possível, pois seu traçado e suas edificações continuavam entranhados de antigas relações sociais, hábitos e condutas que se revelavam naquele momento histórico de modernização. Mesmo sem perder suas características dos tempos passados, os edifícios da Rua Dr. Barata abrigavam o melhor do comércio que não encontrou lugar na Avenida Tavares de Lira e, posteriormente, no período mais movimentado da Segunda Guerra Mundial, a rua tornou-se “um verdadeiro bazar marroquino”, por onde desfilavam “homens de todas as raças: heróis, bandidos e prostitutas” (MELO, Protásio Pinheiro. Contribuição norte-americana à vida natalense. Brasília: Senado da República, 1993, p.94).

Americanos na Ribeira.

A fundação de Natal ocorreu em 25 de dezembro de 1599, sendo uma das mais antigas cidades fundadas pelos portugueses em terras brasileiras. Mas o escritor Luís da Câmara Cascudo, responsável por vasta obra sobre Natal, dizia em crônica do ano de 1929 que a urbe natalense “imita cidade recém fundada”, cuja verdadeira idade só era denunciada pelo “enviesamento das artérias” (CASCUDO, 1929, p. 1), em referência às ruas tortuosas da cidade colonial. O sentimento expresso por Cascudo era compartilhado pelos que administravam a cidade, os seus intendentes, para os quais Natal era uma urbe de direito, mas não de fato. Com o regime republicano, cresceu o interesse da elite local em transformar a cidade ou, talvez seja mais adequado dizer, tornar Natal uma cidade, dando-lhe o grau de civilização e progresso que marcava as modernas urbes da Europa e da América, bem como a cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, reformada na administração do engenheiro Pereira Passos, entre 1904 e 1906.

Marcos Aurélio de Sá, diretor e editor da revista RN/Econômico em 1979, recorda a importância de Natal como base aliada para os americanos na década de 1940 para a economia da cidade. Esse período teria estimulado a abertura de uma postura empresarial e conduzido à abertura de negócios, no entanto, para o autor, com o final da prosperidade trazida pela guerra, a cidade perdeu seu comércio dinâmico, conduzindo a desativação de hotéis, lojas e pequenas indústrias.

O natalense foi forjado neste processo de “paz e guerra”, entre indígenas, europeus e africanos. Seus gestos, hábitos e culinária resultam deste caldeirão cultural. Natal cosmopolita, na sua origem colonial, vive na década de 1940, grande influência dos norte-americanos. Época da Segunda Guerra Mundial, a cidade tornase Trampolim da Vitória, o esforço de guerra fez Natal, quase dobrar a quantidade de habitantes (LIMA, 2001).

O estabelecimento Grande Ponto na década de 1940. Fotografia publicada na Revista Life pelo fotógrafo norte-americano Hart-Preston que registrou a construção da base militar em Natal durante o período da II Guerra Mundial. Fonte: (TRIBUNA, 15.03.2012). A fotografia apresenta o estabelecimento Grande Ponto e sua esquina movimentada para a época, local de parada dos bondes, de anúncios e que possuía um posto de controle de um guarda de trânsito.
A Rua João Pessoa e o estabelecimento Grande Ponto. Foto sem data do fotógrafo Jaeci, apresenta o Grande Ponto e a movimentação de automóveis e pedestres no trecho. Fonte: CD Natal 400 anos de História, turismo e emoção, 1999.

No início de 1939, com a finalização da primeira etapa do Plano Geral de Obras, os bairros centrais pareciam ter adquirido, sob muitos aspectos, uma imagem renovada para seus moradores. A cidade já convivia com um maior número de automóveis circulando, embora a maioria da população continuasse a se deslocar em bondes sempre lotados (FRANÇA. Aderbal. Dia de chuva. A República, Natal, 18 mar. 1939c.).

Bonde em circulação no Alecrim na época da Segunda Grande Guerra.

ANTECEDENTES

Se por um lado a iminência da Segunda Guerra Mundial provocava o temor pelo destino que a cidade poderia ter, por outro também criava muitas expectativas novas e alentadas pelas elites locais. Ainda no início de 1939, foi publicado um artigo no jornal A República informando à população que

Os Estados Unidos da América do Norte, possuindo uma força aérea das mais fortes do mundo e aviões de bombardeio que não encontram paridade, […], vão gastar somas formidáveis na construção de bases aéreas em toda a costa do Atlântico e nas ilhas da América Central, a fim de garantir-lhe contra um possível ataque de uma potência européia. Maior, muito maior é o perigo que corre o Brasil, […]. O seu ponto mais vulnerável, como já disse, é o Nordeste e a base de defesa mais importante é Natal, donde os aviões poderão exercer um patrulhamento eficiente contra qualquer tentativa de ataque não só ao Brasil, como mesmo a toda a América do Sul.

Para as elites locais, a defesa da América dependia da defesa de Natal e, nesse sentido – inferimos – acreditavam que novos investimentos poderiam abrir perspectivas para a conquista de novos espaços políticos, principalmente, de ganhos econômicos para a cidade e, consequentemente, para as próprias.

No momento em que a guerra foi declarada na Europa, o governo brasileiro proclamou sua neutralidade e montou uma estratégia para enfrentar um outro tipo de guerra: a diplomática. A medida que as forças alemãs avançavam na direção do norte da África, o poder de barganha de Vargas aumentava e, segundo Tronca (TRONCA, Ítalo (UNICAMP). O Exército e a industrialização: entre as armas e Volta Redonda (1930-1942). Capítulo VII. In: FAUSTO, Boris (Org.). Op. Cit.), o presidente acenou que fecharia um acordo com quem atendesse primeiro às reivindicações brasileiras e, em troca, cederia o espaço territorial brasileiro para as atividades militares estrangeiras.

Do lado estadunidense, o presidente Roosevelt, “movido por interesses político-militares, estava disposto, pessoalmente, a conceder o financiamento para a construção da siderúrgica” (Tronca, 1981, p.356), que era uma das principais reivindicações do governo Vargas, porém enfrentava diversas oposições em seu país. A importância brasileira para o governo dos Estados Unidos, até aquele momento, era porque avaliavam que o litoral nordestino detinha a melhor posição geográfica para construir uma base militar. Porém, aparentemente, essa premente necessidade pareceu durar pouco tempo. A conjuntura mundial modificou-se quando, em dezembro de 1941, ocorreu o ataque japonês à base estadunidense de Pearl Harbour, localizada no Oceano Pacífico e a defesa estadunidense precisou ser reavaliada.

Apesar de os Estados Unidos já virem dando apoio às Forças Aliadas, a partir da sua entrada na Guerra, parece que seu Governo agregou a sua ação na guerra à necessidade de obter respaldo político junto aos representantes e líderes dos países americanos.

Desde esse período, os Estados Unidos consideravam provável a possibilidade de ataque das forças alemãs à América, através de Dakar e de Natal. O seu Departamento de Estado também sabia da propensão do Presidente Getúlio Vargas e dos principais superiores das Forças Armadas Brasileiras em apoiarem a causa nazista. A apropriação do espaço no litoral brasileiro seria a garantia de sua defesa da América e, nesta ação, os estadunidenses pretendiam estabelecer suas próprias atividades militares como única forma de impedir algum avanço nazista nessa direção.

Desde as primeiras missões estadunidenses à Cidade do Natal que seus integrantes procuraram as autoridades locais e realizaram reuniões secretas, que naturalmente foram omitidas pelo Jornal A República. Para Smith Junior (1992,p.25), “a população de Natal, evidentemente, sabia o que estava no ar”, pois nas ruas seus soldados e técnicos militares transitavam e se movimentavam sem reservas. É sensato imaginar que os militares estadunidenses não agiriam com tanta desenvoltura caso não estivessem respaldados pelas autoridades locais.

O levantamento detalhado foi concluído, os planos e projetos foram elaborados e estes, por fim, deram início às obras físicas que pretendiam e contrataram a mão-deobra local. Seu andamento ocorreu sem sobressaltos, particularmente entre os anos de 1940 e 1942 e, o que se sabe ao final, é que os Estados Unidos construíram em Natal a que foi considerada a sua maior base militar fora do seu território e que esta entrou em operação em 7 de julho de 1941 (SILVA, Josimey Costa da. A palavra sobreposta: imagens contemporâneas da Segunda Guerra Mundial. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 1998.), um ano antes do Brasil entrar na Segunda Guerra Mundial.

Em 1941, já era perceptível a presença de militares norte-americanos na cidade. Com a instalação da Base Aérea de Natal, em 1942, cresceu o número de soldados, afetando o cotidiano na capital potiguar. O surto da mineração com a exploração de tungstênio e da scheelita atraíram firmas e técnicos. A transformação de Natal em praça de guerra resultou em um intenso comércio de bares, mercearias, lojas de artigos diversos e casas noturnas nos bairros centrais.

A presença militar estadunidense em Natal, no entanto, só foi oficializada em meados de 1942 quando, segundo Cascudo (CASCUDO, Luís da C. Op. Cit., 1999, p.423), a Cidade Natal já convivia com a Base de Parnamirim Field e com “todas as manifestações da vida norte-americana”, entre elas uma estação de rádio, uma programação permanente de shows, cassinos, supermercado e periódico semanal, publicado em inglês. Ou seja, quando o Brasil declarou sua entrada na Segunda Guerra Mundial, a Cidade.

Chegada dos militares americanos em Natal em 1942. Na ocasião apresentação da tropa em frente ao Palácio do Governo do RN, na Praça Sete de Setembro.

Em Natal, apesar da aparente boa relação que havia sido estabelecida entre as elites locais e os oficiais estadunidenses, estes últimos demonstravam suas insatisfações com as autoridades locais em relatórios internos. A principal queixa era dirigida ao Interventor Federal do Rio Grande do Norte, General Antônio Fernandes Dantas, que, segundo Smith Junior (O primeiro ato oficial do Interventor General Antônio Fernandes Dantas “foi aumentar seus próprios vencimentos de U$ 200 para U$ 500 por mês, equivalente à moeda corrente americana”. In SMITH JUNIOR, Clyde. Op. Cit.), era questionado pelo enriquecimento que tivera às custa do Estado, sua sociedade no Cassino Natal e a retirada de renda que fazia no arrendamento do Grande Hotel, assim como as contratações familiares realizadas por seu Governo.

Esses acontecimentos formaram um cotidiano do começo de 1940 “A convivência com os americanos e seu diferente modo de vida afetou o cotidiano de toda a população local (…) o que chama a atenção é a discrepância entre as múltiplas percepções sobre esse momento de intenso intercâmbio sociocultural (…)” (PEDREIRA, 2012, p. 114).

Av. Duque de Caxias com Av. Tavares de Lira na Ribeira pelo fotografo da Revista Life Hart Preston. Fonte: Google/Life
Descida da Avenida Rio Branco na época da Segunda Guerra mundial na lente dos militares americanos. Enquanto é observado por garotos da redondeza, o soldado americano posa pra foto na descida da Av. Rio Branco sentido Ribeira. Fotógrafo: Não informado. Ano: 1943
Possivelmente convidados a sair na foto, os garotos, antes observadores, agora se juntam aos amigos americanos para serem todos fotografados.
Um detalhe que se pode observar aqui é que, apesar da aparente simplicidade, sem muitos recursos dos garotos, era comum, quase que imprescindível o uso de calças e camisas, que geralmente eram brancas, pelos homens a partir de certa idade, 14 ou 15 anos talvez.
Soldado americano posa pra foto na Av. Rio Branco no bairro da Ribeira.
Nessa época, quem estivesse passando na Av. Rio Branco por traz do Salesiano, teria fácil acesso ao terreno desse colégio. Há cerca de 11 anos, com o falecimento de Ignez Barreto, o terreno da antiga vila Barreto passava para as mãos dos padres Salesianos. Com isso, parte do terreno foi cortado pelo prolongamento da Av. Rio Branco. Agora essa via passava pelo meio da antiga propriedade da família Paes Barreto. Ao fundo aparece a Estação da EFCRGN. Fotógrafo: Não informado. Ano: 1943.
Após parada pra foto, soldados seguem pela Rio Branco sentido Ribeira. Nessa época, quem estivesse passando por essa avenida teria, nesse trecho, fácil acesso ao terreno desse colégio. Há cerca de 11 anos, com o falecimento de Ignez Barreto, o terreno da antiga vila Barreto passava para as mãos dos padres Salesianos. Com isso, parte do terreno foi cortado pelo prolongamento da Rio Branco. Agora essa via passava pelo meio da antiga propriedade da família Paes Barreto. Ao fundo se vê as belas palmeiras imperiais do colégio Salesiano. Fotógrafo: Não informado. Ano: 1943

Os homens vestiam linho branco, chapéu de palhinha. As mulheres viviam as diferentes modas. Seguindo o rio Potengi, o Alecrim começou pelo cemitério. Ao sul, a cidade morria mal acabava a Cidade Nova ou Cidade das Lágrimas, que depois seriam Petrópolis e Tirol, onde ficavam as poucas residências das famílias ricas. Dali, rasgando a mata, expulsando a areia, uma única tira de asfalto muito longa e isolada de toda urbanidade ligava a cidade liliputiana a uma terra estrangeira: Parnamirim Field (CASCUDO, 1980, p. 50).

Em Petrópolis, edifícios altos encimam monumentos; as ex-casas dos americanos da Segunda
Guerra. Foto: Josimey Costa.
Antiga sede do observador naval da US Navy.

ECONOMIA DE GUERRA

Durante os anos de 1942 até 1945, o Brasil sofreu uma desaceleração na sua economia, o que não afetou o desenvolvimento e crescimento econômico de Natal devido o incremento dado pela presença americana e a construção da base aérea de Parnamirim Field e a Base Naval. Dessa forma, é possível afirmar que: ―na Cidade do Natal o comércio cresceu de maneira vertiginosa e se refletiu na expansão dos estabelecimentos bancários e de crédito cooperativo, assim como no enriquecimento de muitos comerciantes […]‖ (OLIVEIRA, 2008, p. 210.). Muitos negociantes, estabelecidos em Natal, constituíram fortunas devido ao comércio e a especulação imobiliária. O crescimento da capital potiguar se processou em direção ao bairro do Alecrim e das ocupações nos bairros de Tirol e Petrópolis. As construções que surgiram no contexto da Segunda Guerra Mundial, a exemplo da Base Aérea de Parnamirim, o Grande Hotel e a estrada asfaltada ligando a Base Aérea à Praça Pedro Velho, indicavam que a cidade tendia ao desenvolvimento do turismo no futuro. Essa percepção, presente nos artigos de A República, relacionava-se com o projeto de modernização propagado pelos intelectuais no período anterior ao conflito mundial (Cf. OLIVEIRA, 2008, p. 219-221.).

A economia local passou por uma enorme transformação: o custo de vida aumentou, o dólar virou moeda corrente no lugar do mil-réis, muita gente fez fortuna, havia o preço para vender a americano e preço para vender ao nativo. Theodorico Bezerra, dono do Grande Hotel encheu os bolsos abrigando a elite dos oficiais estrangeiros. Maria Boa se consagrou, mas as meninas dela e de outros cabarés precisavam fazer exames periódicos para prevenir doenças venéreas e tinham de apresentar o Love Card para exercer a profissão.

Em função do repentino aquecimento da economia da cidade com a chegada dos americanos, muitas pessoas se mudaram de outros estados para Natal buscando melhor condição salarial ou mesmo em decorrência de vinculação militar.

O alagoano Lídio Rossiter se mudou com sua esposa Maria José Monte para Natal antes do início da II Guerra onde passou a gerenciar o Banco do Povo, localizado na Ribeira. Animado com a economia da cidade, em 1943, Lídio chamou o irmão mais velho Carlos Rossiter, que foi trabalhar na Base Aérea, juntamente com a filha Déa. José Osório de Azevedo veio servir o Exército em Natal em pleno período de Guerra, aqui conheceu Lêda Wanderley de tradicional família local, com quem se casou teve os filhos: Gileno (Leno, o cantor da Jovem Guarda) e June Wanderley Azevedo.

Os moradores pareciam espremidos pela conjuntura de guerra e ameaçados pelos canhões que a vida lhes apontava. A crise econômica era confusa, apesar do crescimento da demanda e do aumento de dinheiro circulante na cidade. Não foram encontradas informações quanto ao montante de dinheiro que foi acrescido ao comércio da cidade, porém Smith Junior (1992:105) afirma que “o volume de negócios na cantina (PX) da Base chegava a quase US$ 50.000 em um dia” – A Base a que se refere é a NorteAmericana e este dado foi considerado apenas como referência desse aumento.

Contraditoriamente, o comércio local ampliava os estoques, reformava as instalações físicas e diversificavam as mercadorias oferecidas. Com o aumento da população, o consumo e a demanda se espalharam pela cidade e para além da Ribeira.

A partir de 1942, a vida na Cidade do Natal, para além das novidades e festividades, foi marcada também pela carestia e inflação, colapso do sistema de transporte e abastecimento de água, crise de abastecimento de gêneros alimentícios e racionamento de combustíveis, falta de habitação para atender à demanda instalada e, consequentemente, pela especulação imobiliária.

A cidade não estava preparada para absorver todo o aumento populacional relativo aos militares (mais de 10.000 soldados americanos) e aos civis que se dirigiam à capital em busca de trabalho. No que tange à moradia, em particular, várias mudanças decorreram desse surto migratório. A escassez de moradia desencadeou, em primeiro plano, o aumento dos preços dos aluguéis.

Oscar Wanderley (paletó), Lêda Wanderley (primeira à esquerda por trás) e família reunidos na residência da Praça Padre João Maria (atual anexo do IHGRN), 1941.

O bairro da Ribeira constitui outra parcela da formação histórica da capital potiguar. A partir do século XIX, este bairro foi emblemático para a evolução urbana de Natal. A Ribeira recebeu a instalação do porto, ampliou seu comércio, abrigou a sede do antigo palácio do governo, implantou o primeiro cinema e, no início do século XX, o melhor teatro da cidade. O auge do bairro ocorreu no contexto da Segunda Guerra Mundial, quando atraiu milhares de soldados, brasileiros e norte-americanos, para o seu comércio e sua agitada vida noturna.

Uma passagem, transcrita de um jornal do período em que Natal foi sede de bases militares norte-americanas, atesta o espanto do cronista com invasão estrangeira e com as transformações no cotidiano da cidade. O fato se passou no bairro da Ribeira, um dos mais frequentados pelos norte-americanos. Ali estavam cafés, cabarés, hotéis e restaurantes, lojas, que se constituíam nos principais pontos de diversão para os estrangeiros. A citação retirada do jornal O Diário ainda que longa, é emblemática do que se vivia naquela Natal dos anos 1940.

Meio displicente o cronista entrou no café. (…) Exclamações joviais, gestos desempenados, tipos de uma outra raça, a que a uniformidade das fardas cáquis emprestava um tom militar, enchiam as mesas. (…) A algaravia que se falava era estranha… Aqui e ali entravam e saíam marinheiros. Sobre a fala de alguns quepes, o brasão de Suas Majestades Britânicas, ou as iniciais simbólicas da RAF canadense. A maioria, porém, era de gente da América, ianques louros do norte, fisionomias enérgicas de sulistas, rostos expansivos e cordiais, do Texas…

O cronista olhou para os lados, curioso. Brasileiro, ele apenas. Sim, também as pequenas garçonnettes, numa fardazinha algo esquisita… No entanto, aquele era um simples e muito nortista “café” da rua Dr. Barata, por mais que a paisagem humana se mesclasse de exemplares de terras diferentes… Oh! A guerra… (apud PEDREIRA, 2005, p. 217).

A cidade acompanha nesse período duas tendências de crescimento: uma pela expansão da rodovia Natal/Parnamirim, construída pelos norte-americanos e a outra, pouco definida, em direção ao bairro do Alecrim no trajeto de prolongamento da Base Naval” (CLEMENTINO, 1989, p. 117).

Os preços subiram com o uso do dólar como moeda oficial na cidade, especialmente nas casas noturnas, o que era uma realidade. Não se pedia mais cerveja nos bares e sim “bia” ( de beer, cerveja). As ruas viviam cheias de jeeps e caminhões o que aumentou extraordinariamente o trânsito na capital.

Muito usado no esforço de guerra, era o jeep, invenção dos americanos, viatura segura e fácil de dirigir que resolvia quase todos os problemas de transportes.

No bairro do Alecrim, instalavam-se novos comerciantes e os lojistas da Ribeira abriam filiais ou transferiam seus estabelecimentos para a Cidade Alta, instalando-se nas Avenidas Rio Branco e Ulisses Caldas. O Brasil tinha mais de 10 Lojas Americanas e 18 lojas Brasileiras distribuídas em várias cidades brasileiras. Todas faziam parte da rede mundial do sistema estadunidense (Wool Worth. In: DANILO (Aderbal de França). Lojas brasileiras. A República, Natal, 22 ago.1940h.).

A Segunda Guerra Mundial foi o ponto de partida para Natal colocar-se no rumo da urbanização. As transformações não ocorreram apenas em nível de estrutura física e espacial. Culturalmente, a cidade é colocada em sintonia com o mundo, principalmente com a cultura americana, como indica o poema de João Cabral de Melo Neto (ver SANTOS, 1998. p. 36):

E de repente Natal
Virou mesmo Hollywood
Passeava o Rei Faissal
Tyrone Power e Roosvelt
Vão da Ribeira ao Tirol
Sugestões para que mude
O idioma nacional
Por um outro, very good.
Tão de repente Natal
Virou mesmo Hollywood.

No final de 1944, consolidou-se o declínio da importância da Cidade do Natal no cenário mundial de guerra. Segundo Smith Junior (SMITH JUNIOR, Clyde. Trampolim para a vitória: os americanos em Natal-RN/Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. Natal/UFRN: EDUFRN, 1992., p.158), nesse momento, a preocupação do Governo Estadunidense era “ajudar Natal a não sofrer um colapso econômico depois da retirada das forças americanas”. Uma das possibilidades levantadas era acordar com as empresas de aviação civil estadunidenses duas rotas permanentes com escalas no aeroporto de Parnamirim (Natal-Paris e Natal-Cidade do Cabo), além das rotas da América do Sul.

Levantamentos das Forças Armadas Estadunidenses na Cidade do
Natal. Fonte: Smith Junior (1992, p.43 e 47).
B25 Sobrevoando Natal Durante a Segunda Guerra Mundial. 1941

Além dos militares e do novo pessoal administrativo e burocrático que se instalaram na Cidade do Natal, milhares de outros interessados chegaram para residir e buscar melhores condições de vida.

Em poucos anos, havia duplicado o número de habitações e, mesmo assim, não atendia à demanda existente que aumentava progressivamente. Os aluguéis foram inflacionados e cobrava-se pela pouca disponibilidade de unidades no mercado local. O Governo também perdeu o controle sobre os visitantes. Até aquele momento, tratava como convidados a maioria dos que chegavam à cidade, porém com o seu desmedido aumento, esse tratamento tornou-se inviável. Não existia disponibilidade de vagas nos hotéis, mesmo considerando que o Grande Hotel estava funcionando, pois este “cedo se tornou pequeno […]. Multiplicaram-se as pensões e ainda são poucas. A população aumentou mais do que se esperava” (FRANÇA. Aderbal. Peço licença… A República, Natal, 23 jan. 1943a., p.7).

As hospedarias se multiplicavam e eram consideradas inadequadas. Seus proprietários, além da péssima qualidade que ofereciam, ainda especulavam indevidamente, tornando o negócio uma fonte de enriquecimento rápido (FRANÇA. Aderbal. O Hotel Central. A República, Natal, 03 abr. 1943e.). A desorganização que se vivia na cidade era atribuída ao estado de guerra: os valores cobrados, a tendência inflacionária e demais dificuldades de abastecimento

Nos mercados desapareceram: carne verde, carne de charque, leite, pão, manteiga, feijão, arroz, farinha de trigo (Nos mercados desapareceram: carne verde, carne de charque, leite, pão, manteiga, feijão, arroz, farinha de trigo (FRANÇA. Aderbal. Semana do trânsito. A República. Natal, 15 jan. 1942b.) e não havia previsão a curto prazo para abastecê-los. A Comissão Brasileiro-Americana de Gêneros Alimentícios, que foi criada para garantir o abastecimento e a subsistência das Forças Armadas Aliadas sediadas em solo brasileiro, considerou que a situação do Estado do Rio Grande do Norte era uma das mais graves no Brasil.

A Comissão Brasileiro-Americana de Gêneros Alimentícios era a responsável por garantir o abastecimento alimentar das bases militares através de programas de incremento à agricultura, à pecuária, à horticultura e demais setores da produção de gêneros de primeira necessidade, e era formada por técnicos brasileiros e estadunidenses. Sua formação deu-se através de um convênio de cooperação internacional. In PRODUÇÃO. A República. Natal, 15 ago. 1943.) e não havia previsão a curto prazo para abastecê-los. A Comissão Brasileiro-Americana de Gêneros Alimentícios, que foi criada para garantir o abastecimento e a subsistência das Forças Armadas Aliadas sediadas em solo brasileiro, considerou que a situação do Estado do Rio Grande do Norte era uma das mais graves no Brasil.

Além desse cumprimento, em Natal, o Governo do Estado criou a Comissão de Racionamento de Combustíveis para administrar o consumo de gasolina e querosene. Nesta cidade também, enquanto se esperava a diminuição do fluxo de automóveis nas ruas, inaugurou-se um período em que a circulação de veículos tornou-se mais intensa. Além dos bondes, dos primeiros ônibus que circulavam e da frota de carros de aluguel, a população passou a conviver com muitos automóveis das forças armadas.

Os locais citados como mais críticos eram o centro da Cidade Alta e o centro do Alecrim e, em meados de 1944, para tentar resolver as dificuldades, o Chefe de Polícia Coronel Alexandre Moss dos Reis expediu oficialmente ao Comando Militar da Base Americana “solicitando providências para um melhor controle sobre os motoristas, com o fim de diminuir ou evitar o número de desastres” (RECOMENDAÇÕES sobre trânsito de veículos. A República. Natal, 15 abr.1944., p.3).

A cidade, os transportes, os bares, estavam sempre cheios de soldados. O comércio multiplicou suas vendas e muitos comerciantes enriqueceram, junto com os motoristas de carros de aluguel. Os aluguéis subiram e comerciantes de meias de seda, perfume Channel e relógios de pulso, nunca venderam tanto.

Pelo Cais da Tavares de Lira chegava todo o tipo de iguarias aos americanos na época da Segunda Guerra Mundial. Pelo visto havia uma predileção por variados tipos de frutas. Registro realizado pelo fotógrafo da Revista Time, Hart Preston, em 1941.

A exemplo das questões inerentes ao desenvolvimento urbano, pode-se citar o abastecimento de água e energia elétrica que implicaram em mudanças marcantes. Pedreira (2015, p. 31) diz que “[…] mesmo entre pessoas de famílias abastadas é recorrente a lembrança dos transtornos de quando ainda não havia água encanada”, o fornecimento em abundância de excelente água potável fora viabilizado também pela existência de lençóis freáticos baixos e de reservatórios de água que vinham das dunas próximas (SMITH JR, 1992).

Havia a necessidade de expansão de serviços básicos, afinal a população se tornava cada vez maior e menos abastada, o que deixava evidente a pobreza, no jornal “A Ordem”, em 20 de janeiro de 1943, já saia um apelo a Cia. Força e Luz para luz elétrica aos pobres, as dificuldades para aquisição do querosene e com seus preços cada dia mais altos.

A mesma matéria do jornal continuou a dizer “O recenseamento de 1940 veio provar que grande número de casas de nossa capital não tem iluminação elétrica. Hoje, com o aumento enorme da população, mais numerosos devem elas ser”, isso vem do apelo da igreja católica, do qual era produzido esse periódico.

NATAL, BRASIL – JUNHO DE 1943: Uma visão como os soldados americanos falam com uma mulher local em Natal, Brasil. (Foto de Ivan Dmitri / Arquivos de Michael Ochs / Imagens Getty) *** Legenda local ***

QUARTEL DO EXÉRCITO

Não sabemos quando esta casa foi construída. Sabemos que ela pertenceu ao industrial João Severiano da Câmara, proprietário da firma exportadora de algodão João Câmara e Irmãos Com. Ltda., com sede a Rua Frei Miguelinho, n° 112, bairro da Ribeira. Sabemos também que foi em fins de 1940 que esta edificação passou a ser utilizada como Consulado Americano em Natal. Essa informação é baseada nos jornais natalenses “A República” e “A Ordem”, em suas edições de 27 de dezembro de 1940, onde é noticiado que o Interventor Federal Rafael Fernandes Gurjão assina documento reconhecendo o Sr. Elim O’Shaughnessy como Vice-cônsul dos Estados Unidos em Natal. Um ano e meio antes do Brasil declarar guerra a Alemanha e a Itália.

Até 1947 os americanos vão utilizar este local como seu consulado oficial em Natal.

Segundo o Prof. Itamar de Souza, em 1958, após a criação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, este imóvel foi adquirido por esta instituição de ensino superior para servir como a primeira sede da reitoria. A partir de 1960 sua área construída foi ampliada.

Com a inauguração do atual Campus Universitário, esta edificação foi vendida para a Marinha do Brasil, que em 15 de junho de 1976 ali instalou o Comando do 3° Distrito Naval.

Em agosto de 2012, conforme noticiado pela imprensa potiguar, o 3° Distrito Naval permutou, por cerca de R$19 milhões de reais, a sua atual sede com a Construtora ECOCIL. A construtora construiu uma nova sede desta unidade militar no local onde funcionava o estacionamento da antiga balsa, no Canto do Mangue. Em troca desta construção (e da edificação de uma casa em Fortaleza – CE), a ECOCIL igualmente recebeu da Marinha do Brasil a casa na Avenida Hermes da Fonseca e outro prédio na Avenida Alexandrino de Alencar.

Era final do ano de 1941, a apropriação uso não autorizada do território brasileiro por outro país passava à frente do portão principal do Quartel do Exército, localizado à Avenida Hermes da Fonseca, o que evidencia que o Exército Brasileiro tinha conhecimento dos acontecimentos. É possível inferir, inclusive, que estavam se beneficiando com aquelas iniciativas e poderiam receber alguma contrapartida local pela permissão.

Além disso, a historiografia nacional informa que, nesse período, a cúpula do Exército Brasileiro recebeu treinamento nos Estados Unidos da América ( BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil (dois séculos de história). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.). Portanto existia um relacionamento próximo entre as duas forças armadas.

Antiga residência do industrial potiguar João Severiano da Câmara – Fonte – Coleção de Edgar Magno Wanderley Ferreira.
A edificação do antigo Consulado Americano em Natal é o que se encontra mais a direita na foto, ao lado dos canhões. Foto – Junior Santos – Fonte TN
De chapéu e terno branco o então Embaixador dos Estados Unidos na União Soviética, o Sr. Joseph E. Davies, que esteve em Natal em setembro, ou outubro, de 1943. Na foto é possível ver parte da antiga estrutura da casa de João Câmara, uma das palmeiras imperiais e o símbolo característico utilizado nas embaixadas e consulados dos Estados Unidos.

ESCRITÓRIO DOS EUA

Desde 1941 que, em Natal, as Forças Armadas Estadunidenses haviam montado um escritório no centro da cidade, onde contratavam os empregados, compravam o material de construção para suas bases, abasteciam e supriam as necessidades de gêneros para seus soldados. O escritório era tido como da Panair do Brasil, porém todos pareciam saber que era onde operava a “US Army/Air Force”.

Em determinados momentos, o escritório fazia “todo tipo de pagamento, […] de pessoas, variando entre 8 a 12 mil homens, […] de todo material adquirido na praça local para atender as obras de construção da Base de Parnamirim e da Rampa” (Depoimento de Rui Garcia Câmara, funcionário aposentado da Base Aérea. In: MELO, Protásio Pinheiro. Contribuição norte-americana à vida natalense. Brasília: Senado da República, 1993., p.89).

BASE AÉREA

Desde a década de 20 do século XX, existia o Campo de Pouso de Parnamirim, o Hidroporto do Refoles e os demais atracadouros de hidroaviões, que foram citados anteriormente. A estrutura existente em Parnamirim era de propriedade da empresa francesa Latecoère (que, posteriormente, passou a se chamar Air France) e italiana Ala Litoria (L.A.T.I.); e no Hidroporto do Refoles, pertencia à Pan American, empresa estadunidense. Este aeroportos eram áreas de utilização sem controle e que foram construídas com apoio do Governo Estadual, mas este não interferia no seu funcionamento (VIVEIROS, Paulo Pinheiro de. História da aviação no Rio Grande do Norte: história que se registra de 1894 a 1945. Natal: Editoria Universitária, 1974.). Com o início da guerra na Europa, o aeródromo de Parnamirim passou a ser utilizado por militares das Forças Armadas brasileiras, que intensificaram suas visitas à cidade.

Em julho de 1941, o presidente Vargas autorizou os Estados Unidos a construírem a Base Aérea de Natal. O projeto para a construção de tal empreendimento já estava pronto desde 1940, e a sua execução ficou a cargo da Pan Am. Assim, os norte-americanos “construíram do outro lado da Base Aérea Brasileira, perto da lagoa, Parnamirim Field, o campo que mais ajudou a ganhar a guerra” (CASCUDO, 1999, p. 422).

Além da Base, os americanos construíram um oleoduto interligando o Campo de Parnamirim e as docas do rio Potengi, garantindo assim o abastecimento de combustível para as organizações militares, e uma pista asfaltada para facilitar os deslocamentos entre a Base Aérea e a cidade de Natal.

Em 1941, chegou o primeiro “olheiro” americano, o Sr. Marshall Jamison que veio, viu e gostou do local, tendo a ocupação de Parnamirim começado com a chegada da primeira Fortaleza Voadora em nossa terra. Nossa base passaria então a ser usada pelas forças do Exército, Marinha e Aeronáutica dos Estados Unidos da América do Norte.

Para as elites locais, a conjuntura da Guerra Mundial confirmou a importância estratégica da Cidade do Natal e sua relação com a aviação mundial. Após a assinatura dos acordos de cooperação militar com os Estados Unidos, a notícia de que as Forças Armadas Estadunidenses já estariam operando no litoral nordestino não causaria qualquer surpresa dentro da Cidade do Natal, uma vez que os Estados Unidos já haviam construído

[…] do outro lado da Base Aérea Brasileira, perto da lagoa, Parnamirim Field, o campo que mais ajudou a ganhar a guerra. Não há discurso a mais ou sabotagem a menos capazes de fixar o papel exato de Parnamirim. Impossível dizer até onde este pouso foi insubstituível, inverossímil, decisivo. Foi a maior mobilização técnica obtida pelos Estados Unidos fora do seu território. Mesmo relativamente ao potencial americano, Parnamirim era imenso e digno de orgulho. Pistas de dois mil metros facilitavam a descida imediata de 250 aviões. Mil e quinhentos edifícios abrigavam 10.000 homens. Todos os serviços modernos, todos os recursos da técnica, possíveis ao gênio e ao dinheiro, estavam abundantemente acumulados em Parnamirim. A gasolina, média de 100.000 litros diários, vem de um pipe line com 20 quilômetros de distância, recebendo-a dos navios tanques, na cidade do Natal. Custara sessenta milhões de cruzeiros e seis mil operários trabalharam dia e noite, sem parar, em mistério. […]. (CASCUDO, Luís da C. Op. Cit., 1999, p.422).

Algumas informações a respeito da Base Aérea Norte-Americana parecem imprecisas, talvez em função dos segredos que a cercavam ou da inexatidão como os dados eram registrados. Na historiografia, determinados aspectos são citados de maneira a se contradizerem. Por exemplo, o registro no número de edificação, para Smith Junior (1992, p.106) eram “243 edificações de várias formas e tamanhos”.

Em 1943, no auge do conflito, Parnamirim era dos mais congestionados aeroportos do planeta, com até 800 pousos e decolagens num dia de pico.

Natal tinha 53 mil habitantes e quase duplicou sua população. A “corrente” que demarcava o limite da cidade, ficava no cruzamento da Avenida Hermes da Fonseca com Alexandrino Alencar. A Base Aérea e a “pista” ligando Natal a Parnamirim foram construídas em tempo recorde envolvendo 6 mil trabalhadores. A Base Naval também foi construída nesse período.

De certo foi que, sob a administração de Amélia Machado, conhecida como a viúva Machado, o armazém “Viuva Machado, Sucessora” conseguiu ainda muito relevo na cidade e em importantes momentos. De acordo com a reportagem de Serejo de 1978, sob o seu comando, o armazém também abasteceu os quartéis americanos durante a II Guerra Mundial em Natal, fazendo crescer a influência de D. Amélia dentro da cidade, “era ela que indicava para os americanos e para as firmas que construíam a Pista de Parnamirim, durante a guerra, as pessoas que deveriam ser contratadas como empregados”. Poder e influência eram qualidades vinculadas a Amélia, isso não se poderia negar, de acordo com depoimento de Luiz G. M. Bezerra, costumava se locomover pela cidade com conforto, ostentando um carro dirigido por um motorista particular. Assim como já citado por Serejo, Amélia era a mulher forte em termos de indicação para o trabalho na Base Aérea de Parnamirim, durante a II Guerra em Natal.

Possuía vínculos com os americanos que vieram para Natal durante a II Guerra Mundial, utilizava-se das vantagens que possuía por ter sido seu esposo o doador do terreno para a construção da base aérea e utilizava-se dessa influência para indicar para os trabalhos na base, pessoas de sua confiança.

A construção das pistas de pouso e decolagem pelos EUA em locais inóspitos da costa Brasileira durante a Segunda Guerra mundial envolveu uma logística sem parâmetros na história militar. De certo que já havia alguma condição receber o maquinário e pessoal de tanto no campo de Parnamirim como nas bases de hidroaviões no Rio Potengi, mas foi um tremendo desafio dotar as instalações em com infraestrutura para fazer a travessia dos militares pelo Oceano Atlântico.

As pistas existentes eram rusticas e tiveram que ser aperfeiçoadas para a chegada dos aviões militares. Na Linha de frente destas ações chegaram engenheiros e demais especialistas em construção para as obras. A movimentação era intensa e chegava e partia aviões de dia e de noite. Os registros são do fotografo Hart Preston, em 1941, em Parnamirim, Natal e nos demais pontos de apoio pelo Nordeste.

Construção da base pelo fotografo da Revista Life Hart Preston. Fonte: Google/Life

Alguns personagens que estiveram na fase inicial das obras de construção das bases americanas pelo Nordeste Brasileiro, principalmente em Natal. Os registro são do fotografo hart preston, em 1941, para a revista Live.

Soldado em avião na base de Parnamirim Field pelo fotógrafo da Revista Life Hart Preston. Fonte: Google/Life.

Quer saber como era por dentro um avião cargueiro militar americano em 1941? O fotógrafo da Revista Time, Hart Preston, se deixou fotografar. Dá para se ter uma ideia de como era apertado voar em um deles.

Entre 1942 e 1945 aqui funcionou o principal quartel general dos países aliados no hemisfério sul. Por ser das cidades brasileiras a mais próxima do continente africano – 3 horas de voo em jatos de hoje e 8 horas para os aviões de 1943 de Natal a Dakar no Senegal – era uma “ponte” para todos os voos americanos que levavam militares das três Armas rumo à África ou aos combates no Atlântico Sul.

Em 1943, no auge do conflito, Parnamirim era dos mais congestionados aeroportos do planeta, com até 800 pousos e decolagens num dia de pico.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a maior base aérea norte-americana fora dos Estados Unidos foi instalada em Parnamirim, na área metropolitana de Natal. Por isso, o local também é conhecido como “Trampolim da Vitória”.
Base Americana em Natal — Foto: Caroline Holder/G1. Outro acontecimento que inaugura uma nova fase na capital é a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, em 1942, ao lado dos Estados Unidos. Natal passa a ter uma base americana que atrai investimentos e um povoamento de 10 mil soldados americanos – aumentando em 20% a população local. Um novo capítulo da história de Natal surgiu aí.
Soldados americanos no Aeroporto “Parnamirim Field” .
Vista Aérea da Base oeste de Parnamirim Em plena segunda guerra mundial. Natal participou ativamente da guerra.
Campo de Parnamirim em Natal, Nordeste do Brasil, a base aérea mais importante do hemisfério sul.
Em 2 de março de 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, na cidade do sol, foi construída a Base Aérea de Natal.
Avião da US Navy contra submarinos alemães.
Fotografia vintage de 1944, homens alistados na Base Aérea de Natal Messhall, em Natal, Brasil. Esta instalação aérea teve um papel importante durante a Segunda Guerra Mundial como uma base estratégica para aeronaves que voavam entre a América do Sul e a África Ocidental. Fonte: fotografia original.
Fotografia vintage de 1944, Teatro do Exército na Base Aérea de Natal em Natal, Brasil. Esta instalação aérea teve um papel importante durante a Segunda Guerra Mundial como uma base estratégica para aeronaves que voavam entre a América do Sul e a África Ocidental. Fonte: fotografia original.
Fotografia vintage de 1944, Soldado em Frente à Capela da Base Aérea de Natal em Natal, Brasil. Esta planta desempenhou um papel importante durante a Segunda Guerra Mundial como uma base estratégica para aeronaves voando entre a América do Sul e a África Ocidental. Fonte: fotografia original.
Foto vintage 1944, Soldado em frente ao refeitório do oficial na Base Aérea de Natal em Natal, Brasil. Esta planta desempenhou um papel importante durante a Segunda Guerra Mundial como uma base estratégica para aeronaves voando entre a América do Sul e a África Ocidental. Fonte: fotografia original.
Foto vintage 1944, Soldado em frente ao Post Natal na Base Aérea Exchange em Natal, Brasil. Esta planta desempenhou um papel importante durante a Segunda Guerra Mundial como uma base estratégica para aeronaves voando entre a América do Sul e a África Ocidental. Fonte: fotografia original.
Fotografia vintage de 1944, Teatro do Exército na Base Aérea de Natal em Natal, Brasil. Esta instalação aérea teve um papel importante durante a Segunda Guerra Mundial como uma base estratégica para aeronaves que voavam entre a América do Sul e a África Ocidental. Fonte: fotografia original.
Subitamente, foi divulgada na Base Aérea de Natal a seguinte ordem: Todos os Oficiais do Esquadrão, instrutores e alunos deveriam entrar em forma imediatamente para a chegada de uma autoridade.

Quando todos, apressadamente, chegaram ao local, já se encontrava a Banda de Música com todo o seu efetivo. Esse detalhe despertou a atenção dos Oficiais. Por que a Banda? Alguém muito importante deveria estar sendo aguardado.

Em seguida, veio o esclarecimento: Em instantes um avião C-47 pousaria em Natal para abastecimento. Vinha a bordo uma extensa comitiva e um General Americano.
O C-47 entrou no tráfego, apresentando-se para o pouso. Fez um circuito completo como se estivesse colaborando em proporcionar mais tempo ao apronto da Guarda de Honra. Eufórico, o mestre da Banda ergue os braços e dá início ao “Deus Salve a América”, certamente a melhor homenagem musical que se poderia prestarão General Americano. Cortados os motores, abriu-se a porta e os Oficiais começaram a descer… todos brasileiros e… surpresos com a homenagem. O Comandante da Base não conseguia esconder sua aflição.

A Banda depois de executar três vezes “Deus Salve a América”, mudou para o hino do “US Army” e nada do General Americano. Somente depois surgiu a explicação: O único General que desembarcara chamava-se Americano Brasiliano Freire e na ocasião em que o telegrafista transmitiu a mensagem, fizera apenas menção de que “o General Americano e sua comitiva chegarão a Natal”.

Tópico extraído do livro “História da Base Aérea de Natal”, de Fernando Hypólito da Costa.

ACIDENTES AÉREOS

Lendas sobre navios e aviões supostamente existentes no fundo dos mares do nordeste, existem muitas. Há quem assegure até ter visto um B-17 americano amerissar em frente à Praia dos Artistas em Natal embora, em local algum exista comprovação do fato.

Já ouvimos, também, alguem afirmar que uma carcaça de embarcação existente no Potengí, do lado da Redinha, seria de um submarino alemão da Primeira Guerra Mundial ! Pois é… a propensão ao chute é universal. Basta alguem dar a partida que a coisa vai longe. Mas é claro que com toda aquela movimentação em Parnamirim durante a II Guerra, os acidentes ocorreram e em quantidades apreciáveis.

Na travessia pelo “corredor” para a África, são incontáveis os aviões desparecidos e, em terra, episódios semelhantes também foram inúmeros, principalmente nas rotas Trinidad-Belém e Belém-Natal, onde a intertropical cobrava pesado tributo aos inexperientes aviadores americanos.

Por essas e outras, é que, sem dar muito crédito, começamos a pesquisar rumores sobre a existência de aviões afundados na barra do Rio Maxaranguape, ao norte de Natal, e na Baía da Traição na Paraíba (cerca de 50 milhas ao Sul de Natal). Com respeito ao primeiro, realmente não houve muita dificuldade. Há registro detalhado de um Catalina americano que caiu ao norte do Potengi em junho de 1943, quando chegava, com outros cinco aparelhos do Esquadrão VP-83 da US Navy vindos de Belém.

Na Baía da traição uma expedição particular encontrou destroços que levou a conclusão ser de um PV-1 Ventura da US Navy e que o acidente ocorrera em tempo de guerra. A US Navy operou durante a Guerra cinco Esquadrões de Ventura no Brasil, que se alternaram entre as Bases do Pici em Fortaleza, Parnamirim, em Natal, Ibura, no Recife e Ipitanga, em Salvador.

A foto ilustra militares americanos ao lado de destroços de um avião de guerra que caiu na praia de Genipabu. Trata-se um dos três aviões que caíram na costa potiguar durante a 2ª Guerra Mundial. Nenhum deles foi derrubado em combate. Relatórios da época apontam que as aeronaves sofreram acidentes.
B-24 Naval acidenta-se em Parnamirim Natal – RN

BASE ARY PARREIRAS

Paralelamente ao aumento da presença militar dos Estados Unidos no Nordeste, o governo brasileiro também passou a incrementar o efetivo militar na região, enviando para Natal o almirante Ary Parreiras com a incumbência de construir a Base Naval. A área escolhida para a construção da Base Naval foi o Refoles, no bairro do Alecrim, onde funcionava a Escola de Aprendizes de Marinheiro. A Marinha americana, instalada na Rampa, trabalhava harmoniosamente com a Marinha brasileira.

CHOQUE DE CULTURAS

No convívio diário entre visitantes e os brasileiros de Natal houve antes outras influências estrangeiras, que os potiguares receberam de outras nações, como os comerciantes alemães, funcionários consulares, italianos, sírio/libaneses, que os natalenses chamavam de turcos, os franceses da Latécoère, os ingleses e os judeus de várias nacionalidades.

E agora chegava uma nova injeção a cidade, com as tropas e os civis americanos que aqui vieram em missão de guerra e de trabalho, mudando nossa vida de maneira espetacular, transformando os nossos costumes, vestimenta, comidas, bebidas, comportamento, linguagem, religião, praias e usos diários.

As roupas tradicionais dos natalenses, paletó, gravata e chapéu foram, pouco a pouco, mudadas para calça cinza e camisa esporte que, na época, tomou o nome de “sileque”. Começaram a usar mais verduras, influência dos “gringos”, como eram chamados os americanos, pelos natalenses e, todo dia, ia um avião até o Rio de Janeiro trazer alfaces, tomates e outros produtos hortigranjeiros. Era o avião das verduras, como chamavam em Parnamirim e é introduzida a coca – cola, fabricada na própria base.

O comportamento dos jovens também sofre mudanças. A informalidade dos yankees é imitada pelos rapazes da terra, que se tornam mais abertos, imitando beber líquidos na boca da garrafa, sentar no meio-fio para esperar os coletivos, botar os pés nas cadeiras, nos bares e outros comportamentos que alguns tradicionalistas da cidade discordavam e criticavam. A linguagem também começa a receber palavras novas, como “táxi”, ”my friend”, ”yes”, e ”ok” e ”senorita” para todas as mulheres da terra sem distinção de classe, “godeme”, palavra que significava “danado”, entre os soldados.

A grande batalha entre católicos e protestantes começa a diminuir, quando a igreja da base, recebia ao mesmo tempo, em horários diferentes, a missa católica, o culto protestante e os rituais judaicos. As praias da cidade, onde só ia aos domingos ou sob prescrição médica, foram invadidas pelos soldados que iam de manhã, de tarde e de noite, havendo até a criação de uma praia particular, no fim da Areia Preta, batizada Miami pelos americanos. Os clubes passaram a abrir todos os sábados, para festas oferecidas ao povo natalense, com excelentes orquestras de civis e militares yankees. Abriu-se um cassino atrás do Grande Hotel, na Ribeira, com todos os jogos tradicionais e uma boa banda onde brasileiros e americanos dançavam e se divertiam fraternalmente. No distrito da luz vermelha, foi instituído o exame periódico das mulheres para evitar doenças venéreas, com a criação de um documento que era chamado love card, por alguns engraçados da cidade, freqüentadores da “noite”.

As transformações nos costumes saltavam aos olhos. Enquanto os aviões dos Estados Unidos riscavam os céus de Natal, mudavam os costumes e a fisionomia da população da cidade e do país. Produtos americanos passaram a ser conhecidos em todo o Brasil e o inglês tornou-se “a terceira língua estrangeira mais falada (depois do francês e do italiano)” (SKIDMORE, 2003, p. 172).

A cidade mudou, em virtude da presença dos norte-americanos: novos hábitos foram adquiridos; Natal tornou-se mundialmente conhecida; sua população sentiu de perto o clima de guerra; houve um aumento da atividade comercial; as pessoas passaram a frequentar cursos de inglês para comunicar-se com os norte-americanos; esportes como o basquetebol e o voleibol difundiram-se pela cidade; irradiou-se a música estrangeira e a utilização de anglicismos; a população praticamente duplicou; a cidade virou trânsito de personalidades internacionais; ocorreu um aumento substancial do custo de vida. O governo procurou criar mecanismos para controlar os preços.

Mudaram também o vocabulário, o comportamento, as bebidas e o vestuário. Segundo Diógenes da Cunha Lima, os natalenses abandonaram paletó, gravata e chapéu, começaram a vestir camisa esporte (sileque), aprenderam a ir à praia todos os dias do ano e a se sentar no meio-fio para esperar transporte coletivo, a beber cerveja. Comerciantes fizeram fortuna “vendendo relógios suíços, meias de seda e perfume francês.” Brasileiros e norte-americanos se confraternizavam em Natal.

Muitos veteranos americanos lembram de Natal não pela base, mas por alguns produtos comprados aqui enquanto iam ou voltavam do front de batalha. Um deles era as botas de Natal, ou Natal Boots, fabricadas por um artesão local e disputadíssima pelos militares, que acham mais confortáveis e práticas, apesar de contrariar o regulamento oficial. Outro produto que não parava nas prateleiras das lojas locais eram as meias de seda. Devido ao esforço de guerra e a seda ser produto indispensável na fabricação de paraquedas, as meias não eram encontradas com facilidade nos Estados Unidos.

A jogatina corria solta, a ponto de a Vila Cincinato (residência oficial dos governadores/interventores) ter sido “transformada durante a interventoria do General Antônio Fernandes Dantas num mini-cassino”. Outros preferiam amenidades, como saraus musicais, cinemas, prostíbulos, etc (PINTO, 1995, p. 117). De cidade sem vida noturna, que dormia as 21 horas, com a “ocupação” norte-americana, Natal passou a ser movimentada pela “realização diária de eventos artísticos, culturais e esportivos, muitos deles organizados pelos clubes dos militares norte-americanos, como as famosas reuniões dançantes do USO” (PEDREIRA, 2005, p. 138).

Os comerciantes mais sabidos botaram moças bonitas para atender no balcão e atrair os novos fregueses e muitos ficaram ricos, mesmo agindo honestamente. Que foram explorados, todos sabiam, inclusive eles, mas davam pouca importância ao assunto, pois muitos sabiam que não voltariam da guerra.

Depoimento prestado pelo historiador Olavo Medeiros à professora e historiadora Flávia Pedreira diz que os brasileiros adaptaram-se aos costumes norte-americanos sem que estes fossem influenciados. Para ele os norte-americanos “introduziram tomar a cerveja deles, tomar uísque, Coca-Cola e não aprenderam a tomar guaraná, não aprenderam coisa nenhuma. Nos bares gritava-se “bia”, “Tom Collins” (gin com tônica), coca-cola e também chocolate gelado que os natalenses nunca tinham visto e o “whiskey” era pedido “on the rocks” (sobre o gelo puro).

Você sabia que a primeira cidade brasileira a receber a Coca-cola foi Natal/RN? Durante a Segunda Guerra Mundial, nossa cidade serviu de base militar americana e junto com seus soldados veio o refrigerante. Um dos fundadores da Coca, o senhor Woodruff, determinou em 1941 que os “homens de uniforme” poderiam comprar garrafas de Coca-Cola a US$ 0,05 onde quer que estivessem quando os EUA entrou na Segunda Guerra Mundial. Em 1944 o jornal americano Foreign Ferry News anunciava as novas instalações da fábrica da Coca-Cola em Parnamirim Field para atender a demanda pela bebida na Base Aérea de Parnamirim.

E assim viviam, sob o mesmo teto, natalenses e adventícios. A cidade se modificava rapidamente, na rua Dr. Barata, durante o dia, podiam ser vistos generais de 4 estrelas, a bela artista de Hollywood – Kay Francis – exibindo sua silhueta sensual, o rei da Arábia, o comediante Joe Boca Larga e Buster Gordon. E ainda a viúva de Chiang Kai-Shek , os soldados comprando meias de seda, perfumes Channel e relógio de pulso e os militares confraternizando nos bares que os judeus de Recife abriram para ganhar o dólar fácil.

Os soldados americanos paqueram uma jovem natalense na Avenida Rio Branco, onde há casa com esse tipo de janela. Fotógrafo desconhecido. A foto histórica que já percorreu o mundo em publicações como New York Times e Nacional Geographic. Foto Ivan Dimitri / Arquivo Leonardo Barata/Museu da Avião e 2ª Guerra Mundial.

ESTRADA

A guerra também trouxe para Natal uma das maravilhas da modernidade. Enquanto o país enfrentava um racionamento de combustíveis, a capital do Rio Grande do Norte ganhava a sua primeira estrada asfaltada, a “Parnamirim Road, um empreendimento norte-americano e que ficou conhecida simplesmente por ‘a Pista’, pela população local” (PEDREIRA, 2005, p. 166).

Articulando Parnamirim a Natal, surgiu uma estrada asfaltada, 20 quilômetros. Pagaram seis milhões de cruzeiros e durou seis semanas sua construção. É Parnamirim Road (CASCUDO, Luís da C. Op. Cit., 1999, p.422).

Também foram abertas estradas para Ponta Negra e Pirangi, facilitando o deslocamento de tropas que patrulhavam o litoral sul do estado.

Pista construída pelos americanos no trecho onde hoje é a Avenida Hermes da Fonseca.
Estrada Construída pelos Americanos na época da guerra, que liga Natal a Parnamirim. (BR 101)
Resquícios da antiga “Pista” ligando à Base americana em Parnamirim à Ribeira. Esse Trecho é à direita de quem sai do “túnel” que dá acesso à avenida das Alagoas em Neópolis. Há partes da construção bem originais. As mais escuras , são remendos recentes, dando-nos a ideia de resistência do material , em grande parte, nesses quase 80 anos.

MÚSICA

O movimento musical de Natal no ano de 1942 foi bastante fraco, comparado com os anos anteriores. Isso se deve ao ambiente menos propício proporcionado pelo agravamento da situação internacional decorrente do recrudescer da Segunda Guerra Mundial. Esse ambiente deveria se tornar ainda mais tenso nos anos seguintes; a partir do mês de fevereiro foram afundados vários navios brasileiros, sendo que cinco deles postos a pique em águas do nosso litoral, o que levou o governo federal a declarar guerra aos chamados “países do eixo” – Alemanha, Itália e Japão – a 31 de agosto.

No último dia do ano de 1944, retornava a Natal o pianista Oriano de Almeida, a primeira vez depois de sua transferência para o Rio de Janeiro. Desembarcava na Base Aérea de Parnamirim a bordo de um avião militar, em companhia do violinista polonês Henryk Szeryng. Vinham em turnê, apresentando-se para os soldados americanos sediados no Brasil durante a Segunda Guerra. Haviam tocado em Salvador e tocariam em Natal, Recife e Belém.

A grande novidade do começo de 1945 em Natal foi a chegada de Oriano de Almeida, depois de cinco anos de ausência. O Duo Henryk Szeryng-Oriano de Almeida apresentou seu primeiro recital, para o pessoal do Exército e Marinha americanos aquartelados em Natal. O ponto alto da passagem do Oriano por Natal foi o recital que apresentou no Teatro Carlos Gomes, a 22 de janeiro.

A 2 de fevereiro o professor Severino Bezerra de Melo diretor do Departamento de Educação, promoveu um recital de Oriano de Almeida para os estudantes das escolas primárias e secundárias da cidade. No mesmo dia o pianista tocou outra vez para os militares americanos. Continuando suas férias em Natal, Oriano de Almeida apresentou novo recital, dessa vez, no Aero Clube, no dia 13 de março.

JORNAIS

Com uma maior consolidação da base norte-americana, um jornal o Foreign Ferry News, começou a circular em língua inglesa com informações relativas e importantes a vivência dos soldados norte-americanos naquele espaço, segundo Pedreira (2012) com funcionamento entre maio de 1943 a maio de 1945, Melo (2015, p. 45) traz a fala de Waldemar Araújo – conhecido como Waldemar Praeiro, ex-secretário do A República: “Esse jornal era composto e impresso lá na República mesmo. Os americanos traziam as matérias e nós fazíamos as composições nos linotipos, a paginação, a revisão e a impressão.”.

Até então, essa pesquisa, só encontrou em Melo (2015) a indicação que havia outro jornal na base, chamado de The Sar’d Weekly Post, uma publicação semanal, com artigos sobre esforço de guerra, atividades normais da base às relações entre Brasil e Estados Unidos, crônicas e outras colaborações, tendo sua última edição em janeiro de 1946 (v.1; n 23) como uma espécie de despedida, já que segundo Smith Jr (1992) foi apenas ao fim de 1946 que a base norte-americana foi desmontada e parte do contingente de guerra foi recolhido de Natal.

CONFERÊNCIA DO POTENGI

O ano de 1942 foi de grande importância não somente para Natal e o Campo de Parnamirim, mas também aos Estados Unidos e Brasil nas decisões de acordo, já que os EUA mudaram seu quartel-general do Atlântico Sul da Guiana Inglesa para Natal, alcançando maior contingente de militar americano. Os poucos agentes do Eixo em Natal foram presos ou transferidos para fora do Estado, o refletor disso tudo, foi o encontro já citado aqui, do Presidente Franklin D. Roosevelt e o Presidente Getúlio Vargas, o episódio marcando como Conferência do Potengi, ficou conhecido o selo do acordo entre os países, se deu no retorno do presidente Roosevelt da Conferência de Casablanca, sendo o encontro protagonizado em Natal ao dia 28 de janeiro de 1943.

O governador do RN Rafael Fernandes e a população natalense não sabiam da chegada do visitante ilustre. O governante potiguar foi convidado para comparecer à Base Naval sozinho e chegando lá, tomou enorme susto ao visualizar os dois presidentes. No encontro foi discutido plano de prevenção quanto a um possível ataque nazista ao hemisfério sul a partir de Dakar no Senegal. Também foi acertado o envio de tropas brasileiras ao front.

A população da cidade, naturalmente, envolveu-se com o que acontecia com os militares estadunidenses. Esta era dia-a-dia seduzida pelas novidades que estes colocavam, inclusive, à disposição nos supermercados das suas bases. Entre tantos acontecimentos, em janeiro de 1943, a população da cidade também foi surpreendida pela visita dos presidentes Franklin Roosevelt e Getúlio Vargas, cujo encontro ganhou repercussão nacional e, posteriormente, na historiografia brasileira sobre a Segunda Guerra Mundial.

Em que pese toda a divulgação desse encontro, o Jornal A República (TIVEMOS ocasião de estudar a segurança das Américas: os assuntos abordados na Conferência de Natal – Os problemas da Guerra – o esforço bélico conjunto do Brasil e dos Estados Unidos – Declarações aos eminentes chefes de estado. A República, Natal, 30 jan. 1943., p.1) deu destaque ao fato de que o Presidente estadunidense declarou que o seu país não considerava mais a possibilidade de ataque nazista às Américas. Porém, posteriormente, o Presidente Vargas, em entrevista dada na cidade do Rio de Janeiro, voltou a enfatizar o fato de que os países aliados ainda continuavam empenhados “para uma guerra longa, não querendo manter assim demasiado otimismo, pois na guerra há imprevistos” (POSSO asseverar que foi completo o nosso acordo: presidente Getúlio Vargas transmite aos jornalistas a impressão geral da sua conferência com o presidente Roosevelt em Natal – Ressaltado por S. Excia. O espírito de cooperação entre brasileiros e americanos. A República, Natal, 31 jan. 1943., p.1). A partir de então, inferiu-se ter sido esta a razão porque os analistas locais, apesar do alívio que deixavam transparecer nas páginas do Jornal local, voltaram a escrever sobre a necessidade de a população da cidade continuar em estado permanente de
alerta.

Encontro de Getúlio Vargas com Franklin Delano Roosevelt no USS Humboldt no Rio Potengi Natal – Natal/RN 28 de janeiro 1943. Fonte: O Malho (1943).
Os presidentes em visita a base de Parnamirim. Fonte: U.S Army Air

Depois de almoçarem, inspecionarem a Base de Hidroaviões e o Campo de Parnamirim e visitaram, acompanhados do interventor Rafael Fernandes, do almirante Ary Parreiras e do brigadeiro Eduardo Gomes, os Quartéis do Exército e da Aeronáutica, jantaram a bordo do navio Humboldt. No final da noite conversaram sobre os interesses e os laços de amizade entre o Brasil e os Estados Unidos, ações preventivas contra possíveis ataques dirigidos de Dakar (Senegal, África) para o hemisfério ocidental e o apoio do Brasil aos objetivos traçados pelos Estados Unidos (SUASSUNA e MARIZ, 2002, p. 332). Possivelmente nessa reunião ficou acertada uma participação mais efetiva do Brasil na guerra, inclusive com o envio de um contingente de 25 mil combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para o front.

BLACK-OUT

A guerra estava longe, mas o medo muito próximo, estava mesmo dentro de cada um. A população era treinada para situações de eventual ataque nazista, Angélica de Almeida Moura, ex-diretora dos colégios Padre Monte e Instituto Kennedy foi uma das jovens com treinamento especial como “Alertadora”.

As comparações com outras cidades ressaltavam a condição da Cidade do Natal que, semelhante às pequenas cidades europeias, poderia ser arrasada repentinamente por um bombardeio das forças inimigas. As elites locais e os demais moradores da cidade precisavam se convencer de que estavam no meio do caminho da entrada da América e, consequentemente, não escapariam de enfrentar as batalhas da guerra.

O primeiro “black-out” na cidade ocorreu no dia 1º de março de 1942 e foi planejado pelo Comando da Segunda Brigada de Infantaria sediada em Natal e divulgado através da imprensa da cidade. Este seria um teste no qual a população seria avaliada e, posteriormente, todos as autoridades militares procederiam novas instruções e suas providências necessárias para aperfeiçoar a defesa da cidade.

As sirenes alarmavam nos treinamentos, os holofotes instalados na esquina da Avenida Deodoro com João Pessoa eram ligados e cruzavam o céu, cortando o escuro da noite, todas as casas fechavam rápido suas janelas. As poucas luzes que haviam eram apagadas e as pessoas em trânsito se deslocavam para posições de melhor proteção.

A cidade passou por sucessivos black-outs e foram construídos abrigos antiaéreos. Os exercícios de black-outs (blecautes) eram avisados com antecedência à população. Por vezes saíam nos jornais e nos programas da Rádio Educadora de Natal (REN), a primeira de Natal.

A recomendação dada era que, ao toque da sirene que anunciava o início do blecaute, todos deveriam correr em direção a um abrigo antiaéreo. Se não houvesse abrigos nas proximidades, o Comando da 2ª Brigada de Infantaria de Natal determinava que “todos devem permanecer em suas casas (apud PEDREIRA, 2005, p.156).

Certa noite, o alarme foi acionado em função de uma detecção de possível ataque aéreo real, o desespero foi grande. Por coincidência havia um ronco muito alto de motores sobre as nuvens, os holofotes foram acionados na busca aos aviões nazistas. O medo fez dobrar os joelhos do mais descrente ateu e todos os santos eram invocados. Correria para os abrigos antiaéreos e até indevidamente para as dunas do Tirol.

Os ataques aéreos jamais aconteceram, mas a sirene, o ronco dos motores e o black-out continuaram na mente dos natalenses, mesmo em tempo de paz.

João Maria Furtado (1976) alega que não havia esse temor entre os mais informados, visto que era conhecido que não havia naquela época aviões com autonomia de vôo que permitissem aos alemães, sem bases na África ocidental, atacarem a América do Sul. Para ele, que testemunhou os acontecimento, “o único perigo concreto que podia ameaçar a cidade seria o seu fustigamento esporádico e rápido com alguns poucos disparos de canhão de um submarino que se arriscasse a essa aventura apenas intimidativa e sem resultados objetivos verdadeiros” (FURTADO, 1976, p.
214-215).

RÁDIO EDUCADORA DE NATAL

A Rádio Educadora de Natal (REN) (depois transformada em Rádio Poti) foi inaugurada em janeiro de 1941 e tinha como um de seus objetivos a defesa e divulgação da causa aliada. “A República” dedicava uma página diária com o título “A Situação Europeia” com notícias do front.

Segundo Tota (TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia da Letras, 2000.), a partir desse início de 1939, a influência estadunidense disseminou-se no país por meio das estações de rádio, do cinema, das revistas de entretenimentos e da propaganda. A tecnologia da comunicação brasileira foi apropriada para divulgar os discursos dominantes, influir na cultura e nos destinos dos diversos países latino-americanos. Nesse contexto, o Governo do Estado Novo aderiu ao programa de construção da unidade cultural pan-americana, ganhou em troca a tecnologia e tornou os meios de comunicação brasileiros mais ágeis, permitindo que a informação fosse distribuída com mais rapidez em toda a dimensão do seu território.

O Dia Panamericano de 1943 mobilizou a estrutura administrativa do Governo do Estado do Rio Grande do Norte e a cerimônia previu, inclusive o
hasteamento das bandeiras brasileira e estadunidense, assim como a execução dos dois hinos nacionais. Segundo o exemplar do Jornal A República, as escolas públicas da cidade adaptaram seus currículos para que seus alunos entendessem o significado desse momento e a Rádio Educadora de Natal (REN) preparou uma programação especial que incluía a participação de cantores estadunidenses.

Esse momento também inaugurou o predomínio das transmissões das musicais estadunidenses na emissora local, assim como palestras e discursos de suas autoridades civis e militares residentes na Cidade do Natal (COMEMORA-SE hoje o dia panamericano: as festas nesta capital: um programa especial na Rádio Educadora de Natal: falarão as altas autoridades do Estado. A República, Natal, 14 abr. 1943.). Nos anos que se seguiram, a Cidade do Natal ainda comemorou o “Independence Day”, dia da emancipação política dos Estados Unidos, cuja organização contava com a intensa colaboração do gabinete do Interventor Federal e parte dos festejos ocorria nas ruas da cidade (COMO será comemorado, nesta capital, o independence day: solenidade promovida pela Coordenação de Assuntos Inter-Americanos: a adesão da ZYB-5: um cocktail no Consulado dos Estados Unidos da América: outras notas. A República, Natal, 3 jul. 1944., p.12).

O Comitê Regional da Coordenação dos Negócios Interamericanos promoveu um curso de inglês, que foi transmitido pela Rádio Educadora de Natal (REN) – A Rádio Educadora de Natal, a partir deste momento, também passou a se chamar ZYB-5. – e era chamado “Vamos aprender inglês”. O professor do tal curso chamava-se Claude L. Hulet e era um soldado estadunidense que tinha conhecimento da língua portuguesa e que fora especialmente convocado para servir na Base de Parnamirim. As aulas também tiveram grande repercussão entre os moradores e eram transmitidas todas as terças e quintas-feiras durante quinze minutos.

O “Serviço de alto-falante”, de Luiz Romão, cujas caixas de som eram fixadas em um poste na esquina da João Pessoa com a Avenida Rio Branco, defronte ao “Café Grande Ponto” era o meio de obtenção de notícias para a maior parcela da população que não possuía rádio em casa. Todos os dias às 19 horas havia uma programação musical e às 21 horas era retransmitido o noticiário em português da BBC de Londres. Myrthô Andrade era adolescente na época e lembra que, quando alguém conhecido morria na cidade, os alto-falantes anunciavam o fato e a seguir eram desligados em respeito à família do falecido.

No mesmo local onde existiam os alto-falantes de Luiz Romão foi instalada uma sirene para alarmes em caso de ataques nazistas. No 1º andar desse prédio funcionava uma escola de dança, segundo os fuxicos da época as professoras eram “mulheres de programa” e os frequentadores aprendiam algo mais que dançar.

Radio Poty. Jaeci Fotografia. Natal-RN. MBC.

CLUBES

Os soldados e os oficiais dos Estados Unidos, por sua vez, também frequentavam a Cidade do Natal e a vida das elites, particularmente nos clubes sociais e nas residências. Na Cidade Alta e na Ribeira, “os cafés e bares enchiam-se da alegre juventude que, nos intervalos de trabalho, vinham aumentar os lucros dos comerciantes e proporcionar, com suas presenças, uma nova feição à pacata cidade dos Reis Magos” (MELO, 1993, p.23-24). Enfim, a partir de 1943, os militares estadunidenses organizaram uma estrutura própria dentro da cidade para entreter seus soldados, que oferecia uma programação cultural e social permanente, que se chamavam USO’s – Organização dos Serviços Unidos. Os Estados Unidos instalaram os clubes nas cidades que abrigavam suas bases na América e na África, a qual foi “idealizada e preparada material e tecnicamente, para dar assistência aos soldados do Tio Sam, que se encontram a serviço da Pátria longe de seu país” (6 A INAUGURAÇÃO hoje do USO – Town Club. A República, Natal, 24 mar. 1944., p.8).

Em Natal, foram instalados o USO da Avenida Getúlio Vargas, no bairro de Petrópolis, inaugurado em 1º de março de 1943, destinado à oficialidade, e o USO Town Club, localizado na Praça Augusto Severo, no bairro da Ribeira, e voltado à recreação de soldados e marinheiros. Não foram encontradas referências no Jornal A República quanto ao início das atividades do USO da Getúlio Vargas. Suas instalações eram tidas como requintadas e as atividades eram reservadas. Era frequentado apenas por autoridades estadunidenses residentes ou de passagem pela cidade, além de um pequeno grupo das elites locais, particularmente membros do governo e do comércio.

Nestes clubes os visitantes bebiam, e dançavam com as moças da terra, filhas das famílias mais “pra frente”, numa camaradagem, como se tudo já tivesse sido ensaiado. As moças de Natal, que só iam às festas acompanhadas de um membro da família, com a chegada dos rapazes de fora, mudaram de vida e aderiram a informalidade dos “gringos”, no uso de roupas mais leves e o costume de beijar os amigos no meio da rua, o que era um verdadeiro escândalo antes da guerra. E também os pais exigentes, começaram a permitir a saída das filhas, assim como, oferecendo “festinhas” em casa aos amigos das meninas.

Estrutura Militar e equipamentos de Lazer na Cidade do Natal (1942-1945).
Fonte: SEMURB/PMN Nota: Elaboração do autor sobre base atual da cidade.

Por outro lado, a inauguração do USO Town Club, voltado para os soldados e marinheiros, teve uma grande cobertura do Jornal A República. As suas instalações ficavam no antigo Cinema Politeama, no bairro da Ribeira, cujas instalações foram reformadas, O antigo auditório foi decorado e no palco foi instalada uma orquestra, dispondo de espaço para apresentações. Foram colocadas mesas que circundavam a parte central do salão, onde as pessoas dançavam e confraternizavam. Além disso, o clube ainda possuía um terraço e um “buffett”, onde eram servidas as bebidas e comidas (A INAUGURAÇÃO hoje do USO – Town Club. A República, Natal, 24 mar. 1944., p.8).

A programação do USO Town Club, em geral, iniciava-se entre 18:30 e 20 horas e se estendia até a meia-noite. Alguns funcionários das forças armadas estadunidenses foram destacados para trabalhar nos clubes e vieram para Natal para organizar as recepções e festas, que eram preparadas com musicais e jantares. Alguns eventos recebiam as autoridades locais como convidados, particularmente políticos, comerciantes, jornalistas e intelectuais da cidade. O USO também promovia campanhas assistenciais e no período natalino de 1943 realizou a campanha “Natal das crianças pobres”, que pretendeu oferecer “aos soldados americanos, longe de sua pátria, a oportunidade de presentear as crianças brasileiras, como se assim estivessem praticando com seus próprios filhos” (AS CRIANÇAS pobres, o USO e as forças armadas americanas. A República, Natal, 24 dez. 1943., p.3). O entrosamento entusiasmava as elites locais e aos jornalistas do Jornal A República, que justificavam aquela sintonia porque a “maioria dos soldados que frequentam o clube […] são convocados e pertencem às melhores famílias dos Estados Unidos” (FRANÇA. Aderbal. Função social na guerra. A República, Natal, 27 jun. 1944b., p.7).

Por outro lado, as elites tentavam mediar o relacionamento da população da cidade com os soldados, tentando amenizar os conflitos que eram observava na sua convivência diária. Segundo Pinto (PINTO, Lauro. Natal que eu vi. Natal: Imprensa Universitária, 1971.) e Melo (MELO, Protásio Pinheiro. Op. Cit.), houve muitos confrontos físicos entre brasileiros e estadunidenses nos bares da cidade e, para Smith Junior (Idem., 1992, p.149), os militares estadunidenses sentiam que os natalenses “não gostavam dos americanos e se ressentiam da atitude destes com relação à população local”. Ainda para Melo (MELO, Protásio Pinheiro. Op. Cit., 1993), as reações se expressavam nos espaços públicos da cidade, onde os soldados estadunidenses se portavam com desrespeito, uma vez que Sem nenhuma perspectiva de resistência ao invasor, a cidade era um maná para os marines. Compravam tudo com as suas maravilhosas cédulas verdes e, para variar quebravam o pau por qualquer razão. Treinados para matar com golpes de mão, claro que sempre levavam vantagem nos entreveros com os caboclos (Depoimento de Nei Leandro de Castro, jornalista e poeta In: MELO, Protásio Pinheiro. Op. Cit., 1993, p.86).

Na vida noturna da cidade, até às 21 horas, “os americanos eram donos dos bares e senhores absolutos do terreno, como também dos restaurantes, pensões de mulheres e bebidas, tudo enfim, à custa dos ricos e inesgotáveis dólares” (Depoimento de Nei Leandro de Castro, jornalista e poeta In: MELO, Protásio Pinheiro. Op. Cit.) e, nesses lugares, quando esse horário limite se aproximava, montava-se uma “praça de guerra” que explodia por motivos insignificantes e pela intolerância que existia entre ambos, revelando um lado da convivência que a imprensa e a historiografia oficial não registraram e deixaram poucos indícios para o presente.

Em meados de 1943, as Forças Armadas Brasileiras também passaram a promover atividades culturais com as mesmas características dos shows organizados pelos clubes estadunidenses. Estes eram patrocinados por empresários brasileiros e excursionavam pelas bases nordestinas. Eram shows itinerantes que foram considerados como mais um “serviço de guerra a ser oferecido aos soldados americanos e brasileiros” (FRANÇA. Aderbal. Urca-Tupi em Natal. A República, Natal, 2 jul. 1943g., p.6). Dentre estes, o primeiro chamou-se “Show da Vitória”, foi organizado pelos Diários Associados e reuniu artistas da Rádio Tupi e do Cassino da Urca.

A programação de shows intensificou na cidade e acontecia tanto nos clubes locais como nos estadunidenses. A cidade passou a ser frequentada por artistas famosos, que se exibiam prioritariamente na Base de Parnamirim Field e nos USO’s, porém, eventualmente, se apresentavam nas unidades militares brasileiras (Os primeiros grupos brasileiros contratados foram os Cassinos da Urca e Icaraí do Rio de janeiro In: EM NATAL, artistas dos cassinos da Urca e Icaraí: exibições para os soldados de terra, mar e ar sediados nesta capital. A República, Natal, 31 out. 1944.). Posteriormente, a partir de junho de 1944 (NOVA fase de realizações para os USO Clubs: para um melhor entendimento – Programas de intercâmbio brasileiro-americano – O apoio da Rádio Educadora – Fala-nos Miss Gertrude Dondero, alta funcionária dessa organização, em Nova York. A República, Natal, 4 jun. 1944.), a direção dos clubes também começou a contratar artistas brasileiros e locais para seus espetáculos.

Ao longo de 1944, os USO’s trouxeram para Natal artistas do cinema e do rádio, como Tyrone Power, Humphrey Bogart, Nelson Eddy, Jack Benny, Larry Adams, Ann Lee, Winnie Shaw, Marlene Dietrich, Tommy Dorsey e a Orquestra de Glenn Miller. Nestes casos, os shows eram exibidos no Teatro da Base Aérea Estadunidense, no “Wing Headquarters Squadron”, e, em geral, o Jornal A República apenas fazia a divulgação do espetáculo. Em todos eles, no entanto, eram convidadas as “autoridades civis e militares e grande número de pessoas da sociedade” (A FESTA de hoje em Parnamirim. A República, Natal, 22 dez. 1943., p.8), quando eram distribuídos convites e disponibilizados transportes a partir “da sede da Cruz Vermelha Brasileira, junto ao Rex”, na Avenida Rio Branco, Cidade Alta (Idem).

Na cidade, além dos tradicionais Aero Clube e Teatro Carlos Gomes, surgiram o Cassino Natal, o Círculo Militar, o Clube Hípico de Natal. Todos integravam uma “cadeia de promoções” e ofereciam sucessivas festas e bailes. O Cassino Natal, que foi inaugurado a 20 de outubro de 1943, estava localizado vizinho ao Grande Hotel e promovia reuniões sociais e shows. Era tido como um espaço luxuoso, onde as pessoas frequentavam vestidas a rigor. O Circulo Militar era o clube das Forças Armadas Nacionais, que fora organizado pelas diversas Guarnições Militares do país e tinha como objetivo “criar e manter um ambiente social, promovendo reuniões familiares e festividades”, assim como contribuir com “o espírito de cordialidade entre os oficiais das várias armas e suas famílias” (DANILO (Aderbal de França). Círculo militar. A República, Natal, 31 mar. 1944c., p.7). Suas atividades eram basicamente bailes que ocorriam no Aero Clube.

E, por último, o Clube Hípico de Natal, que estava localizado na Estrada de Parnamirim e foi criado para promover provas hípicas e congregar as elites da cidade e a oficialidade das forças armadas brasileiras e estadunidenses. Foi inaugurado apenas com as instalações do salão de festas, mas previa a construção de um parque esportivo com quadras (tênis e voleibol) e piscinas. Para Danilo (DANILO (Aderbal de França). O hipismo em Natal. A República, Natal, 23 mar. 1944d., p.7), tratava-se de uma “porta de um novo progresso” que poderia atrair “impressões diferentes para os turistas que passa[ss]em pela estrada do Tirol em busca de sensações”. Na festa de inauguração, a programação foi organizada pelo USO Town Club. Nesta foi organizada uma demonstração da “Caça à Raposa”, uma atividade esportiva que, posteriormente, passou a ser “praticada pelas elites, particularmente nas confraternizações com as tropas americanas” (CONFÚCIO. Club Hípico de Natal. A República, Natal, 5 abr. 1944., p.7).

A Cidade do Natal virou uma cidade de festa e suas elites se desdobravam para estar presentes nas inúmeras atividades dos clubes da Ribeira, Petrópolis, Tirol e Parnamirim.

PRAIAS

Para imaginar como eram aqueles anos em Natal, é preciso observar a guerra como um momento de liberação, um evento protagonizado por uma legião de jovens americanos reprimidos que nunca haviam saído de rincões rurais como Arkansas, Nevada, ou Montana. De repente, no meio do horror de um conflito mundial, eles se descobriram num lugar amistoso, tropical, encantador. O mar, a luminosidade excepcional da cidade, as relações pessoais, tudo era novo em suas vidas. Por vias tortas – a guerra – eles foram encaminhados para o paraíso.

Os branquelos gastavam seus dias de folga em banhos de mar nas praias de Areia Preta, se concentravam numa área próxima ao início da atual Via Costeira, que passou a se chamar “Miami”. Também adoravam Ponta Negra. Muitos pagaram um preço salgado pelo programa: terríveis queimaduras de sol.

Momento de lazer na Praia de Areia Preta (Miami)

Segundo Smith Junior (SMITH JUNIOR, Clyde. Op. Cit., p.183), no início de 1945, o USO também montou uma casa de praia em Ponta Negra com uma cantina que oferecia aos banhistas, militares e membros das elites locais, equipamentos de praia, jogos, material para leitura e escrita.

Mulheres/meninas locais e soldados norte-americanos na icônica praia de Ponta Negra
Americanos em Ponta Negra
Americanos em Ponta Negra

CAFÉS

Os cafés mais procurados eram o Café Grande Ponto, na Cidade Alta, e o Café Cova da Onça, na Ribeira. O bar mais frequentado pela elite política, pelos intelectuais e pelos oficiais americanos era o bar do Grande Hotel. Durante o conflito mundial, os sócios Jacob Lamas e o italiano Amadeu Grandi estabeleceram um comércio na Praça Augusto Severo, denominado Confeitaria Delícia, que se tornou um espaço boêmio frequentado por jornalistas, professores, comerciantes e funcionários públicos. Além disso, multiplicaram-se as casas de meretrício na cidade, em virtude da presença de estrangeiros. A mais famosa foi o Cabaré de Maria Boa, instalado no bairro da Cidade Alta no período da Segunda Guerra Mundial.

Prédio onde funcionou o Café Bar e Bilhar Cova da Onça

CABARÉS

Outro comércio da época foi o sexual, mulheres foram exploradas de diversas formas, muitas memórias desse período mostram Natal por esse cunho festivo e de sexo, que se criou em torno dos vários cabarés que surgiram. A pensar em uma cidade com economia que mudou com esse fluxo novo de muitas pessoas, com crescimento constante e sem espaço para acolher com outros tipos de trabalho, as mulheres veem como saída de ida por esses espaços.

Durante a estadia dos americanos em Natal no período da Segunda Guerra Mundial, os atos de violência entre americanos e potiguares nos bares e cabarés da Ribeira e da Cidade Alta constituíam uma realidade. Aumentara o número de cabarés em Natal em virtude da chegada dos americanos à cidade. Os cabarés e ―bas-fonds‖ eram os únicos locais onde havia movimento depois das 21 horas. Espaços como a Pensão Ideal, o Wonder Bar (Ribeira), o Bar Quitandinha (Alecrim), o Grande Ponto (Cidade Alta) e o Beco da Quarentena (Ribeira) eram frequentados por militares estrangeiros e brasileiros de baixa patente, sendo frequentes as brigas nesses locais da boemia natalense.

O mais famoso cabaré de Natal foi a Casa de Maria Boa. Era um estabelecimento de luxo, o melhor da capital potiguar. A proprietária, Maria Oliveira Barros, chegou a Natal vinda de Campina Grande, com vinte anos, na década de 1940, período em que os americanos estavam em Natal em virtude da Segunda Guerra Mundial.

A casa de Maria Boa ficava no bairro da Cidade Alta, próxima ao baldo, na Rua Padre Pinto e nas imediações do atual prédio da Cosern. A casa hospedava prostitutas, muitas vindas do sul do país, que eram contratadas para trabalhar. O quadro de funcionárias era sempre renovado, de modo a manter mulheres belas e atraentes. No período posterior à Segunda Guerra Mundial, o cabaré continuou a receber os homens mais ricos e poderosos da cidade de Natal.

Fotografia de Maria Oliveira Barros

Na Rua Doutor Barata, onde havia lojas, cafés e pensões alegres, hotéis e restaurantes, ocorreram casos de desavenças entre aqueles que os frequentavam, tanto americanos quanto potiguares, motivados pela preferência das mulheres em namorar os estrangeiros, provocando ciúmes nos rapazes natalenses. Também eram comuns as brigas envolvendo norte-rio-grandenses e americanos por causa de prostitutas e de bebidas. Os jornais da época enfatizavam o fictício clima de harmonia e paz entre natalenses e americanos. Contudo, na verdade, os conflitos e as tensões entre ambos resultaram em casos de polícia, desmascarando a suposta cordialidade entre esses dois grupos (Cf. PEDREIRA, 2005, p. 217-237.).

Os natalenses passaram a absorver alguns hábitos yankees como: beber líquidos na boca da garrafa, sentar no meio fio para esperar coletivos, mascar chicletes e usar bermudas. A “batalha” entre católicos e protestantes diminuiu quando a Base Aérea passou a receber – em horários diferentes – missa católica, culto protestante e ritual judaico.

O cotidiano do meretrício na cidade, deixam claras as relações de poder social que se estabeleciam nas diferenças de cunho econômico na transformação dessas relações, principalmente com o caráter marginal e excludente das profissionais do sexo, onde se estabeleciam cabarés de luxo como de Maria Boa e outros considerados de baixo escalão na Ribeira e beco da quarentena.

O excesso de homens na cidade provocava ira em parcela da população masculina que não aceitava a invasão dos “uniformes cor de palha”. Intelectuais natalenses reclamavam do exagero de jazz nos bares da Ribeira e defendiam um posicionamento mais nacionalista com adoção de mais músicas regionais. Apesar das precauções adotadas pelos oficiais americanos, brigas chegaram a ocorrer nos cabarés entre marinheiros americanos
e jovens brasileiros, entre eles o gigante Luís Tavares.

Maria boa é considerada a maior figura de negócios do ramo, mantinha meninas selecionadas e treinadas, sob o cuidado de remédios para evitar doenças, manteve negócio de luxo durante todo o período da guerra.

Soldados americanos em bar 1941 pelo fotografo da Revista Life Hart Preston. Fonte: Google/Life.

POLICIAMENTO

O policiamento da cidade, por incrível que pareça, era feito por apenas dois jeeps com 4 homens em cada um. Era a Polícia do Exército, os famosos M.P’s. Um jeep ficava no Grande Ponto, com telefone pronto para atender e outro no Grande Hotel, na Ribeira.

Havia uma obediência total dos soldados soltos pela cidade e nunca se ouviu falar em qualquer incidente entre eles. Assisti uma vez, um exemplo da sua eficiência. Num dia de festa no Aéro-clube, como membro da diretoria, sou chamado ao bar, onde estava havendo uma “confusão”.

Um oficial da Marinha, estava embriagado, quebrando copos e chamando nome feio ao dono do bar. Cheguei, vi o tamanho da “fera” – uns 2 metros de altura e, calmamente telefonei para o Grande Hotel. Dentro de exatamente 10 minutos, os M.P’s chegaram, falaram baixinho no ouvido do militar e tudo foi resolvido sem barulho.

De maneira geral os militares americanos em Natal não interferiam na vida civil dos habitantes locais, nem nas leis brasileiras. Contudo, sabe-se de casos de brasileiros que foram detidos pela Militar Police, os temidos “MP”, apontados por alguns até como os “Mariners”. Um caso em especial e que ficou muito conhecido foi de um brasileiro magrelo que se envolveu em uma briga de bar com “galego” (apelido dado aos americanos) e na hora da confusão puxou uma peixeira perfurando-o. Ele teria sido detido, embarcado na base para ser julgado no EUA. Apesar de ter relatos similares, não existe documentos falando da deportação.

Soldados americanos em patrulhamento nas ruas da cidade em 1943 (Smith Junior, 1993:139)

CINEMAS

Natal foi, muito provavelmente, um dos lugares de melhor qualidade de vida para um soldado na Guerra. As pessoas cantarolavam jazz nas Ruas. A vida aqui era diferente, sofisticada, uma festa.

Natal tornou-se a cidade mais badalada do Nordeste. Os cinemas militares, não raro, e sem que ninguém soubesse fora dali, recebiam convidados especialíssimos: os próprios astros de Hollywood. Humprey Boogart voou do Marrocos para animar uma sessão de Casablanca no teatro aberto da Base de hidroaviões. Os artistas eram pagos pelo governo americano para viajar pelos fronts do mundo todo. A presença deles servia para elevar o moral das tropas. Bette Davis, Al Johnson, Kay Francis, Carole Landis, Martha Ray e muitos outros artistas de ponta dos anos 1940 também visitaram Natal. A orquestra de Glenn Miller tocou no recém-inaugurado Cinema Rex. O Rex passou a permitir entrada sem paletó e gravata.

Kay Francis chegou a enviar (publicado em 30/04/45) um bilhete de agradecimento ao colaborador do Jornal “A República” Venturelli Sobrinho pelo texto publicado em sua homenagem. Conta-se que Marlene Dietrich foi a primeira mulher a usar calças compridas em Natal.

Mussoline Fernades era repórter do “Diário de Natal” e não esquece da entrevista que participou com o famosíssimo ator Tyrone Power, que havia chegado pilotando um avião que a Fox lhe cedera por uma temporada.

Cinema Rex na Avenida Rio Branco em Natal.
Mussoline Fernades era repórter do “Diário de Natal” e não esquece da entrevista que participou com o famosíssimo ator Tyrone Power, que havia chegado pilotando um avião que a Fox lhe cedera por uma temporada. Tyrone Power chega a Natal. À esquerda, de chapéu, o jornalista Luiz Maria Alves

Os estudantes dirigiam-se às sorveterias e cinemas. Na década de 1930, foram fundados dois importantes cinemas em Natal: o Cine São Pedro, inaugurado em 24 de dezembro de 1930, situava-se na Rua Amaro Barreto, no bairro do Alecrim e pertencia à firma Medeiros & Cia, de Lauro Medeiros; outra casa cinematográfica criada no bairro do Alecrim foi o Cinema São Luiz, inaugurado no dia 26 de outubro de 1946. O Cinema Rex foi aberto solenemente no dia 18 de julho de 1936, na Avenida Rio Branco, na Cidade Alta.

Em 1949, o Cinema Rio Grande foi instalado à Avenida Deodoro da Fonseca, nº. 645. A casa contava com serviço de bar, sorveteria e nigth club. Na década de 1940, os cinemas eram os estabelecimentos de entretenimento mais procurados pela juventude natalense. Os cinemas, as confeitarias, as sorveterias, os cafés e os bares mais badalados estavam no Grande Ponto. Manoel Procópio de Moura Júnior definiu o Grande Ponto como ―[…] uma parte no centro da cidade, localizada na Rua João Pessoa, precisamente entre a Av. Rio Branco e a Rua Princesa Isabel‖49. Após assistir aos filmes nos cinemas Rex e Rio Grande, os expectadores circulavam pelo Grande Ponto, comparecendo às sorveterias, cafés e bares.

Al Johnson
Martha Ray
Carole Landis
Kay Francis
Bette Davis
Humprey Boogart

CARNAVAL

“Vamos brincar o carnaval como os natalenses estão brincando”, dizia a chamada do “Foreign Ferry News”, jornal publicado em Parnamirim Field, ativo entre 1943 ep1945. A publicação, editada pelos americanos, era impressa nas oficinas do jornal A República e trazia ano a ano registros regulares dos bailes realizados nos clubes USO e nas ruas da capital.

“A maioria dos rapazes teve a chance de ver brasileiros celebrar do seu próprio modo. As danças de rua eram os principais assuntos do clube, com os membros vestindo-se como garotas e também com várias outras fantasias. O perfume foi a principal atração do carnaval…”, dizia uma das reportagens.

No carnaval, que nenhum deles conhecia e muitos nunca tinham ouvido falar nesse folguedo brasileiro, era uma loucura. Entravam nas danças de rua, pulavam, imitando os natalenses, cantavam, gritavam e tentavam dançar o“passo Pernambuco”, o que provocava divertimento e alegria principalmente para as crianças. Há até a historia de um oficial que esteve na avenida Rio Branco, todos os dias e, na quarta feira de cinzas apareceu e perguntou, vendo a rua às escuras: “Porque não mais Cecília?” (referia-se ele a uma marcha vitoriosa daquele ano).

Em decorrência da expansão nazista na primeira fase da II Guerra, com número elevado de baixas nos países aliados, foi discutida, na capital federal, a possibilidade de cancelar o carnaval no Brasil, em 1942. O Rio de Janeiro chegou a ficar sem carnaval. Essa possibilidade não teve o menor eco em Natal, pois foi rechaçada pela imprensa local e pelos foliões potiguares. A se considerar também o fato do então prefeito Gentil Ferreira ser também presidente da Federação Carnavalesca de Natal.

As festividades também são um acontecimento à parte do cotidiano da cidade, conhecidas no período por reunirem brasileiros e americanos, dos bailes às festas de carnaval, no dia 14 de maio de 1943 realizou-se o primeiro baile no clube U. S. O (SMITH JR, 1992).

Os grandes clubes da cidade como Aeroclube e Hípico reuniam as confraternizações de oficiais e civis graduados da Base, dançava-se de tudo, de afoxés a jazz (MELO, 2015). Quanto aos festejos carnavalescos, no período havia uma preocupação em manter as especificidades potiguares, desde fantasias como a dos grupos papangus e as modinhas genuinamente regionais (PEDREIRA, 2012).

Essas são partes que constituem e formam a cotidianidade de Natal durante o período de 1941 a 1943, com o advento do Estado Novo e da guerra se tornou notório como as estruturações das coisas dos anos 1930 para 1940 ganharam outros contornos que se tornaram mais solidificados com a vivência da cultura de outros, com mais reflexos dos acontecimentos de guerra da convivência com esse contingente.

Nos anos 1940 o desfile subiu para a av Rio Branco, na Cidade Alta, palco dos corsos e a presença de jovens, famílias e crianças que desfilavam em cima dos automóveis.

Sobre a presença dos visitantes na folia natalense, tem até uma história curiosa sobre o carnaval da vitória, em 1945. Neste ano, a festa ocorreu na av Rio Branco, lotada de potiguares e estrangeiros nunca mistura de comemorações. Na Quarta feira de Cinzas, eis que chega um soldado no Grande Ponto atrás de festa. Não vendo ninguém e já “triscado”, virou-se para um transeunte e perguntou: ‘Ei amigo, por que não mais Cecília?’ O nome não era de nenhum afair de carnaval, mas deum dos hits daquele ano, a marchinha de autoria de Roberto Martins e Mário Rossi.

“Pra mostrar que braço é braço/ Eu Conquistei Cecília/ Enfrentei balas de aço/ Mas

conquistei Cecília/ Ai Ai, Cecília…

WANDER BAR

No Palácio do Governo, como era conhecido, residiram dezenas de governantes da Província e do Estado. A atual Rua Chile, através do seu expressivo casarão, foi palco da adesão norte-rio-grandense à Proclamação da República.

Após a transferência do Governo para o prédio da atual Praça 7 de Setembro, fato ocorrido em 1902, o velho Palácio foi vendido à firma Tasso & Irmão, do Recife. Em seguida foi adquirido pelo ex-presidente da Província, Miguel Joaquim de Almeida Castro.

Anos depois, os herdeiros do prédio venderam-no ao comerciante Galileu Pedro Lettieri, que no andar térreo instalou o seu estabelecimento comercial de bebidas e gêneros alimentícios.

Os pavimentos superiores foram alugados, e ali funcionaram uma dependência do Hotel Internacional e um cabaré, o “Wander Bar”. Este foi uma casa alegre de extraordinário movimento, muito frequentada por americanos à época da 2ª Guerra Mundial.

Posteriormente, o prédio foi doado ao Governo do Estado do Rio Grande do Norte. Ele foi restaurado, passando a funcionar como Museu de Arte Popular. Atualmente, abriga a Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão – EDTAM.

Antigo Palácio do Governo da Rua Chile. Foto: arquivo da SEMURB – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. No contexto da Segunda Guerra Mundial, funcionou no local o Wonder Bar, casa de diversão frequentada pelos americanos sediados na cidade (MELO, 1999). No período pós-guerra, o edifício foi ocupado, na parte térrea, por armazéns.

GRANDE HOTEL

Na década de 30, conforme aponta Caracristi (1994, p.79), Natal tem a instalação de seu primeiro grande hotel, iniciando a sua construção no ano de 1938, no governo do Interventor Rafael Fernandes Gurjão, e inaugurado em 1939. O hotel se chamava “Grande Hotel” e foi arrendado ao “major” Teodorico Bezerra, com uma estimativa de 108 quartos, três andares, duas lojas e salão de visitas. Este hotel, localizado no bairro da Ribeira, Zona Leste de Natal, hospedou os militares norte-americanos de alta patente durante a Segunda Guerra Mundial, recebendo em dólares pelas estadias. O “Grande Hotel” teve suas atividades encerradas no ano de 1987 e hoje abriga o Juizado Especial Central de Comarca de Natal.

Como principal artéria da Ribeira, a avenida Duque de Caxias foi palco de grandes acontecimentos. Pelas suas calçadas circularam figuras de destaque internacional, como os artistas americanos que se hospedaram no Grande Hotel, à época da 2ª Guerra Mundial, além de políticos importantes e boêmios inveterados.

O Grande Hotel era o único estabelecimento hoteleiro da cidade, que hospedava representantes e técnicos brasileiros e estrangeiros que chegavam a Natal em missões militares e, posteriormente, tornou-se o lugar onde se realizavam os encontros e as reuniões mais importantes da cidade. Durante algum tempo, o Grande Hotel tornou-se o local onde aconteciam as principais atividades burocráticas das Forças Armadas brasileiras e norte-americanas.

O Grande Hotel tem uma significante importância, pois, passou a ser um centro de acontecimentos da vida natalense, principalmente daqueles que viviam aos arredores do mesmo, pois, era um dos principais pontos de encontro dos americanos, por ser o espaço que abrigava as patentes mais altas dos escalões militares:

Em 1935, o interventor Mário Câmara adquiriu o terreno e contratou o arquiteto francês, George Mouriner, para elaborar o projeto do prédio, o interventor Rafael Fernandes iniciou a sua construção em 1936, concluindoa em 1939 […] em 1942, o Grande Hotel foi arrendado ao Sr. Theodorico Bezerra. Durante a Guerra, tosos os grandes acontecimentos da cidade realizavam-se ai: banquetes, recepções, homenagens etc… (SOUZA, 2015, p. 12).

Grande Hotel de Natal em 1942.
Grande Hotel em operação: década de 40.
Função atual do prédio Grande Hotel: Juizado especial Central da Comarca de Natal.
No Grande Hotel em 1941 pelo fotografo da Revista Life Hart Preston
O Grande Hotel teve papel importante no tempo do conflito. Era o quartel-general dos americanos. Vivia sempre cheio. Na varanda do bar, onde eles ficavam, bebendo, conversando e dizendo piadas uns com os outros, podiase ver, do lado de fora, na calçada, uma enorme côrte de vendilhões e todo tipo de comerciante improvisado. Ali havia de tudo: macacos, sagüis, corujas, papagaios, periquitos e, até carneiros, vi um dia. Havia também vendedores que ofereciam, desde a renda do Ceará até facas de ponta de Campina Grande. No meio da rua, havia também cavalos e
burros para alugar aos cowboys improvisados, que exibiam suas qualidades de bons montadores. Era uma palhaçada pois, a maioria tendo bebido, não se agüentavam bem na sela, caia e aí era uma gritaria, apupos e assobios. Um bom divertimento. No bar, sentados do lado de fora, vi vários artistas do cinema como Buster Crabbe, Bruce Cabot, Joel McCrea, a estrela Martha Ray e outras estrelas menores.
Na primeira fotografia ao lado dos homens, encontra-se a imagem do desenho arquitetônico do Grande Hotel, e em seguida, na segunda foto, a parte exterior do hotel, onde ao fundo, identifica-se a Praça José da Penha e a Igreja do Bom Jesus das Dores.

Entretanto, antes do Grande Hotel, havia outros hotéis de pequeno porte na cidade de Natal/RN, todos na Ribeira e pertencentes a mesma pessoa, o Teodorico Bezerra. Os hotéis eram: o Hotel Internacional, que foi durante vários anos o escritório da Ecocil; Hotel dos Leões, que funcionava no atual largo do Teatro Alberto Maranhão; o Hotel Avenida, na Avenida Duque de Caxias, onde se localiza atualmente a Igreja Universal do Reino de Deus Como se percebe, estes hotéis eram de pequeno porte, mas os principais militares norte-americanos se hospedavam no Grande Hotel, trazendo, evidentemente, centralidade à Ribeira nesse período.

Hotel Internacional, na década de 1930.
.Cruzamento da Rua do Comércio (atual Rua Chile) com a Av. Tavares de Lira, no final da década de 20.
Antigo Hotel Internacional, abandonado pela ECOCIL.
Antigo Hotel Avenida. Foto: Autor Desconhecido. Fonte: Acervo THGARN.
Igreja Evangélica. Foto: Bruno Albuquerque. Fonte: Acervo SEMURE.
Largo do Teatro Alberto Maranhão, antigo Hotel dos Leões.

Assim, no auge desses hotéis, na década de 1940, Natal recebeu investimentos dos militares norte-americanos por causa principalmente dos seus fatores locacionais, uma vez que, além de estar em uma área litorânea, localiza-se próxima aos continentes africanos e europeus. Com isso, bases com milhares de militares estadunidenses foram instaladas nessa cidade, o que, por anos, dinamizou a economia natalense. Além disso, o investimento em infraestrutura realizado pelos EUA na capital potiguar serviu para estruturar vias, como a futura Avenida Salgado e as avenidas do bairro do Alecrim (LOPES JÚNIOR, 2000). Esse investimento ocorreu, pois, diante do contexto da Segunda Guerra, os Estados Unidos precisavam de bases.

ALECRIM

Precisar a data em que as ruas do Alecrim receberam a designação de números é uma tarefa árdua, exigindo-se o contato com opiniões diferentes, às vezes contraditórias. Alguns moradores consideraram que as ruas numeradas foram fruto da influência ianque durante a Segunda Guerra Mundial.

Outras hipóteses foram levantadas nas entrevistas e trabalhos existentes sobre a história do Alecrim. Conforme Edna Furtado (FURTADO, 2004), as ruas numeradas foram consequências do “Plano de Sistematização de Natal”, também conhecido como “Plano Palumbo”, elaborado pelo arquiteto italiano Giacomo Palumbo, em 1929. Segundo essa versão, o então prefeito de Natal, Omar O’Grady (1926-1930), solicitou a Palumbo a construção de um plano de sistematização urbana para a cidade, no intuito de modernizar Natal, torná-la mais próxima, ao menos no que se refere ao planejamento
urbano, das cidades européias, consideradas, à época, padrões da modernidade. Assim, a autora elucidou que as ruas do Alecrim foram identificadas por números antes da Segunda Guerra Mundial.

O trabalho de Josué de Alencar, intitulado Reafirmação do bairro: um estudo geo-histórico do bairro do Alecrim na cidade de Natal-RN também discorreu sobre a Alecrim questão das ruas numeradas. O autor destacou que existem controvérsias quanto à origem das numerações, mas enfatizou que as discussões apontam que esse hábito de numerar as ruas já existia antes da criação do bairro, ou seja, antes de 1911.

RAMPA

A Rampa é um prédio que foi construído em 1930, na localidade denominada de Limpa, hoje limite dos bairros das Rocas e Santos Reis, em Natal. Era um ponto de embarque de passageiros e de transportes que recebia hidroaviões e onde atuavam algumas empresas aéreas.

Nessa época, vários alemães moravam em Natal, na área hoje do 17° GAC. Eles instalaram a primeira base de voos na região, conhecida como “Praia da Limpa” e contaram com o apoio do então governador Juvenal Lamartine. Foram construídos dois grandes hangares e uma rampa para hidroaviões. A construção dessa rampa foi anterior à “rampa americana”, construída depois. Foi chamada pelos jornais da época de “Base da Condor”, devido ao Sindicato Condor que o administrava (Melquíades, 1999).

O local foi transformado pelos americanos, com a construção de uma base para hidroaviões pelo Airport Development Program, entre março de 1941 e março de Para Melo (s/d, p. 93), a demora na construção deveu-se às constantes alterações no desenrolar da guerra e ao torpedeamento de navios que transportavam da Venezuela o asfalto que seria usado para o término das obras.

Na Rampa da Limpa, ficavam abrigadas as “patrulhas dos hidroaviões da Marinha, os “catalinas” tão populares como os imensos B-29, bombardeadores de Tóquio, guardados nos ninhos altos de Parnamirim Field. Da Rampa, além dos 24 PBY de patrulha, corriam erguendo vôo para o salto atlântico os clippers de 75 passageiros.” (CASCUDO, 1999, p. 424).

A infra-estrutura física do Campo de Pouso de Parnamirim foi construída ainda no final dos anos 20 e possuía uma pista asfaltada, um hangar, reservatórios de combustíveis e oficinas de manutenção, e estava em funcionamento quando foi deflagrada a Segunda Guerra Mundial. Da mesma maneira, a Hidrobase do Refoles, a qual tinha um funcionamento contínuo e sua estrutura física foi construída com financiamento da Empresa aérea Air France. Posteriormente, quando foi decidida a construção da Base Naval de Natal, em 1941, a Hidrobase do Refoles foi desapropriada e o Governo Brasileiro pagou pelo investimento realizado pela Air France. Esta facilitou a construção da base brasileira, pois as condições instaladas foram aproveitadas e esta entrou rapidamente em operação.

Obras do porto e Rampa dos hidroaviões por fotografo da Revista Life Hart Preston. Fonte: Google/Life.
Quatro dias após o ataque a Pearl Habor e declaração de guerra norte-americana ao eixo, Natal recebe os primeiros aviões da US Navy que se instalam na Rampa. Natal em 1943 – Área do porto e da Rampa.
Natal em 1943.
Antiga Base de Hidroaviões ( A Rampa ). Localizada à margem direita do Rio Potengi, a Antiga Base de Hidroaviões, conhecida como A Rampa, é um lugar repleto de significados históricos. Local de chegada dos aviões da Panair do Brasil, na década de 30; exerceu importante função durante a Segunda Guerra Mundial, servindo de base para os aviões de patrulha da Marinha Americana ( NESI, 1994 ). Seu prédio, construído em 1944, foi Tombado em 17/02/1990, fazendo parte do Patrimônio Histórico Estadual.

DESFILES

O dia 5 de setembro era o “Dia da Raça” e havia o desfile estudantil que antecedia o tradicional desfile militar de 7 de setembro, no período da II Guerra com o patriotismo exacerbado e a propaganda getulista. A população em peso assistia os desfiles e havia uma grande disputa entre os colégios e interesse especial dos estudantes em caprichar. O Colégio das Neves não tinha banda marcial e por pressão das alunas utilizou a banda do Colégio Marista para poder desfilar em 1943, foram semanas de ensaios para caprichar nas evoluções, o esforço valeu a pena pelos aplausos que receberam e a conquista de campeão do desfile.

Os visitantes confraternizavam com os natalenses nas suas festas tradicionais. No dia 7 de Setembro, todos os anos, formavam vários pelotões da tropa americana, na comemoração de nossa festa maior da independência, o que dava um brilho todo especial ao evento, deixando o povo alegre e feliz.

A VISITA DA PRIMEIRA DAMA AMERICANA

Eleanor Roosevelt falou vigorosamente em favor da política externa de seu marido. Depois que os Estados Unidos entraram formalmente a Segunda Guerra Mundial em dezembro de 1941, ela fez várias viagens ao exterior para impulsionar os espíritos de soldados e de inspecionar as instalações da Cruz Vermelha.

Eleanor Roosevelt visitou o Brasil entre 14 e 17 de março de 1944, onde visitou Belém, Natal e Recife. Na capital potiguar ela visitou a Base de Parnamirim, esteve com autoridades locais. Esteve na sede do USO, o clube de recreio dos militares americanos, que ficava na praça Augusto Severo, por trás da antiga Rodoviária, no bairro da Ribeira. Ali ela foi reconhecida e ovacionada por muitos natalenses. Esteve também na Base Naval de Natal, onde elogiou as instalações.

Um fato interessante foi que para os jornalistas a Sra. Eleanor Roosevelt afirmou (e assim foi reproduzido) que a base aérea de Parnamirim era “A mais bem equipada do Mundo”. Mesmo reproduzindo o que ela disse, os jornalistas locais claramente se empolgaram e lascaram em letras destacadas “A maior base do Mundo”. E parece que a coisa pegou.

O jovem jornalista Aluízio Alves entrevistou a 1 dama americana Eleonor Roosevelt que esteve em Natal para pedir votos aos soldados para reeleição do marido. Ele ficou impressionado com a sua aparência pouco atrativa.

Condecorando oficiais da US Navy em Parnamirim Field
Eleanor em diálogo com o Brigadeiro Eduardo Gomes e o Bispo de Natal, Dom Marcolino Dantas

ZÉ AREIA

A Figura folclórica, Zé areia, chamava-se José Antônio Areia Filho, nascido em 1901 e falecido em 1972, boêmio inveterado que, com suas às suas piadas e sátiras, naturalmente improvisadas, era reconhecido e enaltecido pelo povo de Natal. Ele trabalhou na Base de Parnamirim, como barbeiro dos soldados americanos, muitos dos quais não foram vítimas de suas piadas.

Os dólares em circulação geraram cobiça e episódios ridículos. Zé Areia vendia urubus depenados como se fossem perus aos americanos. Pior era feito com os saguis, bicho de estimação favorito dos militares. Garotos embebedavam o pequeno primata, que, parecendo ser manso, passava a ter maior cotação. Os soldados sempre acabavam no prejuízo, pois os animais ficavam indóceis e fugiam assim que despertavam do pileque.

[Zé Areia] desde os tempos da guerra, tornara-se uma figura lendária, pelos golpes que aplicara nos americanos, na venda de papagaios, macacos, passarinhos, até corujas.
[…] A um my friend que viera reclamar a venda de papagaio cego, perguntou:

Afinal, você quer papagaio pra falar ou pra assistir cinema?

Atribuem-lhe até a da coruja […]. Quando o americano veio reclamar que o bicho não falava, ele consolou o comprador:

Não fala, mas presta uma atenção! (GARCIA, 1985, p. 95).

Zé Areia não conseguia vender um de seus saguis, que tinha feridas na cabeça pelada. Daí teve um uma idéia para dar saída à mercadoria. Arranjou um punhado de selos velhos e pregou-os na cabeça do bicho, fazendo uma espécie de capacete. Um americano, que resolveu comprá-lo, perguntou o que significava aquilo na cabeça do animal, ao que Zé Areia esclareceu: – Sabe alfândega? Muita fiscalização!…

Zé Areia, certa vez vendeu uma Galinha a uns soldados americanos, por dez dólares, sendo o preço dez vezes acima do valor real. O comprador, depois de descobrir que havia sido lesado, prontamente reclamou ao Cônsul que, por sua vez juntamente com o reclamante, procurou Zé Areia para esclarecer o fato.

– É verdade que o senhor vendeu uma galinha por Dez Dólares? Questionou o Cônsul, com seu sotaque carregado.

– Não senhor. Eu não disse que a galinha era Dez Dólares. Apenas, perguntei a ele: “Tem dólar?!”

Com uma das muitas histórias que se contam sobre pessoas e acontecimentos ocorridos em Natal durante a Segunda Guerra Mundial. Zé Areia, um desses personagens, ganhava a vida como barbeiro e vendedor de rifas e encontrou nos americanos e nas diferenças culturais possibilidades de obter alguma vantagem. Ele não foi apenas um expectador do que então ocorria, mas um participante ativo. A guerra trouxe transformações substanciais para a cidade, e seu fim possibilitou mudanças significativas do ponto de vista político, com o processo de redemocratização.

Zé areia, chamava-se José Antônio Areia.

MATERNIDADE JANUÁRIO CICCO

Como Natal estava em possível área de combate, as Forças Armadas promoveram cursos de enfermagem para alguma eventualidade. A Maternidade Januário Cicco (na época Maternidade de Natal) foi transformada em hospital militar, o Hospital Onofre Lopes (na época Miguel Couto) foi foi ampliado e reequipado, a Associação dos Escoteiros fundou o Hospital Luiz Soares (na época Policlínica) e a Cruz Vermelha Internacional por aqui desembarcou, fundando uma filial. Médicos, escoteiros e voluntários ficavam de prontidão nos postos de socorro.

Numa visita que fez ao Hospital Juvino Barreto (atual HUOL) para confortar alguns feridos de guerra, a atriz Merle Oberon perguntou a soldados da Força Aliada:
– Você matou algum nazista? O soldado americano disse que tinha morto um.
– Com qual das mãos? Insistiu a atriz. E diante da resposta do soldado, ela premiou-lhe a mão direita com um beijo.
Passando para o soldado brasileiro, ela repetiu a pergunta:
– E você, matou algum nazista?
– Matei sim e foi à dentada, disse o soldado pulando da cama.

Berço de muitos potiguares, o belíssimo casarão onde funciona a Maternidade Escola Januário Cicco, antiga Maternidade de Natal, teve sua construção iniciada em janeiro de 1932. O terreno foi doado pelo então prefeito O’Grady mas a inauguração só ocorreu em 12 de fevereiro de 1950. No início da década de 40 a Maternidade já estava pronta para funcionar, mas durante a Segunda Guerra Mundial foi ocupada como “Quartel General das Forças Aliadas e Hospital de Campanha”. Com o final da guerra e após intensa campanha, Januário Cicco conseguiu retomar o prédio, restaurá-lo colocá-lo para funcionar.

QUARTEL DO 16º REGIMENTO DE INFANTARIA

O Quartel do 16º Regimento de Infantaria começou a operar em fevereiro de 1942.

ESPIONAGEM

As denúncias de quinta-colunismo aumentaram, identificando-se “ações de sabotagem ou espionagem feitas por estrangeiros, como Hans Werbling e Hernest Lüch, acusados de comunicarem às autoridades alemãs sobre o movimento do porto e de fornecerem informações sobre autoridades e pessoas de projeção que estavam na cidade. Para frear a ação dos quinta-colunas, o comando militar ordenou a prisão do alemão Hernest Lüch e do italiano Guilherme Lettieri (1999, p. 78-80)

Em seu livro “História da Base Aérea de Natal” (Ed. Universitária, 1980), Fernando Hippólyto da Costa, trouxe à luz, a partir de documentos considerados secretos, fatos interessantes referentes à participação da Base no desenrolar do conflito mundial. A seguir, alguns trechos selecionados:

No dia 15 de dezembro de 1942, o comando da Base recebeu o comunicado do prefeito do município de Pedro Velho, segundo o qual, uma aeronave caíra há poucos quilômetros daquela cidade, estando dois tripulantes completamente carbonizados e um gravemente ferido. Uma equipe da BAN seguiu imediatamente para o local, providenciando a remessa dos corpos para Natal e a internação do sobrevivente, o Aspirante Aviador Mena Barreto, que viria a falecer três dias depois.

O Inquérito Sumário Técnico revelou que “os magnetos e o gerador não foram encontrados no bloco do motor, por haver sido retirados, indevidamente, por um tal Ananias, vigia da Companhia Rio Tinto”. E, mais adiante: “há indícios veementes de que o avião tenha sofrido um ataque por rajada de metralhadora, partindo da terra”. O Fairchild era proveniente de Recife. E conclui o relatório: “Estamos apurando o sucedido, com a colaboração do Exército. Não sabemos se o triste acontecimento foi obra de algum submarino inimigo, na baía de Maranguape, ou se é devido à ação da quinta-coluna encapotada.

O certo é que o avião abatido apresenta vestígios de 38 perfurações de carga estranha ao nosso equipamento bélico. Nesse avião deveria ter viajado o Brigadeiro Eduardo Gomes”.

Em 1º de julho de 1942, vazou para a imprensa um caso de espionagem em Natal. O jornal “A República” publicou com destaque o seguinte despacho procedente de Recife: “O engenheiro Luiz Eugênio Lacerda de Almeida foi detido pela Polícia por motivo de espionagem. O depoimento foi precedido das declarações dos espiões Sievert, Herbert Friedrich, Julius Von Heyer e outros. A função de Eugênio era espionar as obras da Base Aérea de Natal”.

Quase um ano depois, a 19 de julho de 1943, “A República” volta a destacar o assunto sob o título: “Furtou e vendeu o plano da Base Aérea de Natal”, onde afirma que o plano geral da Base fora passado aos agentes da espionagem alemã, em Recife. Pesava ainda contra o engenheiro a gravíssima acusação de fornecer elementos sobre a partida de navios brasileiros, posteriormente afundados por submarinos nazistas. Devido a declaração do advogado do acusado à imprensa, segundo a qual o seu constituinte “fora vítima de tremendo equívoco da polícia pernambucana”, a Chefia da Polícia resolveu dar publicidade às cópias dos principais documentos do processo, onde figurava a própria confissão do engenheiro. Lacerda, “um admirador das vitórias alemãs”, havia trabalhado durante cinco anos na firma alemã Herm Stoltz & Cia e viajara a Natal, por ordem do gerente Hans Sievert para “proceder uma completa observação das obras realizadas na Base”.

Do Comando da Região Militar, sediado em Fortaleza, a Base Aérea de Natal recebeu um rádio criptografado, em 17 de novembro de 1944, com o seguinte teor: “Novamente submarino inimigo avistado perto de Aracati, Ceará”. Anteriormente, o Comando da Base já fora informado de que “era possível que desse à costa seis baleeiras com sobreviventes alemães de um navio-transporte afundado recentemente”. Nada foi encontrado. Medidas acauteladoras contra espionagem foram tomadas “alertando a Aeronáutica das manobras comunistas para perturbar a ordem do País”.

Existem diversos relatos de espiões sendo detidos em Natal durante a guerra, até mesmo o registro oral de execuções por fuzilamento na margem oposta do Rio Potengi. Uma das estórias pouco conhecidas é de um padre alemão detido na praia de Jacumã. De acordo com moradores da época, este padre chegou e se estabeleceu na praia, pregando na pequena igreja que existe até os dias de hoje, contudo, duas coisas chamavam a atenção das pessoas. Primeiro o sotaque carregado do padre e andar sempre com um guarda-chuva, como se esperasse uma chuva a qualquer momento.

Um dia, um forte esquema de segurança com militares brasileiros e americanos chegaram a localidade, inclusive com desembarque anfíbio, com objetivo de deter o padre. Ele foi acusado de ser um espião do eixo e vinha passando informações via rádio para um possível submarino. Este homem foi preso e trazido para Natal.

“Em dezembro comprei 11 canos de 4 metros cada. Abraços de Natal.”

Essa mensagem redigida e transmitida em junho de 1941 pelo italiano Guglielmo Lettieri foi interceptada por espiões americanos que tratavam na capital do Rio Grande do Norte uma batalha subterrânea contra agentes secretos alemães e fascistas.

Natal foi uma movimentada encruzilhada de arapongas durante a Segunda Guerra Mundial. A capital potiguar abrigava um dos maiores exércitos de espiões em ação fora da Europa. Assim como Casablanca ( Marrocos ), ali sabotagens foram tramadas, heróis de guerra fizeram escala e assassinatos foram encomendados.

A mensagem acima foi decifrada pouco tempo depois porque agentes da inteligência descobriram na casa de Lettieri um bilhete com os códigos que esclareciam o teor da mensagem:

Canos=aparelhos;

metros=motores e

abraços=aeroplanos.

O telegrama acima, enviado para o escritório de um italiano no Rio de Janeiro, avisava que , em dezembro daquele ano (1941), 11 aviões de quatro motores haviam aterrissado na cidade.

A ação do agentes das duas partes impressionava porque o Brasil só declararia guerra aos países do Eixo ( Alemanha, Itália e Japão ) no ano seguinte.

A cidade de Natal era tida como estratégica por nazistas e aliados. Ela foi, de fato, um centro importante para os serviços secretos durante a guerra. Pelo menos seis diferentes agências de informação montaram escritório na cidade.

Dois dos maiores protagonistas da história da espionagem mundial trocaram correspondência sobre os bastidores da espionagem em Natal.

Em 1941, John Edgar Hoover enviou uma mensagem que tinha como destinatário o coronel Willian Donovan alertando-o sobre a ação de três supostos agentes nazistas que agiam na capital potiguar.

Hoover e Donovam são figuras lendárias. O primeiro foi durante 40 anos diretor do FBI ( Federal Bureau of Investigation ). Donovam criou a CIA ( Central de Inteligência Americana ) e foi mentor doa arapongas americanos por mais de 30 anos.

J. Edgar Hoover, o maior detetive da história, monitorou passos de Guglielmo em Natal.
Josélia e José Avelino Costa, com a pequena Íris, aos nove meses (Acervo: Íris Lettieri)
Sobrado de Guglielmo na Ribeira antiga

Segundo os agentes do FBI, Richard Burgers, Ernest Luck e Hans Weberling, todos alemães, reuniam informações sobre o movimento de aviões e navios americanos baseados em Natal e repassavam para agentes nazistas localizados no Rio. Além de terem atuado na sabotagem de aviões do Exército dos Estados Unidos.

Depois de identificados, os agentes alemães foram presos por policiais do antigo Departamento de Ordem Social e Investigações. Denunciados à Justiça, o trio de alemães e o italiano Guglielmo Lettieri foram condenados por “verdadeiros atos de espionagem e atividades nazistas” em junho de 1942.

A sua simpatia pelo regime nazista e a sua ligação com a Itália fascista, gerou desconfianças e após um período de investigações encabeçado pelos norte-americanos foi julgado pelo Tribunal de Segurança Nacional em 25 de junho de 1942 acusado de espionagem, e em dezembro do mesmo ano foi condenado a 14 anos de prisão. Contudo não teve que esperar mais do que uma década para ser solto, sua liberdade veio após o fim da guerra, já que o presidente Getúlio Vargas concedeu anistia aos presos políticos. Guglielmo veio a falecer 13 anos mais tarde, em 1958, em decorrência de problemas do coração e sua família optou por vender o seu imóvel à Bolsa de Valores de Natal no ano seguinte. Por mais inusitado que pareça durante a década de 1960 existia uma bolsa de valores em cada estado brasileiro e a do Rio Grande do Norte era sediada em Natal. Alguns anos mais tarde a Bolsa de Valores foi desativada e a propriedade foi comprada pelo comerciante Sinval Moreira Dias que estabeleceu no local uma oficina de placas.

Ao longo dos interrogatórios, os agentes nazistas revelaram como eram os códigos de comunicação secreta. Na loja de ferragem de Ernest Luck, no centro de Natal, foram encontrados catálogos com os códigos e indicações detalhadas do número e características dos aviões e navios americanos no Rio Grande do Norte.

Foi assim um dos capítulos da Segunda Guerra Mundial em solo brasileiro.

GOODBYE

O final de 1944 tornou a guerra algo remoto para o Brasil. A possibilidade de guerra submarina fora definitivamente afastada (SMITH JUNIOR, 1992, p. 163). Assim, em 1944 começou a retirada dos equipamentos militares, bem como algumas trocas de comando, prenunciando o início do fim da presença norte-americana em Natal. No início de 1945 a guerra não havia ainda terminado e contingentes militares norte-americanos foram mandados de volta para os Estados Unidos. As unidades militares brasileiras também foram remanejadas, fazendo Natal experimentar “o desemprego, o desalento, a pobreza, a desorganização das famílias” (LIMA, 1996, p. 81).

Com a aproximação do fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota inevitável das ditaduras nazifascistas na Europa, o governo ditatorial brasileiro perdeu o apoio de suas principais bases (empresários e altos escalões das forças armadas), dando sinais de cansaço.

No final de 1944, consolidou-se o declínio da importância da Cidade do Natal no cenário mundial de guerra. Segundo Smith Junior (1992, p.158), nesse momento, a preocupação do Governo Estadunidense era “ajudar Natal a não sofrer um colapso econômico depois da retirada das forças americanas”. Uma das possibilidades levantadas era acordar com as empresas de aviação civil estadunidenses duas rotas permanentes com escalas no aeroporto de Parnamirim (Natal-Paris e Natal-Cidade do Cabo), além das rotas da América do Sul.

Os militares americanos se retiraram, mas as forças armadas brasileiras ocuparam as áreas militares. Para os militares foram construídas as vilas militares. São exemplos dessas vilas: a Vila Naval (1948-1949), construída pelo Ministério da Marinha, a Vila dos Sargentos (1949) e a Vila dos Oficiais da Polícia (1947-1951) (SOUSA, 1982).

Diz Clyde Smith (1992, p. 158) que empresas de transporte aéreo foram encerrando suas atividades no segundo semestre de 1944. Somente a Eastern Airlines ficou operando no Atlântico Sul. Com o objetivo de evitar um sério “colapso econômico depois da retirada das forças americanas no período posterior à guerra”, a Junta de Aeronáutica Civil dos Estados Unidos da América indicou Natal como uma importante área na esfera da aviação civil no pós-guerra. Natal foi escolhida pelas autoridades aeronáuticas norte-americanas “como uma das vinte prováveis rotas aéreas básicas para expansão comercial. As duas rotas nas quais Natal foi especificamente mencionada foram as de Natal-Paris, via Dakar, Casablanca, Tânger e Madri, e Natal-Cidade do Cabo, via Dakar, Monrôvia, Lagos ou Acra, Brazzaville e Johannesburg.”

Enfim, o momento esperado por tantos: a 5 de maio de 1945 dava-se a queda de Berlim e a 8 a Alemanha rendia-se. Terminava a Segunda Guerra Mundial, que tanto prejuízo deu ao mundo e tantas modificações trouxe à vida da pequena Natal. No dia 5 houve missa campal, visitas aos túmulos dos soldados americanos no cemitério do Alecrim e sessão solene no Teatro Carlos Gomes. O dia 8 foi feriado nacional. No dia 10, outra sessão solene realizou-se no Teatro Carlos Gomes. Entre cada discurso ouvido, pianistas da cidade tocaram os hinos nacionais dos países vencedores: Lygia Bezerra de Melo (“Fantasia sobre o Hino Nacional Brasileiro”, de Gottschalk), Moisés Roiz, (“Hino Nacional Polonês”), Ethel Mandel (“Estados Unidos”), Maria Célia Pereira (“Inglaterra”), Yara Bezerra de Melo (“França”). A banda de música do Regimento Polícial Militar finalizou com o “Hino Nacional Brasileiro”. Faltou ser tocado o hino nacional da Rússia, país que desempenhou importantissimo papel na vitória dos aliados. Waldemar de Almeida, organizador do evento, não incluiu o hino russo por falta da sua partitura. Talvez fosse mais certo considerar-se que Waldemar havia propositalmente excluído a Rússia dos festejos. Seus princípios religiosos católicos não combinariam com uma homenagem a um país comunista.

Devido à vinda de combatentes feridos de outras frentes de batalha e que expiravam em Natal, ou por ferimentos causados em combates contra submarinos inimigos em nossas costas, a queda de aeronaves, doenças e as mais diversas causas, estiveram enterrados no cemitério do Alecrim durante o período da guerra 146 militares estrangeiros.

O último contingente militar dos Estados Unidos deixou Natal no dia 26 de novembro de 1946, sendo o último ato do qual participaram a cerimônia de translado dos restos mortais de militares daquele país. Após a partida dos militares norte-americanos, as “bases do Exército e da Marinha americana foram transferidas para o Brasil em outubro de 1946, de acordo com um convênio assinado em 30 de agosto de 1945” (SMITH JUNIOR, 1992, p. 193).

A única lápide de um militar norte americano que aqui esteve durante a Segunda Guerra Mundial e que permanece repousando em solo potiguar. Visão da lápide do sgt. Browning.
O embarque no porto de Natal dos corpos dos militares americanos em 1947.
Solenidade em honra aos militares estrangeiros enterrados em Natal eram bem comuns, como mostrada nesta nota do Diário de natal, de 1944.
Jornal carioca Diário da Noite, com a reportagem de Edilson Varela.
Outra parte da reportagem.

Segundo consta no livro “História da Base Aérea de Natal”, de Fernando Hippólyto da Costa (Págs. 157 a 160), quase dois anos após o fim do conflito, no dia 10 de abril de 1947, um navio da marinha americana aportou em Natal, com uma equipe de especialistas destinados a trabalharem na remoção dos americanos aqui sepultados.

Segundo o autor, militar aposentado da Força Aérea Brasileira-FAB, esta operação contou com o apoio de aviões da FAB, que trouxeram de outras localidades brasileiras os corpos dos americanos ali enterrados. Para se ter uma ideia desta operação, o autor de “História da Base Aérea de Natal” informa que foram trazidos corpos de americanos que estavam sepultados até na cidade pernambucana de Petrolina.

A movimentação chamou a atenção da população natalense, que passou a denominar jocosamente o trabalho como “Operação Papa-defunto”.

E chegou a partida. Foi uma manhã de tristezas e de lágrimas quando o governo dos Estados Unidos mandou um navio para levar os corpos aqui sepultados de volta para a sua pátria. Foram mais de 50 ataúdes, cobertos com a bandeira nacional e embarcados no cais do porto, num ambiente de tristeza para as namoradas, os amigos e o povo em geral que durante toda a ocupação pacífica de Natal, tinha aprendido a conviver com a tropa aliada e passado, na sua quase totalidade, a estimá-los.

Toda Natal, num gesto de alta significação para o moral da guerra, estava ali se despedindo de seus amigos do norte. Felizmente, o impacto não foi total pois, o resto da tropa foi saindo paulatinamente. E a cidade também se transformou. Aquele barulho esfusiante desapareceu. Voltamos aos nossos costumes do passado, é verdade, mas toda nossa alma estava mudada. Uma nova mentalidade se inseriu na velha cidade dos Reis Magos, pensando em quantos não mais voltariam a sua pátria de origem.

O pós-guerra é o tempo da ressaca da presença dos americanos em Natal. Já não corre mais o dólar e a cidade está na encruzilhada de opções para se manter em pé com as próprias pernas. A Ribeira ainda é a área principal de encontros e conversas dos intelectuais, boêmios e vagabundos. A cidade alta é a área nova, o modernismo, que começa a aparecer com as lojas implantadas por libaneses e sírios atraídos pelo repentino crescimento da economia. O Bonde transita no Alecrim com a concorrência de automóveis.

Recepção aos expedicionários potiguares na Praça 7 de Setembro, agosto de 1945.
Os automóveis concorrem com o Bonde na Rua Amaro Barreto, Alecrim, 1949

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